TRANSMISSÃO DE DÍVIDA
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
Sumário

I - O Código Civil reconhece expressamente a possibilidade de transmissão a título singular de dívidas, assunção que pode ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor ou por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
II - A assunção de dívida, liberatória do antigo devedor só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido. Não existindo essa declaração, estar-se-á perante uma assunção cumulativa da dívida, também designada por co-assunção da dívida, ou adesão à dívida.
III - Neste caso, o antigo devedor, continua a responder solidariamente (embora se trate de uma solidariedade imperfeita) com o novo obrigado.
IV - A assunção da dívida é um acto abstracto, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I - "A", intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo que se declare a inexistência do direito que a ré se arroga de exigir ao autor a quantia de 600.000 libras GBP, equivalente a 150.000$00, a título de resto do preço da cessão das quotas da Sociedade C.

Contestando, a ré impugnou os factos e sustentou a improcedência da acção, pedindo em reconvenção que o autor seja condenado a pagar-lhe a quantia de 150.000$00 e juros.

O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente o pedido reconvencional.

Apelou a ré.

O Tribunal da Relação anulou o julgamento.

Veio a ter lugar nova audiência, proferindo-se decisão que julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção.

Apelou o autor.

A Relação julgou parcialmente procedente a apelação.

Inconformado, recorre o autor para este Tribunal.

Formula as seguintes conclusões:
- O autor não é nem foi subadquirente das quotas da Sociedade C, as quais foram adquiridas pela "D", Lda e "E", Lda, pelo preço de 125.000.000$00 cada, à ré e F, por escrituras de 28.12.88 e 23.12.89;

- Efectuado o acordo com "G", "D", Lda passou ao domínio do autor, em 23.01.89, e celebrado na mesma data o contrato promessa de cessão de quota com F, por força do qual "E", Lda adquiriu posteriormente tal quota, o autor procedeu a liquidação do resto do preço, no montante de 200.000.000$00, que aqueles deviam à ré e sua filha;

- Nas negociações concluídas em 23.01.89, G e F, para comprovar a titularidade das quotas da Sociedade C, exibiram a fotocópia da escritura de 28.01.88, de cuja autenticidade não havia motivos para duvidar;

- Tendo encontrado a ré, pela primeira vez, em 19.12.89, o autor dela recebeu a tradução do contrato promessa de 25.06.88, de cuja existência não ouvira falar antes, acompanhada de carta de 19.01.90, onde mencionava que lhe enviava a tradução por ter concluído que não era conhecedor da mesma;

- A modificação do preço operada na escritura de 28.12.88, de 250.000.000$00 para 400.000.000$00, sem a intervenção de "D", Lda e F, impede que o acórdão recorrido produza o efeito útil normal;

- A decisão de alterar o preço para 400.000.000$00 exorbitou dos limites impostos pelo artigo 661º do CP Civil, sem que a ré o tivesse pedido, pelo que, nesta parte, é nulo, nos termos do artigo 668º nº 1, alínea e) do mesmo Código;

- Não sendo contitular da relação ou relações materiais controvertidas tituladas pela escritura de 28.12.88, o autor é parte ilegítima;

- Enquanto a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, a alteração de uma relação jurídica válida apenas produz efeitos para o futuro;

- A manter-se a alteração oficiosa do preço, esta produz efeito a partir do momento em que é tomada a correspondente decisão e não afecta o autor por não retroagir à data da conclusão do negócio, ou seja, 03.02,89;

- Qualificando juridicamente os factos resultantes das respostas aos quesitos 58A, 58D, 59 a 66, estes configuram a tentativa falhada de prestação de fiança, por não ter sido reduzida a escritura pública;

- Tão pouco houve transmissão singular de dívida do F para o autor, na modalidade de assunção cumulativa, por inexistência e invalidade da dívida transmitida e invalidade do contrato de transmissão;

- Resultando a dívida de preço de escritura pública, como determina o artigo 228º do CSC, a escritura de 28.12.88, é insusceptível de ser alterada, salvo por vícios previstos na lei que não foram invocados;

- O conhecimento das promessas de cedência de quotas de 25.06.88 e 13.07.88 e da declaração emitida nesta data por parte do autor só seria relevante se fosse anterior a 03.02.89, data da conclusão do negócio, o que não aconteceu;

- Se a arguição de nulidade por simulação contra terceiro exige que este tenha tido conhecimento prévio do pacto simulatório, por maioria de razão, o autor, para ser responsabilizado pelo acréscimo inesperado de preço, deveria conhecer esse acréscimo antes de 03.02.89, o que se não verificou;

- Não é pelo facto de o autor aceitar pagar a dívida posteriormente que ela automaticamente fica validada;

- Foi violado o artigo 228º do CSC que imperativamente estabelece que as cessões de quotas e suas modificações adoptem a forma de escritura pública;

- Foi também violado o artigo 595º n.º 1, alínea a) do C. Civil que exige a prévia validade quer da dívida transmitida, quer do contrato de transmissão; a primeira é nula por falta de forma legal, a segunda é nula por impossibilidade legal do seu objecto.

Contra-alegando, a ré defende a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Vem dado como provado:

Por escritura de 28.12.1988, lavrada a fls. 56 do Livro 1-F do Cartório Notarial de Silves, a ré cedeu a "D", Lda, sociedade comercial estrangeira e com sede em 120, Main Street, Gibraltar, a quota que possuía na Sociedade C, pelo preço de 125.000.000$00, tendo também nessa ocasião renunciado à gerência;

Por essa mesma escritura a outra quota na dita Sociedade C, que era pertença de H foi cedida a F pelo preço de 125.000.000$00;

A Sociedade C está matriculada sob o n.º 576 na Conservatória do Registo Comercial de Albufeira;

A sociedade comercial estrangeira "D", Lda adquiriu a referida quota mediante a prévia autorização do Instituto de Investimento Estrangeiro;

A Sociedade C tem o capital social de 60.000.000$00, dividido em duas quotas de igual valor;

G era proprietário beneficiário da sociedade comercial estrangeira "D", Lda;

A "D", Lda passou ao domínio do autor em 23 de Janeiro de 1989, por ocasião da revenda das referidas quotas da Sociedade C;

O autor transferiu em 26 de Janeiro de 1989 a soma de £ 400.000, equivalente a 100.000.000$00 para a conta da ré n.º 70020270-11-61821, Bayerische Vereinsbank, Munich Alemanha;

Em 3 de Fevereiro de 1989 foi entregue à ré no país a quantia de £ 400.000, equivalente a 100.000.000$00;

Só em 23 de Dezembro de 1989, cumpridas as formalidades legais, foi possível celebrar a escritura de cessão da referida quota de F a "E", Lda, com sede em Neptune House, Marine Bay, Gibraltar, escritura lavrada a fls. 61 do Livro 42-A do Cartório Notarial de Silves;

A sociedade comercial estrangeira "E", Lda, foi indicada pelo autor em conformidade com o contrato promessa de 23 de Janeiro de 1989 referido;

A aquisição da quota pela "E", Lda foi precedida da declaração prévia de investimento estrangeiro, emitida pelo Instituto de Comércio Externo, em 21 de Dezembro de 1989;

O autor veio a conhecer a ré em 19 de Dezembro de 1989;

Nessa data, o autor e sua mulher deslocaram-se à residência da ré onde, no decurso de uma reunião, F passou à ré um cheque no montante de 150.000.000$00, datado de 30.04.90, para garantia do pagamento do resto do preço da quota da Sociedade C;

Nessa mesma altura, o autor emitiu a favor da ré um seu cheque pessoal, no montante de £ 600.000, equivalente a 150.000.000$00, que lhe veio a ser devolvido pelo F;

F era nesse tempo gerente da Sociedade C;

O autor recebeu da ré cópia de um contrato traduzido para inglês, com uma carta de 19 de Janeiro de 1990;

Por esse contrato, datado de 25 de Junho de 1988, a ré em representação da Sociedade C prometia vender a "D", Lda, representada por F, ou a quem este indicasse, as quotas daquela sociedade, pelo preço DM 5.000.000 equivalente a 400.000.000$00 nos termos e condições referidos no documento que consta de fls. 50;

O autor recebeu dos advogados da ré uma carta datada de 12 de Junho de 1991, dando-lhe o prazo de 7 dias para pagar a quantia de £ 600.000, acrescida de juros moratórios à taxa de 15%, desde 01.01.1990;

O autor e F subscreveram o escrito que consta de fls. 41, em que o segundo promete ceder ao primeiro ou a sociedade que este indicar, pelo preço de 125.000.000$00, uma quota de 50% na Sociedade C;

Para um pagamento de 50.000.000$00 foi entregue um cheque desse montante sobre a conta F do BESCL, em Albufeira, o qual foi cobrado pela ré;

Para outro pagamento foram entregues dois cheques sobre o I, agência de Faro, de 100.000.000$00 cada, datados de 31.12.88;

Para outro pagamento foi entregue cheque sobre I, agência de Faro, de 150.000.000$00, datado de 31.12.89;

A ré e o F subscreveram o escrito de fls. 93 a 95, no qual a primeira em representação da Sociedade C prometeu ceder a "D", Lda, representada pelo segundo, ou a quem este indicasse a totalidade das quotas da Sociedade C, Lda, pelo preço de 250.000.000$00, tendo ambos igualmente subscrito o escrito de fls. 96 e 97, onde declaram que o anterior se destina a fins meramente burocráticos e que o valor real da cessão será de 400.000.000$00, constante de contrato celebrado em 25 de Junho de 1988;

O escrito de fls. 93 a 95 serviu para instruir a declaração prévia de investimento estrangeiro e enganar o Estado;

Os escritos de fls. 47 e 48, 93 a 95 e 96 a 97 foram redigidos pelo Sr. Dr. L, então advogado do autor e por outro advogado;

F sacou sobre uma conta um cheque de 100.000.000$00 que entregou à ré em Fevereiro de 1992;

Esse cheque foi pago à apresentação;

Na reunião de 19.12.89, o autor fez entrega à ré de um cheque no montante de £ 600.000;

A ré manteve na sua posse dois cheques, um emitido por F e outro emitido pelo autor passando o recibo que consta a fls. 102 dos autos, datado de 19.12.89, onde se declara ter recebido de F o cheque n.º 4500054034 sobre o I no montante de 150.000.000$00 para garantia de pagamento do resto do preço das quotas da Sociedade C, pagamento este que seria efectuado até 30 de Abril de 1990 e que recebia, igualmente, do autor o cheque n.º 000137, sobre o J, no montante £ 600.000 para reforço de garantia do resto do preço das aludidas quotas;

Nessa reunião o autor pediu à ré que lhe concedesse uma prorrogação por 4 meses de prazo para pagamento da parte do preço ainda em dívida, de 150.000.000$00;

E declarou-se devedor à ré dessa importância, que estava titulada por cheque sacado pelo F;

Reconheceu-se ainda o autor devedor à ré dos juros sobre a referida importância estipulada no parágrafo 1 da cláusula 6ª do contrato promessa de 25.06.88;

A ré dispôs-se a conceder a moratória solicitada e a renunciar aos juros pelo período da mesma, na condição do autor efectuar o pagamento dos juros sobre 150.000.000$00 referentes aos períodos de 01.01.89 a 31.12.89;

O autor aceitou as condições postas pela ré;

Por isso nessa altura o autor entregou à ré o cheque referido;

O acordo entre a ré e o F, nos termos do qual a quantia de 150.000.000$00 devia ser paga até 30.04.90, foi o acordo feito na reunião de 19.12.89, com a já referida intervenção do autor;

O autor dirigiu à ré a carta que consta de fls. 103-104 dos autos, datada de 14 de Junho de 1990, na qual refere terem sido pagas à autora 200.000 libras em Outubro de 1988, 400.000 libras em 26 de Janeiro de 1989 e 400.000 libras em 3 de Fevereiro de 1989. Mais refere o autor, nessa carta, que foram pagos à ré juros no montante de 15.000 libras em Fevereiro de 1989 e no montante de 45.000 libras em Dezembro de 1989. Diz ainda o autor que se encontra em falta um montante a título de capital no valor de 600.000 libras que irá ser transferido em 28 de Junho de 1990, para a conta do advogado L, que posteriormente pagará essa quantia à ré. Aí se confirma, ainda, que o montante total do preço pago à ré pelas quotas da Sociedade C, e pelo terreno conhecido como Floresta Velha é equivalente a 1.600.000 libras;

O autor dirigiu à ré a carta que consta a fls. 105-106 dos autos, datada de 27 de Junho de 1990, na qual refere terem sido pagos à ré 50.000.000$00 (200.000 libras) em Outubro de 1988 (em Portugal), 100.000.000$00 (400.000 libras) em 26 de Janeiro de 1989 (na Alemanha Ocidental) e 100.000.000$00 (400.000 libras) em 3 de Fevereiro de 1989 (em Portugal). Mais refere o autor nessa carta, que foram pagos à ré juros no montante de 3.750.000$00 (15.000 libras) em Fevereiro de 1989 e no montante de 11.250.000$00 (45.000 libras) em Dezembro de 1989;

Nessa carta diz ainda o autor que é sua convicção que o preço acordado pela ré para venda das suas quotas na Sociedade C (proprietária do terreno conhecido como Floresta Velha), em conformidade com o contrato datado de 13 de Julho de 1988, é de 250.000.000$00 (1.000.000 libras);

Diz, depois o autor que, de acordo com a posição manifestada pela ré está em falta o pagamento de 150.000.000$00 (600.000 libras), quantia que seria inicialmente transferida para a conta do advogado do autor, L, que faria de seguida o pagamento à ré, após a assinatura dessa carta pela ré e sua devolução ao autor;

Diz-se ainda, que a ré deverá estar de acordo com uma indemnização a título pessoal, por forma a deixar intocada M, "E", Lda e Sociedade C, no caso de surgirem responsabilidades fiscais, de qualquer natureza, que deverão ser suportadas pelas quantias recebidas pela ré quer em Portugal, quer na Alemanha;

Deverá ainda a ré acordar na sua responsabilidade a título pessoal perante as autoridades fiscais portuguesas por quaisquer taxas e impostos devidos pelo pagamento da quantia de 415.000.000$00 (1.660.000 libras) destinados à compra das quotas da Sociedade C, proprietária do terreno conhecido como Floresta Velha;

Deverá também declarar que o total de 415.000.000$00 (1.660.000 libras) constitui a quantia global importada para Portugal pela compra das quotas da Sociedade C;

Escreve, igualmente, o autor que a ré deverá acordar também em indemnizar M, "E", Lda e "D", Lda, estabelecendo-se que, no caso de revenda de quotas da Sociedade C, ou de venda do terreno conhecido por Floresta Velha, o valor global pago no montante de 415.000.000$00 (1.660.000 libras) será autorizado a ser exportado de Portugal livre de encargos ou deduções de qualquer natureza;

Propõe ainda o autor que, caso a ré não concorde com as suas exigências poderá, em alternativa, protelar a emissão de recibo relativo à quantia de 150.000.000$00 (600.000 libras), livre de juros, até que seja encontrado um comprador para o projecto ou poderá tornar a comprar as quotas por montante equivalente àquele que lhe foi pago, acrescido dos custos incorridos até à data com as infraestruturas, honorários legais e governamentais, etc., juntamente com juros contados sobre os montantes despendidos até à data;

O autor dirigiu a L a carta que consta a fls. 108-109 dos autos, data de 29 de Junho de 1990, na qual enumera as opções disponíveis para a ré, com vista a ultrapassar o impasse criado pela descoberta de dois contratos, datados de 25 de Junho de 1988 e 13 de Julho de 1988, referente à venda das mesmas quotas;

Nessa carta diz-se que, em alternativa:

Terá de ser elaborado um novo contrato, que deverá ser assinado na presença de um notário e de seguida registado, de acordo com os departamentos governamentais das autoridades portuguesas, declarando inequivocamente que B vendeu as quotas da Sociedade C, Lda, pela quantia de 400.000.000$00, para que sejam desbloqueadas novas quantias;

Uma vez celebrado e registado esse contrato, compromete-se o autor a proceder ao pagamento da quantia que a ré afirma faltar, em Portugal, deduzida a quantia de 60.000 libras correspondente a juros já pagos à ré;

No caso de a ré não querer celebrar novo contrato, o autor refere que ficaria muito contente se os contratos datados de 25 de Junho de 1988 e 13 de Julho de 1988 fossem submetidos à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça Português, que os examinaria e decidiria qual dos dois contratos é legal e oficial;

A ré poderá ainda tornar a comprar as quotas da Sociedade C pelos montantes exactos que lhe foram entregues, acrescidos das quantias despendidas nas infraestruturas, com os honorários legais e governamentais, e outras despesas, aos quais serão acrescentados juros à taxa apropriada calculados sobre os montantes liquidados até à data;

A ré poderá aguardar até que surja um comprador credível das acções dos sócios na sociedade, por valor que o autor considere aceitável. Poderia então receber o seu dinheiro, sugere-se que poderia ser muito vantajoso para a ré que se encontrasse rapidamente um potencial comprador.

III - O autor intentou acção de simples apreciação negativa, pedindo que se declare a inexistência do direito que a ré invoca de lhe exigir o pagamento de 600.000 libras, correspondente a 150.000.000$00, a título de resto do preço do pagamento de uma cessão de quotas, contrapondo a ré a nulidade, por simulação, da escritura pública de cessão de quotas e pedindo em reconvenção que o autor seja condenado a pagar-lhe a referida quantia.

No Tribunal da Relação (confirmando-se em parte a decisão da 1ª instância) julgou-se a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional.

Daí o recurso do autor.

Importa frisar que se está perante uma acção em que o autor pretende obter unicamente a declaração da inexistência de um direito de que a ré se arroga, pondo fim a uma situação de incerteza ou de dúvida, objectiva e grave que lhe causa danos.

Como lhe competia, alegou factos tendentes a demonstrar que nada devia . A ré, por sua vez, alegou factos tendentes a demonstrar a existência de um crédito seu sobre o autor.

Neste tipo de acções, como é sabido, há uma inversão do ónus da prova, competindo ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que invoca (artigos 4º nº 2, alínea a) do C. Processo Civil e 343º nº 1 do C. Civil).

É isso que está em causa na presente acção, onde a cessão de quotas e contratos celebrados surgem tão somente como o justificativo do eventual crédito da ré. Esta ao trazer à lide a simulação, no que respeita ao preço da cessão das quotas, fá-lo para provar a existência dos factos constitutivos do direito ao recebimento da quantia em discussão.

No que toca ao cerne do problema, foi dado como assente nas instâncias que o autor, ora recorrente, se obrigou perante a ré-recorrida a efectuar o pagamento de 150.000.000$00 e juros. Essa quantia era devida à aqui recorrida por um terceiro e na sequência de um negócio jurídico que consistiu na cessão de quotas de uma sociedade.

Estar-se-á assim perante a transmissão a título singular de uma dívida ou, por outras palavras, perante assunção de dívida.

O Código de Seabra não referia a assunção de dívida, embora a doutrina já admitisse essa possibilidade. O Código Civil em vigor reconhece expressamente a possibilidade de transmissão a título singular de dívidas. Essa assunção pode ocorrer por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor (artigo 595º do C. Civil).

No primeiro caso é necessária a intervenção de três sujeitos: o antigo devedor, o novo devedor e o credor.

No segundo caso há um contrato entre o assuntor e o credor, sendo desnecessário o consentimento do antigo devedor.

A assunção de dívida, liberatória do antigo devedor só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido. Não existindo essa declaração, estar-se-á perante uma assunção cumulativa da dívida, também designada por co-assunção da dívida, adjunção à dívida ou adesão à dívida. Neste caso (a que o Prof. Vaz Serra no seu anteprojecto chama de contrato a favor do credor) o antigo devedor continua a responder solidariamente (embora se trate de uma solidariedade imperfeita) com o novo obrigado. A responsabilidade do novo devedor vem juntar-se à do antigo, que continua vinculado a par dele.

Sendo essencial para o credor a pessoa do devedor, a lei estabelece uma medida de protecção do mesmo. Se o credor não exonerar expressamente o antigo devedor, poderá exigir de qualquer deles o cumprimento da obrigação.

Podendo o credor aceitar a prestação de terceiro (artigo 767º do C. Civil), o acordo entre aquele e o assuntor pode fazer-se independentemente da intervenção do primitivo devedor - Prof. Vaz Serra - "Assunção de Dívida", BMJ n.º 72, pág. 189; Prof. Antunes Varela - "Das Obrigações em Geral" 3ª ed., 2º, pág. 326; Prof. Mota Pinto - "Cessão da Posição Contratual", Reimpressão, Coimbra 1982, págs. 148/149; Prof. Almeida Costa - "Direito das Obrigações" 4ª edição, pág. 566.

Face à matéria de facto apurada pelas instâncias, está-se não perante uma assunção liberatória ou privativa da dívida, mas sim perante uma assunção cumulativa da dívida, por isso também chamada de multiplicadora ou reforçativa. O ora recorrente assumiu perante a aqui recorrida, que era credora, a obrigação de pagar a quantia que era devida por um terceiro. A responsabilidade do recorrente advém-lhe não do negócio jurídico da cessão de quotas em que de facto não interveio, mas sim do acordo transmissivo celebrado, do contrato referido nos artigos 595º nº 1 e 597º do C. Civil.

Não tem, pois, razão, o recorrente quando conclui pela sua ilegitimidade por não ter sido subadquirente das quotas da sociedade em causa.

Nem lhe aproveita uma eventual simulação do preço no negócio jurídico da cessão de quotas, uma vez que a sua vinculação advém-lhe do contrato celebrado.

Como escreve o Prof. Menezes Cordeiro - "Direito das Obrigações" 1ª ed., 1986 (reimpressão) 2º, pág. 114/115: "a existência normal de uma fonte originante da assunção não é necessária para a subsistência desta. Entende o Direito que, uma vez celebrada a transmissão da dívida, não seria justo sujeitar o credor que, fiado nas aparências, deu o seu assentimento, às vicissitudes possíveis na relacionação verificada entre os devedores inicial e posterior".

A assunção da dívida é assim um acto abstracto, subsistindo independentemente da existência ou validade da sua fonte - Além do Prof. Menezes Cordeiro, Obra citada, Prof. Menezes Leitão - "Direito das Obrigações", 2002, II, págs. 64/65.

Sendo o contrato transmissivo em si mesmo válido e idóneo, o novo devedor, neste caso o recorrente, responde nos precisos termos em que se obrigou, pelo pagamento de uma dívida efectiva por cujo pagamento era responsável um terceiro.

No resto remete-se para o acórdão recorrido que está correctamente fundamentado, não se justificando maiores considerações.

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 22 de Fevereiro de 2005
Pinto Monteiro
Lemos Triunfante
Reis Figueira