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RECURSO
CONCLUSÕES
DEFESA POR EXCEPÇÃO
RECONVENÇÃO
SERVIDÃO
SERVIDÃO DE VISTAS
EXTINÇÃO
SINAIS VISÍVEIS E PERMANENTES
Sumário
I - Não podem ser tomadas em conta pelo tribunal de recurso as questões não incluídas nas conclusões da alegação do recorrente, ainda que versadas no respectivo corpo alegatório. II - O reconhecimento judicial do direito de servidão dos contestantes não exige que estes formulem o correspondente pedido reconvencional, bastando que invoquem tal direito na defesa por excepção. III - A defesa por excepção pode ser tácita ou implícita, desde que o excepcionante alegue os factos consubstanciadores do direito que invoca, evidenciando inequivocamente que dele pretende prevalecer-se. IV - Enquanto subsistirem os sinais visíveis e permanentes de uma servidão, indiciadores da possibilidade da continuação do seu uso, a servidão não se pode considerar extinta pelo não uso, ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 1569 do Código Civil. V - A permanência dos sinais não se confunde com a sua imutabilidade. VI - A servidão de vistas não se exerce com o facto de se desfrutar as vistas sobre o prédio vizinho, mas antes com a manutenção da obra (porta, janela, varanda, eirado, terraço ou obras semelhantes) em condições de se poder ver e devassar esse prédio.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Na presente acção intentada por A - a quem se associou, depois, o seu marido B - contra os réus C e mulher D, pede a autora que: seja declarada proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 883, sito em Monte Novo, Fonte, Abrantes; desse prédio faz parte um corredor que se inicia na via pública; deve ser parcialmente demolida, de modo a que deixe de gotejar sobre aquele corredor, a construção efectuada pelos réus e que foi por eles edificada de modo a que o telhado goteje sobre esse corredor; devem ser fechadas a porta e a janela da obra realizada pelos réus e que deitam directamente para o corredor.
Alegou, em síntese, que:
--o prédio a que se arroga proprietária lhe foi adjudicado em partilha e que com ele confina, pelo lado nascente, o prédio (também urbano) dos réus;
--o acesso ao seu prédio faz-se por um corredor vindo da via pública e que é parte integrante desse mesmo prédio;
--no ano de 2001 os réus alteraram a construção onde antes fora o sótão, colocando uma placa cimentada a separá-la da divisória que fica por baixo;
--com as obras a construção subiu cerca de 80cm e o telhado que a cobre ficou a gotejar para o corredor;
--a parede do prédio dos réus foi reconstruída na estrema, tendo sido nela aberta uma janela com 80cm de largura e 84cm de altura, a 1,5m do solo, no local onde existia o buraco com rede;
--no local onde existia um curral fizeram ainda uma construção com 4 a 5 metros de altura, com um telhado que goteja para o corredor e com uma porta, que abre para o corredor, com cerca de 90cm de largura e cerca de 2m de altura.
Contestaram os réus, por impugnação parcial dos factos articulados na petição e por excepção, invocando expressamente uma servidão de passagem sobre o aludido corredor, alegando ainda que as edificações pré-existentes (curral e divisória do burro), bem como as respectivas aberturas (janela e porta) existem há mais de 30 anos.
Houve réplica e, realizado o julgamento, foi proferida sentença:
--a reconhecer que a autora é proprietária do prédio identificado em 1) dos factos assentes;
--a reconhecer que desse prédio faz parte o corredor que se inicia na via pública e definido em 4) e 12) a 15) dos factos apurados;
--a condenar os réus a demolir a construção efectuada na parte da construção que corresponde ao antigo curral e na medida necessária a que o respectivo telhado deixe de gotejar no aludido corredor;
--a condenar os réus a fechar a janela existente na actual construção, correspondente à abertura anteriormente existente na divisória do burro, mas apenas na medida em que excede a dimensão original daquela abertura;
--a absolver os réus do demais peticionado.
Os autores apelaram desta sentença, mas a Relação de Évora confirmou-a, negando provimento ao recurso.
Insistem os autores com a presente revista e concluem assim a sua alegação:
1. Uma abertura na parede com 60cm de altura e 77cm de largura, que se situa na estrema com o prédio vizinho, não pode ser mantida no caso de construção do imóvel, a não ser que o proprietário prove que mantém a mesma localização e idênticas dimensões.
2. A abertura com vidros martelados - que não se sabe se é fixa ou não - que substitui a abertura com rede que tinha como finalidade a obtenção de claridade, deve ser eliminada, por violação do artigo 1360 do Código Civil.
3. Tendo-se provado que os donos de um prédio se dirigiam para um curral existente no seu prédio através do prédio confinante, a servidão que pudesse existir extinguiu-se pelo não uso, se o curral deixou de ser utilizado há mais de 20 anos e parte do seu telhado ruiu.
4. Para que a alegação, por excepção, do limite imposto ao direito de propriedade através da existência duma servidão possa proceder, torna-se necessário que se mostrem provados os factos reveladores da posse e da aquisição desse direito de servidão.
5. Ampliada uma construção de modo a englobar o espaço de um antigo curral, que deixou de ser utilizado há mais de 20 anos e aberta uma porta com 2mX79cm onde havia uma cancela de 1mX65cm de acesso a esse curral, essa porta deverá ser eliminada se dá directamente para o prédio confinante, mesmo que através deste tenha sido exercido, em tempos, o direito de servidão de acesso àquele curral, por violação do artigo 1360 do Código Civil.
6. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1360, nº1, 1287 e 1263, todos do Código Civil, pelo que
7. Deverá ser revogado e substituído por outro que condene os réus a eliminarem a abertura e a porta existente na parede do seu prédio, parede essa que está na estrema do prédio daqueles com o prédio confinante dos autores.
Contra-alegaram os recorridos no sentido do improvimento do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Por não vir impugnada e não haver lugar à sua alteração, dá-se aqui como reproduzida a matéria de facto fixada no acórdão recorrido - artigo 713, nº6 ex vi artigo 726, ambos do Código de Processo Civil (CPC).
É consabido princípio do regime recursivo em processo civil o que estabelece constituírem as conclusões da alegação do recorrente as balizas delimitadoras do objecto do recurso (nº3 do artigo 684 do CPC), pelo que não se pode conhecer de questões que a elas não sejam levadas, ainda que afloradas no corpo alegatório - cfr., entre outros, o acórdão do STJ, de 21/10/1993, CJSTJ, ano I, tomo III, páginas 84-86.
Concluíram as instâncias estar o prédio dos autores onerado, a favor do prédio dos réus, com duas servidões, ambas constituídas por usucapião:
--uma de passagem, através de um corredor, para um antigo curral, substituído, em 2001, por uma construção com cerca de 4 metros de altura;
--a outra de vistas sobre o mesmo corredor, exercida através de uma abertura numa divisória do prédio dos réus, onde era recolhido um burro e de 80cmX84/85cm, situada a 1,5m do solo, construída, no ano de 2001, no lugar de uma outra que existia, no mesmo lugar, com uma rede, a qual, por sua vez, fora aberta aquando de fecho da porta existente na referida divisória.
Como se extrai do teor das conclusões do recurso de apelação que interpuseram da sentença da 1ª Instância - e só relevam as questões que delas constam, face ao princípio acima exposto -- os autores, ora recorrentes, nesse recurso não discutiram substantivamente, mas apenas formalmente, a decisão na parte em que conclui pela existência das referidas duas servidões.
Mais concretamente, os ora recorrentes limitaram-se, nesse âmbito, a argumentar com a questão de o direito dos recorridos às referidas servidões não lhes poder ser reconhecido por estes não terem formulado o correspondente pedido reconvencional.
Isto mesmo, esta delimitação do objecto do recurso de apelação interposto pelos ora recorrentes, é expressamente confirmada pelo acórdão recorrido no trecho que ora se passa a transcrever :
«Ora, dos factos provados resulta (cf. nº17 a 22 e 32 a 39) como foi decidido, existir a servidão de passagem pelo corredor pertencente à A e a servidão de vistas sobre esse mesmo corredor - de notar que os AA. não questionam a sentença na parte que considerou verificados os requisitos da aquisição por usucapião do direito de servidão; apenas discordam da possibilidade do seu conhecimento por entenderem não ter sido pedido pelos RR..»(o sublinhado é nosso).
Significa isto, portanto, que a questão da existência das duas referidas servidões, constituídas ambas por usucapião, já não poderá ser discutida no presente recurso de revista.
Nem sob o ponto de vista substantivo, ou de fundo, pois que, como se acaba de ver, os recorrentes não puseram em causa, no recurso de apelação, a sentença da 1ª instância na parte em que considerou verificados os pressupostos da usucapião, tituladora do direito dos réus, ora recorridos, às servidões de passagem e de vistas em causa, pelo que -- nessa parte e face ao disposto no nº4 do artigo 684 do CPC («os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso"») -- a sentença transitou em julgado.
Nem sob o ponto de vista adjectivo ou processual, uma vez que o acórdão sob recurso decidiu - e bem, dentro da linha jurisprudencial corrente (acórdãos deste Supremo nele citados, de 26/11/80 e de 10/4/84, BJ 301º-425 e 336º-433, respectivamente) -- que a oposição contestatória da usucapião constitutiva de um direito de servidão basta-se, por um lado, com a defesa por excepção, não necessitando por isso do invólucro reconvencional e, por outro, a sua invocação também pode ser implícita ou tácita, desde que sejam alegados os correspondentes factos por forma claramente evidenciadora de que o alegante pretende exercer o seu direito.
Acresce que os recorrentes conformaram-se com esta decisão, não a tendo incluído nas conclusões da presente revista, pelo que vale também quanto a ela a já referida doutrina do nº4 do artigo 684 do CPC.
Daqui decorre a total inconsequência do teor das conclusões dos recorrentes na parte em que pretendem pôr em causa a existência das duas aludidas servidões - maxime a conclusão 4, que, aliás, não passa de uma mera declaração de princípios sobre os pressupostos da aquisição do direito de servidão, sem especificar concretamente quais desses pressupostos terão falhado in casu.
Assim, a única questão, decorrente das conclusões dos recorrentes, que temos para apreciar é a da extinção das servidões pelo não uso.
Um dos casos de extinção das servidões, previsto na alínea b), do nº1 do artigo 1569 do Código Civil, é, na verdade, o não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo.
Na opinião dos recorrentes, a servidão de passagem (que pudesse existir) deverá ser considerada extinta, pois que o curral (que ela servia) deixou de ser utilizado há mais de 20 anos, devendo, por isso e em consequência, ser eliminada a porta aberta na construção que englobou o referido curral.
Mas não é assim.
Como bem salienta o acórdão recorrido, o uso na servidão em causa é a própria passagem pelo corredor do prédio dos autores e não a utilização do curral no prédio dos réus.
Não é por o curral não ter utilização como curral que os réus perdem o direito de aceder ao seu prédio pelo corredor do prédio dos autores.
A utilidade que os recorridos retiram do seu prédio não importa para efeitos de passagem pelo referido corredor onerado com a correspondente servidão.
O que releva, para efeitos de considerar a subsistência de uma servidão predial é a manutenção de factos - maxime dos sinais visíveis e permanentes, que, indispensavelmente, estruturam as servidões aparentes constituídas por usucapião (artigo 1548 do Código Civil), como é o caso - reveladores não só do uso, como ainda da possibilidade de o continuar (cfr. nº1 do artigo 1257 do Código Civil).
«A posse relativa ao direito de servidão de passagem mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao seu exercício ou a possibilidade de a continuar, não implicando necessariamente que se traduza em actos materiais, pelo que há corpus enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a actuação material sobre ela.» -- ponto III do sumário do acórdão do STJ, de 30/9/2004, Revista nº2894/04-7ª Secção, in Sumários do STJ, nº83, página 57.
Ora, consideraram as instâncias que a porta em causa (aberta na construção erguida pelos recorridos, no ano de 2001, no local onde existia o curral e em substituição do portão de madeira que a ele dava acesso) constitui o sinal visível e permanente da existência da servidão de passagem.
Consequentemente, enquanto subsistir essa porta, ela é a prova da manutenção do uso da servidão de passagem, ou melhor, da possibilidade da continuação desse uso por parte dos recorridos, titulares do correspondente direito.
As alterações operadas quer nessa abertura (de portão para porta), quer no espaço onde se insere (de curral para construção de 4 metros de altura) não assumem qualquer relevância, designadamente para efeitos de extinção da servidão, como pretendem os recorrentes.
A permanência que (a par da visibilidade) caracteriza os sinais reveladores das servidões aparentes não significa imutabilidade.
«O requisito da permanência não exige a continuação no tempo dos mesmos sinais ou das mesmas obras. «Indispensável, escreve o Prof. Pires de Lima", é a permanência de sinais, mas admite-se a sua substituição ou transformação»"» -- Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, 1972, anotação 3 ao artigo 1548.
(É claro que a substituição ou transformação dos sinais nunca poderá implicar um agravamento da extensão da servidão, fora dos casos previstos no artigo 1568 do Código Civil, como aconteceu, no caso presente, com a servidão de vistas, o que determinou a condenação dos réus/recorridos a fecharem a janela, através da qual a servidão se exerce, na medida em que excede a dimensão da abertura pré-existente).
Os princípios acabados de alinhar valem também para a outra servidão - de vistas - reconhecida pelas instâncias e igualmente titulada pelos recorridos, pois que, conforme é entendimento pacífico quer da jurisprudência, quer da doutrina, o objecto desta espécie de servidão não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas antes a existência do sinal/obra (porta, janela, varanda, eirado, terraço ou obras semelhantes) em contravenção da lei (artigo 1362 do Código Civil) - cfr., entre outros, acórdão do STJ, de 4/11/1993, CJSTJ, ano I, tomo III, página 98 e CCivil Anotado acima referido, anotação ao artigo 1362.
Lê-se neste acórdão:
«Não se exerce a servidão com o facto de se desfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho. Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja definitivamente, com pedra e cal, que a servidão não deixa de ser exercida.».
Não há, portanto, razões para se condenarem os recorridos a eliminarem a porta e a abertura em causa, como pretendem os recorrentes.
DECISÃO
Pelo exposto nega-se a revista, com custas pelos recorrentes.
Lisboa, 27 de Abril de 2005
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Lucas Coelho