1. Só o vendedor de um veículo automóvel a prestações, com reserva de propriedade, que é titular do respectivo registo, detém legitimidade para requerer, em processo cautelar, a apreensão do veículo.
2. Se o alienante do veículo e a financiadora da respectiva aquisição forem pessoas diferentes, não pode esta última, ainda que em associação com aquela, instaurar providência cautelar destinada à apreensão do veículo vendido.
3. A apreensão de veículo automóvel constitui uma providência que, no que concerne ao contrato de compra e venda com reserva de propriedade, visa antecipar o efeito da resolução do contrato, sendo, sempre, dependente ou instrumental da competente acção de resolução.
4. Se o vendedor, com reserva de propriedade e titular do respectivo registo, não pode intentar a acção de que depende a providência, que é a acção de resolução cujo direito lhe assistiria, na medida em que não é credora do preço do veículo, que lhe foi pago, é manifesta a inviabilidade (improcedência) do procedimento cautelar de apreensão, que deve ser indeferido por faltar o nexo de instrumentalidade em relação à acção principal.
Interpuseram, então, as requerentes recurso de agravo da 2ª instância, pugnando pela revogação do acórdão recorrido, com a condenação da requerida na entrega do veículo automóvel identificado nos autos.
Não houve contra-alegações.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.
Nas alegações do recurso formularam as recorrentes as competentes conclusões, defendendo, em suma, a orientação do Acórdão da Relação de Lisboa, de 13/02/03 (in CJ Ano XXVII, 1, pag. 102) no qual se decidiu que "para a apreensão de veículo automóvel nos termos previstos no Dec.lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, não é essencial que haja coincidência entre a titularidade do direito à resolução e a titularidade do registo de reserva de propriedade: determinante é que, verificados os demais requisitos, haja incumprimento das obrigações que justificaram a reserva de propriedade".
Talvez porque mais expressivo, transcreve-se o sumário (da CJ) de tal acórdão: "celebrado contrato de mútuo para financiamento de aquisição de veículo com reserva de propriedade, deve ser decretada a apreensão daquele, ao abrigo do Dec.lei nº 54/75 (art. 16º, nº 1) se o mutuário deixar de pagar prestações a que se obrigou, ainda que o mutuante não seja o reservatário".
Os factos em que a decisão do recurso há-de assentar são os alegados no requerimento inicial da providência (não necessariamente provados por nos situarmos no âmbito de despacho liminar) que fundamentaram a pretensão das recorrentes:
i) - a requerente B vendeu à requerida o veículo automóvel marca Ford, modelo Ranger Plus, com a matrícula OS, com reserva de propriedade, pelo preço total de 4.706.570$50, tendo a requerida efectuado um desembolso inicial de 946.570$00;
ii) - a reserva de propriedade encontra-se registada a favor desta requerente na 2ª Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa;
iii) - a requerente A, em 19/01/2000, mediante contrato celebrado com a requerida (junto a fls. 60 e 61) financiou a aquisição do referido veículo, tendo financiado à requerida 3.760.000$00, convencionando-se que o valor total do reembolso desse financiamento seria de 5.157.360$00, a pagar no prazo de 60 meses, em prestações mensais de 428,75 Euros cada uma;
iv) - das Condições Gerais desse contrato consta que "nos termos do artigo 409º do Código Civil, a propriedade do veículo é reservada para o VENDEDOR REGISTADO, até à data em que todas as obrigações referidas no nº 9 das Condições Particulares (pagamento das prestações devidas) hajam sido pagas pelo COMPRADOR à FORD CREDIT, e o COMPRADOR obriga-se respeitar qualquer actuação do VENDEDOR REGISTADO, ainda que no interesse da FORD CREDIT, no exercício dos direitos que para aquele derivem da qualidade de titular da reserva de propriedade";
v) - a requerida deixou de proceder ao pagamento das prestações estabelecidas a partir de 20/07/2001 (18ª prestação) se bem que, posteriormente, haja liquidado as prestações 18ª a 22ª;
vi) - com base no incumprimento da requerida, a requerente A notificou-a, em 06/12/2001, de que resolveu o contrato.
vii) - a requerida não entregou a nenhuma das requerentes o mencionado veículo.
Importa, no âmbito do recurso interposto, essencialmente, saber se pode ser decretada a apreensão de um veículo automóvel, requerida pela vendedora, única titular da reserva de propriedade, e pela financiadora da compradora da viatura, no caso de incumprimento do contrato de mútuo (financiamento) celebrado com esta última, e que serviu para o pagamento do preço do citado veículo.
As requerentes integraram a sua pretensão cautelar no regime jurídico do Dec.lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, diploma que (conjuntamente com o Dec.lei 55/75, da mesma data) visou remodelar o actual sistema de registo da propriedade automóvel, sem embargo de, para além das inovações de pura técnica registral, haver introduzido no sistema outras, de índole diversa e com não menor alcance, como complemento indispensável das primeiras (Cfr. respectivo preâmbulo).
É neste contexto que se dispõe no artigo 15º que "vencido e não pago o crédito hipotecário ou não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e dos seus documentos" (nº 1), para o que "exporá na petição o fundamento do pedido e indicará a providência requerida, devendo a sua assinatura ser reconhecida por notário" (nº 2) e instruirá "a petição com certidão, fotocópia ou cópia, obtida por qualquer processo de reprodução mecânica, dos registos invocados e dos documentos que lhes serviram de base" (nº 3).
E se acrescenta no art. 16º, nº 1, que "provados os registos e o vencimento do crédito ou, quando se trate de reserva de propriedade, o não cumprimento do contrato por parte do adquirente, o juiz ordenará a imediata apreensão do veículo".
Estabelecendo-se, por último, no art. 18º, nº 1 (parte final) que "efectuada a apreensão do veículo, o titular do registo da reserva de propriedade dispõe de 15 dias para propor a acção de resolução do contrato de alienação".
A situação em apreço não se enquadra na diferente questão da possibilidade de o vendedor ou a empresa financiadora da aquisição do veículo, com reserva de propriedade a seu favor (mas destituídos de crédito hipotecário ou outra garantia de natureza pessoal como a fiança ou o aval) indicarem à penhora, no âmbito de um processo executivo, o veículo adquirido pelo adquirente ou devedor do crédito) e promover o registo dessa penhora, questão já com alguma frequência apreciada jurisdicionalmente, nem sempre de modo uniforme. (1)
Em boa verdade, o caso sub judice apresenta-se-nos como uma relação triangular, em que ocorreu a celebração de dois contratos autónomos (se bem que económica e funcionalmente interligados):
a) B vendeu à requerida C o veículo OS, reservando a respectiva propriedade até ao cumprimento por esta das suas obrigações contratuais (nomeadamente o pagamento do preço);
b) por sua vez, A, através de operação de financiamento, celebrou com a mesma requerida contrato de mútuo do montante necessário ao pagamento do veículo (montante que terá sido, como usualmente, entregue pela financiadora directamente à vendedora).
Em consequência, no decorrer dessa relação contratual, porque a reserva de propriedade foi registada e se manteve a favor da vendedora, e porque, entretanto, a adquirente/mutuária deixou de cumprir as prestações do mútuo à financiadora (que resolveu o contrato) depara-se-nos uma situação em que a vendedora goza da reserva de propriedade sobre o veículo, mas não detém sobre a adquirente qualquer crédito, ao passo que a financiadora, credora (em virtude do contrato de financiamento) da adquirente do veículo, não possui garantia (pelo menos em termos de reserva de propriedade) do seu crédito.
E é à luz desta situação fáctica que temos que apreciar o recurso para, designadamente, concluirmos pela justeza ou não da pretensão recursória das requerentes.
Ora, desde logo, estamos perante um procedimento cautelar, genericamente disciplinado pelos artigos 381º a 392º, porquanto todas as características de tal procedimento (urgência, dependência ou acessoriedade e provisoriedade) "convergem no processo de apreensão de veículos automóveis para garantia de créditos hipotecários sobre eles, vencidos e não pagos, bem como para garantia dos direitos do vendedor com reserva de propriedade quando as obrigações que originaram aquela reserva de propriedade não tiverem sido cumpridas, o que implica a resolução do contrato de alienação (artigos 15º, nº 1 e 18º, nº 1, do Dec.lei nº 54/75). (2)
Da regra da dependência ou instrumentalidade (art. 383º, nº 1, do C.Proc.Civil) - e da conjugação com as normas acima referidas do Dec.lei nº 54/75 - "porquanto, dizendo o artigo 18º, nº 1, que dentro de 15 dias a contar da data da apreensão, o credor deve promover a venda do veículo apreendido e que, dentro do mesmo prazo, o titular do registo da reserva de propriedade deve propor acção de resolução do contrato de alienação, parece evidente que a lei apenas admitiu o processo cautelar de apreensão como preliminar e não também como incidente" (3) (o que, à partida, inviabilizaria o procedimento cautelar aqui em causa), que a apreensão só pode ser requerida nos casos de alienação de veículos e, finalmente, que a acção de que o procedimento é dependência será a acção de resolução do contrato de alienação por parte do titular do registo da reserva de propriedade (por norma o vendedor).
É este último, aliás, o entendimento mais consentâneo com a disposição do artigo 409º, nº 1, do C.Civil - nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento - porquanto a entrega definitiva de que a apreensão é instrumento pressupõe a resolução do contrato de compra e venda a prestações com reserva de propriedade, em conformidade com o disposto nos artigos 886º, 934º e 434º do C.Civil. (4)
Na verdade, "a apreensão de veículo automóvel constitui uma providência cautelar que, no que concerne ao contrato de compra e venda com reserva de propriedade, visa antecipar o efeito da resolução do contrato". (5)
Donde, "tendo o veículo sido comprado com reserva de propriedade, é o vendedor quem tem legitimidade para requerer a apreensão do veículo, nos termos do artigo 15º do Dec.lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, e não a entidade terceira que financiou essa aquisição no quadro do Dec.lei nº 359/91, de 21 de Setembro".(6)
Certo que a jurisprudência das Relações se tem dividido, optando por três diferentes orientações:
Aquela (maioritária) que considera que a legitimidade para requerer o procedimento cautelar de apreensão é exclusiva do titular da reserva de propriedade, tendo assim por afastada a da empresa que financiou a respectiva aquisição.(7)
A que admite a legitimidade do titular do registo da propriedade e da financiadora.(8)
A que nega legitimidade a ambos, vendedor e financiadora.(9)
Sem dúvida que a interpretação mais adequada aos preceitos em vigor e à própria natureza da reserva de propriedade é a que tem defendido que só o vendedor do veículo a prestações, titular do registo da reserva de propriedade, pode requerer o processo cautelar de apreensão.
É que, na actividade de interpretar a lei deve procurar reconstituir-se a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, mas não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9º, nºs 1 e 2, do C.Civil).
Assim, "o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe, desde logo, uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei".(10)
Sustentam, é certo, as agravantes que deve ser feita de tal regime uma interpretação actualista de modo a concluir que a expressão acção de resolução do contrato de alienação seja considerada equivalente da resolução do contrato de financiamento, tanto quanto é verdade que, de acordo com a respectiva alegação, a requerida deixou de pagar as prestações que haviam sido fixadas no programa contratual acordado no âmbito daquela relação triangular que resulta da simultaneidade (e conexão) da outorga do contrato de compra e venda e do contrato de mútuo que proporcionou à compradora o numerário suficiente para a aquisição do veículo.
Não se nos afigura, porém, que possa aceitar-se tal entendimento.
De facto, mesmo que na interpretação da lei se adopte uma perspectiva actualista impõe-se aceitar que se trata, "por um lado, de transpor para o condicionalismo actual aquele juízo de valor (identificação do ponto de vista que presidiu à feitura da lei) e, por outro lado, de ajustar o próprio significado da norma à evolução entretanto sofrida (pela introdução de novas normas ou decisões valorativas) pelo ordenamento em cuja vida ela se integra".(11)
Ora, o nº 1 do art. 15º do Dec.lei nº 54/75, quando estabelece que, não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e dos seus documentos, é perfeitamente claro na sua estatuição, não deixando margem para duvidar de que apenas quis conferir legitimidade ao titular do registo da reserva de propriedade para requerer o processo cautelar de apreensão.
É, desde logo, inquestionável que aquilo que o legislador do Dec.lei nº 74/75 quis prevenir e regular foi a possibilidade de destruição ou desvalorização do veículo, alienado com reserva de propriedade, que impossibilitasse o vendedor de recuperar, na falta de cumprimento pelo comprador das suas obrigações, o veículo ainda antes de este se ter totalmente depreciado.
Por isso incluiu no âmbito das providências cautelares específicas a da apreensão de veículos automóveis, sujeita a uma regulamentação autónoma caracterizada pela simplicidade, eficácia e celeridade, com a intenção de constituir uma rápida protecção dos créditos dos vendedores com reserva de propriedade, um suporte da satisfação dos direitos de crédito (preço) relacionados com veículos automóveis.
Sendo que no texto daquele diploma se não descortinam indícios (que o mesmo é dizer, não ocorre o mínimo de correspondência) de uma qualquer intenção do legislador de proporcionar à financiadora da aquisição, designadamente quando esta se reporte a veículos automóveis, a possibilidade de declarar, por si só, a resolução do contrato de compra e venda com reserva de propriedade e de preventivamente recorrer à medida cautelar especificada de que trata o Dec.lei n° 54/75.
E não se invoque, para legitimar a interpretação actualista (aqui já verdadeiramente actividade integradora (12) a inércia do legislador quanto à regulamentação apropriada à defesa do mutuante naquela relação triangular para extrair do direito positivo respostas que nele se encontram, nem sequer em potência.
Em concreto, não pode pretender-se que um diploma que visou regular uma realidade muito específica, no dealbar da liberalização do crédito e da explosão do consumo, sirva de cobertura à multiplicidade de instrumentos económico-financeiros, mais ou menos conjunturais, que passo a passo são introduzidos nas práticas comerciais.
E nem mesmo valem considerações acerca da desprotecção em que alegadamente se encontra a entidade que financia a aquisição a crédito de veículos automóveis.
Na verdade, o nosso sistema jurídico está dotado de outros mecanismos que, adequadamente utilizados, asseguram a necessária protecção a interesses como os que as agravantes invocam: bastaria, por exemplo, que, em lugar da reserva de propriedade a favor da vendedora (cujo direito de crédito se encontra integralmente satisfeito) tivesse sido clausulado no contrato de compra e venda a constituição de uma hipoteca em benefício da mutuante, com o que, para além da garantia real que lhe concedia prioridade de tratamento na graduação de créditos, se poderiam abrir as portas da providência cautelar de apreensão do veículo, nos termos do citado art. 15° do Dec.lei n° 54/75.
Aliás, independentemente de outros quaisquer caminhos, teriam, ainda, as agravantes acesso generalizado ao procedimento cautelar comum, se bem que a correspondente providência não dependa apenas da prova sumária do direito acautelado, mas ainda da prova sumária do perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável, a exigir mais do que a mera prova de uma situação de incumprimento.
Ora, tendo as partes optado por seguir uma via que não passou pela constituição de hipoteca (ou pela execução da fiança que ficou a constar do próprio contrato de financiamento) não tem a financiadora legitimidade para convocar para a defesa urgente dos seus interesses um diploma que, como o Dec.lei n° 54/75, visou outras realidades bem menos complexas do que aquela que as agravantes agora vêm invocar.
É que, independentemente do regime de direito substantivo a que obedece a compra e venda com reserva de propriedade, associada ou não a contratos de financiamento bancário ou parabancário, o quadro jurídico-processual em que se integra a figura da apreensão cautelar de veículos é bem mais restrito.
E, mesmo admitindo que, para efeitos do art. 15° referido, dentro das obrigações cujo incumprimento pode justificar a invocação dos efeitos da reserva de propriedade se enquadram as assumidas no contrato de mútuo conexo acordado com terceira entidade, não se consegue contornar o obstáculo formal resultante do art. 18° que fixa o nexo de instrumentalidade da providência não em relação à resolução do contrato de mútuo, mas sim do contrato de alienação.
O acesso a tal providência obedece a requisitos legais que definem o perímetro da sua intervenção. No que concerne aos contratos a que se encontre associada uma cláusula de reserva de propriedade, o mesmo é delimitado pelos arts. 15°, n° 1, 16°, nº 1, e 18°, nº 1, in fine, restringindo-se aos casos em que, por falta de pagamento da totalidade ou de parte do preço, se pretenda a condenação do devedor na sequência da resolução do contrato de compra e venda.
Ademais, nenhuma perspectiva, formal ou substancial, consente que se confunda contrato de alienação, que implica a transferência, ainda que sob condição suspensiva, da propriedade de um veículo, com um contrato de mútuo que teve como mutuante outra entidade e de cuja resolução resulta o vencimento das prestações convencionadas e não a obrigação de restituição do veículo vendido.
Por isso, a mera circunstância de a reserva poder garantir um crédito de terceiro (da financiadora) não significa necessariamente que esse terceiro possa beneficiar da providência cautelar prevista no Decreto-Lei 54/75, porquanto a reserva existe para a garantia do crédito, mas não confere a esse terceiro os demais direitos inerentes à titularidade da reserva.
Trata-se se de um daqueles casos em que a legitimidade resulta de indicação directa da lei, conforme o n 3 do artigo 26º do Código de Processo Civil e não dos princípios gerais consignados nos números anteriores do mesmo preceito. (13)
Consequentemente (além de tudo o mais, por apelo ao preceituado nos arts. 15º, nº 1 e 18º, nº 1, do Dec.lei nº 54/75 e 26º, nº 3, do C.Proc.Civil) bem se decidiu no acórdão em crise, quando se entendeu faltar à requerente A legitimidade para requerer o processo cautelar de apreensão do veículo 91-91-OS.
Diversa é a posição da requerente B, esta sim vendedora no contrato de compra e venda que esteve na origem daquela reserva de propriedade, titular do respectivo registo e, como tal, a nosso ver, legitimada para requerer o mencionado procedimento de apreensão.
Não obstante - e esta é já uma razão de procedência ou improcedência do procedimento - o processo cautelar de apreensão é, como acima se disse, dependência de uma acção de resolução.
Por isso, o titular da reserva de propriedade que pretenda recorrer ao processo cautelar de apreensão deve, simultaneamente, ser titular do direito de resolução do contrato.
Com efeito, a providência cautelar de apreensão e entrega de veículo e cancelamento do registo depende da existência dos requisitos que, de um modo geral, legitimam o recurso aos procedimentos cautelares, para além dos requisitos de natureza substantiva...". (14)
Isto é, in casu, aos requisitos dos arts. 15º, nº 1 e 18º, nº1 do citado Dec. lei nº 54/75, há que acrescentar o da instrumentalidade, consagrado no nº 1 do artigo 383º C.Proc.Civil: "o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva".
Ora, o direito de resolução pressuposto no artigo 18º do Decreto-Lei 54/75, reporta-se evidentemente ao contrato de compra e venda, como decorre claramente do seu texto, e do próprio artigo 409º C.C., que se refere à reserva de propriedade no contrato de alienação.
Deste modo, a acção de que esta providência é dependência tem necessariamente de ser a acção de resolução do contrato de alienação, como expressamente estabelece o art. 18º, nº 1, do diploma citado, e não a resolução de outro qualquer negócio como, por exemplo, o contrato de financiamento.
Com efeito, "a apreensão de veículo automóvel constitui uma providência que, no que concerne ao contrato de compra e venda com reserva de propriedade, visa antecipar o efeito da resolução do contrato. Requerida a providência na dependência de uma acção em que, em vez da resolução do contrato de compra e venda, é pedido (por exemplo) o reconhecimento da validade da resolução do contrato de mútuo destinado a financiar a aquisição do veículo, a par do reconhecimento de que o mesmo pertence à beneficiária da reserva de propriedade, deve a providência ser indeferida por faltar o nexo de instrumentalidade em relação à acção principal". (15)
Ora, a requerente B não pode intentar a acção de que depende a providência, que é a acção de resolução cujo direito lhe assistiria, na medida em que não é credora do preço do veículo, que lhe foi pago (arts. 934º, nº 1, e 886º do C.Civil).
Assim, não podendo propor a acção de resolução, de que é dependência a providência cautelar, igualmente não pode propor a providência, apesar de dotada da necessária legitimidade processual.
Em consequência, é manifesta a inviabilidade (improcedência) do procedimento cautelar de apreensão quanto à segunda agravante, razão por que bem se decidiu, nos termos do art. 234º-A, nº 1, do C.Proc.Civil, pelo respectivo indeferimento liminar.
Donde, o agravo interposto improcede, porquanto falece a argumentação deduzida pelas agravantes.
Pelo exposto, decide-se:
a) - negar provimento ao recurso de agravo interposto pelas requerentes "A" e "B, SA";
b) - confirmar o acórdão recorrido;
c) - condenar as recorrentes nas custas do agravo.
Lisboa, 12 de Maio de 2005
Araújo Barros,
Oliveira Barros,
Salvador da Costa. (vencido pelos motivos constantes do instrumento de declaração de voto anexo)
(13) Ac. RL de 04/10/94, no Proc. 79081 (relator Bettencourt Faria).
(14) Ac. STJ de 26/09/96, no Proc. 6432 da 2ª secção (relator Sousa Dinis)
(15) Ac. RL de 16/12/2003, no Proc. 7023/03 da 7ª secção (relator António Geraldes)