PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR
PROCEDIMENTO URGENTE
REVISÃO
Sumário

O recurso ao procedimento de urgência pressupõe a verificação de dois requisitos: perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da Criança ou ao jovem; e oposição dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto. – art.91º, nº l, da LPCJP.

Texto Integral

APELAÇÃO Nº 1409/10.7 TBVCD-A
5ª SECÇÃO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I
Em 07/09/2009 foram instaurados processos de promoção e protecção a favor de B…, nascida a 13/08/1997, C…, nascida a 18/06/2001 e D…, nascido a 10/11/2005, filhos de E… e de F…, todos residentes na Rua …, nº .., .º Esq. … – Vila do Conde.
No âmbito desses processos foram celebrados em 20/10/2010 os respectivos acordos com a aplicação em todos eles de medida de apoio junto dos pais, pelo período de seis meses.
Acordos esses do seguinte teor:
1) Os progenitores comprometem-se a fazer acompanhar a menor B… em Consultas de Nutricionismo.
2) Os progenitores comprometem-se a fazer acompanhar a menor C… em Consultas de Desenvolvimento/Pediatria.
3) Os progenitores comprometem-se a fazer acompanhar os três menores, B…, C… e D… em Consultas de Saúde Infantil.
4) Os progenitores comprometem-se a assegurar o cumprimento do Plano de Vacinas da menor B…, nomeadamente quanto à administração da vacina HPV Gardasi-1.
5) Os progenitores comprometem-se a fazer acompanhar a menor B… em consultas de Psicologia.
6) Os progenitores comprometem-se a fazer acompanhar o menor D… em consultas de Desenvolvimento/Pediatria.
7) A progenitora compromete-se a comparecer regularmente no Gabinete de Inserção Profissional.
8) O progenitor compromete-se a efectuar consultas de internamento/tratamento medicamentoso para o acompanhamento do seu problema de alcoolismo.
9) Os progenitores comprometem-se a autorizar as visitas por parte dos técnicos do CAFAP no que diz respeito ao desenvolvimento da gestão doméstica e competências parentais.

Foi entretanto junta ao processo uma informação social elaborada pelo Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental datada de 19 de Janeiro de 2011, da qual consta:
“Por indisponibilidade da família foram realizados poucos contactos, todos nas instalações do CAFAP, maioritariamente com a progenitora.
Desses contactos foi possível perceber uma total descompensação psicológica por parte da progenitora, que não parece reunir as condições mínimas para assegurar a protecção e bem estar das crianças. Apresentou-se sempre bastante perturbada, com uma total desorganização do discurso, muitas vezes ininteligível por ausência de qualquer fio condutor. Dizia-se sempre “muito nervosa”, motivo pelo qual ingeria, sem qualquer tipo de prescrição ou regra, medicamentos que não conseguia identificar, “é o mil aquele o mil”.
Relatava conflitos com o marido, progenitor das crianças, por motivo de ciúmes da parte deste relativamente a um senhor que se encontra frequentemente “para conversar”, afirmando nunca ter tido qualquer envolvimento com este “é como se fosse meu pai”. Devido a este relacionamento, conta ver-se muitas vezes envolvida em conflitos com familiares do referido senhor, nomeadamente a esposa e filhos deste, que ameaçam bater-lhe, motivo pelo qual passou a ter na carteira uma faca de cozinha, que mostrou às técnicas, “para lhes cortar o pescoço fora”.
Foi ainda possível constatar que a progenitora, é totalmente incapaz de reconhecer e adequar os seus comportamentos às necessidades dos menores, desde os cuidados mais elementares de higiene (ex. “no infantário dizem que o menino cheira a xixi…, como é que não cheira? Ele não faz lá xixi o menino? Então tem que cheirar a xixi, não acha doutora?”) até às necessidades de estabilidade emocional e protecção. Diz frequentemente às crianças que se vai matar, “por causa dos nervos”, ameaçando a ingestão excessiva de comprimidos ou atirar-se da ponte que existe no caminho para a escola da criança mais velha, a menor B…, que parece ficar bastante perturbada com estes episódios, telefonando frequentemente à progenitora sempre que está na escola. Para além disto, a progenitora expõe e envolve, sobretudo a menor B…, nos conflitos anteriormente referidos.
Ainda relativamente a esta criança, o progenitor informou a equipa do CAFAP de que o senhor com quem a progenitora se encontra e com quem terá algum envolvimento, telefona frequentemente à menor, tentando encetar conversas de cariz eminentemente sexual, aliciando-a e marcando encontros. Ainda de acordo com o progenitor, esse senhor, que identifica como G…, já terá abordado a menor na escola e espera-a frequentemente na paragem do autocarro. Afirma que na passada segunda feira (17/1/2011), a criança terá sido novamente abordada por este senhor, marcando um encontro para as 19 horas desse dia, encontro esse que a progenitora promoveu, levando a menina ao local combinado. Mostrou-se visivelmente incomodado e preocupado, uma vez que a menor ter-lhe-á dito que tinha medo, considerando mesmo que “a B1… está em risco”, motivo pelo qual referiu ter entregue o caso à Polícia Judiciária do Porto, “que já está a investigar”. Em atendimento individual anterior a progenitora terá confirmado a existência de contactos telefónicos deste senhor com a menor B…, tendo sido a própria a fornecer-lhe o número de telemóvel da filha, mas que actualmente tal já não aconteceria (sublinhado nosso).
No mesmo dia 17/1/2011, ao fim da manhã, a progenitora contactou telefonicamente o CAFAP afirmando que o seu marido teria deixado de trabalhar já há uma semana e que voltara a beber em excesso, agredindo-a fisicamente. Completamente descontrolada ameaçava “matá-lo com uma faca no pescoço”, ouvindo-se berros e insultos mútuos. (…) Reiterou o facto de o marido ter voltado a beber em excesso e não poder “aturar mais um homem assim”. Afirmou ser a própria a assegurar o pagamento da renda de casa “com o dinheiro que eu ganho a fazer umas horinhas”, visto o progenitor gastar todo o dinheiro em álcool. Num discurso muito desorganizado referiu “fazer o que (eu) quiser com o (meu) corpo e ninguém tem nada a ver com isso” e “se ele dá dinheiro, dá-me e pronto”, negando contudo, qualquer envolvimento de cariz sexual com o senhor já referido.
Também o progenitor contactou a equipa do CAFAP, no final dessa tarde, referindo que não admitiria mais comportamentos adúlteros da sua esposa, e muito menos o facto de esta envolver a menor B… nessa situação. Bastante descontrolado ameaçava matar a esposa e o seu “amante que é um pedófilo”.
No dia 19/1/2011, o progenitor deslocou-se às instalações do CAFAP expondo toda a situação com detalhes, referindo que as crianças estão em risco aos cuidados da progenitora. Por esse motivo, pediu às técnicas desta equipa que o ajudassem e que decidissem o que seria melhor para os filhos. Mostrou algum receio relativamente à possibilidade de institucionalização dos menores, apenas pelo facto de considerar que iriam para longe de si e que não os poderia ver mais, ideia que foi desconstruída pelas técnicas.
A equipa do CAFAP contactou telefonicamente a Polícia Judiciária do Porto, na pessoa da Inspectora Chefe (…) que confirmou existir uma denúncia suspeita de abuso sexual por aliciamento) efectuada no dia 17.1.2011 pelo progenitor da menor B…. De acordo com as informações fornecidas pela Inspectora Chefe, da denúncia constariam “contactos telefónicos de cariz eminentemente sexual, a abordagem da menor pelo suspeito no gradeamento da escola, dizendo “ou como a tua mãe ou como-te a ti”, com exibição do pénis por parte do segundo e o alegado envolvimento da progenitora com o suspeito”. (…) a própria Inspectora Chefe considerou que os menores se encontram em situação de perigo, pelo que suprirá o seu superior interesse a retirada imediata deste contexto familiar”.

Foi igualmente junta ao processo um relatório social elaborado pela Segurança Social - … datada de 20 de Janeiro de 2011, do qual consta:
“O agregado familiar das crianças tem vindo a ser acompanhado pela equipa técnica do CAFAP e descreve de forma pormenorizada a dinâmica familiar e a grave instabilidade emocional da progenitora (discurso descoordenado, ameaça de morte ao marido e a outras pessoas, fazendo-se acompanhar de uma faca na mala, etc; o consumo de álcool por parte do progenitor, os vários episódios de violência interparental com a presença das crianças e, mais recentemente suspeitas de envolvimento de cariz sexual da progenitora com um indivíduo, envolvendo a criança mais velha na fratria dos contactos telefónicos e eventuais encontros. Esta última situação é descrita pelo progenitor de forma preocupante, relatando igualmente as circunstâncias dos encontros, tendo sido o próprio a contactar a família.
(…) A acrescentar à situação de perigo das crianças, destaca-se o facto da situação económica do agregado familiar ser de grave precariedade, dado o progenitor não exercer actividade profissional (…).
A situação económica reveste-se ainda de maior precariedade pelo facto da progenitora ter sido penalizada com o cancelamento do subsídio de desemprego que vinha a beneficiar, por falta de comparência à convocatória do Centro de Emprego.
- ausência de família alargada que possa ser suporte dos menores.
*
Em 21-1-2011, e face a tais informações o MP promoveu o seguinte:
“Resulta do relatório social e da informação da CAFAP que antecedem que os menores B…, C… e D… se encontram numa grave situação de grave perigo, devido ao quadro de grande indigência afectiva e de condições mínimas para o seu desenvolvimento normal e de um desinteresse total por parte dos progenitores.
Apesar de os progenitores terem verbalizado pretenderem os seus filhos consigo conforme acordo de promoção e protecção de fls. 265 a 267 verifica-se que se alteraram os pressupostos determinantes do decretamento da medida de acolhimento familiar.
Face ao exposto e nos termos dos art.s 91°, 92° e 37º da LPCJP, pr. com carácter de urgência que os mesmos sejam de imediato retirados aos progenitores e sejam colocados em Centro de Acolhimento Temporário, como sugerido a fls. 278, requerendo-se que sejam realizadas as diligências tidas por necessárias e se profira decisão provisória”.
Após o que foi proferida, logo em 21-1-2011, a seguinte decisão: “ Contêm os autos indícios da situação de perigo actual para a saúde, segurança e integridade física dos menores, a tenta a situação de risco destes relatada supra. Nestes termos e ao abrigo do disposto nos artigos 35º f); 37º; 62º; 91º e 92º, nº1 da Lei 147/99, determino a revisão imediata da medida de promoção e protecção então aplicada, pela de acolhimento em instituição sendo os menores colocados em Centro de acolhimento temporário, pelo período de 6 meses, a executar em instituição a determinar pela SS”.

Inconformados, os pais dos menores interpuseram recurso, assim concluindo:
- a alteração de qualquer medida imposta por qualquer outra, efectuada por simples despacho judicial, sem que alegue factos que a sustentem, constitui grave violação do principio do contraditório, cf. art.101 n.º3 e 117 do LPCJP;
- a decisão que não identifique os pais e omita a fundamentação ao não enumerar os tactos que considera provados e não provados, e ao não explicitar as razões que justifiquem a revisão da medida é nula (art.121 LPCJP e 659 CPC - aplicável 126 LPCJP;
- são pressupostos cumulativos do procedimento judicial urgente previsto nos art.s 91 e 92 da LPCJP a verificação da existência de perigo actual ou eminente para a vida ou integridade física da criança, ou jovem e oposição dos detentores do poder paternal;
- tendo sido o pai a alertar para uma situação de perigo que envolvia a menor B…, verificando-se que os pais deram o seu consentimento para a intervenção doa CPCJP, aceitaram o acordo de promoção e protecção, colaboraram incondicionalmente com o Tribunal, não se verifica oposição aos mesmos para efeitos do art. 91 e 92 da LPCJP;
- é obrigatória a informação e a audição menor, maior de 12 anos, verificando-se que a menor B…, à data da celebração do Acordo de promoção e protecção da CPCJP, à data da celebração do Acordo de promoção e protecção do Tribunal e à data da decisão que alterou a medida, tinha mais de 12 anos de idade e ninguém a ouviu ou informou acerca dos Acordos ou da decisão em recurso, padecem tais decisões de nulidade/ilegalidade. cfr. art.4, 5, f), 84 n.º1, 107 n.º1 al. a);
- da factualidade apurada nos autos não se pode concluir que é de aplicar a alteração da medida de apoio junto dos pais, para a de acolhimento em instituição. A institucionalização constitui a solução extrema e final para alcançar a possibilidade de manter a criança no seu meio natural;
- verificando-se que o agregado familiar dos menores vive do rendimento do trabalho do pai, (€ 552,00), de prestações familiares de € 223.00, e RSI de € 17,04, que a mãe padece de debilidade mental moderada/ligeira, o pai de debilidade mental ligeira encontrando-se ainda na a fase de tratamento da toxicofilia do álcool, registando-se abstenção de consumo de bebidas alcoólicas;
- verificando-se que o agregado familiar possui as condições mínimas desenvolvimento normal dos menores, (habitam T3, com boas condições de habitabilidade e salubridade) que estão a ser devidamente acompanhados nas suas aprendizagens, que os menores possuem laços afectivos sólidos com os progenitores, apresentando sentimentos de pertença e de família, que os pais, mesmo analfabetos e deficientes, são activos e interessados pela vida escolar dos filhos, que a mãe é próxima, preocupada e atenta aos filhos, não se verifica a necessidade de institucionalização, verificando-se, outrossim, a necessidade de apoios de toda a natureza junto dos pais;
- a família natural, mau grado as suas eventuais carências que poderão justificar o apoio da sociedade, constitui ainda o meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em especial, das crianças, conforme art.36 n.º6 da CRP;
- a decisão recorrida violou o disposto nos art.s 4, 5, 9, 10, 35 al. f), 91, 92, 104 nº3, 114, nº1, 117, 121, da LPCJP e art. 3° n.º1 da Convenção dos Direitos da Criança, e art. 36 n.º6 da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogada por decisão que de forma singular, sumária e imediata, (art.124 LPCJP e 700, nº1, al. c) e 705 do CPC) ordene a entrega dos menores aos pais e aplique a medida de apoio junto dos pais prevista no art. 35 n.º1 al. a) da LPCJP.

O MP apresentou contra-alegações, assim concluindo:
1. O princípio do contraditório encontra-se consagrado no artigo 117º da LPCJP, sendo certo que estamos perante um processo de jurisdição voluntária em que vigora o princípio da livre investigação dos factos, apesar disso, o tribunal não pode deixar de ter em conta que no processo de promoção e protecção a necessidade e obrigatoriedade de informação de todos os intervenientes no processo, é aplicável, tão só, quando existe debate judicial.
2. O procedimento judicial urgente do artigo 92º da mesma lei, foi desencadeado com base numa situação de perigo (artº 4º alª c)), sendo que o artigo 5º, alínea c) define o conceito de “situação de urgência”, considerada como a situação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem, em suma, trata-se de um estado de necessidade.
3. o princípio do contraditório, não se aplica aos procedimentos urgentes uma vez que estes são um meio de ultrapassar, da forma mais expedita, uma situação de perigo imediato e iminente para a criança ou jovem.
4. O jovem com mais de 12 anos de idade, por se entender que já tem capacidade para compreender o sentido da sua intervenção é apenas um dos requisitos exigidos para a celebração de acordos negociados de promoção e protecção 8artºs 9º e 10º da lei), não é aplicável aos casos urgentes.
5. A ordenação das medidas de promoção e protecção constantes no artigo 35º obedece aos princípios orientadores da intervenção do artigo 4º, tendo em conta o interesse superior da criança e do jovem, o princípio da responsabilidade parentais e o da prevalência da família.
6. Vigora, assim, ao elencar por alíneas as medidas numa gravidade crescente a aplicar em consideração da gravidade da situação de perigo em que se encontra a criança ou o jovem no que respeita à necessidade de um maior ou menor afastamento deste do seu ambiente familiar, em que o acolhimento em instituição constitui a solução extrema e final para a possibilidade de fazer, ainda, regressar a criança ou o jovem ao seu meio natural, isto é, à sua família biológica.
7. Face à factualidade apurada outra não poderia ser a decisão a proferir pela Mmª Juíza ao alterar a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais substituindo-a pela medida provisória de acolhimento institucional dos menores, pelo que fez uma aplicação correcta do direito no caso concreto.
Destarte, sem mais delongas, por desnecessárias, perante a evidência dos factos, deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida.
II
Na decisão recorrida foram considerados os seguintes factos, resultantes das informações supra referidas:
- o agregado vivencia fraca situação sócio-económica;
- violência interparental vivenciada pelos menores;
- consumo de álcool em excesso por parte do progenitor;
- instabilidade emocional da progenitora, com discurso descoordenado, ameaça de morte ao marido e outras pessoas, fazendo-se acompanhar de uma faca na carteira;
- suspeitas de envolvimento de cariz sexual da progenitora com um indivíduo, envolvendo a criança mais velha (B…);
- ausência de família alargada que possa ser suporte dos menores.
III
São as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da decisão;
- da errada ponderação de substituição a medida de apoio junto dos pais pela de colocação dos menores em Centro de Acolhimento.

Da nulidade da decisão.
De acordo com o disposto no art.1º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – LPCJP - anexa ao DL nº147/99 de 1 de Setembro, com a mesma visa-se “…a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”.
Para o efeito prevêem-se no seu art. 35º diversas medidas, de carácter provisório ou definitivo.
A sua aplicação, quando da competência dos tribunais, pressupõe um processo judicial que segue a tramitação prevista nos art.s 100º e sg.s da LPCJP.
Pode, todavia, antes ou na pendência do mesmo, surgir uma situação de urgência. Definida no art.5º da LPCJP do seguinte modo: “situação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem”.
O procedimento a seguir, neste caso, vem previsto nos art.s 91º e 92º da LPCJP.
Assim, nos termos do art.91º, relativo aos procedimentos urgentes na ausência de consentimento:
“Quando exista perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem e haja oposição dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto, qualquer das entidades referidas no artigo 7.° ou as comissões de protecção tomam as medulas adequadas para a sua protecção imediata e solicitam a intervenção do tribunal ou das entidades policiais” – nº1;
“As entidades policiais dão conhecimento, de imediato, das situações referidas no número anterior ao Ministério Público ou, quando tal não seja possível, logo que cesse a causa da impossibilidade” – nº2;
“Enquanto não for possível a intervenção do tribunal, as autoridades policiais retiram a criança ou o jovem do perigo em que se encontra e asseguram a sua protecção de emergência em casa de acolhimento temporário, nas instalações das entidades referidas no artigo 7,° ou em outro local adequado” – nº3;
“O Ministério Público, recebida a comunicação efectuada por qualquer das entidades referidas nos números anteriores, requer imediatamente ao tribunal competente procedimento judicial urgente nos termos do artigo seguinte” – nº4.
Passando ao art.92º, relativo aos procedimentos judiciais urgentes:
“O tribunal, a requerimento do Ministério Público, quando lhe sejam comunicadas as situações referidas no artigo anterior, profere decisão provisória, no prazo de quarenta e oito horas, confirmando as providências tomadas para a imediata protecção da criança ou do jovem, aplicando qualquer uma das medidas previstas no artigo 35.º ou determinando o que tiver por conveniente relativamente ao destino da criança ou do jovem” - nº1;
“Para efeitos do disposto no artigo anterior, o tribunal procede às averiguações sumárias e indispensáveis e ordena as diligências necessárias para assegurar a execução das suas decisões, podendo recorrer às entidades policiais e permitir às pessoas a quem incumba do cumprimento das suas decisões a entrada, durante o dia, em qualquer casa” – nº2;
“Proferida a decisão provisória referida no n.º1, o processo segue os seus termos como processo judicial de promoção e protecção”.
Assim, perante uma situação que requer um procedimento urgente, haverá que, desde logo, retirar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra, tomando a medida adequada para tal. A intervenção do tribunal, que deve ser requerida imediatamente e obedece ao procedimento previsto no art.92º acima transcrito.
E a decisão, de carácter provisório, deve ser proferida no prazo de 48 horas.
Para o efeito o tribunal procede às averiguações sumárias e indispensáveis e ordena as diligências necessárias para assegurar a execução da decisão tomada.
Tal decisão pode consistir na confirmação da decisão tomada para a imediata protecção da criança ou do jovem; na aplicação de qualquer das medidas previstas no art.35º; ou na aplicação doutra adequada e conveniente relativamente ao destino da criança ou do jovem.
Aqui chegados pode concluir-se, desde já, não se verificarem as alegadas nulidades da decisão recorrida.
Na verdade, e perante uma situação de urgência, a carecer de uma decisão no prazo de 48 horas, apenas se pode exigir ao tribunal que proceda às averiguações sumárias e indispensáveis para se habilitar a proferir a decisão devida. O que pode implicar, e implicará normalmente, que não sejam observados os trâmites processuais normais previstos na lei, como o princípio do contraditório ou a audição prévia das crianças, nos termos do disposto no art.84º da LPCJP.
Doutro modo, acabaria por se retirar ao processo o seu carácter de urgência.
Assim, e nos termos do disposto no art.92º, nº2, da LPCJP, nestes casos o tribunal procede às averiguações sumárias e indispensáveis, de modo a habilitar-se a proferir o mais rápido possível, sem ultrapassar as 48 horas, a decisão adequada.
E proferida a decisão, os autos prosseguem os seus termos como processo judicial de promoção e protecção no respeito da tramitação processual legalmente prevista.
Pelo que, e considerando o tribunal estar-se perante um procedimento de urgência, seguiu a tramitação prevista nos art.s 91º e 92º da LPCJP. Donde se ter bastado, para a decisão, com as informações anteriormente prestadas e que acima parcialmente transcrevemos.
Conclui-se, assim, não se verificarem as apontadas nulidades.

- Da errada ponderação de substituição a medida de apoio junto dos pais pela de colocação dos menores em Centro de Acolhimento.
Aos menores havia sido aplicada, e na sequência do processo previsto nos art.s 100º e ss. da PLCJP, uma medida de apoio junto dos pais – art.35º, nº1, al. a), da LPCJP. Medida esta substituída, depois, e na sequência, desta vez, de um procedimento urgente previsto nos art.s 91º e 92º da LPCJP, pela medida de colocação em Centro de Acolhimento – art.35º, nº1, al. f), da LPCJP.
O recurso ao procedimento de urgência pressupõe a verificação de dois requisitos: perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem; e oposição dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto – art.91º, nº1, da LPCJP.
Pode antes ou na pendência do processo normal de promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, surgir uma situação de urgência, definida no art.5º da LPCJP do seguinte modo: “situação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem”, sendo o procedimento a seguir, o que vem previsto nos art.s 91º e 92º da LPCJP.
Estão, a nosso ver, verificados os pressupostos para esse procedimento.
O perigo para a integridade física dos menores, conformado em perigo para a saúde de todos os menores, resulta evidenciado de todo o contexto de indigência, violência, alcoolismo a que estão sujeitos e, em particular, da menor de B… considerando as suspeitas de envolvimento desta menor em relações de cariz sexual da mãe com um outro indivíduo.
Por outro lado, não tem que haver um oposição expressa ou declarada de oposição dos progenitores a uma outra medida - ela está subjacente em diversas intervenções processuais destes, a colher dos relatórios sociais, e resulta confirmada do próprio recurso. No sentido de que a audição dos pais não se impõe, poderão ver-se diversos acórdãos, como por exemplo, no Ac. do TRL de 24.09.2009, in www.dgsi.pt, que sumaria: «1. No procedimento judicial urgente regulado no artigo 92 da LPCJP, não é indispensável proceder à audição dos pais do menor».
Assim, os menores vivenciam uma grave situação de perigo que importa acautelar sem demora, impondo-se, por isso, uma intervenção que se pretende o mais rápida e eficaz.
Como bem salientou o Ministério Publico na sua resposta a ordenação das medidas de promoção e protecção constantes do artigo 35 da LPCJP obedece aos princípios orientadores da intervenção do art. 4º, tendo em conta o interesse superior da criança e do jovem, o princípio da responsabilidade parentais e o da prevalência da família.
A maior ou menor gravidade das medidas a aplicar deve ter em conta a maior ou menor necessidade de provocar um afastamento dos menores em relação ao agregado familiar.
O acolhimento em instituição, sendo uma medida extrema, é a que no caso se revela adequada face à gravidade da situação em que se encontram os três menores e, constatado o inêxito da medida anteriormente aplicada de acolhimento familiar.
Pelo que o recurso não merece provimento.
IV
Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas.

Porto, 16 de Maio de 2011
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Abílio Sá Gonçalves Costa (vencido consoante declaração que vai junta)
Rui António Correia Moura
____________
Declaração de voto
Aos menores havia sido aplicada, e na sequência do processo, digamos comum, previsto nos art.s 100º e ss. da PLCJP, uma medida de apoio junto dos pais - art.35°, n°1, al. a), da LPCJP. Medida esta substituída, depois, e na sequência, desta vez, de um procedimento urgente previsto nos art.s 91° e 92° da LPCJP, pela medida de colocação em Centro de Acolhimento - art.35°, n°1, al. f), da LPCJP.
O recurso ao procedimento de urgência pressupõe a verificação de dois requisitos: perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem; e oposição dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto - art.91°, n°1, da LPCJP.
Ora, compulsada a factualidade considerada na decisão recorrida, não resulta da mesma, desde logo, qualquer ausência de consentimento dos pais dos menores, qualquer que fosse a medida que se entendesse necessária.
E também não resulta da mesma a verificação de perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física dos menores. Sendo que estes são os dois valores ali tidos em consideração. Como sublinha TOMÉ RAMIÃO in Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 142, em anotação ao art.91°, “estando ameaçados outros direitos da criança ou jovem, que não a sua vida ou integridade física, não é legítimo o recurso a este procedimento”.
Ora, quer da promoção do MP de fls 224, quer da fundamentação da decisão recorrida, não resultam apurados quaisquer factos dos quais resulte que algum daqueles direitos dos menores está em perigo, actual ou iminente.
O que parece resultar, antes, é que a medida determinada - apoio junto dos pais - não estará a produzir efeitos, ou os efeitos esperados.
Mas tal, podendo implicar uma actuação judicial nos termos da LPCJP, consoante já vinha acontecendo, porventura até nos termos do disposto no seu art.37° - medidas provisórias em situação de emergência - caso a situação o justifique, deverá decorrer da tramitação processual prevista.
Designadamente, nos art.s 100º e ss. da LPCJP. O que no caso, consoante resulta de quanto fica dito, não aconteceu.
Voltando novamente às anotações de TOMÉ RAMIÃO, ob. cit., 100: “Assim, sendo celebrado acordo judicial de promoção e protecção, com aplicação de medida de apoio junto dos pais [art.35.°, n°1, alínea a)], nada impede que na decisão de revisão se aplique a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou instituição com vista a futura adopção, prevista nos art.° 35.°/1, alínea g) e 38.°-A, desde que ocorram factos que o justifiquem, seja essa a solução mais adequada e se demonstrem os respectivos pressupostos legais. Para tanto, importa apenas assegurar previamente, o princípio do contraditório (art.°s 85.º e 104.°/3), nomeadamente: a audição dos pais sobre os novos factos ou circunstâncias que justificam a revisão da medida e sua substituição por outra mais adequada, podendo haver lugar à produção de prova, realizando-se as diligências tidas por adequadas e necessárias. A decisão de revisão deve ser devidamente fundamentada de facto e de direito e notificada ao M.° P.°, à criança ou jovem (na pessoa do seu defensor), aos pais, representante legal ou a quem tiver a sua guarda de facto, a fim de exercerem, querendo, o direito de recurso, já que esta decisão é recorrível, nos termos do art.° 123.°”.
Em suma, recorreu-se indevidamente ao procedimento de urgência previsto nos art.s 91° e 92° da LPCJP. Acabando por se proceder à revisão da medida aplicada, sem que se tenham seguido os trâmites processuais devidos. Nomeadamente, sem audição dos pais relativamente aos novos factos que lhes são imputados - sem prejuízo, obviamente, de outras diligências de instrução entendidas adequadas, devidas e necessárias. Que acabaram, assim, por ser surpreendidos com a decisão tomada. E atente-se que tais diligências, no sentido de comprovar minimamente os factos indiciados, sempre poderiam ser realizadas em prazo muito curto.
Pelo que julgaria procedente a apelação.

Abílio Sá Gonçalves Costa