REVOGAÇÃO
MANDATO
PRAZO
Sumário


I - Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só opera após a substituição respectiva. Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.
II - Por isso, a revogação do mandato forense apresentada pelo arguido não suspendeu o prazo em curso para a interposição de recurso, nem o colocou na posição de ficar sem defensor, pois o advogado constituído não chegou a ser notificado da revogação e, portanto, mantiveram-se os efeitos daquele mandato que lhe havia sido regularmente conferido.
III - É certo que o tribunal podia e devia ter sido lesto a notificar o mandatário da revogação, mas isso não exclui os deveres deontológicos e estatutários deste em representar o arguido no processo.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" foi submetido a julgamento na 1ª Vara Criminal de Lisboa - 2ª Secção, no Processo Comum n.º 355/99.8TDLSB, juntamente com B, após terem sido pronunciados, o primeiro, pela prática de dois crimes de burla qualificada dos art.ºs 217 e 218 do C. Penal, e ambos, pela co-autoria de um crime de branqueamento de capitais do art. 2.°, als. a) e c) do D.L. n.º 325/95 de 02/12, na redacção da Lei n.º 65/98. Foram deduzidos pedidos cíveis pela C e D.

Efectuado o julgamento, o Tribunal Colectivo, quanto à parte criminal, absolveu ambos os arguidos do crime de branqueamento de capitais, mas condenou o arguido A, como autor dos dois referidos crimes de burla qualificada, respectivamente, nas penas de quatro anos e seis meses de prisão (ofendido E) e de seis anos e seis meses de prisão (ofendida C) e, em cúmulo jurídico, na pena única de oito anos e seis meses de prisão, ordenando a sua expulsão do território nacional por dez anos.

No que respeita à parte criminal, o arguido interpôs recurso da decisão final (e também de uma interlocutória) para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas este Tribunal, por Acórdão de 27 de Fevereiro de 2003, confirmou a decisão recorrida.

2. Após vicissitudes processuais que serão narradas mais adiante, o referido arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, em 24 de Janeiro de 2005, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2003, e nele, como questão prévia, justifica a tempestividade do recurso nos seguintes termos:
1 - Por força de Douto despacho da Relação de Lisboa foram considerados nulos todos os actos supervenientes, processados nos presentes autos, que contendiam com a revogação da procuração efectuada a fls. 2.452 e 2.453.
2 - Até terem sido revogados, a 11 de Março de 2003, os poderes forenses dos anteriores mandatários do arguido, apenas tinha decorrido uma fracção do prazo para exercer o direito de recurso (a notificação do Acórdão da Relação foi enviada aos mandatários por carta registada de dia 28 de Fevereiro de 2003). Como o supra aludido despacho refere, com a revogação da procuração o arguido ficou formalmente sem advogado (consequentemente, o recurso entretanto apresentado em seu nome deveria ter sido rejeitado por ausência de poderes de representação forense por parte dos seus signatários) e, consequentemente, o prazo para recorrer suspendeu-se.
3 - Só a partir de 17 de Janeiro de 2005, com a notificação do signatário do supra referido despacho assim como do Acórdão da Relação que o acompanhava em anexo, é que recomeçou a contar o prazo para efeitos de recurso.
4 - Pelos motivos supra expostos é fácil de ver que arguido ainda se encontra em tempo para recorrer do Acórdão da Relação de Lisboa que aqui se impugna.

3. O recurso foi admitido sem ter sido questionada a sua tempestividade, embora o Sr. Desembargador relator tenha manifestado dúvidas quanto à sua admissibilidade, face ao disposto no art.º 400, n.º 1, al. f), do CPP.
O Ministério Público no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso, dizendo o seguinte:
QUESTÃO PRÉVIA E PREJUDICIAL: O caso julgado material
Repristinando a nossa posição expressa a fls. 2594 dos autos em epígrafe indicados:
É nosso entendimento, e à semelhança do consignado no despacho de fls. 2403 a 2447, que o acórdão prolatado a fls. 2403 a 2447 transitou em julgado.
Chamamos à colação a jurisprudência expressa no acórdão do S.T.J. de 29/10/2003 (p. n.º 2605/03), relatado pelo Cons. Borges de Pinho, cujo sumário se encontra disponível em www.dgsi.pt: "O art.º 425.º, n.º 6, do C.P.P. não impõe a notificação pessoal ao arguido dos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, sendo bastante a notificação do seu defensor. Aliás, tendo-se em equação o art.º 63°, n.º 1, do C.P.P., em que não se faz qualquer reserva pessoal ao arguido quanto à intervenção no julgamento dos recursos e à consequente notificação, forçoso é concluir-se que na esfera dos tribunais superiores, e a nível de recursos, assumem particular relevância e significado as intervenções e as notificações dos defensores ou dos mandatários dos arguidos, vingando e valendo por conseguinte os prazos das notificações que lhes tenham sido feitas."
O recurso interposto não devia, pois, ter sido admitido (C.P.P., art.º 414°, n.º 2). Tendo-o sido, porém, segue-se que deve ser rejeitado (idem, art.ºs 420°, n.º 1, e 419°, n.º 4, a), em conferência (idem, art.º 419°, n.º 4, al. a).

4. A Excm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo não questionou a tempestividade do recurso, mas a sua admissibilidade face ao estatuído no art.º 400.º, n.º 1, al. f), do CPP.
O relator, porém, mandou os autos à conferência para aí se decidir se o recurso era ou não tempestivo.

5. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.
Via fax e com entrada no Tribunal da Relação de Lisboa em 24 de Janeiro de 2005, o arguido A, por intermédio do seu actual Advogado, Dr. F, a quem conferiu procuração em 24 de Outubro de 2003 (fls. 2555), interpõe recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão daquela Relação de 27 de Fevereiro de 2003.
A tempestividade do recurso de uma decisão proferida quase dois anos antes só pode encontrar suporte no despacho do Sr. Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 13 de Janeiro de 2005, tal como, à cautela, o próprio recorrente vem evocar.

Nesse despacho, tendo considerado que o dito arguido remetera para o Tribunal, em 11 de Março de 2003 (fls. 2452 e 2453), uma missiva em que revogava os poderes de representação aos seus anteriores defensores, o Sr. Desembargador relator verificou que o mesmo não estivera representado por advogado, como era obrigatório, já que não fora ordenado o cumprimento do art.º 39.º do C. P. Civil, e, por isso, decidiu anular o processado a partir daquela missiva e mandar notificar novamente o Acórdão de 27/02/2003, agora ao novo Advogado constituído (o Dr. F).

Ora, mesmo passando por cima do insólito historial de advogados constituídos, revogações e renúncias de mandatos, que se verificou antes do julgamento da 1ª instância (1), o arguido ficou representado a partir do início deste acto processual pelo Dr. G (procuração de fls. 1569, unicamente conferida a este advogado e não a outros da sociedade em que então trabalhava), que substabeleceu, sempre com reserva, nas Dr.ªs H e I (fls. 1570) e mais tarde no Dr. J (fls. 1759).

Esse Advogado, Dr. G, acompanhou todo o julgamento na 1ª instância, subscreveu vários requerimentos e interpôs dois recursos para a Relação de Lisboa, um dos quais o do Acórdão condenatório.
Para a audiência de julgamento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa do acórdão condenatório foi notificado o Dr. G (fls. 2398 v.), mas compareceu o Dr. L (fls. 2400), com substabelecimento do Dr. M (fls. 2402), ambos da mesma sociedade de advogados a que (anteriormente) pertencia o Dr. G, mas sem procuração ou substabelecimento junto aos autos.

O Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Fevereiro de 2003 foi notificado, por carta registada remetida em 28 de Fevereiro de 2003, ao Dr. G (fls. 2449 v.).
Pela carta do arguido que deu entrada em 11 de Março de 2003, já anteriormente referida, requereu o mesmo que se considerassem "revogado(s) todos os poderes de representação aos defensores, quer com procuração, quer com substabelecimentos que tenham sido passados pelos anteriores mandatários". Este requerimento não foi objecto de despacho.
Com data de 17 de Março de 2003, o Dr. L, agindo em nome do arguido, interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação, mas, ainda na mesma data, mas às 20:16 horas, o mesmo Advogado remete um fax em que indica que, tendo verificado no processo que o arguido revogara o mandato aos seus defensores, "os mandatários aceitam a revogação do mandato".

Logo de seguida, o Sr. Desembargador relator lavra despacho em que não admite esse recurso para o S.T.J., por irrecorribilidade nos termos do art.º 400, n.º 1, al. f), do CPP, despacho esse que é notificado ao Dr. G (fls. 2486).
Em 26 de Março de 2003, o Sr. Desembargador relator, tendo em consideração a revogação do mandato por parte do arguido e a respectiva aceitação por parte do mandatário, solicita à O. A. a nomeação de defensor (fls. 2500), o que acontece a fls. 2518. Na mesma data (26-03-2003), o arguido é libertado, por se ter atingido o prazo máximo de prisão preventiva.
A fls. 2511-2513 o arguido escreveu uma carta ao tribunal a informar que em 9 de Março rescindiu a procuração com os Advogados da Sociedade ...., entre os quais os Drs. M, N e L e que soube que estes, à sua revelia, tinham interposto recurso para o STJ, mas que ele conferira poderes ao Dr. G para o representar e interpor recurso para os tribunais superiores. Pediu mais uma vez que lhe fosse dado conhecimento do acórdão (estava então em prisão preventiva) e, junto com esse documento, apresentou nova procuração ao Dr. G!

A fls. 2525, o Sr. Desembargador relator mandou notificar o despacho que não recebeu o recurso para o STJ (novamente) ao Dr. G, mas este, antes de ser notificado, veio informar o tribunal que se afastou da defesa do arguido na pendência do recurso para a Relação, embora sem ter apresentado a respectiva renúncia de mandato, mas que o arguido voltou a contactá-lo em Março de 2003 no seu novo escritório e que entende que devia ser dada oportunidade ao arguido de exercer o direito ao recurso com advogado da sua confiança.

A fls. 2560, o Sr. Desembargador relator considera transitado o acórdão da Relação, mas a fls. 2602 lavra o referido despacho em que anula parte do processado e manda notificar ao último Advogado constituído pelo arguido o mesmo acórdão, o que é feito por carta registada de 14 de Janeiro de 2005, remetida ao Dr. F.
É, então, interposto (novo) recurso para este STJ, que é recebido (embora com dúvidas quanto à recorribilidade) e que é o que agora está em causa.
É ou não tempestivo este recurso ou, pelo contrário, no momento da interposição já havia transitado em julgado o Acórdão da Relação de Lisboa, como defende o M.º P.º nesse Tribunal?

Nos termos do art.º 61.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP (diploma a que nos referiremos, salvo indicação em contrário), o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de escolher defensor ou solicitar ao tribunal que lhe nomeie um e de ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar.

O arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo (art.º 62.º).

«O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este» (art.º 63.º, n.º 1, do CPP).
Nos recursos ordinários ou extraordinários é obrigatória a assistência de defensor ao arguido (art.º 64.º, n.º 1, d, do CPP).
Contudo, na audiência de julgamento dos recursos ordinários não é obrigatória a presença do arguido e só a do seu defensor (art.º 421.º, n.º 2), pelo que é a estes e não (também) àqueles que o acórdão é notificado, nos termos do art.º 425.º, n.º 6. Esta tem sido a orientação uniforme nos tribunais superiores, designadamente, neste STJ, como são exemplos o acórdão citado pelo M.º P.º na Relação, ou seja, o Ac. do STJ de 29/10/2003, proc. n.º 2605/03, e o Ac. de 21-04-2005, proc. 1259/05-5 ["Em caso do recurso de acórdão proferido em recurso (art. 425 do CPP), o respectivo prazo contar-se-á «a partir da notificação da decisão», «por via postal», «aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público» (art. 425 n. 6), podendo essa notificação «aos recorrentes» e «aos recorridos» «ser feita ao respectivo defensor» (art. 113 n. 9), mas não devendo sê-lo igualmente ao próprio arguido."].

Por outro lado, nessa audiência no tribunal superior, a não comparência de pessoas convocadas só determina o adiamento da audiência quando o tribunal considerar indispensável à realização da justiça (art.º 422.º, n.º 1) e se o defensor não comparecer e não houver lugar a adiamento, o tribunal nomeia novo defensor. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 67.º, n.º 2 (art.º 422.º, n.º 2).

Ora, no caso em apreço, foi notificado para a audiência de julgamento do recurso no Tribunal da Relação o Dr. G, defensor do arguido com procuração válida nos autos.
É certo que este defensor constituído não compareceu na dita audiência, antes um outro advogado que apresentou substabelecimento de advogado da mesma sociedade a que pertencia o Dr. G, mas sem procuração nos autos. É certo, também, que o tribunal não se apercebeu dessa irregularidade da falta de mandato e aceitou a defesa pelo advogado que estava presente. Seja como for, essa circunstância não afectou a defesa do arguido na audiência, pois esta esteve representada por advogado e a falta do defensor constituído podia ter sido colmatada com a nomeação de outro advogado para o acto (art.º 67.º, n.º 1), o qual podia, e até devia, ser o que se apresentou como a trabalhar no mesmo escritório indicado por aquele.

Proferido o acórdão, foi o mesmo notificado por carta registada enviada em 28 de Fevereiro de 2003 ao defensor constituído pelo arguido, Dr. G, tal como era exigido legalmente.
E, portanto, a partir de 5 de Março de 2003, data em que se considera recebida a notificação (art.º 113.º, n.º 2), começou a correr o prazo de 15 dias para interpor recurso (art.º 411.º, n.º 1).
Ora, o advogado constituído pelo arguido não interpôs recurso algum do acórdão da Relação e o prazo esgotou-se no dia 25 de Março de 2003, mesmo contando com os 3 dias úteis a que se refere o art.º 145.º, n.º 5, do CPC.
Transitou em julgado nessa data - 25/03/2005 - o acórdão de que ora se pretende recorrer.
Três objecções podem ser opostas a esta afirmação, mas todas elas infundadas, como veremos. São tais objecções as seguintes:
- o arguido revogou o mandato que conferira aos seus então advogados, quer o constituído quer os com substabelecimento, no decurso do prazo de recurso, pelo que ficou (alegadamente) sem defensor;
- foi interposto recurso para o STJ em 17 de Março de 2003, portanto no prazo legal;
- o Sr. Desembargador relator anulou o processado desde a revogação do mandato e mandou notificar novamente o acórdão da Relação ao actual defensor do arguido, tendo o respectivo despacho transitado em julgado.
Vejamos, uma a uma, estas objecções.

Revogação do mandato e falta de defensor:
O arguido esteve sempre, até ao trânsito em julgado do acórdão da Relação, representado pelo advogado que constituiu, pese embora a revogação do mandato de que informou o tribunal.
Na verdade, pode ser revogado o mandato ao advogado constituído, tal como pode renunciar ao mandato ocorrendo justa causa - art.ºs 39.º do CPC e 83.º, n.º 2, do EOA.
Também o defensor nomeado cessa as suas funções logo que o arguido constitua advogado (art.º 62.º, n.º 2, do CPP) e pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa ou ser substituído a requerimento do arguido (art.º 62.º, n.º 3).
Enquanto não for substituído, porém, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo (art.º 66.º, n.º 4) e o defensor constituído mantém-se, enquanto não for substituído e até à junção ao processo de certidão da notificação, salvo nos casos em que a constituição de defensor é obrigatória, porque nestes a revogação só produz efeito depois de constituído ou nomeado novo defensor (art.º 39.º do CPC).
É o caso dos autos.
Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64.º, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva.
Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.
O que bem se compreende, de resto, sob pena, até, de o incidente em causa poder, sem razão plausível, prejudicar o andamento do processo, em prejuízo nomeadamente de outro ou outros arguidos que com ele nada têm a ver.
Esta tem sido a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, como se pode ver pelo Acs. de 15-01-2004, proc. 3297/03-5 (cuja fundamentação praticamente transcrevemos) e de 27 de Janeiro de 2005, proc 3501/04-5.

Assim, no caso dos autos, a revogação do mandato que o arguido apresentou ao tribunal em 11 de Março de 2003 não suspendeu o prazo (em curso) de recurso, nem o colocou na posição de ficar sem defensor, pois o seu advogado constituído, Dr. G, não chegou a ser notificado e, portanto, mantiveram-se os efeitos do mandato forense que lhe havia sido regularmente conferido.

É certo que o tribunal podia e devia ter sido lesto a notificar o mandatário da revogação, mas isso não exclui os deveres deontológicos e estatutários deste em representar o arguido no processo. Se o advogado constituído não o fez como seria desejável, pois afastou-se da defesa, mas não entregou a respectiva renúncia, como o próprio mais tarde veio esclarecer, é facto da sua própria responsabilidade, pois foi notificado do acórdão da Relação e até foi notificado do despacho que não recebeu o recurso interposto por advogado sem representação forense e nada disse nem fez.

Mas, curioso é ainda verificar que o arguido, ao revogar o mandato, não queria fazê-lo em relação ao referido Dr. G, mas a outros advogados que ele sabia estarem a agir processualmente à sua revelia, pois isso é que o próprio diz em carta posterior remetida ao tribunal, em que anexou uma nova procuração ao Dr. G!
Em suma, não se diga que em algum momento o arguido não esteve representado por advogado, pois isso é inexacto, já que a mera declaração de revogação de mandato não tem a virtualidade de produzir, por si só, o efeito pretendido, muito menos o de suspender um prazo processual.

O recurso de 17 de Março de 2003:
O recurso movido em nome do arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de Março de 2003, foi subscrito por advogado que não o representava, pois não tinha nem nunca teve procuração ou substabelecimento válidos.
Não estamos aqui perante uma falta de mandato, corrigível nos termos do art.º 40.º, n.º 2, do CPC, já que o arguido na altura ainda estava representado por outro advogado, que mantinha o dever deontológico de o defender.

Mas mais. O advogado que subscreveu tal recurso nunca teve quaisquer poderes conferidos pelo arguido, nem mesmo verbalmente, pois o arguido, mais tarde, em missiva enviada para o tribunal, acusou-o de ter actuado à sua revelia e sem o seu conhecimento.
Daí que esse recurso deva ser considerado um acto de representação inválido, pois foi feito sem o conhecimento e contra a vontade do representado e de quem tinha o poder de legalmente o representar.
Mas, ainda que assim não fosse, o recurso em causa não foi recebido e não houve reclamação do despacho de não recebimento, pelo que não interferiu no trânsito em julgado da decisão de que se quis recorrer.

Despacho do Sr. Desembargador relator que anulou o processado e mandou notificar novamente o acórdão da Relação:
Este despacho foi proferido muito depois de ocorrer o trânsito em julgado do acórdão da Relação e, portanto, independentemente do seu mérito ou demérito, nunca podia ter por efeito "revogar" esse trânsito e conceder uma nova oportunidade de recurso ao arguido, já que o único meio legal de pôr em causa o trânsito de uma condenação penal é o recurso extraordinário de revisão, a julgar pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com os fundamentos previstos nos art.ºs 449.º e segs. do CPP.

Deste modo, o arguido A interpõe para este Supremo Tribunal de Justiça recurso ordinário de decisão do Tribunal da Relação de Lisboa já entretanto transitada em julgado, pelo que o recurso é intempestivo e deve ser rejeitado liminarmente.
O recorrente não será tributado, já que se limitou a dar seguimento processual a uma errada tramitação da responsabilidade do tribunal recorrido.

6. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por intempestivo.
Não há lugar a tributação, nos termos indicados.
Notifique.

Lisboa, 12 de Maio de 2005
Santos Carvalho,
Costa Mortágua,
Rodrigues da Costa.
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(1) Fls. 227 - procuração ao Dr. O, que renuncia ao mandato a fls. 231.
Fls. 234 - procuração ao Dr. P.
Fls. 1022 - procuração ao Dr. Q, requerendo o arguido a fls. 1029 a substituição do Dr. P.
Fls. 1424 - o Dr. Q renuncia ao mandato.
Fls. 1446 - procuração aos Drs. R e S, que substabelecem nos Drs. T e U (fls. 1467 e 1527), mas acabam por renunciar ao mandato (fls. 1525).
Fls. 1529 - a O.A. nomeia uma defensora oficiosa.
Fls. 1568 - o arguido revoga o mandato a favor do Dr. V, que, ao que parece, não chegou a ter procuração nos autos.