I - Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só opera após a substituição respectiva. Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.
II - Por isso, a revogação do mandato forense apresentada pelo arguido não suspendeu o prazo em curso para a interposição de recurso, nem o colocou na posição de ficar sem defensor, pois o advogado constituído não chegou a ser notificado da revogação e, portanto, mantiveram-se os efeitos daquele mandato que lhe havia sido regularmente conferido.
III - É certo que o tribunal podia e devia ter sido lesto a notificar o mandatário da revogação, mas isso não exclui os deveres deontológicos e estatutários deste em representar o arguido no processo.
O arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo (art.º 62.º).
«O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este» (art.º 63.º, n.º 1, do CPP).
Nos recursos ordinários ou extraordinários é obrigatória a assistência de defensor ao arguido (art.º 64.º, n.º 1, d, do CPP).
Contudo, na audiência de julgamento dos recursos ordinários não é obrigatória a presença do arguido e só a do seu defensor (art.º 421.º, n.º 2), pelo que é a estes e não (também) àqueles que o acórdão é notificado, nos termos do art.º 425.º, n.º 6. Esta tem sido a orientação uniforme nos tribunais superiores, designadamente, neste STJ, como são exemplos o acórdão citado pelo M.º P.º na Relação, ou seja, o Ac. do STJ de 29/10/2003, proc. n.º 2605/03, e o Ac. de 21-04-2005, proc. 1259/05-5 ["Em caso do recurso de acórdão proferido em recurso (art. 425 do CPP), o respectivo prazo contar-se-á «a partir da notificação da decisão», «por via postal», «aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público» (art. 425 n. 6), podendo essa notificação «aos recorrentes» e «aos recorridos» «ser feita ao respectivo defensor» (art. 113 n. 9), mas não devendo sê-lo igualmente ao próprio arguido."].
Por outro lado, nessa audiência no tribunal superior, a não comparência de pessoas convocadas só determina o adiamento da audiência quando o tribunal considerar indispensável à realização da justiça (art.º 422.º, n.º 1) e se o defensor não comparecer e não houver lugar a adiamento, o tribunal nomeia novo defensor. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 67.º, n.º 2 (art.º 422.º, n.º 2).
Ora, no caso em apreço, foi notificado para a audiência de julgamento do recurso no Tribunal da Relação o Dr. G, defensor do arguido com procuração válida nos autos.
É certo que este defensor constituído não compareceu na dita audiência, antes um outro advogado que apresentou substabelecimento de advogado da mesma sociedade a que pertencia o Dr. G, mas sem procuração nos autos. É certo, também, que o tribunal não se apercebeu dessa irregularidade da falta de mandato e aceitou a defesa pelo advogado que estava presente. Seja como for, essa circunstância não afectou a defesa do arguido na audiência, pois esta esteve representada por advogado e a falta do defensor constituído podia ter sido colmatada com a nomeação de outro advogado para o acto (art.º 67.º, n.º 1), o qual podia, e até devia, ser o que se apresentou como a trabalhar no mesmo escritório indicado por aquele.
Proferido o acórdão, foi o mesmo notificado por carta registada enviada em 28 de Fevereiro de 2003 ao defensor constituído pelo arguido, Dr. G, tal como era exigido legalmente.
E, portanto, a partir de 5 de Março de 2003, data em que se considera recebida a notificação (art.º 113.º, n.º 2), começou a correr o prazo de 15 dias para interpor recurso (art.º 411.º, n.º 1).
Ora, o advogado constituído pelo arguido não interpôs recurso algum do acórdão da Relação e o prazo esgotou-se no dia 25 de Março de 2003, mesmo contando com os 3 dias úteis a que se refere o art.º 145.º, n.º 5, do CPC.
Transitou em julgado nessa data - 25/03/2005 - o acórdão de que ora se pretende recorrer.
Três objecções podem ser opostas a esta afirmação, mas todas elas infundadas, como veremos. São tais objecções as seguintes:
- o arguido revogou o mandato que conferira aos seus então advogados, quer o constituído quer os com substabelecimento, no decurso do prazo de recurso, pelo que ficou (alegadamente) sem defensor;
- foi interposto recurso para o STJ em 17 de Março de 2003, portanto no prazo legal;
- o Sr. Desembargador relator anulou o processado desde a revogação do mandato e mandou notificar novamente o acórdão da Relação ao actual defensor do arguido, tendo o respectivo despacho transitado em julgado.
Vejamos, uma a uma, estas objecções.
Revogação do mandato e falta de defensor:
O arguido esteve sempre, até ao trânsito em julgado do acórdão da Relação, representado pelo advogado que constituiu, pese embora a revogação do mandato de que informou o tribunal.
Na verdade, pode ser revogado o mandato ao advogado constituído, tal como pode renunciar ao mandato ocorrendo justa causa - art.ºs 39.º do CPC e 83.º, n.º 2, do EOA.
Também o defensor nomeado cessa as suas funções logo que o arguido constitua advogado (art.º 62.º, n.º 2, do CPP) e pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa ou ser substituído a requerimento do arguido (art.º 62.º, n.º 3).
Enquanto não for substituído, porém, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo (art.º 66.º, n.º 4) e o defensor constituído mantém-se, enquanto não for substituído e até à junção ao processo de certidão da notificação, salvo nos casos em que a constituição de defensor é obrigatória, porque nestes a revogação só produz efeito depois de constituído ou nomeado novo defensor (art.º 39.º do CPC).
É o caso dos autos.
Sendo obrigatória a constituição de defensor (nomeadamente, art.º 64.º, n.º 1, d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva.
Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções de representação. O processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.
O que bem se compreende, de resto, sob pena, até, de o incidente em causa poder, sem razão plausível, prejudicar o andamento do processo, em prejuízo nomeadamente de outro ou outros arguidos que com ele nada têm a ver.
Esta tem sido a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, como se pode ver pelo Acs. de 15-01-2004, proc. 3297/03-5 (cuja fundamentação praticamente transcrevemos) e de 27 de Janeiro de 2005, proc 3501/04-5.
Assim, no caso dos autos, a revogação do mandato que o arguido apresentou ao tribunal em 11 de Março de 2003 não suspendeu o prazo (em curso) de recurso, nem o colocou na posição de ficar sem defensor, pois o seu advogado constituído, Dr. G, não chegou a ser notificado e, portanto, mantiveram-se os efeitos do mandato forense que lhe havia sido regularmente conferido.
É certo que o tribunal podia e devia ter sido lesto a notificar o mandatário da revogação, mas isso não exclui os deveres deontológicos e estatutários deste em representar o arguido no processo. Se o advogado constituído não o fez como seria desejável, pois afastou-se da defesa, mas não entregou a respectiva renúncia, como o próprio mais tarde veio esclarecer, é facto da sua própria responsabilidade, pois foi notificado do acórdão da Relação e até foi notificado do despacho que não recebeu o recurso interposto por advogado sem representação forense e nada disse nem fez.
Mas, curioso é ainda verificar que o arguido, ao revogar o mandato, não queria fazê-lo em relação ao referido Dr. G, mas a outros advogados que ele sabia estarem a agir processualmente à sua revelia, pois isso é que o próprio diz em carta posterior remetida ao tribunal, em que anexou uma nova procuração ao Dr. G!
Em suma, não se diga que em algum momento o arguido não esteve representado por advogado, pois isso é inexacto, já que a mera declaração de revogação de mandato não tem a virtualidade de produzir, por si só, o efeito pretendido, muito menos o de suspender um prazo processual.
O recurso de 17 de Março de 2003:
O recurso movido em nome do arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, em 17 de Março de 2003, foi subscrito por advogado que não o representava, pois não tinha nem nunca teve procuração ou substabelecimento válidos.
Não estamos aqui perante uma falta de mandato, corrigível nos termos do art.º 40.º, n.º 2, do CPC, já que o arguido na altura ainda estava representado por outro advogado, que mantinha o dever deontológico de o defender.
Mas mais. O advogado que subscreveu tal recurso nunca teve quaisquer poderes conferidos pelo arguido, nem mesmo verbalmente, pois o arguido, mais tarde, em missiva enviada para o tribunal, acusou-o de ter actuado à sua revelia e sem o seu conhecimento.
Daí que esse recurso deva ser considerado um acto de representação inválido, pois foi feito sem o conhecimento e contra a vontade do representado e de quem tinha o poder de legalmente o representar.
Mas, ainda que assim não fosse, o recurso em causa não foi recebido e não houve reclamação do despacho de não recebimento, pelo que não interferiu no trânsito em julgado da decisão de que se quis recorrer.
Despacho do Sr. Desembargador relator que anulou o processado e mandou notificar novamente o acórdão da Relação:
Este despacho foi proferido muito depois de ocorrer o trânsito em julgado do acórdão da Relação e, portanto, independentemente do seu mérito ou demérito, nunca podia ter por efeito "revogar" esse trânsito e conceder uma nova oportunidade de recurso ao arguido, já que o único meio legal de pôr em causa o trânsito de uma condenação penal é o recurso extraordinário de revisão, a julgar pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com os fundamentos previstos nos art.ºs 449.º e segs. do CPP.
Deste modo, o arguido A interpõe para este Supremo Tribunal de Justiça recurso ordinário de decisão do Tribunal da Relação de Lisboa já entretanto transitada em julgado, pelo que o recurso é intempestivo e deve ser rejeitado liminarmente.
O recorrente não será tributado, já que se limitou a dar seguimento processual a uma errada tramitação da responsabilidade do tribunal recorrido.
6. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por intempestivo.
Não há lugar a tributação, nos termos indicados.
Notifique.
Lisboa, 12 de Maio de 2005
Santos Carvalho,
Costa Mortágua,
Rodrigues da Costa.
----------------------------------------
(1) Fls. 227 - procuração ao Dr. O, que renuncia ao mandato a fls. 231.
Fls. 234 - procuração ao Dr. P.
Fls. 1022 - procuração ao Dr. Q, requerendo o arguido a fls. 1029 a substituição do Dr. P.
Fls. 1424 - o Dr. Q renuncia ao mandato.
Fls. 1446 - procuração aos Drs. R e S, que substabelecem nos Drs. T e U (fls. 1467 e 1527), mas acabam por renunciar ao mandato (fls. 1525).
Fls. 1529 - a O.A. nomeia uma defensora oficiosa.
Fls. 1568 - o arguido revoga o mandato a favor do Dr. V, que, ao que parece, não chegou a ter procuração nos autos.