RECLAMAÇÃO
RECURSO
PRAZO
Sumário

No caso de Reclamação em que o sujeito processual em vez de reclamar recorreu, o juiz pode ‘salvar’ a pretensão daquele e mandar processar como incidente de reclamação, desde que tenha sido observado o prazo de apresentação desta (405º/2 CPP)

Texto Integral

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Reclamação 1682-07.

Em 13.12.2010 no 2º juízo criminal de Vila Nova de Gaia foi proferido o seguinte despacho:
Não se admite o recurso interposto a fls. 2 a 43, pela arguida do despacho de fls. 334 a 335 do processo principal, por extemporâneo, nos termos do preceituado nos art.ºs 411, n.º1, al. a) e 414º n.º2 do Código de Processo Penal (o despacho foi notificado ao mandatário em 7.10.2010 e o recurso foi enviado por mail em 4.11.2010, pelo que o 3º dia útil posterior ao termo do prazo foi em 2.11.2010).

Esse despacho foi notificado à arguida mediante carta enviada a 14.12.2010, tendo a arguida interposto recurso no dia 24.1.2011, 3º dia útil seguinte, após um prazo de vinte dias, contado a partir da notificação de 14.12.2010.
Junta a alegação de recurso foi proferido em 10.3.2011 o seguinte despacho:
Fls. 93 a 163:
Nos termos do preceituado no art.º 414º n.º2 do Código de Processo Penal, não se admite o recurso interposto a fls. 98 a 126, pela arguida uma vez que o despacho de que se pretende recorrer e lavrado a fls. 90 deste apenso (despacho que não admite o recurso do despacho de fls. 334 a 335 do processo principal, por extemporâneo) é irrecorrível (a forma de atacar o despacho que admite ou que retenha o recurso é através de reclamação para o presidente do tribunal que o recurso se dirigir, nos termos do art.º 405º do Código de Processo Penal).

Notificada mediante carta expedida a 11.3.2011 veio a arguida no prazo de dez dias reclamar.

Resulta da precedente marcha processual que a pretensão da reclamante está condenada ao fracasso. Diz o art. 405º do Código de Processo Penal que o meio de reagir a um despacho que não admite um recurso por intempestividade é a reclamação para o presidente do tribunal que seria competente para decidir o recurso e não a interposição de novo recurso.
Diz a reclamante citando o Comentário de Pinto de Albuquerque ao art.º 405, p. 1037, de edição que não identifica, que se em vez de reclamar, a parte impugnar o despacho de indeferimento ou retenção do recurso, o juiz a quo deve mandar seguir os termos próprios da reclamação, art.º 688º n.º5, por força do art.º 4º do Código de Processo Penal.
Liminarmente se dirá que não é bem assim.
O art.º 688º n.º 5 do Código Processo Civil, que serviu de base ao entendimento explanado pela reclamante foi alterado com a redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/08[1]. Agora não existe a pré-vigente disposição normativa a dizer que “se, em vez de reclamar, a parte impugnar por meio de recurso qualquer dos despachos a que se refere o n.º1, mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação”.
Depois, esquece a reclamante um pormenor importante: no anterior quadro normativo só era assim – mandar seguir oficiosamente os termos da reclamação – se o recorrente tivesse apresentado recurso em vez de reclamação dentro do prazo da reclamação. Se fosse ultrapassado o prazo de apresentação da reclamação essa reconversão oficiosa já não era possível, acórdão do TRE de 9.11.1995, CJ XX, Tomo V, p. 282. É um dos subscritores deste acórdão [Santos Carvalho] quem, ainda no domínio do quadro legislativo pré-vigente do Código Processo Civil, relatou no Supremo Tribunal de Justiça o acórdão de 8.10.2002, disponível no sítio da dgsi, que partindo do art.º 688º n.º5 do Código Processo Civil, então ainda vigente, veio dizer que “tendo o arguido recorrido do despacho que não admitiu um recurso, o juiz devia ter processado esse incidente como reclamação para o Presidente da Relação, o qual decidiria se o primeiro era ou não extemporâneo”.
A ausência de norma expressa a dizer que tendo o sujeito processual recorrido do despacho que não admitiu o recurso, quando devia ter apresentado reclamação, não obsta a que o juiz receba e mande subir como incidente de reclamação, não é óbice a que tal procedimento continue a ter lugar. Admitimos até como mais razoável esse entendimento no processo penal, dada a natureza dos interesses em jogo. Agora o pressuposto irrenunciável desse procedimento tem de ser a tempestividade da reclamação. Sendo caso de reclamação, se o sujeito processual recorre, o juiz só pode mandar processar como incidente de reclamação se estiver em tempo.
Ora, no caso, o recurso, que devia ter sido reclamação, foi apresentado no dia 24.1.2011, 3º dia útil seguinte, após um prazo de vinte dias contado a partir da notificação de 14.12.2010, quando, obviamente, já se encontrava já escoado o prazo de dez dias para reclamar, art.º 405º do Código de Processo Penal.

Decisão:
Indefere-se a reclamação.
Custas pela reclamante fixando a taxa de justiça em 2 UC.

Porto, 25 de Maio de 2011.
Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
António Gama Ferreira Ramos
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[1] A actual redacção é a seguinte:
Artigo 688.º
Reclamação contra o indeferimento
1 - Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.
2 - O recorrido pode responder à reclamação apresentada pelo recorrente, em prazo idêntico ao referido no número anterior.
3 - A reclamação, dirigida ao tribunal superior, é apresentada na secretaria do tribunal recorrido, autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objecto de reclamação.
4 - A reclamação é apresentada logo ao relator, que, no prazo de 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou mantenha o despacho reclamado.
5 - Se o relator não se julgar suficientemente elucidado com os documentos referidos no n.º 3, pode requisitar ao tribunal recorrido os esclarecimentos ou as certidões que entenda necessários.
6 - Se o recurso for admitido, o relator requisita o processo principal ao tribunal recorrido, que o deve fazer subir no prazo de 10 dias.