RECURSO DE REVISÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONTAGEM DOS PRAZOS
CITAÇÃO EDITAL
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

1. O início da contagem do prazo de 60 dias para interpor o recurso de revisão fixado pelo art.º 772º, nº 2, do CPC, deve coincidir com a data do conhecimento, por parte do recorrente, do facto que fundamenta a revisão.
2. Quando o recurso de revisão tiver por fundamento o emprego indevido da citação edital deve a contagem do prazo referido em 1) iniciar-se a partir do momento em que o recorrente ficar em condições efectivas de, mediante a consulta do processo, averiguar o quando, o como e o porquê daquela.
3. Estando alegados no recurso de revisão factos controvertidos, mas não averiguados pelas instâncias, tendentes a provar que à data em que requereu a citação edital o autor conhecia o paradeiro da ré, mas ocultou-o
deliberadamente ao tribunal, deve o STJ ordenar a descida do processo à Relação para ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 729º, nº 3, do CPC.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Em 23.6.96, na comarca de Lisboa, A propôs contra B uma acção ordinária, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 3600 contos e juros.
Identificou-se como solteiro e à ré como divorciada e residente no casal de S. Brás, Praceta do Lagar, .. andar, rectaguarda, Amadora.
Tentada a citação pessoal, o oficial de justiça lavrou uma certidão negativa em 11.2.97 (fls 49), da qual consta que, segundo informação ali recolhida, a citanda já não reside no local indicado há dois anos.
Notificado da certidão negativa, o autor veio informar que não conseguiu melhores informações, requerendo em 12.3.97 a citação edital.
Tendo a PSP informado que a ré residiu em tempos na morada indicada, mas que actualmente se desconhece onde reside, foi ordenada e realizada a citação edital, citando-se depois o MP.
Não foi oferecida contestação.
Efectuado o julgamento, foi proferida em 24.9.99 sentença que condenou a ré no pedido e que, entretanto, passou em julgado.

II. Em 18.9.00 a ré interpôs recurso de revisão da sentença, nos termos do artº 771º, f), do CPC (1), alegando má fé do autor, por ter ocultado do tribunal a sua morada, que ele bem conhecia, o que motivou uso indevido de citação edital, senão mesmo falta de citação.

Após a resposta do autor foi proferida em 16.11.01 decisão que, julgando procedente o recurso de revisão por ter havido citação nula, revogou a sentença revidenda e anulou todos os termos do processo respeitantes à citação, ordenando a citação da ré para os termos da causa.
Por acórdão de 29.5.03 a Relação de Lisboa confirmou esta sentença, assim negando provimento à apelação do recorrido (autor na acção).
Com fundamento em omissão de pronúncia, porém, o Supremo Tribunal anulou em 18.12.03 o acórdão da Relação e ordenou a baixa do processo nos termos do artº 731º, nº 2, a fim de se fazer a reforma da decisão anulada.

Cumprindo o ordenado, a Relação proferiu em 1.7.04 novo acórdão que, dando provimento ao recurso do recorrido (autor na acção), revogou a sentença e indeferiu por extemporâneo o recurso de revisão interposto pela apelada (ré na acção).
Agora é a apelada que, inconformada com o veredicto da 2ª instância, recorre para o Supremo Tribunal, pedindo a revogação do acórdão da Relação e a manutenção da sentença que julgou procedente o recurso de revisão.
Fá-lo com base nas seguintes conclusões úteis:

1ª - O recurso de revisão não é extemporâneo porque o prazo de 60 dias indicado no artº 772º deve contar-se, no caso presente, a partir de 6.6.00, data em que teve conhecimento da nulidade da citação feita na acção;
2ª - Por razões a que a recorrente é alheia, e não obstante todas as diligências que fez posteriormente a 24.2.00 para consultar o processo, a secretaria do tribunal só lho facultou na data indicada na conclusão 1ª;
3ª - Resulta dos elementos existentes nos autos que se torna desnecessária a realização de outras diligências, nomeadamente a produção de prova testemunhal, e que não foi violado o princípio do contraditório;
4ª - Omitindo elementos identificadores da ré susceptíveis de levar à sua citação regular, o autor na acção tornou a citação nula; deve, por isso, manter-se a sentença que concedeu a revisão.
O recorrido apresentou contra alegações.

III. Análise da questão suscitada nas conclusões 1ª e 2ª: extemporaneidade do recurso de revisão Por intermédio do seu advogado, o autor da acção (aqui recorrido) enviou à ré (aqui recorrente) uma carta datada de 24.2.00, que a ré recebeu, na qual se escreve o seguinte:
- Escrevo pessoalmente a V. Exª no sentido de apurar da V. disponibilidade para efectuar, no decorrer dos próximos dias, o pagamento do vosso débito de 3.600.000$00, já reconhecido judicialmente, cfr. sentença do Processo nº 832/96, que correu termos na 1ª secção da 13ª Vara Cível da comarca de Lisboa"".
Em 6.4.00, através da sua advogada (que nessa mesma data juntou aos autos procuração forense), a ré requereu a confiança do processo, que foi deferida por despacho de 23.5.00.

Partindo destes factos, a Relação considerou que a ré teve conhecimento da sentença no - seguimento da carta que o autor lhe enviou e em que expressamente se referia a decisão judicial, o seu sentido, e se identificava o processo em causa por forma a poder o mesmo ser consultado"; e como a carta é de 24.2.00 e o recurso de revisão foi apresentado em 18.9.00, está claro, para a Relação, que foi excedido o prazo de caducidade previsto no artº 772º, nº 2.
Não subscrevemos esta visão das coisas.
A decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando, tendo decorrido a acção à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, - se mostre que faltou a sua citação, ou é nula a sua citação" - artº 771º, e).
O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão; e, se o fundamento do pedido de revisão for o que indicámos, o prazo para a sua apresentação é de 60 dias, -contados desde que a parte teve conhecimento do facto que serve de base à revisão" - art. 772, n. 2, b).

Tem-se entendido que o início da contagem deste prazo de 60 dias deve coincidir com a data do conhecimento, por parte do recorrente, do facto que fundamenta a revisão.
Precisando melhor o exacto alcance da lei, talvez possamos acrescentar que para o efeito valerá - perdôe-se-nos a redundância - a efectiva possibilidade do conhecimento efectivo daquele facto. E assim, num caso como o presente a contagem do prazo iniciar-se-á a partir do momento em que o réu revel esteja em condições de poder apurar concretamente e com inteiro conhecimento de causa, se actuar com a diligência exigível, as razões que ditaram a sua citação edital. É esta, cremos, a interpretação que conduz a uma aplicação da lei simultaneamente mais justa e mais segura. Na verdade,
não deve perder-se de vista que a destruição do caso julgado é encarada pelo legislador, em princípio, como um mal, já que, objectivamente, constituiu sempre um atentado contra o princípio fundamental da segurança jurídica.

A sua transformação num bem ocorre apenas nas situações deveras excepcionais, graves e devidamente comprovadas, taxativamente previstas no artº 771º; situações em que, constatada a impossibilidade da conciliação prática entre ambos, terá que fazer-se prevalecer o princípio, também fundamental, da justiça. No caso ajuizado, como se relatou, o que está em causa, ao cabo e ao resto, é saber se, com violação frontal do contraditório, espinha dorsal do processo civil, a ré na acção (ora recorrente) não se defendeu porque
não pôde - e não porque não tenha querido fazê-lo; um dos (poucos) casos, justamente, que pode levar à destruição do caso julgado.

Ora, à luz do exposto não se afigura correcto dizer-se que com a a leitura da carta de 24.2.00 a recorrente pôde deduzir com um mínimo de segurança e certeza que na acção condenatória tinha ocorrido a sua citação edital. Não se legitima, sobretudo, a conclusão de que as informações contidas naquele documento a respeito do processo que ditou a condenação lhe proporcionaram um conhecimento adequado e suficiente das condições que levaram o tribunal a ordenar a citação naqueles moldes. Tal conhecimento só poderia obter-se mediante a consulta dos autos ali referenciados.

Sucede que, além dos factos já referidos - nenhum deles decisivo, na interpretação que propugnamos - está documentalmente provado (cfr. cota lavrada e assinada pelo oficial de justiça a fls 99 da acção) que a partir de 23.5.00, na sequência de despacho dessa mesma data proferido pela juíza titular do processo, os autos ficaram -"a aguardar na
secretaria que a mandatária os venha levantar". A ilação que daqui se extrai é a seguinte: foi a partir de 23.5.00 - não de 6.4.00, data em que a advogada da ré juntou procuração e pediu a confiança do processo, e menos ainda de 24.2.00, consoante se evidenciou, mas não, também, a partir de 6.6.00, como se sustenta na minuta - que a recorrente ficou em condições efectivas de, através da consulta do processo, averiguar o quando, o como e o porquê da citação edital decretada; antes de 23.5.00 a hipótese de concretizar tal averiguação e, portanto, de em consciência decidir se havia ou não fundamento para pedir a revisão, não passava disso mesmo, duma hipótese (embora, importa sublinhá-lo, duma hipótese real, pois a carta de 24.2.00, pelos vistos, identificou correctamente o processo pelo seu número, tribunal e comarca onde foi instaurado).

Nos termos do artº 144º, nº 4, os prazos para a propositura das acções previstas no Código de Processo Civil seguem o regime previsto nos números anteriores do mesmo preceito. Isto significa que são prazos contínuos, suspendendo-se, no entanto, - com excepção de duas situações que não vêem ao caso - durante as férias judiciais. Logo, quando em 18.9.00 a recorrente apresentou o recurso de revisão ainda não se esgotara o prazo legal de 60 dias cujo regime jurídico analisámos.
Assim, o acórdão recorrido, nesta parte, não pode subsistir, impondo-se a sua revogação.

IV. Análise da questão aflorada nas conclusões 3ª e 4ª da revista: emprego indevido da citação edital na acção em que foi ditada a sentença a rever Decidido que o pedido de revisão foi tempestivo, não se verificando a caducidade do direito accionado, ressurge a questão substancial posta no recurso levado à Relação pelo recorrido e que teve por objecto a sentença de 16.11.01: saber se na acção foi indevidamente empregue a citação edital, nulidade que, equivalendo à falta de citação, integra, como vimos, o fundamento do presente recurso de revisão - artºs 195º, c), e 771º, f), na redacção, aqui aplicável, anterior ao DL 38/03, de 8/3. Trata-se de problema que ficou de remissa por força da anulação do acórdão da 2ª instância decretada por este Supremo em 18.12.03.

Ora, na petição a recorrente alegou, entre outros, os seguintes factos (artºs 5º a 11º, 21º a 29º e 37º a 39º):
- Que em 1992 deixou de morar na fracção autónoma indicada no contrato promessa celebrado com o recorrido e cujo incumprimento motivou a propositura da acção mencionada na secção I) do presente acórdão;
- Que o ora recorrido sempre soube de tal facto e, mais, sempre soube ou teve possibilidade de saber onde estava a ora recorrente;
- Assim, aquando da celebração do dito contrato o recorrido deslocou-se a Braga, onde a recorrente residia, e residiu por três anos, fazendo a proposta de compra da casa e levando logo a minuta do contrato;
- Desde que se separaram de facto (em 1991), muitas foram as ocasiões em que o recorrido e a recorrente falaram pelo telefone, tendo o recorrido feito grande parte das chamadas;
- Nunca a recorrente se negou a dar ao recorrido o seu contacto telefónico ou a sua morada, nem nunca deu instruções nesse sentido a amigos e familiares;
- Em Janeiro ou Fevereiro de 1997 a recorrente, pelo telefone, informou o recorrido de que estava a dar os passos necessários junto do consulado de Espanha e da Conservatória dos Registos Centrais para obter os documentos necessários à instrução do pedido de divórcio entre ambos;

- Nesse telefonema, comentou que estava a residir em casa da sua amiga de infância C, na rua Cândido Figueiredo, nº ...., em Lisboa;
- Durante os anos em que namoraram, viveram maritalmente e foram casados, muitas vezes o recorrido deixou a recorrente em casa desta amiga de infância, conhecendo perfeitamente a morada;
- Em Janeiro de 1998 a recorrente telefonou ao recorrido dizendo-lhe que tinha os documentos necessários para a acção de divórcio por mútuo consentimento e que esta a melhor solução para ambos;
- Disse-lhe que, encontrando-se ele em Angola, seria preferível enviar procuração com poderes especiais para se fazer representar nas tentativas de conciliação, e informou-o também do nome e morada do seu advogado e de que se mantinha na mesma casa;
- Alguns dias mais tarde, o recorrido telefonou para a recorrente, para o seu local de trabalho, dizendo que já tinha enviado a procuração com poderes especiais ao seu advogado, indicando-lhe o nome e morada do advogado da recorrente;
- Em 6.2.98, o mandatário do recorrido (o mesmo que patrocinou a acção de condenação) enviou ao mandatário da recorrente o requerimento para intentar a acção de divórcio e a procuração forense;
- Aquando da elaboração do requerimento, o recorrido sabia onde a recorrida trabalhava e que actividade estava a exercer (vendedora de publicidade);
- O recorrido sempre teve, ou poderia ter tido, conhecimento do paradeiro da recorrente através da mãe desta, que sempre viveu na Rua Carlos Pereira, nº ..., Lisboa - casa que frequentou - de D, residente na mesma Praceta em que o casal viveu alguns anos e que o recorrido bem conhecia, e de E, filha da recorrente que estuda há mais de dez anos no Instituto Espanhol de Lisboa, facto de que o recorrido sempre teve conhecimento.

Apesar de controvertida (o recorrido contestou-a especificadamente a partir do artº 11º da resposta), esta matéria factual não foi averiguada nas instâncias, não constando, por essa razão, do elenco dos factos considerados provados pela Relação.
Tendo em conta, no entanto, que no caso sub judice a citação edital foi determinada pela suposta incerteza do lugar em que a pessoa a citar (a ora recorrente) se encontrava - artº 248º - torna-se evidente que os factos descritos são relevantes para
se poder concluir com segurança: 1º) Se à data em que requereu a citação edital da recorrida o recorrente sabia do seu paradeiro, ocultando-o voluntária e conscientemente ao tribunal; 2º) Se, por isso, a citação edital foi indevidamente utilizada.
Assim, impõe-se a ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, consoante o disposto nos artºs 729º, nº 3, e 730º, nº 2.

V. Nestes termos, acorda-se em:
1º) Revogar o acórdão recorrido na parte em que julgou intempestiva a interposição do recurso de revisão;
2º) Ordenar a baixa do processo à Relação para ampliação da matéria de facto nos termos indicados, a realizar, se possível, pelos mesmos juízes desembargadores que intervieram no julgamento anterior.
Custas pela parte vencida a final.

Lisboa, 15 de Março de 2005
Nuno Cameira,
Sousa Leite,
Salreta Pereira.
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(1) Salvo menção em contrário, pertencem a este diploma todos os artigos citados no texto do acórdão.