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PROCESSO DE TRABALHO
DECISÃO FINAL
NOTIFICAÇÃO
RECURSO
PRAZO
Sumário
1. No processo laboral, a decisão final tem de ser notificada aos mandatários e às partes (art. 24.º, n.º 1. do CPT).
2. Nos casos de representação ou patrocínio oficioso, a parte deve ser notificada antes do representante ou patrono oficioso (n.º 2 do art. 24.º).
3. O disposto no n.º 2 do art. 24.º do CPT não se aplica quando a parte esteja representada por mandatário por ela livremente constituído.
4. Tendo a parte advogado constituído, o prazo para recorrer conta-se a partir da notificação feita ao advogado, independentemente de este ter sido notificado antes ou depois da própria parte.
5. O mesmo acontece nos casos de representação ou patrocínio oficioso.
6. A notificação da decisão final ao representante, patrono oficioso ou mandatário, antes de ser notificada à parte, constitui mera irregularidade processual sem consequências no que toca à contagem do prazo para recorrer, que será contado sempre a partir da notificação feita ao representante, patrono oficioso ou mandatário.
7. As interpretações subjacentes às anteriores conclusões não violam o princípio da igualdade nem o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.
Texto Integral
Acordam em conferência na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. A ré "A" - Cooperativa Distribuidora Farmacêutica, CRL interpôs recurso de revista do acórdão da Relação que a condenou a pagar ao autor B as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença.
Na Relação, o Ex.mo Desembargador relator não admitiu o recurso, por entender que o mesmo tinha sido interposto fora de prazo, uma vez que o mandatário se considera notificado do acórdão em 1 de Fevereiro de 2003 e o recurso só foi interposto em 22 de Janeiro de 2004.
Inconformada com aquele despacho, a ré reclamou, com êxito, para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas neste tribunal o Ex.mo relator decidiu não tomar conhecimento do recurso, com o fundamento de que era extemporâneo.
A ré reclamou para a conferência, alegando que o prazo para recorrer se iniciou na data em que o acórdão foi notificado à própria parte e invocando a inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 13.º, n.º e 20.º, n.ºs 1 e 5 da CRP, da interpretação dada ao disposto nos n.ºs 2 e 4 do art. 24.º do CPT.
O autor usou do direito de resposta, pedindo a manutenção do despacho.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Os factos relevantes para conhecer da reclamação são os seguintes:
a) A recorrente, ora reclamante, interpôs recurso da sentença proferida no tribunal do trabalho do Barreiro.
b) Embora subordinadamente, o recorrido também interpôs recurso da sentença.
c) O Tribunal da Relação de Lisboa conheceu daqueles recursos, por acórdão proferido em 18.12.2002 (fls. 352).
d) Em 19.12.2002 foi expedida carta registada aos mandatários das partes para notificação do referido acórdão (fls. 362).
e) A carta enviada ao mandatário da ré, ora reclamante, foi devolvida, com a informação de não reclamada (fls. 364).
f) Decorrido o prazo para interposição de recurso, o processo foi remetido à 1.ª instância em 21 de Janeiro de 2003 (fls. 366).
g) Em 29.1.2003, os mandatários das partes foram notificados de que o processo tinha baixado à 1.ª instância (fls. 369 e 370).
h) Em 14 de Março de 2003, o mandatário da ré veio arguir a nulidade processual de falta de notificação do acórdão e requerer que o mesmo lhe fosse notificado, alegando que a carta que lhe fora enviada não foi entregue no seu escritório, o mesmo acontecendo com o aviso para reclamação da mesma (fls. 379 a 394).
i) Solicitada a pertinente informação aos CTT, estes vieram informar que, por lapso dos serviços, nem a carta nem o respectivo aviso tinham sido entregues no escritório do mandatário da ré (fls. 416).
j) Recebida aquela informação, o Ex.mo relator proferiu despacho, reconhecendo que o acórdão não tinha sido realmente notificado ao mandatário da ré, mas indeferiu o requerido, com o fundamento de que a nulidade tinha sido arguida fora de prazo, pois devia ter sido arguida nos dez dias que se seguiram à notificação de que o processo tinha baixado à 1.ª instância.
k) A ré reclamou para a conferência, mas esta manteve o despacho do relator, ordenando, todavia, que o acórdão fosse notificado às próprias partes, nos termos do n.º 1 do art. 24.º do CPT (acórdão de fls. 439-443).
l) Notificado do acórdão da conferência, por registo expedido em 16.1.2004, a ré veio interpor recurso de revista, em 22.1.2004, não do acórdão tirado em conferência, mas do acórdão que havia conhecido do recurso de apelação (vide fls. 446 e 456).
m) Na Relação, o Ex.mo relator não admitiu o recurso, por considerar, na sequência do que havia sido decidido no acórdão tirado em conferência, que o mesmo tinha sido interposto fora de prazo (fls. 458).
n) A ré reclamou daquele despacho para o Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, deferindo a reclamação, ordenou que o recurso fosse admitido (fls. 493 e seguintes), o que veio a suceder (fls. 500).
o) No Supremo, o relator, depois de ouvir as partes, decidiu que o recurso tinha sido interposto fora de prazo, por entender que o prazo para recorrer começou a decorrer na data em que a falta de notificação ao mandatário da ré ficou sanada.
3. Da reclamação
A reclamação prende-se com a interpretação a dar ao disposto no art. 24.º do CPT (1) que estabelece um regime especial para a notificação da decisão final. Nos termos daquele artigo, a decisão final é notificada às partes e aos respectivos mandatários (n.º 1) e, nos casos de representação ou patrocínio oficioso, a notificação é feita em primeiro lugar ao representado ou patrocinado e só depois ao representante ou patrono oficioso (n.º 2). Por sua vez, nos termos do n.º 4 daquele artigo, os prazos para apresentação de quaisquer requerimentos contam-se a partir da notificação ao mandatário, representante ou patrono oficioso.
No caso em apreço, o acórdão recorrido foi notificado (ou melhor dizendo, tem-se por notificado (2) em primeiro lugar ao mandatário e só depois é que o foi à ré. O cerne da reclamação prende-se com a questão de saber, qual é a data a atender para efeitos de contagem do prazo para recorrer. Será a data em que o acórdão foi notificado (leia-se data em que o acórdão se tem por notificado) ou será a data em que o acórdão foi notificado à ré?
No despacho sob reclamação, entendeu-se que era a data em que o acórdão foi notificado ao mandatário, com o fundamento de que o disposto no n.º 2 do art. 24.º não é aplicável quando a parte esteja representada por mandatário judicial por si livremente constituído, como no caso acontece.
A convicção da reclamante é diferente. Ela entende que o disposto no n.º 2 também é aplicável quando a parte tenha constituído mandatário, uma vez que este é representante daquela e alega que o disposto no n.º 2 viola o princípio da igualdade quando interpretado no sentido de não ser aplicável aos casos em que haja mandatário constituído. E no seguimento desse entendimento, defende que a data relevante para a contagem do prazo para recorrer é a data em que o acórdão foi notificado à própria parte (notificação essa que foi levada a cabo por registo postal expedido em 16.1.2004 - vide al. l) dos factos supra - ).
Salvo o devido respeito, a reclamante não tem razão. Como se disse no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.1.96 (CJ, I, 64), a propósito do disposto no art. 25.º do CPT de 1981 (aprovado pelo DL n.º 272-A/81, de 30/9) que continha um regime igual ao do n.º 2 do art. 24.º do actual CPT, a representação e patrocínio oficioso aí referidos só podem ser os regulados nos artigos 7.º e 10.º do CPT (correspondentes aos artigos 6.º e 7.º do Código actual) e outros casos de representação imposta por disposição legal específica e não a representação decorrente do patrocínio judiciário, previsto e regulado no art. 32.º e seguintes do CPC.
E como diz Albino Mendes Baptista (3), "a interpretação razoável do preceito impõe que o mesmo se aplique apenas ao caso de representação do Ministério Público ou de patrocínio oficioso, com exclusão do caso em que o patrocínio é assegurado por advogado livremente escolhido (...) Se na representação prevista no n.º 2 estivesse abrangida a representação por mandatário judicial não faria qualquer sentido referir-se o patrocínio oficioso que sempre se teria de considerar já contido naquela representação.
Por outro lado, a nova redacção do n.º 4 do preceito em anotação, refere-se autonomamente ao "mandatário", enquanto que o n.º 2 faz menção apenas ao "representante ou patrono oficioso", redacção que, quando contraposta à redacção do art. 25.º do anterior CPT, se pode traduzir numa clarificação da matéria."
Na verdade, acrescentamos nós, não pode ser outro o sentido a extrair do preceito em causa, pois, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CC), não seria curial que ele tivesse utilizado no n.º 4 o termo de mandatário, e o termo representante usado no n.º 2 já abarcasse o mandatário livremente constituído pela parte.
E nem se diga que uma tal interpretação viola o princípio da igualdade, alegando que "tal entendimento estabeleceria uma diferenciação de todo injustificada entre os cidadãos que no processo judicial são patrocinados oficiosamente e aqueles que o não são", pois, como é sabido, só há violação do princípio da igualdade quando existe uma diferenciação materialmente injustificada, o que no caso da representação ou patrocínio oficioso não acontece, uma vez que a relação estabelecida entre o representado e o representante ou patrono oficioso não resulta de uma opção livremente tomada pelo representado, ao contrário do que acontece nos casos em que há mandatário livremente constituído, sendo, por isso, a relação entre eles estabelecida de menor confiança do que aquela que é estabelecida entre a parte e o mandatário por ela livremente constituído.
E sendo assim, temos de concluir que o disposto n.º 2 do art. 24.º do CPT não era aplicável ao caso em apreço e que o prazo para recorrer começou a contar-se a partir da data em que o mandatário da ré foi notificado (leia-se considerado notificado) do acórdão, prazo esse que já há muito havia decorrido quando o recurso foi interposto em 22.1.2004.
A reclamante alega que a Relação, ao ter ordenado que o acórdão lhe fosse notificado (4), estava a reconhecer-lhe o direito de ela recorrer a partir dessa notificação, por não poder ser outro o efeito útil dessa notificação. Todavia, tal argumentação não tem cabimento, uma vez que a Relação nada decidiu acerca dos efeitos da notificação. Limitou-se a ordenar o cumprimento de um acto processual que ainda não tinha sido cumprido, sendo evidente que o efeito útil da notificação foi o suprimento daquela irregularidade processual. Para efeitos de recurso, a notificação do acórdão que posteriormente foi feita à parte é absolutamente irrelevante, face ao disposto no n.º 4 do art. 24.º.
Tendo-se decidido pela não aplicação ao caso do disposto no n.º 2 do art. 24.º, fica prejudicada a questão suscitada pela reclamante relativamente à alegada inconstitucionalidade do n.º 4 do art. 24.º, por violação ao direito à tutela efectiva do direito (art. 20.º, n.º 1 e 5, da CRP) quando "interpretado no sentido de que os prazos para a apresentação de quaisquer requerimentos - inclusive para a interposição de recurso - se contam a partir da notificação ao mandatário, mesmo nos casos em que a lei impõe a notificação prévia ou simultânea à própria parte (...) pois haveria uma subversão dos valores: isso corresponderia a dar mais importância ao representante que à própria parte, que poderia ver postergado o seu direito por acto menos diligente do representante."
De qualquer modo, mesmo que se entendesse que o disposto no n.º 2 do art. 24.º era aplicável ao casos em que a parte está representada por mandatário constituído, sempre se dirá que o prazo para recorrer começaria a contar a partir da data em que a decisão foi notificada ao mandatário da ré e não da data em que a parte foi daquela notificada. A letra do n.º 4 do art. 25.º é muito clara a tal respeito, ao prescrever que "os prazos para apresentação de quaisquer requerimentos contam-se a partir da notificação do representante ou patrono."
Aliás, compreende-se que assim seja, uma vez que a intervenção das partes no decorrer do processo é feita através dos seus mandatários ou patronos. Entendemos, por isso, que a inobservância do disposto no n.º 2 do art. 24.º não tem quaisquer repercussões no n.º 4 do mesmo artigo. Se a parte foi notificada da decisão depois do mandatário, quando devia tê-lo sido antes, estaremos, apenas, perante uma mera irregularidade processual que não acarreta quaisquer consequências relativamente à contagem do prazo para recorrer. O prazo para recorrer contar-se-á sempre a partir da data em que o mandatário, representante ou patrono oficioso foi notificado.
E nem se diga, como faz a reclamante, que uma tal interpretação do n.º 4 do art. 24.º violaria
o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, dado que uma tal interpretação corresponderia a dar mais importância ao representante que à própria parte, que poderia ver postergado o seu direito por acto menos diligente do representante.
Salvo o devido respeito, não vislumbramos como é uma tal interpretação poderia violar aqueles direitos constitucionais, uma vez que esses direitos exercem-se normalmente através do patrono oficioso ou do mandatário. Com efeito, actuando as partes através dos seus patronos ou representantes e sendo o processo uma peça altamente técnica, faz todo o sentido que o prazo para recorrer se conte a partir da notificação que lhes é feita, sendo descabido invocar o prejuízo que a parte podia ter com uma actuação menos diligente do seu representante.
4. Decisão
Nos termos expostos decide-se indeferir a reclamação e manter o despacho do relator.
Custas pela ré.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2005
Sousa Peixoto
Vítor Mesquita
Fernandes Cadilha
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(1) - "Artigo 24.º
Notificação da decisão final
1 - A decisão final é notificada às partes e aos respectivos mandatários.
2 - Nos casos de representação ou patrocínio oficioso, a notificação é feita ao representante ou patrocinado e em seguida ao representante ou patrono oficioso, independentemente de despacho.
3 - Se as cartas dirigidas às partes vierem devolvidas, aplicam-se as regras relativas às notificações aos mandatários.
4 - Os prazos para apresentação de quaisquer requerimentos contam-se a partir da notificação ao mandatário, representante ou patrono oficioso.»
(2) - Dizemos "tem-se por notificado" porque não houve realmente notificação, uma vez que a carta respectiva não foi entregue no escritório do mandatário da ré, considerando-se, todavia, a notificação efectuada, conforme foi decidido no acórdão que indeferiu a arguição dessa falta de notificação, na data em que aquela nulidade ficou sanada, o que aconteceu dez dias depois de o mandatário ter sido notificado, em 29.1.2003, da baixa do processo à 1.ª instância.
(3) - CPT Anotado, Quid Juris, anotação ao art. 25.º.
(4) - Vide al. k) dos factos.