INVENTÁRIO
PARTILHA
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
INTERESSADO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO DE ARGUIÇÃO
SANAÇÃO DA NULIDADE
CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Sumário

1. É pressuposto da anulação da partilha judicial confirmada por sentença transitada em julgado, a que se reporta o artigo 1388º, nº 1, do Código de Processo Civil, a falta de intervenção de algum co-interessado.
2. A eventual nulidade decorrente da omissão do tribunal de 1ª instância no processo de inventário subsequente a divórcio de adiar a conferência de interessados e da acção de admitir de imediato o acto de licitação sem a presença de um dos dois interessados cuja carta de notificação viera devolvida devia ser arguida naquele processo no decêndio posterior à sua notificação do mapa informativo ou do mapa de partilha.
3. Porque sanada a referida nulidade, não pode proceder a sua arguição pelo autor na acção de anulação de partilha posteriormente instaurada contra o réu interessado que licitou nos bens integrados no património de mão comum.
4. O despacho judicial expressante de não ter sido possível o acordo em conferência de interessados e da ordem de abertura do acto de licitação é insusceptível de colidir com o princípio constitucional do processo equitativo ou com o da tutela efectiva dos direitos dos cidadãos.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
"A" intentou, no dia 3 de Novembro de 2003, contra B, acção declarativa constitutiva de anulação da partilha judicial operada em processo de inventário, pedindo a anulação da sentença homologatória da partilha e das adjudicações, ou a condenação da ré a pagar-lhe a quantia liquidanda em execução de sentença correspondente a metade do valor da avaliação a efectuar nos bens imóveis, ou a anulação daquela sentença e das adjudicações, com fundamento no abuso do direito da ré de não informar o tribunal do endereço dele, no enriquecimento sem causa por parte da ré, na omissão da sua notificação para a conferência de interessados, na possibilidade de acordo, na licitação nos imóveis por valores inferiores aos reais e na interpretação normativa contra o disposto na Constituição.

A ré invocou na contestação a caducidade do direito de anulação da partilha, afirmando que o autor, depois da notificação para a conferência de interessados, foi notificado dos mapas informativo e da partilha, sem reclamação, terminando por pedir a condenação dele, por litigância de má fé, no pagamento de indemnização, e o autor replicou no sentido da inverificação da referida excepção.

Na fase da condensação, no dia 2 de Abril de 2004, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e não verificada a litigância de má fé, da qual o autor apelou, e a Relação, por acórdão proferido no dia 3 de Novembro de 2004, julgou o recurso improcedente.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o recorrente não teve prévio conhecimento da data designada para a conferência de interessados, nem da cominação legal em caso de ausência;

- a lei de processo privilegia a ineficácia parcial no caso de erro de facto ou de direito na descrição ou qualificação dos bens, desde que tal erro seja susceptível de viciar a vontade das partes;

- houve erro que viciou a vontade do recorrente assente na convicção de que, uma partilha judicial seria sempre justa e equitativa, o que implica a sua emenda, ainda que parcial;

- foi postergado o princípio da igualdade jurídica na sua vertente prática em consequência de grave desigualdade de facto;

- o tribunal devia ter adiado a conferência de interessados e a licitação na sua função de corrigir ou suplementar a vontade das partes e de defender a tutela jurisdicional efectiva mediante processo equitativo, por não haver razão para considerar a inviabilidade do acordo;

- como assim não procedeu, violados foram os princípios constitucionais constantes dos artigos 20º e 202º, nº 2, da Constituição;

- o despacho, que não é de mero expediente, é nulo por violação do artigo 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, por não ter fundamentação da conclusão de falta de acordo, ou seja, por não haver indicado a fonte da conclusão fáctica que invoca;

- a entender-se como suficiente tal enunciado, à luz do artigo 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, o mesmo é inconstitucional por violação do artigo 205º, nº 1, da Constituição, com a consequente nulidade da decisão;

- é nula a decisão ao conferir ao artigo 1352,º nº 5, do Código de Processo Civil um alcance susceptível de obstar que a um interessado, objectivamente impedido por desconhecer a data designada para a conferência e os efeitos da sua não comparência, exerça os seus direitos de intervenção pessoal no processo;

- aquela decisão também é nula por da acta não constar despacho sobre a possibilidade ou impossibilidade de adiamento nem sobre o motivo de o não ter havido acordo, porque só no caso de não ter havido acordo, sob decisão fundamentada, é que seria de abrir as licitações;

- assim não se tendo procedido, foram violados os artigos 159º, nº 1 e 1363,º nº1, do Código de Processo Civil.

Respondeu a recorrida, em síntese de alegação:
- o recorrente só não foi notificado quando não quis, tentando protelar o andamento do processo e a acção da justiça;

- ele foi notificado na morada que a recorrida indicou no processo, mesmo depois da conferência de interessados, designadamente do mapa informativo da partilha, e nunca comunicou ao tribunal a mudança da sua residência;

- a notificação da conferência de interessados foi endereçada para a morada em que foi notificado dos restantes actos processuais;

- não há nulidade, porque o juiz da 1ª instância proferiu decisão ao ordenar que se procedesse às licitações, sendo fundamento bastante para o efeito a referência à inexistência de acordo entre os interessados;

- não há erro, dolo ou má fé da recorrida, mas sim do recorrente, que tenta, mais uma vez, deturpar a realidade que bem conhece e enganar o tribunal;

- a inacção processual do recorrente só a ele se deve, porque não reclamou da relação de bens, designadamente quanto ao valor atribuído aos bens ou à sua avaliação;

- não há nulidades, simulações ou ofensa à lei ou aos bons costumes;

- o comportamento do recorrente é que consubstancia abuso do direito e litigância de má fé por se ter furtado conscientemente às notificações processuais para protelar a tramitação do processo de inventário;

- deve o recurso ser julgado improcedente e confirmar-se o acórdão recorrido.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido.
1. O autor e a ré foram casados um com o outro em primeiras núpcias e comunhão de adquiridos, cujo casamento foi dissolvido por sentença proferida no dia 11 de Setembro de 1996 no Tribunal de Grande Instância de Versailles, confirmada pelo acórdão da Relação do Porto de 28 de Setembro de 2000.

2. Correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, sob o nº 940/2001, um processo de inventário para partilha dos bens do casal do autor e da ré em que a última foi requerente e cabeça de casal, e o primeiro o requerido.

3. A ré prestou juramento como cabeça de casal no Consulado de Portugal em Versailles, França, e, no dia 21 de Fevereiro de 2002, o seu advogado, com poderes especiais para o efeito, prestou declarações em nome dela, expressando, além do mais, não existirem credores ou dívidas passivas e que o activo dos bens a partilhar era integrado por dois imóveis.

4. Por carta registada com aviso de recepção, remetida no dia 26 de Fevereiro de 2002 para 54 Rue Jean Jaures, 78 190 Trappes, França, foi o autor notificado para os termos do aludido inventário.

5. Os bens imóveis constantes da relação de bens apresentada pela ré eram a fracção autónoma BP para habitação, correspondente ao 9º andar direito, centro, lado poente, com entrada pelo nº .. de polícia, o prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na Rua Santos Lima, freguesia de Maximinos, concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 00614/140799 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1013º, com o valor patrimonial de 2.882.880$, o prédio misto sito na Tapada, freguesia de Gondomar, concelho de Guimarães, composto de uma casa de rés-do chão e um andar, com a área coberta de 100 m2 e quintal com 900 m2, com o valor patrimonial de 124.675$50.

6. No dia 12 de Junho de 2002, o primeiro dos referidos imóveis tinha valor de mercado não inferior a € 25.000, e o segundo um valor de mercado não inferior a € 87.227,53.

7. No ofício de citação, foi o réu expressamente advertido de que, querendo, podia, no prazo de 30 dias, contado da data da assinatura do aviso de recepção, finda a dilação de 30 dias, impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações e reclamar da relação de bens que lhe foi remetida juntamente, e ele nada opôs, impugnou, declarou ou requereu.

8. Foi designado para a conferência de interessados o dia 12 de Junho de 2002, pelas 14 horas, com expressa advertência de que não havendo acordo se procederia a licitações, e o autor foi notificado do teor desse despacho no dia 22 de Maio de 2002, por carta remetida para a morada mencionada sob 4, a qual veio devolvida, devolução de que a ré foi notificada, nada requerendo ou informando o tribunal.

9. No dia 12 de Junho de 2002, pelas 14.00 horas, no Tribunal, teve lugar a conferência de interessados, sem a presença do autor e da ré, mas estando esta representada pelo referido mandatário com poderes especiais para o acto.

10. Na acta que documenta a diligência mencionada sob 9 consta que pela falta do réu não foi possível obter o acordo quanto à forma da partilha dos bens relacionados, tendo-se procedido a licitações, por aquele mandatário, com poderes para o efeito.

11. As verbas mencionadas sob 4 foram licitadas pela ré pelo valor de € 14.964 e € 624, respectivamente e, na referida acta, foi ordenado que se desse cumprimento ao nº 1 do artigo 1373º do Código de Processo Civil, tendo a ré proposto a forma à partilha inserta a folhas 56, e foi proferido despacho no sentido de se proceder à partilha de acordo com a forma que antecedia.

12. A folhas 58 foi elaborado o mapa informativo, do qual resulta que o réu tinha a receber, a título de tornas, € 7.794, e foi proferido despacho a ordenar a notificação do autor nos termos do artigo 1377º do Código de Processo Civil e, em cumprimento desse despacho, ele foi notificado, no dia 25 de Junho de 2002, do teor daquele mapa, para os termos daquele preceito legal, por via de carta remetida para a morada mencionada sob 4, que não foi devolvida.

13. Por carta remetida pelo autor, dirigida ao escrivão de direito, constante de folhas 61, o primeiro reconhece, além do mais, ter recebido o mapa informativo e, na sequência da referida carta, foi proferido o despacho inserto a folhas 63 e 64, notificado ao autor em 4 de Julho de 2002, por carta remetida para a morada mencionada sob 4, que veio devolvida.

14. Pelo despacho constante de folhas 67, foi determinada a elaboração do mapa de partilha em conformidade com a forma inserta a folhas 57, o que foi feito conforme mapa inserto a folhas 68, tendo sido posto em reclamação, do qual o autor foi notificado em 1 de Outubro de 2002 por carta remetida para a morada mencionada sob 4, que não veio devolvida.

15. Por carta remetida ao processo dirigida à escrivã-adjunta Adozinda Freitas, inserta a folhas 77, o autor reconhece, além do mais, ter recebido o ofício de notificação do mapa de partilha, carta essa sobre que recaiu o despacho inserto a folhas 78, após o que a partilha foi homologada por sentença datada de 17 de Outubro de 2002.

16. No dia 19 de Novembro de 2002, foi o autor notificado para a morada mencionada sob 4 para efectuar o pagamento das custas em dívida, carta essa que foi devolvida, tendo, contudo, o pagamento sido efectuado no respectivo prazo.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se deve ou não ser anulada a sentença homologatória da partilha e, consequentemente, os actos de adjudicação operados no processo de inventário.

Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e da recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- síntese do objecto do litígio;

- oportunidade de arguição pelo recorrente na acção e em recurso das omissões ou irregularidades processuais ocorridas no inventário;

- o acórdão recorrido interpretou algum dos normativos que aplicou em contrário do disposto na Constituição?

- ocorrem ou não os fundamentos legais de anulação do acto de partilha?

- síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.


Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela síntese do objecto do litígio tal como é delineado pelo recorrente e pela recorrida.
O recorrente foi citado para os termos do processo de inventário, instaurado pela recorrida em 2001, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, para partilha dos bens do casal que constituíra com a recorrida, no seu endereço em França, pela última indicado naquele processo.

A carta remetida para o mesmo endereço a convocá-lo para a conferência de interessados e para o acto de licitação se acordo não houvesse foi devolvida ao tribunal.
O recorrente não esteve na conferência de interessados nem participou no acto de licitação que se lhe seguiu, ela licitou em dois imóveis, por valor inferior ao real, os quais lhe foram adjudicados e ao recorrente couberam tornas.

Na acta que documenta a diligência expressa-se que, dada a falta do recorrente não foi possível obter o acordo quanto à forma da partilha dos bens relacionados e que se procedera a licitações.
O recorrente foi notificado do teor do mapa informativo para o mesmo endereço, a carta de notificação não veio devolvida, tal como não veio devolvida a carta de notificação do mapa de partilha, que ele reconheceu ter recebido.

Foi-lhe enviada carta para o mesmo endereço a fim de proceder ao pagamento das custas, a carta veio devolvida, mas o respectivo pagamento foi feito no prazo legalmente previsto.
O recorrente não impugnou qualquer acto processual praticado no processo de inventário, não arguiu qualquer nulidade nele cometida nem recorreu da sentença homologatória da partilha.

Nesta acção, pretende a anulação da partilha ao abrigo do disposto no artigo 1388 do Código de Processo Civil, invocando, essencialmente, quanto ao processo de inventário, a omissão ilegal do tribunal da 1ª instância do adiamento da conferência de interessados e ou do acto de licitações e a violação de normas ou princípios constantes da Constituição.

2.
Vejamos agora a oportunidade ou não de arguição pelo recorrente na acção e em recurso das omissões no processo de inventário.
O recorrente põe em causa a omissão do tribunal da 1ª instância no processo de inventário de adiar a conferência de interessados e de ter admitido o acto de licitação não obstante não haver sido notificado para aqueles actos.

Ele insurge-se, pois, contra a omissão da sua notificação para a conferência de interessados, o seu não adiamento em razão dessa omissão e a realização do acto de licitações.

Como se não trata de prática de actos processuais ou da sua omissão especialmente previstos, a arguição do recorrente enquadra-se nas nulidades gerais de actos processuais a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Ele visou, como é natural, anular o acto de licitações e os actos subsequentes dele dependentes, designadamente o despacho determinativo da partilha, o mapa informativo, o mapa da partilha e a sentença que o homologou.

O prazo de arguição das referidas nulidades é o geral, ou seja, o de dez dias a que se reporta o artigo 153º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Tendo em conta o caso vertente, o referido prazo de arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, neste último caso se dever presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (artigo 205º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Está assente que o recorrente foi notificado da elaboração do mapa informativo e do mapa de partilha.

Com base nesses actos de notificação, considerando o respectivo conteúdo, a conclusão é no sentido de que o recorrente conheceu então da omissão do tribunal de adiar a conferência de interessados e da admissão do acto de licitações.
Como não arguiu essa situação processual, no prazo de dez dias, no processo de inventário, certo é que, a existirem os vícios processuais que invoca, sanados estão.
Não podia, por isso, o recorrente arguir, com êxito, nesta acção os referidos vícios de natureza processual.

3.
Vejamos agora se o acórdão recorrido interpretou algum dos normativos que aplicou em contrário do disposto na Constituição.
Afirmou o recorrente que a entender-se como suficiente o enunciado no despacho do juiz proferido no inventário à luz do artigo 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, o mesmo é inconstitucional por violação do artigo 205º, nº 1, da Constituição, com a consequente nulidade da decisão.

Expressa a Constituição que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (artigo 205º, nº 1).
A lei ordinária estabelece que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas e que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (artigo 158º do Código de Processo Civil).

Conforme acima se referiu, se o recorrente entendia haver alguma nulidade no despacho em que expressou não ter sido possível o acordo em conferência por falta da sua comparência e haver admitido a seguir o acto de licitações, devia tê-la arguido no processo no decêndio posterior ao momento em teve ou podia ter dela conhecimento.

Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha no processo de inventário não pode, o recorrente, nesta acção, arguir nulidade por falta de fundamentação de despacho interlocutório proferido no processo cuja instância se extinguiu.
Com efeito, sob motivação da segurança e da certeza jurídicas, o ordenamento processual civil também é envolvido pelos princípios da preclusão e da auto-responsablidade das partes.

Por isso, não colide a aludida proibição com o princípio constitucional do processo equitativo ou da tutela efectiva dos direitos dos cidadãos, a que se reportam os artigos 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 20º, nº 1, da Constituição, nem com a incumbência dos tribunais em assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos a que alude o artigo 202º, nº 2, da referida Constituição.

4.
Vejamos agora se ocorrem ou não os fundamentos legais de anulação do acto de partilha.
Prescreve a lei, salvaguardando os casos de recurso extraordinário, que a anulação da partilha judicial confirmada por sentença transitada em julgado só pode ser decretada quanto tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada (artigo 1388º, nº 1, do Código de Processo Civil).

O disposto no normativo em análise é aplicável ao caso vertente, ou seja, às situações de preterição de co-interessados na partilha do património integrante da comunhão conjugal (artigo 1404º, nº 3, do Código de Processo Civil).

É, assim, pressuposto da anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado a preterição ou a falta de intervenção de algum dos co-herdeiros ou co-interessados.
Uma das obrigações do cabeça de casal é a de identificar os interessados directos na partilha (artigo 1340º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil).

O sentido jurídico mais geral da expressão preterição é essencialmente o de postergação, omissão ou falta, e o da expressão intervenção, não obstante a respectiva polissemia, é de participação.

Neste quadro, tendo em conta a letra e o elemento finalístico da lei, ocorre a preterição de algum co-herdeiro ou co-interessado e a sua falta de intervenção, por exemplo, quando o cabeça de casal omitir a sua indicação nas declarações iniciais ou subsequentes, neste caso se entretanto conheceu essa posição jurídica, independentemente do tempo em que ocorrera.

Ademais, exige a lei, como pressuposto da anulação da partilha judicial transitada em julgado, que os outros interessados hajam procedido com dolo ou má fé, seja quanto a preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada.

O dolo e a má fé a que este normativo se reportam significam essencialmente a consciência de causar prejuízo ao co-interessado que devia intervir na partilha judicial.

Ora, no caso vertente, a recorrida indicou o recorrente como interessado directo na partilha e ele foi citado para o processo de inventário e efectivamente notificado para alguns dos seus actos.
Ademais, os factos provados não revelam que a recorrida tenha agido no processo de inventário com dolo ou má fé na forma de preparação da partilha.

Não ocorrem, por isso, na espécie, os pressupostos de anulação da partilha a que se reporta o artigo 1388º do Código de Processo Civil.
O recorrente também invocou o abuso do direito e o enriquecimento sem causa, previstos nos artigos 334º e 473º a 482º do Código Civil como fundamento da sua pretensão.

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do Código Civil).

O abuso do direito, excepção peremptória imprópria, de conhecimento oficioso, envolve situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo e algum dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo.
Quanto ao enriquecimento sem causa, expressa a lei substantiva que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (artigo 473º, nº 1, do Código Civil).

Dir-se-á ser o enriquecimento sem causa quando não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial.
Ora, nem os factos provados sustentam a estrutura legal dos referidos institutos, nem a mesma, a existir, seria susceptível de suportar a pretensão formulada pelo recorrente.

5.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

O recorrente deixou precludir o direito processual de invocar eficazmente as nulidades que referiu terem sido cometidas no processo de inventário.
Não ocorrem os fundamentos legais de anulação do acto de partilha, nem os pressupostos do funcionamento relevante do abuso do direito nem do enriquecimento sem causa.
O acórdão recorrido não interpretou algum dos normativos que aplicou em contrário do disposto na Constituição.
Improcede, por isso, o recurso.
Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se o recorrente no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 3 de Março de 2005.
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa,
Armindo Luís.