Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
INFRACÇÃO LABORAL
DESOBEDIÊNCIA
Sumário
1. No elenco das sanções disciplinares o despedimento é a mais gravosa (art. 27º, nº 1, da LCT)). 2. À luz do nº1, do art. 9º, da LCCT, a existência de justa causa de despedimento pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: 1º, um de natureza subjectiva, consubstanciado no comportamento culposo do trabalhador; 2º, outro, de natureza objectiva, traduzido na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho; 3º, um outro, configurado na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. 3. Sendo o despedimento a sanção mais gravosa a lei exige que o comportamento do trabalhador se revele grave em si mesmo e nas suas consequências. 4. Face ao preceituado no nº 5 do art. 12º da LCCT a gravidade do comportamento do trabalhador não deve ser aferida em função do critério subjectivo do empregador, devendo antes atender-se a critérios de normalidade e razoabilidade, tendo em atenção a especificidade da relação laboral, o grau da lesão dos interesses da entidade patronal, o carácter das relações entre as partes ou outra o trabalhador e os seus companheiros, e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes; que não só a gravidade da infracção como a culpa deverão ser apreciadas em concreto, e em termos objectivos, de harmonia com a posição assumida por um "bom pai de família" ou um empregador normal. 5. Existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, quando nas circunstâncias concretas, a manutenção do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele embora sejam de molde a afectar a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador. 6. Entre os deveres a que o trabalhador se encontra adstrito, por força do contrato de trabalho, figura o de obediência às ordens emanadas pelos responsáveis da entidade patronal, no que concerne à disciplina e execução do trabalho (art. 9º, nº 2, a), da LCCT). 7. Tendo resultado provado que no dia 23/6/2001, o A., junto ao qual se encontrava um companheiro de trabalho, se recusou a cumprir reiteradamente, uma ordem que lhe tinha sido dada, telefonicamente, por um sócio-gerente da R., embora a sua conduta se revele grave e culposa, tendo em atenção que tais factos não ocorreram "na presença dos demais trabalhadores ; como alegado pela R. e se trata de um acto isolado, a subsistência da relação laboral não se mostra irremediavelmente comprometida, reputando-se suficiente, para sanar a crise gerada pelo A., e aplicação de uma sanção de carácter não expulsivo.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
"A", veio intentar acção emergente de contrato individual de trabalho contra B, pedindo:
1. Declarar-se ilícito o despedimento promovido pelo R., já que o procedimento disciplinar é nulo, ou por não se verificar a justa causa de despedimento:
2. Em consequência de tal ilicitude deve a R. ser condenada a pagar ao A. a quantia de 1.495.000$00, conforme o peticionado em 17º;
3. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 104.841$00, conforme o alegado e peticionado em 18ª.
4. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 498.290$00, conforme o alegado e peticionado em 21º.
5. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 498.290$00, conforme o alegado e peticionado em 22º.
6. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 548.119$00, conforme o alegado e peticionado em 23.
7. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 770.575$00, conforme o alegado e peticionado em 26º.
8. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 971.412$00, conforme o alegado e peticionado em 27º.
9. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 115.000$00, conforme o alegado e peticionado em 30º.
10. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 3.586.752$00, conforme o alegado em 29º
11. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 134.166$00, conforme o alegado e peticionado em 31º.
12. Condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de 67.083$00, conforme o alegado e peticionado em 32º.
13. Tudo no total de 8.789.225$00.
14. Condenar-se ainda a R. no pagamento das importâncias correspondentes ao valor das retribuições que o A. deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença.
15. Condenar-se a R. no pagamento de juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
Alega, em síntese, que foi contratado pela R., em Junho de 1989, para prestar o seu trabalho com a categoria profissional de caixeiro, nas várias lojas da R. no concelho de Valença, tendo à data do despedimento - 26/7/2001 a de 1º caixeiro; que o despedimento é ilícito, com as consequências daí decorrentes, não lhe tendo a R. pago as importâncias que lhe eram devidas enquanto para ele prestou a sua actividade, as quais menciona.
Designada audiência das partes, e frustrada a tentativa de conciliação, a R. contestou, sustentando que o despedimento foi lícito, já que precedido de regular processo disciplinar, onde se mostra averiguada a justa causa, pedindo que a acção seja "julgada parcialmente improcedente".
Tendo-se procedido a julgamento, consideram-se provados os factos constantes de fls. 108 a 111.
E foi proferida sentença (fls. 129 a 139) que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. a pagar ao A. ;
- 450,52 € correspondente a 26 dias de remuneração do mês de Julho de 2001;
- 519,83 € a título de retribuição de férias vencidas em Janeiro de 2001;
- 884,42 €, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato, acrescida de juros de mora desde 26/07/2001 até integral pagamento, a calcular à taxa legal prevista para os juros civis, absolvendo a R. do mais peticionado.
Inconformado com esta sentença, dela interpôs o A. recurso de apelação para o TR Porto, que, por acórdão de fls. 187 a 197, julgou procedente o recurso, revogando, consequentemente a sentença na parte em que julgou lícito o despedimento, condenando a Ré a pagar ao A. as quantias de 20.459,69 € (4.101.800$50) e de 7.385.90 €, para além das referidas na sentença.
Irresignada com este acórdão dele interpõe a R. o presente recurso de revista.
Tendo apresentado alegações formula as seguintes Conclusões:
1ª Como resultou provado nos autos o recorrido "reiterou a sua recusa em cumprir essa ordem, continuando a negar aceitá-la", "sem dar qualquer explicação para a sua conduta, o que ocorreu na presença dos demais trabalhadores".
2ª Não se está perante a desobediência a uma ordem, mas sim desobediência a várias ordens dadas pela entidade patronal, ora recorrente.
3ª O próprio acórdão ora em crise considera que essas ordens eram legítimas e legais.
4ª A reiteração implica "repetição", "renovação" e pressupõe uma pluralidade de ordens ou determinações.
5ª "Há justa causa de despedimento quando a desobediência a uma ordem de serviço (...) foi acompanhada de atitudes desrespeitosas, na presença de outros trabalhadores (...) tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (...)".
6ª A contumácia do trabalhador em desobedecer a ordens da entidade patronal, na presença de outros trabalhadores da mesma empresa (...) não pode deixar de exprimir e revelar um manifesto propósito de marginalização e até de desconsideração da mesma entidade patronal; implicando "grave fractura no sentimento de confiança que esta nele depositava, além do rompimento do dever de disciplina a que ele estava sujeito".
7ª O bom comportamento anterior e as qualidades do trabalhador, sendo elementos a ponderar, não podem sobrepôr-se à gravidade dos factos provados que afectaram a possibilidade de manutenção das relações de trabalho, eliminando definitivamente a confiança que a relação laboral supõe".
8ª O trabalhador só "pode desobedecer legitimamente às ordens e instruções da entidade patronal (...) quando umas e outras se mostrem contrárias aos direitos e garantias que a lei reconheça".
9ª O douto acórdão recorrido não terá feito a mais adequada interpretação do disposto nos arts. 1º, 20º, nº 1, c), do Dec-Lei 49408, de 24/11/1969, 9º, nºs 1 e 2, a), do Dec-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e 659º, nº 3, e 664º, do CPCivil.
10ª Pelo que deverá ser revogado e manter-se o decidido em 1ª instância.
O recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido, no mesmo sentido opinando o Exmo Magistrado do Ministério Público no seu douto "parecer".
Colhidos os "vistos" legais cumpre apreciar e decidir.
Enquadramento fáctico:
Como se deixou assinalado no acórdão recorrido "a decisão proferida na primeira instância sobre a matéria de facto não foi impugnada, nem enferma dos vícios referidos no nº 4 do art. 712 do CPC: mantem-se, por isso, nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos, ao abrigo do disposto no nº 6 do art. 713 do CPC".
Sufraga-se neste recurso um tal entendimento, já que não se vislumbra fundamento legal para alteração da referida matéria (arts. 722º, nº 2, e 729º, nº 3, do CPC).
Enquadramento jurídico:
À luz das conclusões das alegações do recorrente, que delimitam o objecto do recurso - arts. 690º, nº1, e 684º, nº 3, do CPC, "ex vi" art. 1º, nº 2, a) do CPT - a única questão que se coloca é a de saber se existe justa causa de despedimento.
Como vimos, as instâncias deram uma resposta diferente a tal questão.
Enquanto a sentença da 1ª instância respondeu afirmativamente, o acórdão recorrido teve entendimento contrário.
Este, o tal suspeito, teceu as considerações seguintes:
Relativamente à justa causa importa começar por chamar à colação os factos que no processo disciplinar foram invocados para despedir o autor e quais os factos que em julgamento foram dados como provados.
No processo disciplinar o A. foi acusado e despedido pelos seguintes factos:
- exercia as funções de caixeiro, nos estabelecimentos da ré, mas, além de atender os clientes, efectuava, quando necessário, o transporte de mercadorias, em veículo da ré, de um estabelecimento para o outro, maxime quando num se esgotava o produto que no outro existia, sem manifestar contrariedade, relutância, queixa ou protesto, demonstrando antes que o fazia com agrado;
- porém, desde há cerca de três meses, começou de vez em quando, a recusar-se a fazer aquele serviço, serviço que sempre fizera desde o início da relação laboral em Junho de 1989;
- em 23 de Junho de 2001, um sócio-gerente da ré deu-lhe instruções para transportar algumas mercadorias da loja sita no Centro Comercial Alvarinho para a loja sita dentro das muralhas, mas ele recusou-se a fazer tal serviço, dizendo em voz alta e alterado e na frente dos demais trabalhadores, que se recusava a fazê-lo;
- e apesar de alertado para o despropósito da sua reacção e para o facto de estar a desautorizar o gerente perante os demais trabalhadores, reiterou a sua recusa, sempre em voz alterada e em atitude desrespeitosa para com o seu superior e não deu qualquer explicação ou justificação para a sua conduta, nem naquela altura nem posteriormente, sendo certo que nos últimos três meses ela se repetiu por diversas vezes.
Em julgamento foram dados como provados os seguintes factos:
- o A. foi admitido para exercer funções de caixeiro nas várias lojas da R., sitas no concelho de Valença;
- o A., além de atender os clientes que acediam às lojas da R., efectuou até Janeiro de 2001, e quando necessário, o transporte de mercadoria em veículo pertencente à entidade patronal, de um para o outro dos aludidos estabelecimentos, nomeadamente quando se esgotava produto que no outro existia, a fim de garantir a satisfação da clientela;
- a distância que separa tais estabelecimentos, situados na mesma localidade, é curta;
- o A. exerceu essas funções de transporte de mercadorias sem manifestar contrariedade, relutância protesto ou queixa;
- no dia 23 de Junho de 2001, C, sócio-gerente da R., deu instruções ao A. para que transportasse para a loja sita na Rua Conselheiro Lopes da Silva, dentro das muralhas da vila, algumas mercadorias que aí faltavam e que existiam na loja sita no lugar da Esplanada, no Centro Comercial Alvarinho (20).
- o A recusou-se a efectuar tal trabalho, dizendo em voz alta e alterada, na frente de D, trabalhador da R. (ponto 21);
- o A. reiterou a sua recusa em cumprir essa ordem, continuando a negar acatá-la (ponto 22.)
- o A. não deu qualquer explicação para a sua conduta.
Do confronto entre os factos de que foi acusado no processo disciplinar com os factos provados em audiência de julgamento constata-se que a R. não logrou provar, as outras alegadas recusas do A.. Apenas ficou provada a recusa que teve lugar no dia 23 de Junho de 2001. A questão que se coloca é esta: será que aquela recusa, constitui justa causa para o despedimento?
A Exma. Juíza do tribunal "a quo" entendeu que sim, mas não nos parece que tal decisão esteja correcta, apesar de a legitimidade da ordem não ter sido posta em causa e da recusa em cumpri-la por parte do trabalhador configurar um caso de desobediência. Com efeito, como está provado o transporte ocasional de mercadoria de uma loja para a outra sempre foi exercido pelo A. desde o início da relação laboral, o que significa que essa tarefa fazia parte da sua prestação laboral, ou seja, do objecto do contrato. De qualquer modo, ainda que o não fizesse, a R. podia encarregá-lo de desempenhar essa tarefa, ao abrigo do "jus variandi", quer na modalidade prevista no nº 2, quer na modalidade prevista no nº 7, do art. 22 da LCT.
Desta forma, ao não ter cumprido a ordem que lhe foi dada pelo referido sócio-gerente da R., o A. violou o dever de obediência a que estava obrigado, por força do disposto no art. 20º, nº 1, c), da LCT, e, ao fazê-lo, em voz alta e alterada, e reiteradamente, à frente de um colega de trabalho, violou também o dever de respeitar e tratar com urbanidade a entidade patronal, no caso, na pessoa do seu sócio-gerente.
Todavia, não nos parece que tal conduta seja suficiente para justificar o despedimento. Com efeito, apesar de ser bastante grave e culposa, entendemos que não pôs em causa a continuidade da relação laboral. Em nossa opinião, a aplicação de outra sanção de cariz conservatório (repreensão, multa e suspensão do trabalho) seria suficiente para repor a disciplina e prevenir a repetição da infracção. Despedir um trabalhador com 12 anos de casa e sem antecedentes disciplinares, pela prática de um acto isolado de rebelião, atenta contra o princípio da proporcionalidade que deve existir entre a sanção e a gravidade da infracção. Aliás, importa referir que a R. também assim o entendeu, uma vez que só despediu o A. ao fim de três meses de alegados recursos em cumprir ordens idênticas à que lhe foi dada no dia 23/6/2001.
Concluímos, pois, pela inexistência de justa causa e pela consequente ilicitude do despedimento...".
Ambas as instâncias entenderem que a conduta do A. era bastante grave e culposa.
Só que enquanto a sentença da 1ª instância considerou que "não seria, por isso, exigível à entidade patronal que mantivesse o vínculo laboral com o A. cujo comportamento quebrou irremediavelmente a relação de confiança inerente à relação laboral", o acórdão recorrido sufragou o entendimento de que a tal comportamento deveria corresponder uma sanção não expulsiva, mas de carácter conservatório, que seria suficiente para repor a disciplina e prevenir a repetição da infracção, até porque se tratava de um acto isolado de rebelião, pelo que, aplicando-se a sanção do despedimento, atentar-se-ia contra o princípio da proporcionalidade que deve existir entre a sanção e a gravidade da infracção.
Dispõe o nº 1 do art. 9º da LCCT que o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.
À luz deste normativo, e como vem sendo jurisprudência constante deste STJ, a existência de justa causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
1º - um, de natureza subjectiva consubstanciado no comportamento culposo do trabalhador;
2º - outro, de natureza objectiva, traduzido na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
3º - um outro, configurado na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
No elenco das sanções disciplinares (art. 27º, nº 1, da LCT) o despedimento é a mais gravosa.
Exige, por isso, a lei que o comportamento do trabalhador se revele grave em si mesmo e nas suas consequências.
É entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência, face ao preceituado no nº 5 do art. 12º da LCCT, que a gravidade do comportamento do trabalhador não deve ser aferida em função do critério subjectivo do empregador, devendo atender-se a critérios de normalidade e razoabilidade, tendo em atenção a especialidade da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade patronal, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros, e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes; que não só a gravidade da infracção como a culpa deverão ser apreciadas em concreto e em termos objectivos, de harmonia com a posição assumida por um "bom pai de família" ou um empregador normal.
Nesta perspectiva, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, quando nas circunstâncias concretas, a manutenção do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele envolve sejam de molde a afectar, acentuadamente, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador.
É certo que entre os deveres a que o trabalhador se encontra adstrito, por força do contrato de trabalho, figura o de obediência às ordens emanadas pelos responsáveis da entidade patronal (art. 9º, nº 2, a). da LCCT), no que concerne à execução e disciplina do trabalho.
No caso "sub judice", está provado que o A., no dia 23/6/2001, se recusou a efectuar o trabalho de que foi incumbido pelo sócio-gerente da R., referido no ponto 20., dizendo-o em voz alta e alterada na frente de D, trabalhador de R., e que reiterou a sua recusa em cumprir essa ordem, continuando a negar acatá-la.
Sustenta a recorrente que não se está perante a desobediência a uma ordem, mas sim desobediência a várias ordens dadas pela entidade patronal, o que ocorreu na presença dos demais trabalhadores, e, citando jurisprudência deste STJ, que há justa causa de despedimento quando a desobediência a uma ordem de serviço... foi acompanhada de atitudes desrespeitosas na presença de outros trabalhadores... tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Dúvidas não existem, o próprio acórdão recorrido o reconhece, que a conduta do A. foi "bastante grave e culposa", na medida em que violou o dever de obediência a que estava obrigado, por força do disposto no art. 20º, nº 1, c), da LCT, e, ao fazê-lo, em voz alta e alterada, e reiteradamente, à frente de um colega de trabalho, violou também o dever de respeitar e tratar com urbanidade a entidade patronal, no caso, na pessoa do seu sócio-gerente.
Apesar disso, e pelas razões que se deixaram já assinaladas, o acórdão recorrido considerou que não havia fundamento suficiente para ser decretado o despedimento, que a aplicação de uma sanção de cariz conservatório seria bastante para repor a disciplina e prevenir a repetição da infracção.
Acresce sublinhar que, ao contrário do referido pela recorrente, a desobediência à ordem (ou ordens) dada pela entidade patronal não "ocorreu na presença dos demais trabalhadores".
O que resulta provado é que o A. se recusou a efectuar tal trabalho, dizendo-o em voz alta e alterado, na frente de D, trabalhador da R. (ponto 21).
Mas, mesmo esta expressão sublinhada deverá ser devidamente entendida.
Como se alcança da fundamentação da matéria de facto (fls. 110), refere-se que a testemunha D prestou depoimento de forma isenta e escorreita... "tendo presenciado os factos descritos nos pontos 20 a 23, pois estava junto do autor quando este falou com C ao telefone..."
Daqui se infere que a ordem, cujo cumprimento o A. não acatou, e reiteradamente, foi dada, telefonicamente, pelo sócio-gerente da R. não o foi, como pareceria depreender-se das palavras do recorrente, no presença (física) dos demais trabalhadores, isto é, num local onde estiveram presentes o sócio-gerente do R., o A., e os demais trabalhadores daquela.
Não é este o quadro que a matéria de facto ilustra.
A conversa havida entre o sócio-gerente da R. e o A. traduzida nos factos constantes dos pontos 20 a 22, ocorreu, telefonicamente, em dado momento do dia 23 de Junho de 2001.
Daí o acórdão recorrido aludir a acto isolado.
Neste contexto, a violação dos deveres de respeito e urbanidade para com o sócio-gerente da R. apresenta-se mais esbatida, assume contornos menos gravosos.
Como se deixou evidenciado no acórdão de 10/02/99 (Revista 346/98), não basta o facto material da desobediência ilegítima para se verificar uma justa causa de despedimento, tornando-se necessário que ela determine, pela sua gravidade e consequências, a impossibilidade da manutenção da relação laboral.
O comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, a qual terá lugar sempre que a ruptura desta seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual resultante de tal comportamento culposo.
Tendo em atenção o circunstancialismo concreto dos autos, tal como se deixou explanado, corroborando o entendimento sufragado no acórdão recorrido, cremos que a aplicação de uma sanção não expulsiva poderá sanar a crise gerada pelo A.
Improcedem, consequentemente, as conclusões da recorrente.
Termos em que se decide negar a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2005
Vítor Mesquita,
Mário Pereira,
Fernandes Cadilha. (Votei a conclusão).