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PROPRIEDADE HORIZONTAL
FRACÇÃO AUTÓNOMA
FIM CONTRATUAL
OMISSÃO
Sumário
Sendo a escritura de constituição da propriedade horizontal omissa quanto ao destino das fracções, só podem estas ser destinadas ao fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"A" propôs acção de condenação contra B - Companhia de Locação Financeira Imobiliária, S.A., e C - Sindicato de Energia, pedindo que os réus sejam condenados a desocuparem imediatamente a fracção B, ..., da Rua Rodrigo da Fonseca, nº ..., em Lisboa, ampliando posteriormente o pedido com a condenação das rés na abstenção de futuramente dar outro uso ou destino à fracção B que não seja a habitação.
Alega para tanto que é dono do 2º andar esquerdo do prédio, sito na Rua Rodrigo da Fonseca, nº ..., em Lisboa, constituído em regime de propriedade horizontal, onde reside com a família, destinando-se as várias fracções à habitação (conforme consta do auto de vistoria anexo à constituição da propriedade horizontal e duma licença de 1938), tendo as rés instalado ilicitamente um escritório na fracção B.
Contestaram os réus, por excepção e impugnação, concluindo pela improcedência da acção, pedindo a 2ª ré a condenação do autor como litigante de má fé.
Houve réplica do autor.
D requereu a sua intervenção principal que foi admitida.
Seguindo os autos seus termos, foi proferida sentença onde, julgando-se a acção improcedente, se absolveram os réus do pedido e considerou-se não haver litigância de má fé por parte dos autores.
O autor e a interveniente principal D apelaram, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 19 de Outubro de 2004, julgado, no essencial, procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, decidiu que a fracção "B", correspondente ao rés-do-chão direito do prédio sito na Rua Rodrigo da Fonseca, nº ..., em Lisboa, se destina única e exclusivamente a habitação, condenando os réus a, salvo se ocorrer uma alteração lícita e válida do título constitutivo da propriedade horizontal, deixar de usar tal fracção para qualquer outro fim que não o habitacional e a abster-se de, no futuro, lhe darem qualquer outra utilização que não essa, mais os condenando a pagar aos apelados e ao Estado, na proporção de ½ para os primeiros e de ½ para o segundo, a sanção pecuniária compulsória de € 150 por cada dia que passar, após o trânsito em julgado do acórdão, em que a fracção "B" seja utilizada como escritório ou para outro fim não habitacional.
A ré C interpôs recurso de revista para este Tribunal, concluindo, assim, a sua alegação do recurso:
1- O prédio em causa nos autos encontra-se constituído em propriedade horizontal desde 2/11/1988 (cfr. fls. 10 a 15 dos autos e C) da matéria assente).
2- Na escritura de constituição da propriedade horizontal ficou escrito que o outorgante, " ... decidiu constituir o prédio em propriedade horizontal visto se terem verificado as condições legais exigíveis e a essa conclusão ter chegado a Câmara Municipal, conforme auto de vistoria ali passado, que arquivo."
3- O auto de vistoria que serviu de base a essa escritura de constituição da propriedade horizontal e que foi arquivado foi o auto de vistoria de fls., que constitui o doc. nº 4 junto à p.i., e não o que constitui o doc. nº 3, como pretende o acórdão recorrido.
4- Os pressupostos da constituição da propriedade horizontal encontram-se definidos no art. 1415º do Cód. Civil onde se determina que "só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública."
5- O art. 59º do Cód. do Notariado (que na altura já tinha disposição idêntica) determina que "Os instrumentos de constituição da propriedade horizontal só podem ser lavrados se for junto documento passado pela Câmara Municipal, comprovativo de que as fracções autónomas satisfazem os requisitos legais."
6- Assim, qualquer escritura de constituição de propriedade horizontal terá de ser instruída com um auto de vistoria emitido pela Câmara Municipal competente, no qual se atestará se as fracções de que se compõe o prédio em causa estão em condições de constituírem unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, e não se se destinam ou não a habitação.
7- No caso dos autos a verificação dos requisitos legais para a constituição da propriedade horizontal foi feita no auto de vistoria que constitui o doc. nº 4 junto à p.i., onde podemos ler: "É requerida vistoria ao prédio situado no local em referência a fim de se verificar se as fracções de que o edifício se compõe estão em condições de constituir unidades independentes para poderem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal nos termos do art. 1414º e seguintes do Código Civil ... Em face do exposto e do que foi dado observar a Comissão emite o parecer de que as utilizações vistoriadas formando unidades independentes, suficientemente distintas e isoladas entre si com saídas próprias para uma parte comum, ou com acesso directo à via pública constituem verdadeiras fracções autónomas pelo que se torna possível a integração do prédio em regime de propriedade horizontal ...", o que foi homologado em 17 de Junho de 1998.
8- Não tem, pois, aplicação, no caso dos autos, o recurso ao disposto no art. 236º do Cód. Civil, como pretende o acórdão recorrido.
9- A escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio referido nos autos, e que constitui o doc. nº 2 junto à p.i., é omissa quanto ao destino a dar às fracções autónomas.
10- E a omissão do destino a dar a cada uma das fracções não pode ser preenchida pelo recurso a um auto de vistoria cujo objectivo foi, tão só, o de certificar a existência dos tais requisitos legais necessários à constituição da propriedade horizontal.
11- Se o título constitutivo da propriedade horizontal nada determinou quanto ao destino/uso das fracções, é admissível a sua utilização para qualquer fim, desde que lícito.
12- "Para a determinação do destino das fracções autónomas de um prédio em regime de propriedade horizontal o título constitutivo é o acto modelador do respectivo estatuto e só a ele há que atender para esse fim, sendo irrelevantes as negociações anteriores ..." - cfr. acórdão do S.T.J. de 27/5/86, B.M.J. 357, pág. 435.
13- "O fim a que se destina cada uma das respectivas fracções deve constar do título constitutivo da propriedade horizontal. Quando tal não sucede, pode o condómino dar à fracção o uso que entender, ressalvadas as limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de imóveis, especialmente as constantes das alíneas a), b) e d) do art. 1422º, nº 2, do Código Civil." - ac. da Relação de Lisboa, de 15/1/75, B.M.J. 234, pág. 318.
14- " Uma vez que no título constitutivo da propriedade horizontal não se fez qualquer restrição ao uso do andar, pode o proprietário destiná-lo a consultório médico" - ac. do S.T.J. de 8/6/73.
15- Do título constitutivo da propriedade horizontal referente aos presentes autos, da constituição da fracção "B" não faz parte qualquer cozinha.
16- Não se vê como poderia a mesma fracção ser utilizada única e exclusivamente para habitação.
17- Foi, pois, violado o art. 1446º do Cód. Civil.
18- Como resulta da certidão da 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, junta pelo recorrido no requerimento que deu entrada em juízo no dia 23 de Outubro de 1996, além de não se encontrar registado o destino de cada uma das fracções de que se compõe o prédio em causa, o nº ... da Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, nenhum registo se encontra, igualmente, efectuado quanto a eventuais restrições ao uso das mesmas fracções.
19- De acordo com estipulado na alínea b) do nº 1 do art. 2º do Cód. Reg. Predial, estão sujeitos a registo "os factos jurídicos que determinem a constituição ou a modificação da propriedade horizontal e do direito de habitação periódica."
20- E isto porque "o registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário" - cfr. art. 1º do Cód. Reg. Predial.
21- "A falta de registo, ... torna o acto de constituição do condomínio inoponível a terceiros" - Cód. Civil Anotado, de Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Coimbra Editora, Vol. III, pág. 414.
22- Ao assim se não ter entendido, violou-se o disposto no art. 1º do Cód. Reg. Predial.
23- O acórdão recorrido não alterou a matéria de facto dada com assente.
24- Da matéria dada como assente nenhuma referência é feita a usufrutuária alguma da fracção "G".
25- Ao determinar que, no caso dos autos, "só a usufrutuária tinha para tanto poderes", referindo-se ao consentimento para mudança da licença de utilização, o acórdão recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
26- É, pois, o mesmo nulo - cfr. alínea d) do nº 1 do art. 668º, ex vi art. 721º, ambos do C.P.C.
27- Se uma fracção autónoma pertencer em nua propriedade a uma pessoa e em usufruto a outra, o direito de voto não é atribuído uniformemente, variando consoante a natureza da deliberação a tomar (Cons. Aragão Seia, "Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios", Almedina, pág. 161.
28- Dispõe o art. 1439º do Cód. Civil que "o usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância."
29- O usufruto é um direito essencialmente temporário, que confere ao titular o gozo pleno da coisa e que não atribui ao seu titular a faculdade de alterar a forma ou a substância da coisa.
30- De acordo com o estatuído no art. 1446º do Cód. Civil, o usufrutuário "pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu fim económico"
31- O consentimento para a mudança da licença de utilização não constitui acto de administração ordinária, na medida em que, ao permitir-se a utilização de uma fracção do prédio onde se situa o usufruto para outro fim distinto do permitido no título constitutivo da propriedade horizontal pode estar-se a limitar e mesmo prejudicar o direito do nu proprietário no futuro.
32- Assim, o consentimento para a mudança da licença de utilização é equiparável a uma "inovação", pelo seu carácter extraordinário.
33- Pelo que esse consentimento apenas deverá ser dado pelo nu proprietário.
34- Ao ter decidido que "só a usufrutuária tinha para tanto poderes", o acórdão recorrido fez uma errada interpretação do art. 1446º do Cód. Civil.
35- Como se verifica da matéria dada como assente, o ora autor na qualidade de nu proprietário da fracção a que se reportam os autos declarou que não se opunha que o r/c Dto do prédio, licenciado camarariamente na totalidade para habitação, fosse utilizado de modo a que não incomodasse em absoluto os condóminos habitacionais do mesmo prédio, tendo, na mesma data, os proprietários das fracções "A", "B", "C", "D", "E", "F", "H", "I", "J", "L", do prédio em questão, declarado à "E - Feiras, Exposições e Congressos, Lda" que a autorizavam a estabelecer um escritório no r/c ... a que equivale a fracção "B" do prédio a que se reportam os autos.
36- Pelo que dúvidas não restam que houve o acordo de todos os condóminos, necessário à mudança da licença de utilização.
37- Esse acordo não tem de ser dado em assembleia geral - cfr. art. 1419º do Cód. Civil.
38- E onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir.
39- Em 7/11/89 a C.M.L. refere que o edifício se situa em zona de actividade terciária no PDL - alínea B!) da matéria assente.
40- Nos autos não existe qualquer documento ou sequer a mais simples alusão, de onde se possa retirar a " situação patrimonial (económica e financeira) dos devedores da prestação."
41- Isto quando é certo que o "juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes."
42- Ao se ter decidido de forma diferente violou-se o disposto no art. 664º do C.P.C., in fine.
43- Sendo, igualmente, nulo o acórdão recorrido - cfr. alínea d) do nº 1 do art. 668º, ex vi art. 721º do C.P.C.
44- Deverá, pois, revogar-se o acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por acórdão que mantenha e confirme a sentença proferida pela 1ª Instância.
Contra-alegaram os recorridos, pronunciando-se pela improcedência do recurso e pedindo a condenação da recorrente, como litigante de má fé, em multa e indemnização, esta correspondente às despesas e honorários do mandatário dos recorridos.
Por acórdão de 21 de Fevereiro de 2001, a Relação de Lisboa entendeu não se verificar a nulidade do acórdão de 19 de Outubro de 2004.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
As Instâncias julgaram provados os seguintes factos:
A) O autor é proprietário da fracção "G", correspondente ao 2º andar esquerdo da Rua Rodrigo da Fonseca, nº ..., em Lisboa, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de São Mamede em Lisboa, sob o nº 814 - fls. 9.
B) Aí reside com sua mulher e três filhos.
C) O imóvel encontra-se constituído em propriedade horizontal desde 2/11/1988 - fls. 10 a 15.
D) Tem licença para habitação desde 1938 - fls. 16 - fls. 499.
E) A vistoria camarária de 1 de Junho de 1988, confirmou a sua utilização para habitação - fls. 17 a 22.
F) A Câmara Municipal de Lisboa emitiu certidão com data de 21 de Julho de 1993, certificando que o destino dos andares, cave e rés-do-chão do prédio a que se reportam os autos é o da habitação ou função inerente àquele facto - fls. 23 e 24.
G) Em 5 de Abril de 1995 a Câmara Municipal de Lisboa emitiu nova certidão relativa à utilização do prédio em questão, fundamentada no auto de vistoria para obtenção da licença de habitação referido na alínea D) - fls. 25 a 27.
H) O I.G.A.T. em 8/11/1995 informou o autor que a C.M.L. pretende despejar os escritórios ilegais existentes no prédio - fls. 28 e 29.
I) Em 11/12/1995 o réu "Sindicato de Energia" informou os condóminos que adquirira o r/c ..., fracção "B", para ali se instalar - fls. 30.
J) À data da comunicação supra referida, o proprietário da fracção era a B - ..., S.A. - fls. 31 a 58.
L) A qual, em regime de locação financeira, locou o r/c Dto ao Sindicato - fls. 31 a 58.
M) Referindo na Cláusula 1ª desse contrato que "para o referido prédio não foi emitida licença de utilização" - fls. 32.
N) Os réus não apresentaram ao condomínio qualquer alvará de utilização para escritório do r/c Dto.
O) Em 12/12/1995 o autor remeteu ao Sindicato um fax, informando-o da sua oposição a que aquela fracção fosse utilizada pelo réu para escritório - fls. 60.
P) Em 1/4/1996 o autor enviou carta registada à B, opondo-se a que esta, como proprietária, permitisse a utilização da fracção "B" para escritório - fls. 61 e 62.
Q) Nenhuma resposta recebeu.
R) O Sindicato, após obras naquela fracção, instalou-se no r/c Dto.
S) Com data de 18/11/1992, a C.M.L. emitiu a licença de utilização nº 302, relativa ao r/c Dto do prédio sita na Rua Rodrigo da Fonseca, nº 74 em Lisboa, autorizando a sociedade "E, Feiras, Exposições e Congressos, Lda" a ocupar o r/c Dto em resultado das alterações efectuadas - fls. 523.
T) No mesmo documento refere-se que a licença inicial teve o nº 537/OD/91, sendo a composição uma ocupação (escritório) no r/c Dto do prédio em causa, com área superior a 100 m2 - fls. 523.
U) Com data de 27/12/1989 foi lavrado o Auto de Embargo nº 153/89 relativamente ao r/C Dto a que se reportam os autos, para as seguintes obras:
" fechamento de 3 vãos de porta com alvenaria de tijolo; fechamento dum arco com alvenaria de tijolo; demolidas duas paredes divisórias junto à curva do corredor que constituíam uma arrecadação; construção de duas paredes em alvenaria na mesma curva do corredor a fim de criar nova instalação sanitária com 5,5 m2; abertura de uma vala com 4,5 X 0,4 X 0,4 para instalação de esgoto; demolição da laje da chaminé - fls. 524.
V) Na ocasião fez-se constar do mesmo auto o estado de adiantamento das obras e que com as alterações feitas, falta rebocar, fechar roços, colocar pavimentos, pinturas e acabamentos - fls. 524.
X) Com data de 26/2/1996 a CML certificou a existência de um documento da "..., Lda" em que se alega o envio de um fax por parte desta ao autor, relativo a emissão da licença de utilização - fls. 122 e 123.
Z) Com data de 10/5/1989, H solicitou ao Presidente da C.M.L. a apreciação do projecto de alterações que desejava efectuar no r/c a que se reportam os autos - fls. 124.
A1) Com data de 14/4/1989 o técnico que apresentou o projecto de alterações refere que as mesmas serão a demolição das instalações sanitárias existentes e a construção de novas; cobertura com laje de betão armado sobre pilares do espaço murado pertença da fracção e eliminação da cozinha, dando lugar a uma zona de convívio - fls. 125 e 126.
B1) Em 7/11/1989 a C.M.L. no processo nº 2.232/OB/1989 refere que o edifício se situa em zona de actividade terciária no PDL e por se situar em r/c entende ser de aceitar a mudança de utilização contra o pagamento de compensação por ausência de estacionamento - fls. 127.
C1) O despacho que recaiu sobre esta informação declarou que devia ser esclarecido se a ocupação do dito r/c tinha possibilidade de abrir acesso directo e independente para a rua, sem o que não seria de ponderar a sua aceitação - fls. 127.
D1) O Director de Serviços da C.M.L., em 20/12/1989, despachou no mesmo documento, dizendo que " nos termos da Ordem de Serviços nº 8/7 referente às mudanças de utilização (e que sintetiza orientações superiores sobre a matéria) é necessário prever-se um acesso do exterior. No caso vertente é impossível verter-se esse acesso. Como essa norma não tem sido rigorosamente cumprida, proponho a Vª. Exª uma excepção sujeita a autorização dos condóminos e inquilinos." - fls. 127 e 127 verso.
E1) No verso do documento em questão está aposto o seguinte despacho "Concordo prosseguir a apreciação" - fls. 127 verso.
F1) Com data de 4 de Janeiro de 1990 o ora autor, na qualidade de nu proprietário da fracção a que se reportam os autos, declarou que não se opunha que o r/c Dto do prédio, licenciado camarariamente na totalidade para habitação, fosse utilizado de modo a que não incomodasse em absoluto os condóminos habitacionais do mesmo prédio - fls. 128.
G1) Na mesma data os proprietários das fracções "A", "B", "C", "D", "E", "F", "H", "I", "J", "L", do prédio em questão declararam à "E-Feiras, Exposições e Congressos, Lda" que a autorizavam a estabelecer um escritório no r/c Dto, a que equivale a fracção "B" do prédio a que se reportam os autos - fls. 129.
H1) Com data de 26/1/1990 o Administrador do condomínio do prédio onde se situa a fracção dos autos, confirma que as assinaturas constantes do documento referido na alínea precedente se referem aos condóminos do dito prédio - fls. 130.
I1) A "E-Feiras, Exposições e Congressos, Lda" pediu à C.M.L., com data de 2/4/1992, a vistoria para efeitos de utilização (ocupação) do andar a que se reportam os autos, a fim de obter a respectiva licença de habitação e ocupação (utilização) - fls. 131.
J1) Por escritura pública datada de 3/8/1987, F e G declararam vender a H por sessenta milhões de escudos o prédio urbano dos autos - fls. 538 a 542.
L1) Na ocasião foi declarado que o prédio dispunha de uma licença passada pela C.M.L. para habitação e ocupação com o nº 178, licença essa emitida em 2/6/1938 - fls. 541.
M1) Com data de Janeiro de 1989 H declarou para efeitos de contribuição predial que a fracção a que se reportam os autos se destina a habitação - fls. 401 a 402.
N1) À data da constituição da propriedade horizontal referida na alínea C), H, declarou que tinha decidido constituir o prédio naquele regime de propriedade, conforme o auto de vistoria passado pela C.M.L. - fls. 12.
O1) O auto de vistoria referido na alínea precedente refere que o prédio tem o total de onze habitações, incluindo a habitação da porteira - fls. 19 e 20.
P1) No mesmo auto de vistoria declarou-se ainda que se havia verificado que o r/c Esqº., 1º Dtº. e 1º Esqº., aprovados para habitação estavam a servir para infantário e escritórios respectivamente, constituindo esse facto uma desconformidade quanto ao uso em relação ao projecto aprovado - fls. 20.
Q1) Na mesma ocasião foi ainda declarado pela Comissão Permanente de Vistorias que as utilizações vistoriadas, formando unidades independentes, suficientemente distintas e isoladas entre si com saídas próprias para uma parte comum, ou com acesso directo para a via pública, constituíam verdadeiras fracções autónomas, pelo que se tornava possível a constituição do prédio em regime de propriedade horizontal, apesar das desconformidades já referidas que não conduziam à autonomização de novas fracções - fls. 20.
R1) Com data de 22/2/1990, a "E-Feiras, Exposições e Congressos, Lda" enviou ao autor carta na qual refere que depois de ter falado com o mesmo aquando da 1ª carta, pensava que o assunto tinha ficado esclarecido - fls. 254.
S1) A "E-Feiras, Exposições e Congressos, Lda" declara ainda que aproveitava a oportunidade para declarar ao autor que estava a tratar do problema da formiga branca - fls. 254.
O Direito:
A recorrente apresentou com a sua alegação de recurso, uma certidão respeitante à constituição da propriedade horizontal do prédio e ao auto de vistoria realizado para tal constituição, requerendo a sua junção aos autos.
Os recorridos opõem-se a tal junção.
A referida certidão contém documentos que já haviam sido juntos aos autos, constituindo a sua junção um acto inútil.
Conforme dispõe o art. 137º do C.P.C., não é lícito realizar no processo actos inúteis.
Assim, não se admite a junção de tal certidão por não ter utilidade visto os documentos que contém já se encontrarem juntos aos autos.
As questões suscitadas no recurso (delimitadas pelas respectivas conclusões) respeitam a saber se: a) a escritura de constituição da propriedade horizontal é omissa quanto ao destino a dar às fracções autónomas; b) verificando-se tal omissão, pode ser dado às fracções o uso que o condómino entender, ressalvadas as limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de imóveis; c) o facto de não se encontrar registado predialmente o destino de cada uma das fracções, nem eventuais restrições ao uso das mesmas fracções, de que se compõe o prédio em causa, torna o acto de constituição do condomínio inoponível a terceiros; d) o acórdão recorrido é nulo por da matéria dada como assente nenhuma referência ser feita à usufrutuária da fracção "G" e no acórdão se ter decidido que apenas a usufrutuária tinha poderes para dar a autorização para a mudança da licença de utilização; e) o consentimento para a mudança da licença de utilização apenas deverá ser dada pelo nu proprietário; f) houve acordo de todos os condóminos para mudança da licença de utilização e se tal acordo não tem de ser dado em assembleia geral; g) o acórdão é também nulo porque, não existindo nos autos qualquer documento ou sequer a mais simples alusão, de onde se possa retirar a "situação patrimonial (económica e financeira) dos devedores da prestação", se decidiu de forma diferente.
Há ainda que verificar se a recorrente litiga de má fé pois os recorridos pedem a sua condenação por tal litigância.
Analisemos tais questões:
a) Na escritura de constituição da propriedade horizontal não consta o destino das fracções.
Naquilo que ora nos interessa escreveu-se: « Que decidiu constituir o referido prédio em regime de propriedade horizontal visto se terem verificado as condições legais exigíveis e a essa conclusão ter chegado a Câmara Municipal, conforme Auto de Vistoria ali passado que arquivo.»
Portanto, a propriedade horizontal constituiu-se porque quem a constituiu - H, agindo por si e como procurador de sua mulher I, considerou verificarem-se as condições legais exigíveis e à mesma conclusão ter chegado a C.M.L., no respectivo auto de vistoria.
A interpretação da vontade negocial é matéria de facto mas cabe na competência do Supremo, como questão de direito, decidir se nessa interpretação a Relação violou as regras dos arts. 236º, nº 1 e 238º, nº 1, do Código Civil - cfr. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 3/5/84 e de 22/11/84, B.M.J. 337º, pág. 343, e 341º, pág. 373.
Ora, neste caso, um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, não entenderia que os constituintes da propriedade horizontal do prédio, remeteram para o auto de vistoria o destino das fracções - cfr. citado art. 236º, nº 1.
Um declaratário normal apenas entenderia, de acordo com o que acima ficou transcrito, que os constituintes da propriedade horizontal o fizeram porque consideravam reunidas as condições legais exigíveis e porque à mesma conclusão havia chegado a C.M.L. no respectivo auto de vistoria.
b) Sendo a escritura de constituição da propriedade horizontal omissa quanto ao destino da fracção "B", só pode ser destinada ao fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente, neste caso a C.M.L.
Com efeito, conforme o Assento de 10/5/1989, publicado no D.R. - 1ª Série, nº 161, de 15/7/1989, « Nos termos do art. 294º do Código Civil, o título constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal é parcialmente nulo ao atribuir à parte comum ou a fracção autónoma do edifício destino ou utilização diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela câmara municipal.»
Aliás, o nº 3 do art. 1418º do Código Civil, introduzido pelo art. 1º do DL nº 267/94 de 25/10, com entrada em vigor no dia 1/1/95, ao dispor que a não coincidência entre o fim referido na al. a) do nº 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determina a nulidade do título constitutivo, veio reconhecer a doutrina de tal Assento.
É esta a orientação do Cons. Aragão Seia, " Propriedade Horizontal", 2ª ed., pág. 111, quando escreve, « Se no título constitutivo não se fixar qualquer fim específico à utilização da fracção o proprietário só pode afectá-la ao fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente ...».
Ora, como se verifica do auto de vistoria o destino a escritório não é compatível com o fixado no projecto aprovado.
Efectivamente, nele se refere que o prédio tem o total de onze habitações e que o 1º andar direito e o 1º andar esquerdo estão a servir de escritórios, constituindo este facto uma desconformidade, quanto ao uso, em relação ao projecto aprovado.
Aliás, também está provado que a C.M.L. emitiu certidão datada de 21/7/93, certificando que o destino dos andares, cave e rés-do-chão do prédio, cave e rés-do-chão do prédio a que se reportam os autos é o da habitação ou função inerente àquele facto.
E, como se refere no acórdão recorrido, « Como é abundantemente reconhecido nos sucessivos textos emitidos pela CML (v.g. fls. 148), vários dos andares "estão a ser usados como escritórios e não para a habitação como foi aprovado" (sic- aprovado no projecto de construção apresentado à CML, entenda-se)...»
Donde resulta que o projecto aprovado não autorizava que as fracções fossem utilizadas como escritórios.
.P., a descrição de cada fracção autónoma deve conter a menção do fim a que se destina, se constar do título.
Neste caso, como o fim a que a fracção se destina não consta do título, não tinha de ser mencionado no registo predial.
Não estando neste caso o fim a que a fracção se destina sujeito a registo, não tem aplicação o disposto no art. 5º, nº 1 do C.R.P., nos termos do qual os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
d) O acórdão recorrido não é nulo, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 668º, ex vi art. 721º, ambos do C.P.C., pelo facto de não constar dos factos assentes referência à usufrutuária da fracção "G" e no referido acórdão se determinar que, no caso dos autos, só a usufrutuária podia autorizar a mudança da licença de utilização.
Trata-se de questão suscitada na apelação de que a Relação tinha de conhecer - cfr. art. 660º, nº 2 do C.P.C.
Com efeito, na 8ª conclusão da apelação afirma-se que Somente o apelante como nu proprietário e por escrito particular autorizou nessa altura que a fracção B fosse utilizada para expurgo da formiga branca (facto F 1), nada tendo a apelante e usufrutuária declarado.
e) Afirma a recorrente que a autorização para a mudança da licença de utilização apenas deve ser dada pelo nu proprietário.
Já se disse que a fracção "B" só pode ser afectada ao fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente, sendo até nula a escritura de constituição da propriedade horizontal se o fim nela mencionado não for o fixado no projecto aprovado.
Daqui decorre que a autorização para a fracção "B" ser utilizada como escritório, não podia ser dada nem pelo nu proprietário nem pela usufrutuária porque tal utilização colide com o fim fixado no projecto aprovado, sendo, por isso, ilícita.
Como refere o Cons. Aragão Seia, ob. citada, pág. 48, « Essa autorização não poderá desrespeitar o eventual fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente ...».
f) Afirma a recorrente que o acordo para a utilização da fracção "B" como escritório, foi dada por todos os condóminos, não tendo tal acordo de ser dado em assembleia geral.
Valem aqui as razões apontadas em e).
Com efeito, sendo ilícita a utilização da fracção "B" como escritório por ser diferente do fim fixado no projecto aprovado, nem por todos os condóminos reunidos em assembleia geral, podia tal autorização ser concedida.
g) Afirma a recorrente que o acórdão recorrido é também nulo, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 668º, ex vi art. 721º, ambos do C.P.C., porque nos autos não existe qualquer documento ou a mais simples alusão, de onde se possa retirar a "situação patrimonial (económica e financeira) dos devedores da prestação" e o "juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes", tendo decidido de forma diferente, violando também o disposto no art. 664º do C.P.C.
No acórdão recorrido decidiu-se nestes termos: « Finalmente, face ao disposto no art. 829º A do C.Civil, porque tal foi requerido pelos credores da prestação (os apelantes), impõe-se fixar uma sanção pecuniária compulsória, que vigorará a partir da data do trânsito em julgado do presente decreto judicial condenatório, por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação de prestação de facto - obrigação essa que se consubstancia em, numa primeira fase, fazer cessar a ocupação que presentemente está a ser dada à fracção, e, posteriormente, em não lhe voltar a dar esse uso enquanto se mantiver inalterado o título constitutivo da propriedade horizontal.
E, ponderada a situação do prédio - repete-se, uma zona habitacional por excelência - e a situação patrimonial (económica e financeira) dos devedores da prestação, entende-se ser razoável e proporcionado fixar essa sanção compulsória em € 150 (cento e cinquenta euros) por dia, revertendo a mesma em partes iguais, a favor dos apelantes e do Estado (nos 2 e 3 do art. 829º A do C.Civil).»
No acórdão de 1/2/05, onde a Relação se pronunciou sobre a invocada nulidade do acórdão recorrido, escreveu-se: « Quanto à situação do prédio, admite-se que, no que respeita à data da sua constituição em propriedade horizontal (02/11/1988), não existem nos autos referências ao tipo de actividade desenvolvida ou que o poderia ser, naquela zona da cidade de Lisboa; todavia, face ao PDM de Lisboa de 1994 (Resolução do Conselho de Ministros nº 94/94, publicada no "Diário da República" de 29 de Setembro de 1994) - e esta acção deu entrada em Juízo em 25 de Junho de 1996 - a Rua Rodrigo da Fonseca estava classificada como "área consolidada para habitação".
Ora, como bem estabelece o Legislador, o que é válido para os acórdãos proferidos nas Relações, " (na) fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal... deu como provados..." (nº 3 do art.º 659º do CPC), podendo ainda valer-se dos factos que não carecem de alegação ou de prova (art. 514º do CPC - nos 1 e 2) e estando obrigado a conhecer a Lei do País que está em vigor (art.º 6º do C.Civil).
Deste modo, mais que não seja porque as instituições bancárias estão obrigadas a divulgar publicamente a sua contabilidade consolidada, é pública e notória ( nº 1 do art.º 514º do CPC) a situação patrimonial, económica e financeira do Grupo BCP ( hoje Millennium BCP ou só Millennium), no qual se integra a Ré "BCP Leasing, SA"; por outro lado e quanto ao ora recorrente "C - SINDICATO DA ENERGIA", sabe o Tribunal, por o ter lido no contrato de locação financeira celebrado entre os Réus em 06 de Dezembro de 1995 (v. nomeadamente fls 33 e 34), que este sindicato se comprometeu, nessa data, a pagar àquela locadora, no período de 10 anos, 120 rendas mensais de Esc. 469.162$00, cada uma, actualizáveis por indexação às alterações sofridas pela taxa "LISBOR" a três meses, sendo o valor residual da fracção o de Esc. 3.300.000$00.»
A condenação teve como base estes elementos de prova, todos admissíveis por Lei.»
Concordamos com estas considerações, tendo a sanção pecuniária compulsória sido fixada segundo critérios de razoabilidade, atenta a situação económica e financeira dos réus, evidenciada pelo que acima se transcreveu, não sofrendo o acórdão recorrido da nulidade que lhe é imputada.
Como ensina o Prof. Calvão da Silva, "Cumprimento e sanção pecuniária compulsória", citado pelo Dr. Abílio Neto, "Código Civil Anotado", 13ª ed., fls. 830, a sanção em apreço não tem como fim indemnizar o credor mas o de triunfar da resistência do devedor, da sua oposição, indiferença ou desleixo para com o cumprimento (fls. 410), só podendo ser decretada pelo juiz a pedido do credor, que, não tem de indicar a modalidade e o montante (fls. 428 e segs.), devendo o juiz evitar decretar uma sanção pecuniária compulsória simbólica e assim, à partida, votada ao fracasso (fls. 433).
Improcede, pois, o recurso.
Resta decidir se a recorrente litigou de má fé.
Entendemos que não.
A recorrente recorreu, exercendo um legítimo direito que lhe assiste.
Indicou razões de facto e de direito que, em seu entender, deviam conduzir à revogação do acórdão recorrido.
Como se refere no acórdão de 13/1/2005, revista nº 2.746/04 da 2ª Secção, "Sumários de Acórdãos", nº 87, pág. 24, a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feita, mesmo que integre a litigância ousada, não se consubstancia em litigância de má fé.
Pelo exposto:
a) Não se admite a junção da certidão de fls. 818 e segs., apresentada pela recorrente, ordenando o seu desentranhamento.
Custas do incidente a cargo da recorrente.
b) Nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo da recorrente.
c) Não se condena a recorrente como litigante de má fé.
Lisboa, 19 de Maio de 2005
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino