ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MAIORIDADE
SUBSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO
NULIDADES
REGIME DE ARGUIÇÃO
Sumário

I - O dever legal de alimentos dos pais aos filhos menores pode prolongar-se atingida a maioridade, ocorrendo os pressupostos enunciados no artigo 1880 do Código Civil;
II - Instaurado pelo progenitor, em apenso à regulação do exercício do poder paternal, processo de cessação da sua prestação de alimentos ao filho menor com fundamento na circunstância de este haver atingido a maioridade, pode o tribunal, nos termos do artigo 1412, n.º 2, do Código de Processo Civil, verificada a situação hipotizada no artigo 1880.º, indeferir o pedido, decidindo, sem excesso de pronúncia, no sentido da manutenção da prestação alimentar;
III - As nulidades previstas no artigo 205.º do Código de Processo Civil devem, conforme a segunda parte do n.º 1, ser arguidas no prazo de 10 dias - a contar, no caso sub iudicio, da data do seu conhecimento mediante a notificação da decisão recorrida -, perante o tribunal da causa, melhor colocado para o seu conhecimento, estando à parte vedada a sua arguição em recurso, tempestivamente interposto, muito embora, no aludido prazo;
IV - O n.º 3 do artigo 205 não faculta propriamente à parte tornar a nulidade objecto de recurso, mas tão-só, excepcionalmente, argui-la perante o tribunal ad quem no caso de o processo, antes de findar o prazo de arguição, ter sido expedido em recurso, ou seja, quando já não é possível assegurar o seu conhecimento pelo tribunal mais vocacionado;
V - Nem nesta hipótese se trata, porém, de tornar a nulidade objecto do recurso, uma vez que, segundo o n.º 3 do artigo 205.º, deve a mesma ser arguida perante o tribunal superior no prazo de 10 dias a contar da distribuição, estando o recurso alegado e definido o seu objecto.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. "A", residente em Aveiro, instaurou, em 15 de Maio de 1997, contra B, residente no Cacém, por apenso ao processo de regulação do exercício do poder paternal do filho comum, o menor C, confiado à guarda da mãe, processo de alteração dessa regulação, que veio a seguir no tribunal da comarca de Santa Maria da Feira, fundando o pedido no facto de, após o divórcio de ambos, o requerente ter casado com outra mulher, matrimónio de que nasceu a D, com a qual o irmão não tem qualquer convivência, tanto mais que, devido à vacuidade da regulação original quanto ao sistema de visitas do pai, omitindo férias, datas festivas, etc., na realidade o requerente encontra-se privado de qualquer relação com o filho há cerca de 5 anos.

No decurso do processo de alteração veio, porém, desistir da instância em 26 de Fevereiro de 1999 (fls. 51), por já ter contactado com o filho, havendo sido estabelecido um regime de deslocações e visitas sem oposição da requerida, que torna desnecessária qualquer intervenção judicial.

Por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil, foi consequentemente declarada a extinção da instância mediante despacho de 24 de Março de 1999 (fls. 55/56).

2. Em 7 de Maio de 2002, o requerente apresentou, porém, pedido de extinção da pensão de alimentos que se encontra a prestar ao C, e a interrupção dos descontos que adrede vêm sendo feitos no seu vencimento, alegando que o filho atingiu a maioridade em 23 de Março de 2002, operando-se com o advento desta a extinção da obrigação e do direito a alimentos advindo da condição de menor.

Aliás, o C «basta-se a si próprio» e manifesta total desinteresse em conviver com o pai e a irmã, fruto do segundo casamento, incumprindo para com o requerente os deveres de respeito e assistência que lhe incumbem.

O tribunal indagou acerca da situação laboral e escolar do C através da GNR (fls. 89), oficiando esta a informar que aquele não trabalha, sendo estudante do Instituto Superior de Engenharia do Porto, conforme certidão anexa da respectiva Secretaria (fls. 91/92).

Consta efectivamente deste documento, emitido em 28 de Setembro de 2002, que no ano lectivo de 2002/2003 o C está inscrito pela 1.ª vez no 1.º ano do curso de Engenharia Electrotécnica tendo no ano anterior frequentado até final o 12.º ano de Electrónica/Electrotecnia.

3. Em face desta certidão o tribunal da Feira indeferiu o pedido por despacho, de 12 de Dezembro de 2002 (fls. 95), concluindo que o C - transcreve-se - «ainda não completou a sua formação académica, revelando-se um aluno com aproveitamento, pois aos 18 anos frequenta já o ensino superior, pelo que se mantém nos termos do artigo 1880.º do Código Civil a obrigação do requerente prestar alimentos ao seu filho».

Ademais o requerente não alegara qualquer «violação dos deveres filiais que possa afastar aquela obrigação» (artigo 2013.º).

A apelação do requerente foi recebida como agravo na Relação do Porto, que negou provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.

4. Do acórdão neste sentido proferido, em 13 de Novembro de 2003, agravou de novo o requerente para este Supremo Tribunal, sintetizando a respectiva alegação nas conclusões que se transcrevem:

4.1. «O despacho com o qual o recorrente se não conforma - confirmado pela decisão recorrida - foi proferido na sequência de uma informação (ou até duas, como agora parece decorrer da leitura do acórdão recorrido) relativa à situação do menor que jamais foi notificada ao recorrente;

4.2. «A omissão de notificação da sua junção traduz omissão de formalidade essencial, constitutiva de nulidade;

4.3. «Sucede que o recorrente só tomou conhecimento da existência dessa omissão de notificação com a notificação da decisão da qual recorreu;

4.4. «Tendo o recorrente interposto, dentro do prazo legal, recurso da decisão, em tais casos, como refere o artigo 205.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, a arguição de nulidade - contida nas alegações de recurso juntas ainda no tribunal de 1.a instância - pode ser feita perante o tribunal superior, sendo, pois, esta tempestiva;

4.5. «Assim, deve considerar-se devida e tempestiva a arguição do vício de violação do disposto no artigo 3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, com a consequente declaração de nulidade da omissão da notificação supra referida. Ao considerar o contrário, violou o tribunal recorrido os artigos 205.°, n.º 3, e 3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil;

4.6. «Os processos de regulação do poder paternal findam, por impossibilidade da lide, com a maioridade ou a emancipação, visto não se poder regular o que não existe: o poder paternal em relação a filhos maiores ou emancipados;

4.7. «Como o Supremo Tribunal de Justiça vem ensinando, «Não adianta" (ou seja, precisamente o contrário do que o tribunal da Relação fez) «para o nosso caso, invocar o artigo 1880.º do Código Civil, porque uma coisa é o dever de alimentos que os pais têm em relação aos filhos menores, que é uma das componentes do poder paternal (artigo 1878.º do Código Civil), e que por isso se extingue quando, pela maioridade ou emancipação, se extingue o poder paternal; outra coisa é o dever de alimentos que os familiares têm entre si e que, em dados casos, os pais podem ter em relação a filhos maiores (artigo 1880.º do Código Civil);

4.8. «Mais ensina o Supremo Tribunal de Justiça (também ao contrário do que fez o tribunal da Relação na decisão recorrida) que "Nem vale também de muito invocar o disposto no artigo 2013 para dizer que a obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores não cessa com a maioridade, porque aquele artigo 2013 se refere ao dever alimentos em geral (dito artigo 2009 do Código Civil) e não ao dever de alimentos a menores: o dever de alimentos a menores finda, além das causas em geral do artigo 2013, também por maioridade ou emancipação;

4.9. «O dever de alimentos pode prolongar-se para além da menoridade, nos casos do artigo 1880 do Código Civil (aspecto substantivo). Tal direito deve-se fazer valer em processo próprio de alimentos a maiores (aspecto adjectivo). Na realidade, sendo diferentes os pressupostos, diferentes são também a legitimidade e as partes;

4.10. «Atingida a maioridade ou a emancipação, o processo de regulação do poder paternal deve em princípio terminar, por impossibilidade da lide, uma vez que a decisão assentou no pressuposto de que o filho era menor, pelo que os efeitos da sentença (guarda ou destino, visitas e alimentos) terminam com a maioridade;

4.11 «Proferida sentença na regulação do poder paternal e atingida a maioridade, pedir o levantamento dos descontos a que se estava a proceder não é incidente da instância, menos ainda incidente de cessação de alimentos: é, ao invés, a consequência normal de ter sido atingida a maioridade;

4.12. «Ao considerar que ‘se mantém’ a obrigação do recorrente (sem atentar que a maioridade do filho deste determinaria a extinção da lide) e que o requerimento de cessação constituiria um mero incidente nos autos de regulação do poder paternal, violou a decisão recorrida o disposto no artigo 1412.° do Código de Processo Civil (na exacta medida em que a maioridade determina a extinção do processo de regulação do poder paternal);

4.13. «Em todo o caso, independentemente da posição que se adopte de saber se os alimentos a maiores devem ser pedidos autonomamente, em acção de alimentos a maiores seguindo os termos dos alimentos a menores, ou como incidente no processo de regulação onde houve decisão sobre alimentos, nenhuma dúvida haverá que, em qualquer caso, eles têm de ser pedidos, o que in casu não foram;

4.14. «Ao indeferir o requerimento do recorrente de cessação dos descontos que vinha fazendo, em função da maioridade do filho, sem que o filho maior tenha pedido alimentos, o tribunal recorrido atribuiu na prática alimentos a maior sem que estes lhe tivessem sido pedidos;

4.15. «Em rigor, o tribunal recorrido conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento e condenou o recorrente num pedido que não fora formulado. Violou, pois, a decisão recorrida, o artigo 661.º do Código de Processo Civil cometeu a nulidade prevista no artigo 668.º, n.º l, alínea d), do Código de Processo Civil.»

5. Não houve contra-alegação.

E o objecto do presente agravo, considerando as conclusões que vêm de se extractar, à luz da fundamentação da decisão em recurso, compreende as seguintes questões: a)de saber se a nulidade da falta de notificação ao recorrente das informações relativas à situação do filho foi por ele regularmente arguida, nos termos do artigo 205.º do Código de Processo Civil (conclusões 1.ª/6.ª); b) a questão de saber se a manutenção da prestação de alimentos ao filho, conquanto havendo este atingido a maioridade, se traduziu na atribuição de alimentos ao mesmo sem que ele os tenha pedido, incorrendo o acórdão recorrido nessa medida em violação do artigo 661.º do Código de Processo Civil, e na nulidade de excesso de pronúncia tipificada na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do mesmo corpo de leis.
II
A Relação considerou em sede factual assente que «após ter sido requerida a extinção da prestação alimentar, por iniciativa do tribunal, foram juntos aos autos (fls. 91 e 92), um ofício da GNR afirmando que o C não trabalha e que o mesmo é estudante, conforme certidão que junta, segundo a qual se certifica que o mesmo está inscrito, pela 1.a vez, no 1.° ano do curso de Engenharia Electrotécnica, do Instituto Superior de Engenharia do Porto, tendo frequentado, no ano anterior, o 12.° ano do curso de Electrónica/Electrotecnia».
E, ainda, que «estes documentos não foram notificados ao requerente».

1. À luz desta factualidade e dos dados processuais que fluem dos autos, o acórdão recorrido respondeu em sentido negativo à primeira questão que vem de se enunciar como objecto do presente recurso, de forma a suscitar inteira concordância, seja no tocante à decisão propriamente dita, seja no tocante aos respectivos fundamentos, para que se remete, nos termos do n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.

1.1. Na verdade, considerou a Relação do Porto que tendo a questão da cessação dos alimentos sido decidida na 1.ª instância sem que ao requerente fosse notificada a junção das informações da entidade policial acima aludidas, documentadas a fls. 91/92, em violação dos artigos 3.º e 539.º do Código de Processo Civil, verificou-se consequentemente preterição de uma formalidade essencial constituindo nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 201.º do mesmo Código.

Contudo, o requerente tomou conhecimento da omissão com a notificação da aludida decisão da causa e não arguiu a nulidade no prazo de 10 dias, como se tornava mister (artigos 153.º e 205.º, n.º 1), suscitando a questão apenas na alegação do recurso da decisão, logo extemporaneamente.

1.2. Objecta o ora recorrente, em suma, que arguiu a nulidade em tempo na alegação da apelação, interposta tempestivamente no prazo de 10 dias, fazendo-o perante o tribunal superior, como o permite o n.º 3 do artigo 205.º

1.3. Não propendemos por nossa parte a sufragar este entendimento.

As nulidades a que se refere o artigo 205.º, devem, conforme o seu n.º 1, ser arguidas no prazo de 10 dias - a contar, no nosso caso, da data do seu conhecimento mediante a notificação da decisão recorrida (cfr. o citado n.º 1, in fine) -, perante o tribunal da causa, melhor colocado, obviamente, para o seu conhecimento.

O n.º 3 do artigo 205.º não faculta propriamente à parte tornar a nulidade objecto de recurso. E a parte não pode, por consequência, argui-la em recurso, muito embora tempestivamente interposto no prazo de 10 dias.

O que o citado normativo faculta à parte, excepcionalmente, é a arguição da nulidade perante o tribunal ad quem, no caso de o processo, antes de findar o prazo de arguição, ter sido expedido em recurso. Ou seja, quando já não é possível proporcionar ao tribunal mais vocacionado o seu conhecimento.

Nem nessa hipótese, porém, se trata de tornar a nulidade objecto do recurso. Conforme o n.º 3 do artigo 205.º, deve a mesma ser arguida perante o tribunal superior no prazo de 10 dias a contar da distribuição, estando o recurso alegado e definido o objecto do mesmo.

A nulidade em exame encontra-se, em conclusão, sanada pelo decurso do prazo.

2. No âmbito da segunda questão há pouco enunciada, a Relação do Porto decidiu confirmar a decisão de manutenção da prestação de alimentos impendente sobre o recorrente, aduzindo em suma, na perspectiva do objecto do presente agravo, fundamentação que nos suscita inteira concordância.

Agindo o tribunal de 1.ª instância no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, obteve oficiosamente a prova - mediante certidão, nomeadamente, emanada do Instituto Superior de Engenharia do Porto - de que o C se encontra ali a frequentar com aproveitamento o curso superior de Engenharia Electrotécnica.

Por isso que a situação convoque a aplicação ao caso do disposto no artigo 1880.º do Código Civil, com a consequente manutenção da obrigação alimentar dos progenitores enquanto o filho não tiver completado a sua formação profissional nas condições definidas no mesmo preceito, implicando a improcedência da pretensão deduzida no presente processo pelo requerente de cessação da sua prestação e dos respectivos descontos no seu vencimento.

2.1. O recorrente não controverte já substantivamente o direito a alimentos e a sua obrigação alimentar propriamente em relação ao filho.

O que pretende, ao invés, como elucidativamente flui das conclusões há pouco extractadas, é que as instâncias, a Relação do Porto, em derradeiro termo, não podiam no presente processo de alteração de regulação do poder paternal, em sua vertente de alimentos devidos a menor, decidir no fundo a atribuição de alimentos a maior, sem que de resto esta tenha sido pedida pelo C, cometendo inclusive a nulidade de excesso de pronúncia tipificada na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

2.2. Não se afigura, em nosso modo de ver, que ao recorrente assista razão também nesta outra vertente do recurso.

Não deve com efeito esquecer-se que o presente processo de cessação da prestação de alimentos foi instaurado por sua iniciativa, limitando-se o tribunal a negar provimento à pretensão por reconhecer, nos termos do artigo 1880.º do Código Civil, que o C continuava a ter direito à contestada prestação, em lugar de atribuir a este uma pensão alimentar ex novo, na qualidade de maior.

E podia o tribunal processualmente fazê-lo, nos termos do artigo 1412, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual, tendo havido decisão sobre alimentos a menores, a maioridade ou emancipação não impedem, em quanto aqui importa, «que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso».

Ter-se-á pecado apenas na 1.ª instância, mas sem qualquer reflexo na boa decisão da causa, por não se ter processado o pedido formulado pelo requerente em apenso autónomo.
III
Nos termos expostos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao agravo, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo requerente agravante (artigo 446 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 6 de Julho de 2005
Lucas Coelho,
Bettencourt de Faria,
Moitinho de Almeida.