SUBSÍDIO DE EXCLUSIVIDADE
RETRIBUIÇÃO
IRREDUTIBILIDADE
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
COMISSÃO DE SERVIÇO
NULIDADE
DANOS MORAIS
Sumário

I - Tendo o autor prestado trabalho à ré em regime de exclusividade durante cerca de cinco anos e meio, e recebido o correspondente subsídio, este, dado o carácter de regularidade, no sentido de permanência e normalidade temporal, integra o conceito de retribuição.

II - O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso de isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho).

III - O subsídio de exclusividade do autor, jornalista, que se destina a compensá-lo pela dedicação exclusiva à ré, traduzida em desempenho específico da função, como seja a prestação de trabalho apenas para a ré, em regime de isenção de horário de trabalho, com disponibilidade de trabalhar em dias feriados não coincidentes com dias de descanso semanal, apenas é devido enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento.

IV - Por isso, não existindo estipulação no contrato de trabalho que confira ao autor o direito irreversível de trabalhar em regime de exclusividade, cessada a prestação de trabalho em regime de exclusividade na sequência de válida determinação da ré, cessa também o fundamento para o pagamento de tal subsídio, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.

V - É nulo, por violação de normas legais imperativas, o acordo pelo qual o autor passou a exercer, em comissão de serviço, as funções de jornalista, nos mesmos termos que até então vinha exercendo, por essa funções não se integrarem em nenhuma daquelas que o art. 1 do DL n.º 404/91, de 16 de Outubro, permite o recurso a essa figura jurídica.

VI - A nulidade do acordo é total se dos autos não resultar que a vontade das partes era no sentido de a ré pagar ao autor o valor correspondente ao previsto no acordo a título de subsídio pelo exercício das funções em comissão de serviço, ainda que aquele não fosse assinado.

VII - Assim, rescindido pelo autor o acordo de prestação de trabalho em comissão de serviço, e não resultando provado que a vontade hipotética das partes era no sentido de manter o pagamento do valor remuneratório prevista no acordo, deixa o mesmo de ser devido, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.

VIII - Em relação ao período em que o acordo de comissão de serviço, nulo, esteve em execução, por força do disposto no art. 15, n.º 1, do CC, deve entender-se que o mesmo produziu os seus efeitos como se válido fosse.

IX - Para que haja lugar à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, é necessário que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar contemplados no art. 483 do CC, e que tais danos assumam gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito (art. 496, n.º 1, do CC).

X - Não se verifica a existência de danos que mereçam a tutela do direito, numa situação em que se prova que a ré comunicou ao autor que projectava abrir uma delegação nos Estados Unidos da América, sendo tendencialmente plausível a sua indigitação como representante da ré, que esta, como procedimento habitual, mandou elaborar uma minuta de acordo de deslocação do autor para os Estados Unidos da América - o que não significava, porém, que este tivesse que se efectivar, como não se efectivou, por razões orçamentais da ré -, e que o autor se sentiu desgostoso por não se concretizar a deslocação.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
"A", intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra B - Agência de Noticias de Portugal, S.A., pedindo:
a) que seja reconhecido que o subsídio de exclusividade, pago em montante equivalente ao salário da respectiva categoria, faz parte integrante da retribuição do A., por constituir uma cláusula do seu contrato de trabalho;
b) a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 11.447.871$00, correspondente à parte da retribuição que lhe é devida e que não foi paga desde Junho de 1996 até à propositura da acção, acrescida da importância de 1.866.205$00 a título de juros de mora já vencidos;
c) a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 6.060.000$00, referente às retribuições devidas pelo Acordo de Deslocação e Mudança de Local de Trabalho, que se deve considerar validamente celebrado até 30 de Junho de 1998, ou, em alternativa, caso assim se não entenda, no pagamento da mesma verba a título de indemnização pelos danos sofridos pelo A., por violação das regras da boa fé na formação do mesmo;
d) a condenação da R. nos juros vincendos que se mostrem devidos a final.
Alegou, para o efeito, e em síntese, que é jornalista, exercendo em Setembro de 1989 a sua profissão no extinto "Diário Popular", onde era responsável pela área da cultura e espectáculos, com a categoria profissional de jornalista do II grupo, beneficiando de um regime de exclusividade que lhe conferia uma retribuição adicional equivalente a 100% do salário da sua categoria.

Nessa altura foi contactado pela Direcção de Informação da Agência B de Informação, CIPRL, a que a R. sucedeu, sendo então convidado para ir trabalhar para a redacção daquela agência, como jornalista da secção nacional - área de cultura, tendo-lhe sido proposto a mesma categoria profissional e um subsídio de exclusividade de valor igual ao salário da categoria, única forma de aceitar a proposta de trabalho, pois, de outro modo, auferiria uma remuneração inferior à que detinha no "Diário Popular".
Começou inicialmente a trabalhar na R., mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo, mantendo paralelamente a actividade que vinha exercendo no "Diário Popular" e, posteriormente, disponibilizando-se a integrar os quadros da R., mediante contrato sem termo e nas condições que lhe tinham sido propostas inicialmente, tendo, para o efeito, rescindido o contrato que o vinculava ao "Diário Popular", passando a trabalhar exclusivamente na redacção da R., com a categoria de Jornalista do II grupo e beneficiando do regime de exclusividade, a que correspondia um subsídio equivalente a 100% da retribuição.
Porém, em 01-01-96, sem invocar qualquer fundamento, a R. fez cessar definitivamente o referido regime de exclusividade, tendo então apresentado ao A. um denominado contrato de "Comissão de Serviço", que justificou com o facto de este passar "a exercer, em regime de Comissão de Serviço, as funções correspondentes a jornalista especialista em cultura, para que foi designado por deliberação da DG da Primeira Outorgante".
Ora, tais funções eram exactamente aquelas que o A. vinha exercendo desde a data da sua admissão na R., não tendo havido na data da apresentação do denominado contrato de comissão de serviço, qualquer alteração na forma de prestação e no conteúdo das funções que até aí vinha desempenhando.
Como contrapartida da invocada comissão de serviço, a R. comprometeu-se a pagar ao A. uma retribuição de valor equivalente à que vinha sendo paga a título de exclusividade - 186.263$00 - que se manteve fixa, não acompanhando a actualização que se verificou no vencimento do A., como acontecia anteriormente com o denominado subsídio de exclusividade.

Em 1 de Julho de 1996, A. e R. celebraram um acordo de deslocação e mudança de local de trabalho temporário, nos termos do qual aquele passaria a prestar funções em destacamento na delegação da R., em Joanesburgo, conservando todos os direitos adquiridos.
E, invocando que o acordo de deslocação era incompatível com a manutenção do contrato de comissão de serviço - por aquele já prever uma remuneração adicional de 505.000$00 mensais atribuída a título de ajudas de custo, mas que se destinava a remunerar o cargo conferido -, a R. exigiu que o A. antes de partir para Joanesburgo rescindisse o contrato de comissão de serviço, ordem que este acatou.
Tendo o A. partido para Joanesburgo em Julho de 1996, para chefiar a delegação da R. naquela cidade, após vicissitudes várias, a mesma R. comunica ao A., em 17 de Dezembro desse mesmo ano, que a referida delegação iria ser encerrada, mantendo-se, todavia, o acordo de deslocação do A., mas agora para os EUA, onde passaria a ser jornalista residente da R.
Contudo, também a deslocação para os EUA acabou por não se concretizar por motivos imputáveis à R., vindo esta, em 18-07-97, a denunciar o "Acordo de Deslocação" celebrado em 01-07-96.
Finalmente, sustenta o A., por virtude de não se terem concretizado as aludidas "deslocações", frustaram-se as expectativas de exercer uma actividade profissional estimulante que lhe provocaria proventos adicionais, do que deverá ser indemnizado.
Realizada infrutífera audiência de partes, contestou a R., sustentando, em síntese, que o A. foi contratado para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de jornalista do II grupo na área da cultura, em regime de contrato de trabalho a termo, por seis meses, com início em 1 de Outubro de 1989.
Apenas em 1 de Agosto de 1990 subscreveu com o A. o contrato de exclusividade aludido na petição inicial, que foi alterado em 1 de Novembro de 1990, sucessivamente renovado em 1 de Agosto de 1992 e 1 de Agosto de 1994 e licitamente denunciado em 29 de Setembro de 1995, com eficácia a 1 de Janeiro de 1996.
Em 1 de Janeiro, tendo por base a especial relação de confiança, lealdade, dedicação e competência que a R. reconhecia ao A. foi celebrado um acordo relativo ao exercício do cargo em regime de comissão de serviço.
Posteriormente, as partes acordaram que previamente à celebração do acordo de deslocação e mudança do local de trabalho do A. para Joanesburgo, o A. rescindisse o acordo de comissão de serviço vigente entre as partes.
E, em consequência de tal rescisão do contrato de comissão de serviço, a R. deixou de pagar ao A. o subsídio mensal a que se tinha obrigado por aquele contrato, tendo desde 1 de Julho de 1996 a 30 de Agosto de 1997, o A. recebido mensalmente, durante 12 meses ano, a importância de 505.000$00, por acréscimo à remuneração e sob a denominação de ajudas de custo.
Quanto à deslocação do A. para os EUA (Nova Iorque), tratava-se apenas de um projecto da Direcção de Informação da R. que, não tendo obtido o acolhimento do Conselho de Administração da mesma R., não se concretizou.
E, até final de Agosto de 1997, o A. recebeu a indemnização de 1.010.000$00 prevista na cláusula 14.ª do acordo de deslocação para Joanesburgo, e por virtude da sua cessação.
Daí que considere não existir qualquer incumprimento contratual que justifique o pedido indemnizatório formulado pelo A. e, quanto ao pedido subsidiário, não existe qualquer proporcionalidade, nem nexo de causalidade entre os danos invocados e o prejuízo reclamado.

Os autos prosseguiram os seus termos, com realização de audiência preliminar, elaboração de despacho saneador, seleccionada a matéria de facto assente e fixação da Base Instrutória, as quais foram objecto de reclamação, com êxito parcial, do A. e R.
Procedeu-se a julgamento, no decurso do qual a R. juntou aos autos dois pareceres jurídicos, de fls. 286 a 305, conforme às posições por si assumidas e, após, foi proferida sentença que julgando a acção improcedente, absolveu a R. dos pedidos.
Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão proferido em 08-10-2003 julgou parcialmente procedente o recurso, sendo a parte decisória do seguinte teor: "julgamos parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e em consequência julgamos fazer parte da sua retribuição a quantia de 186.263$00 mensais, desde 1 de Janeiro de 1996, e condenamos a ré a pagá-la ao autor a partir de Outubro de 1997, data em que se considerou cessado o seu pagamento, com juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre as prestações em atraso e nos vincendos, confirmando-se no demais a decisão recorrida".
Inconformada, agora a R., interpôs recurso de revista, tendo o A. interposto recurso subordinado.
Para o efeito, a R. formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
1. A tese sustentada no Acórdão recorrido relativamente à interpretação do "Acordo Relativo ao Exercício do Cargo em Regime de Comissão de Serviço" constitui violação de direito substantivo e materializa um erro grave de interpretação e de aplicação do Direito.
2. A posição acolhida pelos Senhores Juízes Desembargadores assenta no pressuposto de que se o acordo de "comissão de serviço" permitiu ao recorrido auferir uma quantia mensal superior à prevista na tabela salarial para a sua categoria constante do AE, então é porque "visou apenas alterar a retribuição mensal do autor como contrapartida da sua actividade laboral ao serviço da ré, através da atribuição de um subsídio suplementar, dado que o regime da exclusividade tinha cessado" (fls. 519).
3. Assim, da mera circunstância de o acordo de "comissão de serviço" não ter alterado a categoria, o cargo e as funções do recorrido, mas apenas a sua retribuição mensal, através da atribuição do supra citado subsídio de "comissão de serviço", retiram os Senhores Juízes Desembargadores a conclusão definitiva de que o mesmo acordo não é nulo, porquanto "não contempla qualquer situação irregular, quer quanto às funções nele consignadas atribuídas ao autor, que são as mesmas, quer quanto à retribuição que foi entendida ser-lhe devida" (fls. 519).
4. A irregularidade, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não resulta, porém, e apenas, do facto de o trabalhador ter continuado a exercer as mesmas funções que já exercia antes da celebração do acordo de "comissão de serviço".
5. Mas, outrossim, da circunstância de esse cargo ou funções não serem legalmente enquadráveis no regime da comissão de serviço, tal como previsto no art. 1° do DL 404/91.
6. Por outras palavras, o acordo sob análise é nulo precisamente porque não contempla o exercício, por parte do ora recorrido, enquanto trabalhador, de qualquer cargo de administração ou dela dependente, como o exige o regime jurídico da comissão de serviço, precisamente porque se essas fossem as funções ou cargos nele previstos, o acordo seria inteiramente válido.
7. Assim, de duas uma: ou o acordo de "comissão de serviço" é válido, porque atribui ao trabalhador um cargo a que corresponda parte ou a totalidade das funções previstas no art. 1° do referido diploma que instituiu o regime legal da comissão de serviço; ou é inválido porque se utilizou a sua forma jurídica despida de qualquer atribuição dos cargos ou funções previstos no mesmo diploma.
8. A nulidade do referido acordo é, deste modo, imposta pelo art. 294° do Código Civil, que determina que "os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei".
9. Nos termos do art. 1° do DL n° 404/91, de 16 de Outubro, o regime da comissão de serviço só abrange o exercício de cargos de administração, de direcção ou de secretariado pessoal relacionado com essas funções, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança.
10. Resulta provado nos autos, como se referiu, que o recorrido não foi chamado a nenhuma daquelas funções, tendo, pelo contrário, continuado a desempenhar as suas tarefas normais, que já anteriormente lhe estavam cometidas.
11. Consequentemente, o acordo de "comissão de serviço" celebrado entre recorrente e recorrido é nulo, por violar o previsto em disposição legal de carácter imperativo.
12. A tese contrária acolhida pelos Senhores Juízes Desembargadores, que sustenta a validade do acordo de "comissão de serviço", enquanto alteração do contrato de trabalho celebrado entre as partes, mas apenas quanto à alteração do montante da retribuição do recorrido (que passou a incorporar o denominado subsídio de "comissão de serviço"), carece de todo e qualquer fundamento e não colhe apoio nos factos assentes nos autos.
13. Na verdade, essa mesma tese pressupõe algo que os Senhores Juízes Desembargadores olvidaram, isto é, que fosse invocada ou declarada oficiosamente a simulação do acordo de "comissão de serviço", com as consequências legais daí resultantes, maxime a declaração de nulidade do mesmo, enquanto negócio simulado.
14. Esse seria o caminho a seguir para quem perfilhasse o entendimento plasmado no Acórdão recorrido.
15. Destarte, se, no entender dos Senhores Juízes Desembargadores, o que se pretendeu com a celebração do acordo de "comissão de serviço" foi atribuir a cit. prestação mensal de 186.263$00 ao recorrido, sem que essa atribuição tivesse ficado adstrita a qualquer especificidade temporária das funções a desempenhar pelo mesmo, o que apenas por hipótese se admite, sem conceder, não pode deixar de se considerar estarmos perante um negócio jurídico simulado, com as inerentes consequências legais.
16. Ora, como vimos, não só a simulação não foi arguida pelo recorrido, como também não foi declarada oficiosamente pelo Tribunal, precisamente por não se encontrar suportada por nenhum facto assente nos autos.
17. Acresce que a questão central dos autos foi já submetida à apreciação de diversas instâncias tendo, até ao momento, e com a única excepção do Acórdão recorrido, prevalecido a orientação jurisprudencial da nulidade do acordo de "comissão de serviço", com a aplicação do regime jurídico daí decorrente, seja o do art. 15°, n° 2 da LCT, seja o dos art.s 286° e segs. do Código Civil, embora, num e noutro caso, os resultados sejam idênticos.
18. Em último lugar, releva-se que dizer-se que aquilo que as partes quiseram, com a celebração do acordo de "comissão de serviço", foi apenas alterar a retribuição do recorrido, passando a incluir na sua retribuição o montante do subsídio de "comissão de serviço", é atentatório dos mais elementares princípios de interpretação e de integração das declarações de vontade nos negócios jurídicos plasmados no art. 236° do Código Civil e que consagram, entre nós, a teoria da impressão do destinatário.
19. Na verdade, na ausência de um só facto assente que suporte a tese vertida no Acórdão recorrido, e lançando mão da referida teoria, não é admissível sustentar-se que um declaratário normal, colocado na posição da recorrente ou do recorrido, enquanto declaratários reais, ao assinar o acordo de "comissão de serviço", partisse do princípio de que o mesmo teria por único objectivo fazer acrescer à retribuição mensal do trabalhador o montante do subsídio de "comissão de serviço".
20. Ultrapassado o erro de interpretação e de aplicação do Direito em que incorreram os Senhores Juízes Desembargadores, importa dilucidar quais os efeitos jurídicos dessa nulidade no contrato de trabalho que regula a relação labora) entre recorrente e recorrido.
21. Quanto a este aspecto, seguimos de perto a posição sustentada pelo STJ num Acórdão proferido a propósito de um caso em tudo idêntico ao dos presentes autos, que se transcreve:
(...) Sendo nulo o acordo, há que aplicar, por força do que se dispõe no art. 6° do referido Dec-Lei n° 404/91, o regime jurídico do contrato individual de trabalho no que toca à invalidade do contrato de trabalho.
Ora, a nulidade não atinge mais do que o estabelecimento do regime da comissão de serviço, deixando intocados os termos da relação laboral que vinculava autor e ré, só naquele particular modificada (...), há que fazer aplicação da regra contida no n° 1 do art. 15° da LCT e concluir que o regime da comissão de serviço produziu os seus efeitos, como se válido fosse, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
É esse entendimento que ora se reitera, restando apurar quais são as suas consequências práticas.
Como já atrás se referiu, embora, em muitos casos, o regime do n° 1 do art. 289° do Código Civil conduza ao mesmo resultado prático que o do n° 1 do art. 15° da LCT, por, sendo naturalmente impossível a restituição em espécie das prestações de facto (do trabalhador) recebidas pela entidade patronal, se verificar compensação entre o valor correspondente a essas prestações (que a entidade patronal teria de restituir) e as retribuições auferidas pelo trabalhador durante o período de execução do contrato, há, no entanto, uma diferença de particular relevo. É que enquanto no regime do Código Civil só se «salvam», por força dessa «compensação», as prestações pecuniárias efectivamente recebidas, não podendo o contrato inválido servir de base para a reclamação de prestações que, embora devidas se o negócio fosse válido, não chegaram a ser efectivadas, já o n° 1 do art. 15° da LCT, ao proclamar que o contrato inválido produz efeitos «como se fosse válido» em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, permite, por exemplo, que o trabalhador reclame o pagamento de retribuições relativas a trabalho prestado durante a execução de contrato inválido e ainda não pagas (...).
Posto isto, e revertendo para o caso dos autos, é de concluir que não assiste razão à autora ao pretender a manutenção do subsídio por comissão de serviço após a cessação desse acordado regime, por iniciativa da ré, sendo certo que o artigo 4°, n° 1, do Decreto Lei n° 404/91 permite a qualquer das partes fazer cessar, a todo o tempo, a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço.
A cessação do abono desse subsídio não representa, por razões similares às lá expostas quanto ao subsídio de exclusividade, qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, plasmado no artigo 21°, n°. 1, alínea d), da LCT.
22. Em face do alegado, adere-se, sem reservas, à tese da nulidade do acordo de "comissão de serviço" celebrado entre recorrente e recorrido, com as demais consequências legais daí resultantes.
23. Questão diversa é a do regime jurídico que regula os efeitos dessa invalidade, sendo certo que, optando-se pela aplicação do regime geral da nulidade dos negócios jurídicos ou, alternativamente, pelo regime especial da nulidade previsto no art. 15°, n° 2 da LCT, deverão V. Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, revogar o douto Acórdão recorrido, por a decisão que dele emana consubstanciar um erro de interpretação e de aplicação do Direito aos factos e por enfermar do vício de violação de direito substantivo, nomeadamente, por violar o preceituado nas disposições
previstas nos arts° 1° do DL 404/91, 15°, n° 2 e 21, n°1, al. d) da LCT e 236° e 294° do Código Civil.
24. Mais se requer a V. Excelências que, aplicando correctamente o Direito aos factos assentes nos autos, substituam a decisão recorrida por outra que julgue que a cessação do pagamento do subsídio de "comissão de serviço" por parte da recorrente não representou, por razões similares às já expostas quanto ao subsídio de exclusividade, qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, plasmado no artigo 21°, n°. 1, alínea d), da LCT.
Por sua vez, o A. termina as respectivas alegações apresentando as seguintes conclusões:
1. Resulta com evidente clareza dos factos que rodearam a contratação do Recorrente que o acordo relativo à sua retribuição (decisivo para que este aceitasse integrar a redacção da Recorrida) foi o de que esta fosse em montante igual ao dobro da prevista na tabela salarial da empresa para a sua categoria profissional, bem como de que o único motivo dessa retribuição era, apenas e só, o de constituir a contraprestação do trabalho "entregue" pelo Recorrente. Assim, aquela retribuição paga pela Recorrida ao Recorrente constitui inegavelmente, parte integrante da retribuição base deste. Não consistindo em qualquer retribuição acessória;
2. E assim sendo, ela está, irremediavelmente, sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição estatuído na alínea c) do n.° 1 do artigo 21.° da L.C.T..
E, por isso, o direito à mesma é indisponível, sendo, portanto, inócua qualquer declaração do trabalhador no sentido de prescindir da mesma, nomeadamente através da celebração de um acordo que prevê que o trabalhador passará a receber um subsídio superior à parte de que "prescinde" da sua retribuição. Ainda mais quando esse acordo não teve por base ou virtude qualquer alteração na situação fáctica vivida pelas partes até então;
3. Ao decidir em contrário, embora que somente em relação à retribuição que é devida ao Recorrente pelo período compreendido entre 01 de Julho de 1996 e 01 de Outubro de 1997, correspondente à vigência do 3° Acordo celebrado entre as partes, o Acórdão recorrido violou o disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 21 L.C.T.;
4. Além disso, a componente de retribuição em causa não se cifra em 186.263$00 exactos e imutáveis, devendo antes ser aferida à razão de 100% da retribuição base mensal auferida pelo Recorrente, atendendo aos aumentos salariais entretanto ocorridos. Isto decorre quer dos factos provados supra indicados, quer do disposto na cláusula 6.ª do 2° Acordo celebrado, que salvaguarda, a partir de 01 de Julho de 1996, os benefícios resultantes da progressão normal da carreira profissional;
5. Consequentemente, e com o mesmo fundamento legal atrás invocado, deve o douto Acórdão deste Colendo Tribunal condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente os acréscimos de cada parcela de remuneração em causa resultantes de actualização dos valores salariais tabelados pela empresa, equivalentes à retribuição da sua categoria, desde 01 de Julho de 1996, até integral reposição da sua retribuição, acrescidos de juros de mora à taxa legal aplicável, bem como a pagar as retribuições, assim calculadas, referentes ao período de vigência do 2° Acordo celebrado entre as partes;
6. A conjugação de todos os factos que rodearam a negociação do contrato de deslocação que a Recorrida propôs ao Recorrente para Nova Iorque e que depois não celebrou revelam que desse facto resultaram danos significativos, de ordem moral, para o Recorrente que não podem ser considerados despiciendos e desmerecedores da tutela do Direito. A sua avaliação, de acordo com um padrão objectivo, como se refere no Acórdão recorrido, não pode conduzir à sua total desvalorização para o Direito, como ali se faz. Pelo contrário, à luz de um padrão objectivo é manifesta a sua gravidade. E, estamos em crer, só assim se não considerou porque não se teve em consideração o quadro factual no seu todo, mas apenas um facto isolado que mais directamente apelava à noção de dano não patrimonial;
7. Temos, pois, que os danos sofridos pelo Recorrente pela perda da confiança que depositara na celebração do contrato foram bastante mais profundos do que aquilo que se concluiu no Acórdão recorrido. Aferidos à luz de um padrão objectivo, resulta que os mesmos revestem gravidade e merecem a tutela do Direito;
8. O Acórdão recorrido, ao decidir em contrário, violou, pois, o disposto no artigo 496.° do Código Civil, impondo-se a sua revogação, com a condenação da Recorrida a ressarcir os danos que causou, com a sua conduta contrária aos ditames da boa fé, ao Recorrente em montante a deferir por V. Ex.as de acordo com um ponderado e justo juízo de equidade.
Conclui que deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene a R. em conformidade com o alegado.
A. e R. contra-alegaram ao recurso apresentado pela outra parte, pugnando pela respectiva improcedência.
Neste STJ, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto "Parecer" no sentido da concessão da revista da R. e da improcedência do recurso subordinado do A., tendo o aludido "Parecer" sido objecto de resposta do A., consubstanciada no reafirmar de posições já constante dos autos.

II. Enquadramento fáctico
É a seguinte a matéria de facto fixada pelas instâncias, que este STJ aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1º O autor é jornalista portador da carteira profissional n.º 1459 e associado do sindicato dos jornalistas;
2.º O autor foi contratado pela ré em 1 de Outubro de 1989, mediante contrato a termo certo de seis meses, junto a folhas 102 a 104;
3º Desempenhando as funções de jornalista do II grupo;
4º Em 1 de Agosto 1990, autor e ré celebraram o contrato de exclusividade junto a folhas 106 a 108 dos autos, passando o autor a auferir um subsídio de montante igual ao da remuneração base e que acompanhava esta aquando de aumentos salariais;
5º Para o autor entrar ao serviço da ré foi decisivo o facto de lhe ser pago um subsídio de exclusividade, equivalente a 100% da remuneração para a sua categoria;
6º Em 29 de Setembro de 1995, a ré denunciou o contrato de exclusividade com efeitos a 1 de Janeiro de 1996, nos termos de folhas 26 dos autos, deixando de pagar o referido subsídio, que era então 186.263$00;
7º Em 1 de Janeiro 1996 o autor e a ré celebraram o contrato, junto a folhas 27 e 28, encimado pelos dizeres "Acordo Relativo ao Exercício do Cargo em Regime de Comissão de Serviço";
8º Mediante o qual o autor auferia o salário base mensal de 186.263$00 e um subsídio de igual montante;
9º E desempenhando o autor ao abrigo de tal contrato as funções de jornalista especialista em cultura;
10º O autor desempenhava tais funções desde a sua entrada ao serviço da ré;
11º O subsídio referido em 8.º manteve-se fixo, não acompanhando os aumentos do salário base;
12º Em Abril de 1996, a ré abriu concurso interno para o lugar de jornalista correspondente da agência B na África do sul, tendo o autor sido seleccionado para o lugar;
13º O autor rescindiu o contrato de comissão de serviço com efeitos a 1 de Julho de 1996, cfr.fls 36;
14º O documento de folhas 36 foi elaborado pelo autor antes de este partir para Joanesburgo;
15º A ré entendia que não se coadunava a remuneração adicional da comissão de serviço com a verba que no âmbito da cláusula 8, n.º 2 (folhas 33) do contrato de deslocação lhe passaria a pagar;
16º Deixando a ré a partir de então de pagar o subsídio referido em 8);
17º A ré e o autor celebraram o contrato de folhas 32 a 35, visando a prestação de funções por destacamento de Chefe da delegação da B em Joanesburgo;
18º Por prever que a sua estadia em Joanesburgo, ao abrigo do contrato de folhas 32 a 35, iria ser longa o autor entendeu levar consigo a sua mulher e o seu filho de 16 meses de idade;
19º O que levou a que a mulher do autor sendo professora efectiva do ensino secundário tivesse de diligenciar no sentido de conseguir a sua requisição para funções compatíveis a exercer na área consular de Joanesburgo, requisição essa deferida a partir de Janeiro de 1997;
20º Na sequência do referido em 18º a mulher do autor fez cessar um contrato de prestação de serviços que mantinha com o Centro de Formação Profissional das Artes gráficas e Multimédia, o que lhe conferiu no ano de 1995 um rendimento anual de 571.000$00;
21º Tendo o autor como acordado com a ré partido para Joanesburgo em Julho 1996;
22º Tendo sido decidido encerrar a delegação da ré em Joanesburgo o autor foi informado que iria a Joanesburgo apenas por seis semanas para tratar de questões relacionadas com a venda dos bens da delegação;
23º A mulher do autor voltou a diligenciar junto dos serviços competentes para revogar a sua transferência para Joanesburgo o que veio a ser conseguido;
24º Na reunião de 17 de Dezembro de 1996 o Presidente do Conselho de Administração da ré comunicou que a ré projectava vir a abrir uma delegação nos Estados Unidos da América e que caso tal se concretizasse o autor seria o jornalista residente da B nos Estados Unidos da América;
25º O Presidente do CA da B na reunião tida com o autor em 17 de Dezembro de 1996, limitou-se a comunicar ao autor que a ré projectava vir a abrir uma delegação nos EUA, sendo tendencialmente plausível a indigitação do autor para a representante da B nos EUA;
26º Em 1 de Abril de 1997 o autor partiu para os EUA para fazer a reportagem da visita oficial do Primeiro-Ministro àquele País;
27º Em 1 de Abril de 1997 o autor parte para os EUA para, além do mais, estabelecer a rede de contactos dos correspondentes da B em várias cidades americanas;
28º No regresso, o autor apresentou, em 15 de Abril de 1997, um relatório à Direcção de Informação da ré, nos termos do qual sugere, por razões de estratégia informativa a fixação de um jornalista delegado em Nova Iorque (documento folhas 42 e 43);
29º Em 6 de Maio de 1997, o autor apresentou à ré um relatório de custos de instalação de uma delegação nessa cidade junto a folhas 44 a 47;
30º A administração da ré mandou elaborar pelos serviços jurídicos uma minuta do acordo de deslocação do autor para Nova Iorque;
31º Em 4 de Junho de 1997 o Departamento de Recursos Humanos enviou ao Presidente do CA da ré a nota interna de folhas 54, na qual o Presidente da Direcção Geral confirma que a deslocação se mantém "uma vez que vai para Nova Iorque com outro contrato que anula o que tinha com a África do sul ";
32º Tendo o Director de Recursos Humanos da ré determinado que os serviços jurídicos elaborassem o respectivo contrato de deslocação;
33º A direcção de informação da ré pediu em 6 de Junho de 1997 a acreditação do autor junto dos serviços das Nações Unidas, declarando que "este foi nomeado desde hoje (6-6-97) correspondente nas Nações Unidas com residência em Nova Iorque (documento folhas 53);
34º O pedido de acreditação do autor junto dos serviços das Nações Unidas e subsequente pedido de renovação visavam aprontar e manter válida a acreditação do autor junto da ONU para a eventualidade de ser efectivado o contrato de deslocação;
35º A declaração de folhas 53 foi elaborada pelo seu subscritor Rui Avelar "para fortalecer o jornalista junto dos seus interlocutores " que enquanto Director de Informação da B, não dispunha de poderes para concretizar o acordo de deslocação;
36º O autor foi mandado para os Estados Unidos da América de 15 de Junho a 1 de Julho de 1997 , de 2 a 9 de Agosto 1997 e de 18 de Setembro a 5 de Outubro de 1997 para fazer cobertura de acontecimentos jornalísticos relevantes;
37º O autor deslocou-se diversas vezes a Nova Iorque no âmbito do debate nas Nações Unidas das questões relativas a Angola e Timor, não tendo o autor recebido indicação da Direcção de Informação para se instalar definitivamente nessa cidade;
38º Em 18 de Julho de 1997 a Direcção Geral da ré denunciou o acordo de deslocação de 1 de Junho 1996, nos termos de folhas 55;
39º A partir de Outubro de 1997 o autor deixou de receber qualquer contrapartida do acordo de deslocação;
40º Em 15 de Dezembro de 1997 a Direcção de Informação e a Secretaria Geral da ré apresentaram ao Presidente do Conselho de Administração uma nova proposta de radicação do autor em Nova Iorque;
41º O Presidente do CA determinou a orçamentação da verba necessária e elaboração de uma nova minuta do acordo de deslocação;
42º Constitui procedimento habitual na B a preparação de minutas tendo em vista a celebração de acordos ou contratos, o que não significa que os mesmos venham efectivamente a ser celebrados;
43º Assim sucedendo também com as minutas de folhas 51 e 52 e 67;
44º O projecto de deslocação do autor não mereceu acolhimento do Conselho de Administração ;
45º Em 20 de Janeiro de 1998 o Secretário-Geral da ré enviou ao autor a carta junta a folhas 68, na qual lhe comunicava que o projecto de colocação de um jornalista residente da B em Nova Iorque ficava momentaneamente suspenso, mas que caso as limitações orçamentais fossem ultrapassadas, tal projecto seria retomado;
46º O autor sentiu-se desgostoso por não se concretizar a deslocação para Nova Iorque;
47º Ao serviço da B o autor efectuou deslocações à Costa do Marfim em Novembro de 1997, à Bósnia em Dezembro 1997 , a Bruxelas, Albânia e Chipre em Janeiro de 1999, em Novembro de 1999 à Turquia e em Janeiro de 2000 a Londres;
48º O autor durante o período de serviço na EXPO 98 , de 1 de Março a 30 de Setembro de 1998, auferiu um subsídio de função no montante mensal de 130.000$00;
49º Tendo sido admitido com a categoria de jornalista do II grupo, o autor passou a jornalista do III grupo em Outubro de 1992, de IV grupo em Outubro de 1995 e de jornalista do V grupo em Abril de 1997;
50º O autor auferiu o salário mensal de 192.800$00 em 1996, de 199.300$00 em 1 de Janeiro 1997 e 31 de Março 1997, 223.000$00 de 1 de Abril de 1997 a 31 de Dezembro de 1997, de 240.800$00 em 1998;
51º Entre Janeiro e Junho de 1999 o autor auferia o salário mensal de 247.542$00 tendo o mesmo passado para 259.262$00 em Julho de 1999.

III. Enquadramento jurídico
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações dos recursos - como resulta do disposto nos art.s 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC, ex. vi do art. 1, n.º 2, a), do CPT -, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
a) determinar a natureza e relevância jurídico-laboral, designadamente a nível retributivo, do subsídio de exclusividade que foi pago ao A.;
b) apurar se o acordo de Comissão de Serviço celebrado entre A. e R. é nulo e, em caso afirmativo, as consequências daí decorrentes;
c) se em consequência da não deslocação do A. para Nova Iorque resultaram para este danos que mereçam a tutela do direito.
Cumpre, então, apreciar e decidir as referidas questões.

1. Quanto à natureza jurídica do subsídio de exclusividade
Refira-se que iniciamos a análise e decisão por esta questão, não obstante ter sido suscitada no recurso subordinado, tendo em conta não só a sequência cronológica dos contratos celebrados entre as partes, mas sobretudo por poder ter reflexo directo na questão equacionada em b), objecto do recurso principal interposto pela R., podendo até este - caso se considere a existência de irredutibilidade do subsídio de exclusividade -, vir a considerar-se prejudicado face à resolução daquela questão.

Como flui dos autos, após a celebração inicial do contrato de trabalho a termo, A. e R. celebraram ainda três contratos:
a) Um em 1 de Agosto de 1990, contrato de exclusividade, nos termos do qual o A. passou a auferir um subsídio de montante igual ao da remuneração base e que deveria acompanhar esta aquando dos aumentos salariais.
O referido contrato foi denunciado pela R. em 29 de Setembro de 1995, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1996, deixando a partir de então de pagar ao A. o "subsídio de exclusividade", que era na altura de 186.263$00.
b) Com início em 1 de Janeiro de 1996, foi então celebrado um novo contrato, sob os dizeres de "Acordo Relativo ao Exercício do Cargo em regime de Comissão de Serviço", nos termos do qual para além do salário base mensal de 186.263$00, o A. passaria a auferir um subsídio de igual montante.
Por carta de 19 de Junho de 1996, o A. solicitou à R. a rescisão do "Acordo de Comissão de Serviço" com efeitos a partir de 1 de Julho de 1996, em virtude de passar a estar vinculado pelo "Acordo de Deslocação e Mudança de Local de trabalho Temporário".
c) Na sequência, finalmente, com início em 1 de Julho de 1996, A. e R. celebraram o contrato denominado "Acordo de Deslocação e Mudança de Local de Trabalho Temporário", pelo período de dois anos, renováveis sucessivamente por igual período de tempo, nos termos do qual a R. pagaria ao A., além do mais, uma verba mensal de 505.000$00 doze meses ao ano, deixando a partir de então a R. de pagar o subsídio pelo "Acordo de Comissão de Serviço".

Constata-se que em todos estes contratos se prevê o pagamento ao A., para além da remuneração base, de uma remuneração acessória ou "subsídio".
Em relação ao contrato de exclusividade, resulta do mesmo que:
- obrigou-se o A. a não exercer qualquer actividade de âmbito profissional, como ou sem remuneração, por conta própria ou alheia, para além da R., assim como a não prestar qualquer colaboração, regular ou não, assinada sob pseudónimo ou anónima, em qualquer outro órgão de comunicação social que não a R. (cláusula 1.ª, n.ºs 1e 2);
- ficou o A. vinculado a um regime de isenção de horário de trabalho, de disponibilidade, aceitando trabalhar em dias feriados não coincidentes com os dias de descanso semanal, por conveniência, trocar folgas semanais e vincular-se a um regime de flexibilidade de horário de trabalho e aceitando ainda, por conveniência de serviço, antecipar ou protelar o inicio do trabalho diário, bem como alterar o seu turno de trabalho semanal (cláusula 3.ª, b), c) e d));
- como contrapartida pelo compromisso de exclusividade e da disponibilidade referidas, obrigou-se a R. a pagar ao A. um subsídio mensal de 100% da remuneração base mensal estabelecido no Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho em vigor, para a respectiva categoria profissional, ou da remuneração do cargo profissional (cláusula 4.ª).
Isto é, por força do contrato de exclusividade, o A. obrigou-se a exercer a sua actividade profissional em "exclusivo" para a R., com total disponibilidade de trabalho, seja em termos de isenção de horário de trabalho, seja de alteração dos turnos e folgas ou até de prestação de trabalho em dias feriados não coincidentes com os dias de descanso semanal.
As partes deixaram consignado no acordo aquilo que se encontrava previsto em termos de Acordo de Empresa (AE).
Com efeito, estatui a cláusula 33.ª do AE (1) celebrado entre a R. e, além de outros, o Sindicato dos Jornalistas, que o contrato de exclusividade celebrado entre a aqui R. e os trabalhadores envolvidos "...visa combater, de uma forma gradual e realista, o recurso ao duplo emprego, que prejudica por igual a empresa e aqueles profissionais, propondo-se por outro lado, fomentar a iniciativa e melhorar a qualidade da produção profissional, reforçando os laços que devem ligar esses trabalhadores à empresa".
E, daí que esse contrato imponha ao respectivo trabalhador a obrigação de não exercer a actividade profissional para outra entidade e de se vincular ao regime de isenção de horário de trabalho previsto na lei geral, recebendo, como contrapartida, uma prestação pecuniária de montante igual à remuneração mensal.

Ora, no caso em apreço, o A. prestou o trabalho à R. em regime de exclusividade desde 1 de Agosto de 1990 a 31 de Dezembro de 1995, ou seja, durante cerca de cinco anos e meio.
A lei - art.º 82, n.º1, da LCT - considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
O n.º 2, do mesmo precito legal estatui que "A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie".
Por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito legal determina que até prova em contrário, se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
Como sublinha Pedro Romano Martinez (2) .
"Os elementos constitutivos da definição legal de retribuição são três: em primeiro lugar, a retribuição corresponde à contrapartida da actividade do trabalhador (n.º 1, parte final); segundo, a retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica (n.º 2); por último, o terceiro elemento identificador respeita ao facto de a prestação ter de ser feita em dinheiro ou em espécie (n.º 2, parte final), ou seja tem de ser uma prestação com valor patrimonial".
Tendo o subsídio de exclusividade sido pago ao longo do período mencionado, é de concluir que o mesmo tem carácter de regularidade - no sentido de permanência e normalidade temporal -, pelo que integra o conceito de retribuição.
Porém, de tal afirmação não decorre, necessariamente, que o mesmo goze do princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art. 21, n.º 1, c), da LCT.
Como tem sido afirmado repetidamente por este tribunal (3), o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas - como é o caso de isenção de horário de trabalho ", ou a maior trabalho - como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho (4).
É o que se verifica no caso: o subsídio de exclusividade destina-se a "compensar" a dedicação exclusiva do A., traduzida em desempenho específico da função, como seja a prestação de trabalho apenas para a R., em regime de isenção de horário de trabalho, disponibilidade de trabalhar em dias feriados não coincidentes com dias de descanso semanal, etc.
Por isso, cessada essa prestação de trabalho em regime específico deixa de existir fundamento legal para continuar a ser paga retribuição ou subsídio correspondente.

A este propósito, sustenta ainda o A., esse subsídio faz parte integrante da remuneração-base, porquanto foi determinante para a celebração do contrato de trabalho e, daí, a irredutibilidade da retribuição prevista na alínea c do n.º 1, do art. 21.º da LCT.
É inquestionável que existindo estipulação no contrato de trabalho que confira ao trabalhador o direito irreversível de trabalhar em regime de exclusividade, tal só pode significar que o trabalhador adquiriu a titularidade do direito a esse regime de exclusividade.
Mas essa não é a situação dos autos.
É certo que para o A. entrar ao serviço da R. foi decisivo o facto de lhe ser pago um subsídio de exclusividade, equivalente a 100% da remuneração para a sua categoria (facto n.º 5).
Mas anteriormente à celebração desse contrato de exclusividade, já vigorava a relação de trabalho entre as partes, ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, sem que tivesse sido clausulado qualquer acordo de exclusividade.
E, no próprio contrato de exclusividade se prevê expressamente (cláusula 4.ª), que o mesmo tem a duração de um ano, sendo renovado automaticamente por igual período de tempo, se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência mínima de 60 dias, relativamente ao termo do contrato, podendo ainda a R. rescindir a todo o tempo o mesmo contrato "...desde que se deixem de verificar as circunstâncias que justificaram a sua celebração...".
Da análise da factualidade referida, resulta que para o A., em termos de vontade e motivação, foi determinante o pagamento do subsídio de exclusividade.
Contudo, não tendo sido clausulado, em termos de contrato de trabalho, o subsídio de exclusividade, prevendo-se, até, no acordo sobre este, a possibilidade de denúncia por qualquer das partes, é de concluir que as mesmas consideraram, ao celebrar o acordo, que dele não resultava qualquer direito do A. a manter-se trabalhar em regime de exclusividade, com a correspondente prestação pecuniária, apresentando-se, consequentemente, como uma situação reversível, isto é, sem que produza o efeito estabilizador de aquisição do direito à prestação do trabalho em regime de exclusividade.
Nesta sequência, reafirma-se, o subsídio de exclusividade que foi pago ao A. não goza do princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art. 21.º, n.º 1, c), da LCT.
Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações do recurso subordinado do A.

2. Quanto ao "acordo relativo ao exercício do cargo em regime de comissão de serviço".
A 1.ª instância, considerando que ao abrigo do contrato de comissão de serviço o A. continuou a desempenhar, exactamente, as mesmas funções que até aí vinha desempenhando, ou seja, jornalista especialista em cultura, e que não foi alegado que o A. exercesse qualquer cargo de administração ou de direcção dependente da administração, ou de secretariado pessoal, administrador ou director, julgou o contrato nulo, por violação de disposição legal de carácter imperativo (art. 294.º, do CC e art. 1.º do DL n.º 404/91, de 16 de Outubro).
E, sendo nulo o acordo, por força da aplicação do disposto no art. 15.º da LCT, o regime da comissão de serviço produziu efeitos, como se válido fosse, em relação ao período em que se manteve em execução, ou seja, até 1 de Julho de 1996; porém, cessada a comissão de serviço por iniciativa do A., este perdeu o direito ao correspondente subsídio mensal.
A 2.ª instância, considerando que as funções que o A. passaria a exercer, por virtude do contrato de comissão de serviço, eram as que ele sempre desempenhou ao serviço da R., entendeu que o referido acordo era inócuo em termos de atribuição de funções, daí concluindo que não foi atribuído ao A. qualquer cargo em comissão de serviço.
Mas, acrescenta-se no acórdão recorrido, e no que à retribuição do A. prevista naquele mesmo contrato de comissão de serviço respeita: uma vez que o acordo foi "celebrado no mesmo dia em que a ré fez cessar os efeitos do regime de exclusividade e consequentemente o subsídio nele contemplado, as partes pretenderam, com ele, que o autor pelo exercício das suas funções de jornalista, passasse a auferir um subsídio no valor de 186.263$00 a acrescer à sua remuneração de base, de forma a permitir que o autor auferisse uma quantia mensal superior à prevista na tabela salarial, constante do AE para a sua categoria profissional".

A R./recorrente - à semelhança do decidido nos acórdãos deste tribunal de 09-11-00 e de 25-09-02 (5), proferidos em acções intentadas, cada uma delas, por outro trabalhador/jornalista, também contra a aqui R., e que analisaram e decidiram situações idênticas à dos presentes autos -, sustenta que o acordo de comissão de serviço celebrado entre as partes é nulo, porque não contempla o exercício por parte do trabalhador, de qualquer cargo de administração ou dela dependente; e, sendo o acordo nulo, por força do disposto no art. 15.º, n.º 1 da LCT, apenas produziria os seus efeitos, como se válido fosse, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, pelo que cessada a comissão de serviço cessaria também a obrigatoriedade de pagamento do respectivo subsídio.

Decorre dos termos do contrato celebrado entre as partes em 1 de Janeiro de 1996, encimado pelos dizeres "Acordo Relativo ao exercício de Cargo em Regime de Comissão de Serviço", que:
- o A., trabalhador da R., ao serviço da qual exercia, em regime de contrato de trabalho sem termo, as funções inerentes à categoria profissional de Jornalista do IV Grupo, passaria a exercer, em Regime de Comissão de Serviço, as funções correspondentes a jornalista especialista em Cultura, na sequência de deliberação da Direcção Geral da R. (cláusulas 1.ª e 2.ª);
- o exercício do cargo assentou no pressuposto de confiança e lealdade, dedicação e competência que a R. nele depositou, auferindo o A. como contrapartida da actividade profissional, a remuneração de base mensal de 186.263$00, bem como o subsídio de 186.263$00 mensais (cláusulas 3.ª e 4.ª);
- qualquer das partes podia termo à prestação do trabalho em regime de comissão de serviço, mediante aviso prévio de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho tivesse tido a duração de até dois anos ou superior a dois anos (cláusula 5.ª, n.º 2);
- com a cessação da comissão de serviço extinguiam-se o estatuto retributivo e as condições específicas previstas na cláusula 3.ª e na norma constante da Ordem de Serviço n.º 011/95, ficando o A. obrigado a prestar constas e a devolver os meios colocados à sua disposição por inerência do cargo de chefia para que foi designado.

Da factualidade que assente ficou, verifica-se que o A. desempenhava as funções de jornalista especialista em cultura desde a sua entrada ao serviço da R.
Dispõe o art. 1.º, n.º 1, do DL n.º 404/91, de 16-10, que "Podem ser exercidos em regime de comissão de serviço os cargos de administração, de direcção directamente dependentes da Administração e, bem assim, as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos e a outras funções previstas em convenção colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança".
Por sua vez, estipula o art. 4.º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma legal:
"1. A todo o tempo pode qualquer das partes fazer cessar a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço.
2. A cessação da comissão de serviço está sujeita a um aviso prévio de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha tido uma duração de até dois anos ou mais de dois anos".
Finalmente, estipula o art. 6.º:
"Aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma".
Ora, desempenhando o A. ao serviço da R., desde o início, as funções de jornalista, especialista em cultura, e não resultando da factualidade provada que tais funções se insiram em cargos de administração ou que sejam directamente dependentes da administração, ou ainda, que se trate de funções previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, cuja natureza se fundamente numa especial relação de confiança (6), imperioso é concluir pela invalidade de tal acordo, concretamente consubstanciada em nulidade do acordo.
Com efeito, dispõe o art. 294.º, do CC, que "Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei".
Refira-se a este propósito, que concordando-se com a afirmação do acórdão recorrido, no sentido de que pouco importa o nomen juris que as partes deram ao acordo, interessando é aferir das alterações que ele pretendeu introduzir ao contrato de trabalho, já não acompanhamos o mesmo quando afirma que o mesmo acordo não é nulo, por não contemplar qualquer situação irregular, quer quanto às funções nele consignadas ao A. quer quanto a retribuição devida.
Na verdade, por um lado, como se deixou referido, o acordo prevê o exercício (continuação) de funções por parte do A., que não se enquadram nas que a lei prevê possam ser exercidas em comissão de serviço; por outro, do acordo ressalta que o mesmo tem sempre como "pano de fundo" o regime legal de comissão de serviço, regulado pelo DL n.º 404/91, de 16-10, fazendo-se alusões a este, designadamente no que se refere à sua denúncia e, portanto, afigura-se inquestionável que as partes quiseram celebrar um contrato de comissão de serviço.

Questão que agora se coloca, e que importa decidir, consiste em saber se a nulidade desse acordo é total ou apenas parcial, havendo, neste caso, lugar à redução do negócio jurídico.
Atente-se que nos termos do art. 14.º, n.º 1, da LCT, "A nulidade ou anulação parcial do contrato de trabalho não determina a invalidade de todo o contrato, salvo quando se demonstre que os contraentes ou alguns deles o não teriam concluído sem a parte viciada"; idêntico é o estabelecido no art. 292.º, do CC: "A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada".
Ou seja, há que recorrer à vontade hipotética das partes.
Com vista à determinação desta, temos como ponto de partida que o acordo de comissão de serviço não alterou as funções que o A. vinha desempenhando até aí e, como vimos, que as funções constantes do mesmo acordo, não podiam ser exercidas em comissão de serviço, donde decorre a nulidade do acordo.
Mas nulo o acordo, impõe-se apurar se, ainda que as partes não celebrassem o mesmo, a R. aceitaria pagar ao A. a importância de 186.263$00 mensais nele prevista como subsídio.
Ora, embora na matéria de facto nada se refira, expressamente, a tal respeito, da leitura do acordo, designadamente da cláusula 7.ª, impõe-se resposta negativa.
Na verdade, aí as partes previram explicitamente que a cessação da comissão de serviço extingue o estatuto retributivo e as condições específicas previstas no acordo sobre tal matéria, assim como na norma constante da Ordem de Serviço n.º 011/95, "...ficando o 2.º Outorgante obrigado a prestar contas e a devolver os meios colocados à sua disposição por inerência do desempenho do cargo de chefia para que foi designado".
Ou seja, as partes contemplaram, ainda que por via indirecta, que o pagamento ao A. do subsídio previsto no acordo é contrapartida, podemos dizer é conditio sine qua non, do exercício do cargo em regime de comissão de serviço: logo, caso esse acordo não fosse celebrado não seria paga ao A. a retribuição, lato sensu, nele prevista (7).
Em sentido contrário, poder-se-à argumentar que sendo o valor do subsídio de comissão de serviço de 186.263$00 mensais, valor igual, portanto, ao que até aí a R. pagava ao A. a título de subsídio de exclusividade, através do recurso àquela figura jurídica mais não se pretendeu que garantir ao A. a manutenção do mesmo valor retributivo global.
É facto incontroverso que recebendo o A. em 31 de Janeiro de 1995 - data em que cessou o contrato de exclusividade - o valor de 186.263$00 pago a título de subsídio de exclusividade, continuou a partir de tal data a receber a mesma importância, mas agora a título de subsídio de comissão de serviço.
Todavia, importa não desprezar que o contrato de exclusividade foi denunciado pela R. em 29 de Setembro de 1995, desconhecendo-se o que terá ocorrido na relação laboral que possa ter conduzido a que em 1 de Janeiro de 1996 fosse celebrado o acordo de comissão de serviço.
E, se as partes pretendessem apenas manter o mesmo valor retributivo, não se compreenderia o porquê da denúncia com antecedência significativa do contrato de exclusividade: bastaria que na mesma data, em 01 de Janeiro de 1996, revogassem o contrato de exclusividade e celebrassem o acordo de comissão de serviço.
Assim, do que fica dito, somos a concluir que da factualidade assente não resulta ainda que as partes não celebrassem o acordo de comissão de serviço, a R. continuaria a pagar-lhe a remuneração acessória, ou subsídio, de 186.263$00; dito de outra forma: sem a parte viciada do acordo (atribuição de funções ao A.) o negócio (pagamento de subsídio) não teria sido efectuado.

Uma última nota ainda a este respeito para afirmar que também não se pode concluir " aliás, as partes também não o afirmam, ao menos peremptoriamente - que o acordo de comissão de serviço celebrado constitua um negócio simulado.
Como é sabido, dispõe o art. 240.º, n.º 1, do CC: "Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado", dispondo o n.º 2, do mesmo normativo que: «O negócio simulado é nulo».
Como ensina o Prof. Mota Pinto (8), são elementos integradores da simulação:
"a) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;
b) Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório), o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais;
c) Intuito de enganar terceiros".
Da factualidade apurada, tendo em conta a análise que se deixou explanada, não é possível concluir, com o mínimo de certeza e segurança jurídica, pela verificação destes requisitos, maxime que com a celebração do acordo existisse das partes o intuito de enganar terceiros.
Uma vez aqui chegados, impõe-se concluir, como se conclui, pela nulidade (total) do acordo de comissão de serviço celebrado entre as partes.

Quanto aos efeitos dessa nulidade, acompanhamos e sufragamos o entendimento dos acórdãos de 09-11-00 e 25-09-02, supra mencionados: sendo nulo o acordo, por força do disposto no art. 6.º do DL n.º 404/91, de 16-10, há lugar à aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho no que se refere à invalidade do contrato de trabalho.
Assim, visto que a nulidade do acordo de comissão de serviço não atinge mais que o estabelecido neste, deixando intocados os termos da relação laboral iniciada em 1 de Outubro de 1989, por aplicação da regra contida n art. 15.º, n.º 1, da LCT, conclui-se que o regime da comissão de serviço produziu os seu efeitos, como se válido fosse, em relação ao tempo durante o qual este em execução.

Uma referência breve relacionada cm esta matéria, para afirmar que, contrariamente ao sustentado pelo A. nas contra-alegações, a solução a que se chegou não configura abuso de direito, sob a forma de "venire contra factum proprium", nem constitui um verdadeiro "incentivo à fraude à lei".
Tenha-se presente que a própria lei consagrou mecanismos que visam evitar a fraude à lei por parte de quem esteja de má fé.
Assim é que, como resulta do disposto no art. 15.º, n.º 5, da LCT, a invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, determina a obrigação de indemnizar quem não tinha conhecimento de tal causa de invalidade, ou seja, a outra parte que estava de boa fé.
Pois bem: no caso, não resulta dos autos que foi a R. que deu origem, por sua única e exclusiva responsabilidade, à nulidade do acordo de comissão de serviço (como se deixou mencionado supra, tendo a R. denunciado o contrato de exclusividade em 29 de Setembro de 1995, desconhecem-se as razões que levaram as partes a celebrar o acordo de comissão de serviço em 1 de Janeiro de 1996) e que ao invocar tal nulidade nos presentes autos estaria de má fé.
E, exigindo a caracterização da má-fé, para os efeitos e nos termos dos n.ºs 5 e 6 do art. 15.º, da LCT, o efectivo conhecimento da causa de invalidade, é insuficiente, nada mais tendo ficado provado, a simples constatação de que foi celebrado um contrato nulo por as funções nele atribuídas ao A. não poderem ser exercidas em regime de comissão de serviço.

Retomando, então, a análise das consequências da nulidade do acordo de comissão de serviço, verifica-se que este cessou por iniciativa do A.(9), que no período em causa desempenhou as funções de jornalista ao serviço da R. e, correspondentemente, fez seus os valores recebidos a título de subsídio de comissão de serviço; por sua vez, a R. beneficiou da contrapartida da prestação do trabalho por parte do A.
Assim, como decorre da lei (art. 15.º, n.º 1, da LCT), o acordo declarado nulo produziu os seus efeitos como se fosse válido em relação ao período durante o qual esteve em execução.
E, cessado o mesmo, deixou de existir fundamento legal para ser devido ao A. o subsídio que era pago àquele título, no valor de 186.263$00.
Procedem, por isso, as conclusões das alegações da R., devendo, consequentemente, e nesta parte, o acórdão recorrido ser revogado.

3. Quanto aos alegados danos decorrentes para o A. da não deslocação para Nova Iorque.
O A. sustenta a este respeito, no essencial, que a conjugação de todos os factos que rodearam a negociação do contrato de deslocação que a R. lhe propôs, e que depois não celebrou, revelam que desse facto resultaram para ele "...danos significativos, de ordem moral...", os quais, à luz de um padrão objectivo, revestem gravidade e merecem a tutela do direito.
Quanto a esta questão, resulta de relevante da factualidade assente, que:
- Na reunião de 17 de Dezembro de 1996, o Presidente do Conselho de Administração da R. comunicou que a R. projectava vir a abrir uma delegação nos Estados Unidos da América e que caso tal se concretizasse o A. seria o jornalista residente da B nos Estados Unidos da América;
- O Presidente do CA da B na reunião tida com o A. em 17 de Dezembro de 1996, limitou-se a comunicar ao A. que a R. projectava vir a abrir uma delegação nos EUA, sendo tendencialmente plausível a indigitação do A. para a representante da B nos EUA;
- Em 1 de Abril de 1997 o A. partiu para os EUA para fazer a reportagem da visita oficial do Primeiro-Ministro àquele País e, além do mais, estabelecer a rede de contactos dos correspondentes da B em várias cidades americanas;
- No regresso, o A. apresentou, em 15 de Abril de 1997, um relatório à Direcção de Informação da R., nos termos do qual sugere, por razões de estratégia informativa, a fixação de um jornalista delegado em Nova Iorque e em 6 de Maio de 1997, apresentou à R. um relatório de custos de instalação de uma delegação nessa cidade;
- A administração da ré mandou elaborar pelos serviços jurídicos uma minuta do acordo de deslocação do autor para Nova Iorque;
- Em 4 de Junho de 1997 o Departamento de Recursos Humanos enviou ao Presidente do CA da R. uma nota interna, na qual o Presidente da Direcção Geral confirma que a deslocação se mantém "uma vez que vai para Nova Iorque com outro contrato que anula o que tinha com a África do sul ", tendo o Director de Recursos Humanos da R. determinado que os serviços jurídicos elaborassem o respectivo contrato de deslocação;
- O A. deslocou-se diversas vezes a Nova Iorque no âmbito do debate nas Nações Unidas das questões relativas a Angola e Timor, não tendo recebido indicação da Direcção de Informação para se instalar definitivamente nessa cidade;
- Em 15 de Dezembro de 1997 a Direcção de Informação e a Secretaria Geral da R. apresentaram ao Presidente do Conselho de Administração uma nova proposta de radicação do autor em Nova Iorque;
- O Presidente do CA determinou a orçamentação da verba necessária e elaboração de uma nova minuta do acordo de deslocação, constituindo procedimento habitual na B a preparação de minutas tendo em vista a celebração de acordos ou contratos, tal como sucedeu com o A., o que não significa que os mesmos venham efectivamente a ser celebrados;
- O projecto de deslocação do A. não mereceu acolhimento do Conselho de Administração da R., tendo-se aquele sentido desgostoso por não se concretizar a deslocação para Nova Iorque.

Não vindo questionada pelas partes, em sede teórica, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais por incumprimento de negociação contratual, é, todavia, necessário, para que ela funcione que, em concreto, se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar previstos no art. 483.º do CC.
E, embora os danos de natureza não patrimonial sejam, em princípio, não avaliáveis sob o ponto de vista pecuniário, a lei admite a sua reparação quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do CC).
É hoje entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência que a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, e não em função de factores subjectivos, donde que os vulgares incómodos, contrariedades, transtornos, indisposições, por não atingirem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização.
É o que ocorre no caso em apreço: o A. tinha expectativas de ser correspondente da R. em Nova Iorque, expectativas que decorreram não só da deliberação da R., e comunicação ao A., de que caso abrisse uma delegação naquela cidade, seria tendencialmente plausível a sua indigitação, como ainda de todos os actos preliminares ou preparatórios, tendo em vista tal abertura de delegação e colocação do A. como representante, como sejam a elaboração de uma minuta do acordo de deslocação, a ida do A. a Nova Iorque para fazer cobertura de acontecimentos jornalísticos relevantes, tendo também em vista o fortalecimento de contactos com os interlocutores e adaptação, etc.
Porém, nada mais houve que essas expectativas: nas deslocações a Nova Iorque no âmbito do trabalho jornalístico nunca o A. recebeu indicação para aí se instalar definitivamente e, da sequência cronológica dos factos relatados, ressalta que, como era do conhecimento do A., durante o período de tempo em causa a R. "limitava-se" a manter a intenção de vir a abrir uma representação em Nova Iorque e de o nomear como seu representante.
Mas por razões orçamentais, o referido projecto não se concretizou.
É perfeitamente previsível que a concretizar-se a deslocação definitiva do A. para Nova Iorque, este viesse a desenvolver um projecto profissional estimulante e motivador, que o valorizasse profissionalmente, e até no plano pessoal e, daí que a não concretização fez o A. sentir-se desgostoso.
Todavia, tais expectativas, não concretizadas, desgosto pela não deslocação definitiva, não assumem gravidade que justifiquem a tutela do direito, o que significa que não se mostram verificados os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente o dano, pelo que não tem a R. que indemnizar o A. a título de danos não patrimoniais.
Improcedem, por isso, também nesta parte, as conclusões das alegações do A.

Em síntese: procedem as conclusões das alegações da R. e improcedem as conclusões das alegações do A.
IV. Decisão
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso da R., revogando o acórdão recorrido na parte em que integrou na retribuição do A. a quantia de 186.263$00, desde 1 de Janeiro de 1996, condenando a R. a pagá-la ao A. a partir de Outubro de 1997, com juros de mora, absolvendo-se, deste modo a R. do pedido, e negar provimento ao recurso do A., confirmando-se nesta parte o acórdão recorrido.
Custas pelo A.

Lisboa, 4 de Maio de 2005
Vítor Mesquita,
Fernandes Cadilha,
Mário Pereira.
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(1) Publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 26, de 15-07-94 e anteriormente constante do anexo II do CCT para os jornalistas, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 24, de 29-06-86.
(2) Direito do Trabalho, Almedina, pág. 533.
(3) Vide, entre outros, os acórdãos de 09-11-00 (Revista n.º 2021/00), de 13-03-01 (Revista n.º 3599/00), de 20-02-02 (Revista n.º 2650/01), de 25-09-02 (Revista n.º 1197/02), de 09-10-02 (Revista n.º 1187/02), de 19-02-03 (Revista n.º 3470/02), de 20-11-03 (Revista n.º 2554/03), de 13-10-04 (Revista n.º 2169/03), todos da 4.ª Secção.
(4) Neste mesmo sentido se pronuncia Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Almedina, 11.ª Edição, pág. 453-454.
(5) Revistas n.º 2021/00 e 1197/02, respectivamente, ambos da 4.ª secção.
(6) Se é certo que nos termos da cláusula 4.ª do acordo de comissão de serviço, se menciona que o exercício das funções pelo A. em regime de comissão de serviço assenta no pressuposto da confiança, lealdade, dedicação e competência que a R. nele deposita, não o é menos que do AE celebrado entre a R. e, entre outros, o Sindicato de que o A. é associado (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 26, de 15-07-94, com as alterações constantes do BTE, 1.ª Série, n.º 27, de 22-07-95), não resulta que a categoria profissional de jornalista de IV grupo exija uma especial relação de confiança, sendo, no dizer daquele, "...o jornalista que tem no mínimo três anos de profissão e um máximo de nove anos, após a conclusão do estágio".
(7) Salvaguardada sempre, naturalmente, a remuneração mínima prevista no IRCT.
(8) Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 472.
(9) Na declaração datada de 19 de Junho de 1996, entregue à R., cuja cópia se encontra a fls. 36 dos autos, o A. afirma: "...delegado da Agência Lusa na África do Sul a partir de 01 de Julho do corrente, vinculado pelo Acordo de Deslocação e Mudança de Local de Trabalho Temporário, vem por este meio solicitar a V. Ex.a. que se digne autorizar a rescisão do contrato da sua comissão de serviço com efeitos a partir de 01 de Julho do corrente".