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MATÉRIA DE FACTO
MEIOS DE PROVA
ESPECIFICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
RECURSO
Sumário
1 - O recorrente deve indicar, sob pena de rejeição do recurso, quais os concretos meios probatórios constantes do processo e os pontos da matéria de facto cuja apreciação pelo Tribunal da Relação põe em crise (artº 690 C.P.C.). 2 - É concorrência desleal o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade (art. 260 C.P.I). 3 - O agente, utilizando segredo alheio, parte para a concorrência, não com as próprias capacidades, mas à custa de um ilegítima e indevida intromissão e utilização de elementos reservados da empresa alheia, havendo, por conseguinte, um aproveitamento da prestação alheia às normas e aos usos honestos.
Texto Integral
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
"A", Empresa de Confecções, Ld.ª, intentou acção ordinária contra B, Ld.ª, pedindo a condenação desta a abster-se de utilizar qualquer reprodução ou cópia de um programa de computador dela Autora, bem como a utilizar ordens de fabrico por aquele programa produzidos, e, ainda, a pagar-lhe a quantia de 30.000.000$00 a título de indemnização pelos prejuízos provocados pela utilização ilícita do dito programa, bem como uma quantia a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a 140.000.000$00, a título de indemnização pelos prejuízos causados por concorrência desleal.
O processo seguiu termos com contestação da Ré e, após audiência de julgamento, foi proferida sentença a reconhecer à Autora o direito de uso e fruição exclusivo do programa de computador por si usado para gestão informática da sua actividade, e a condenar a Ré a abster-se de utilizar qualquer reprodução ou cópia do dito programa de utilizar para qualquer fim as ordens de fabrico (incluindo os impressos emitidos por computador, os desenhos dos modelos, as fichas técnicas e as fichas de etiquetas) e a pagar a quantia de € 50.000,00, destinada, em partes iguais, à Autora e ao Estado por cada infracção a tais proibições que venha a ocorrer, e a pagar à Autora €187.857,52 e juros de mora sobre esta quantia à taxa de 12% desde a citação até integral pagamento.
Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso de apelação a Ré, sem êxito.
Tendo sido notificada do Acórdão que, além do mais, rejeitou a alteração da matéria de facto por ela pretendida, por não ter efectuado a transcrição das passagens da gravação, veio a mesma arguir a nulidade de tal decisão do Tribunal da Relação nessa parte.
Posteriormente veio interpor recurso de revista, arguindo de novo a nulidade do dito Acórdão.
Sobre tal arguição se pronunciou por Acórdão o Tribunal da Relação julgando não haver qualquer nulidade.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Formula a recorrente nas suas alegações as seguintes conclusões:
«1ª Padece o acórdão em crase da nulidade prevista no artigo 668°, n.° 1, alínea d) e art. 716°, n.° 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do seu art. 721°, n.° 2, porquanto não conheceu do recurso, rejeitando-o, na parte em que, impugnando a matéria de facto, a Recorrente solicitava a reapreciação da prova gravada, por entender que não havia sido cumprido o ónus imposto pelo n.° 2 do art. 690°-A daquele Código, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 329°-A/95 de 12 de Dezembro.
2ª Da mera leitura das alegações de recurso da Recorrente, a págs. 7 e seguintes, facilmente se afere que esta, para além da remessa para o ponto das cassetes onde se encontra o depoimento em causa (por referência ao assinalado nas actas de julgamento), também transcreveu (ainda que de forma sucinta e, por isso, imperfeita e incompleta) as passagens da gravação em que se fundava.
3ª Além disso, sempre que tal se mostrou adequado, a apelante remeteu para os documentos dos autos que assentavam a prova de factos cuja apreciação reclamava, pelo que estes sempre podiam e deviam ser alvo de nova apreciação - o que não sucedeu.
4ª Constituindo os art.ºs 690° e 690°-A do Código de Processo Civil as normas disciplinadoras da forma de alegar e concluir devem ser interpretadas conjuntamente sob pena de para situações idênticas se chegar a conclusões diversas, pelo que apesar do art. 690°, n.° 4 remeter apenas para a falta das especificações previstas no n.° 2 desse artigo deve entender-se que tal remissão abrange também as especificações previstas no n.° 2 do art. 690°-A, o que determinaria a formulação, ao Recorrente, de um convite de aperfeiçoamento das suas conclusões - cfr. acórdãos deste Tribunal datados de 1 de Outubro de 1998 e 14 de Maio de 2002, devidamente identificados nas alegações.
5ª Resultando do art. 2° do Código de Processo Civil, o objectivo de todo o processo é a obtenção de uma decisão justa acerca do mérito da causa, não deve a lide terminar por razões puramente formais.
6ª Para além de tudo o que ficou dito, à que ter em conta que o aludido Decreto-Lei n.° 329-A/95 de 12 de Dezembro veio proibir as decisões surpresa, alterando o art. 3° do Código de Processo Civil.
7ª O despacho-convite no sentido de, nas suas alegações, a Recorrente proceder à transcrição nos termos devidos, deveria ser formulado pelo relator no despacho preliminar, como se dispõe no art. 701°, n.° 1 do Código de Processo Civil (cfr. Acórdãos do STJ de 12 de Janeiro de 1999, 16 de Outubro e 12 de Novembro de 2002, supra citados); este convite não foi formulado nem a recorrente foi, sequer, ouvida acerca da questão da rejeição do recurso.
8ª Tais violações tornam o Acórdão daquela Relação nulo como resulta do disposto no art. 668°, n.° 1, alínea d) e art. 716°, n.° 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do seu art. 721°, n.° 2.
9ª Não obstante tudo o que fica dito acerca da extrema necessidade de reapreciação da prova gravada, inexiste no caso em apreço o essencialíssimo nexo de imputação do facto ao lesante, não podendo atribuir-se à Recorrente qualquer responsabilidade, já que o eventual dano da Recorrida, decorrente da violação dos direitos de autor relativos ao programa informático, apenas poderiam ser imputados a quem se apropriou das tapes e posteriormente vendeu o programa nelas contido.
10ª Não é dito, em qualquer dos 102 factos dados como provados pela 1ª instância (e mantidos, na íntegra, pela Relação), que, ao adquirirem tal programa, os sócios gerentes da Ré houvessem sido informados de que o mesmo apenas podia ser vendido pela Autora ou por alguém devidamente autorizado por esta para esse efeito, sendo essa prova essencial para que se pudesse responsabilizar a Recorrente pela violação do direito de autor da Recorrida.
11ª Da factualidade apurada resulta ainda que os sócios gerentes da Recorrente, porque nunca trabalharam ou fizeram parte do departamento informático da Recorrida, nem foram Administradores ou ocuparam qualquer função que lhes permitisse conhecer os eventuais direitos da Recorrida sobre o programa, não sabiam, nem tinham obrigação de saber que lhes estava vedada a aquisição da aplicação, ou melhor, que a respectiva reprodução ou comercialização poderia constituir um facto ilícito.
12ª A pessoa que vendeu o programa informático à Recorrente era funcionário de C, Lda. Esta empresa aparecia no mercado, há já vários anos, como sendo a detentora do direito de venda de tal produto, referindo-se sempre à Recorrida enquanto uma mera utilizadora do mesmo, em cujas instalações se efectuavam, inclusivamente, demonstrações.
13ª Ao estatuir nos seus arts. 9°, n.° 2 e 67° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos que "no exercício de direitos de carácter patrimonial, o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e de utilizá-la ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou parcialmmente", a lei visou responsabilizar, nos termos do art. 483° do Código Civil, todos aqueles que, sabendo-se não possuidores do direito de utilização e fruição exclusiva de determinado produto, dele dispõem, auferindo um lucro que lhes é ilícito.
14ª Só aquele funcionário da C conhecia a "paternidade" da obra e só ele retirou benefícios ilegítimos com a sua comercialização, já que a Recorrente lhe pagou 3.600.000$00 pela respectiva licença de utilização (facto provado n.° 96).
15ª Tendo presente a falta de consciência da ilicitude na aquisição do programa informático por parte da Recorrente, bem como que as ordens de fabrico que serviram de base para a colecção foram elaboradas por aquela, não se pode, de todo, concluir que a utilização do programa e das suas funcionalidades integra concorrência desleal, por violação das normas de usos honestos do ramo.
16ª A utilização, pela Recorrente, do programa informático adquirido não pode considerar-se contrário aos usos honestos pois por um lado, como se disse já, esta não sabia, nem tinha obrigação de saber, que a Recorrente era detentora dos direitos exclusivos de uso e fruição e, por outro lado, tal programa foi adquirido mediante o pagamento do seu justo preço de mercado, tudo sendo feito "ás claras", mediante a emissão da correspondente factura discriminativa.
17ª A Recorrente não praticou qualquer acto no sentido de desacreditar os serviços e reputação da Recorrida, convencendo o cliente F a "entregar-lhe" a sua encomenda, ficando a mudança a dever-se, única e exclusivamente, à extrema confiança depositada por este cliente na sócia gerente D.
18ª Os desenhos dos modelos e as fichas de etiquetagem não constituem uma "criação intelectual" merecedora de protecção jurídica e, por conseguinte, a respectiva apropriação não se pode traduzir numa conduta integradora de concorrência desleal, ao abrigo da alínea i) do artigo 260° do Código da Propriedade Industrial, sendo certo que se trata de meros elementos de adaptabilidade da prática da confecção a um suporte material, a qual obedeceu aos métodos e regras que os sócios gerentes da Recorrente aprenderam e até, porventura, criaram, enquanto trabalhadores da Recorrida.
19ª Ou seja, tais desenhos e etiquetas não existem enquanto bens jurídicos autónomos, sendo insusceptíveis de serem objecto de direitos, para além de que não são levados ao conhecimento do cliente e por isso são completamente alheios à formação da sua vontade de contratar.
20ª O que se pretende evitar com a previsão do citado art. 263° é que alguém conceba determinado bem, lhe dê uma concreta aparência, crie o respectivo modelo ou desenho e posteriormente veja esse seu bem produzido por terceiros que abusivamente acederam a tais modelos e/ou desenhos - situação que não ocorreu, de todo, na questão em análise.
21ª Não tendo criado nada, igualmente a Recorrente não podia ter-se apropriado de qualquer um dos referidos elementos ou "ideias originais", pelo que inexiste um qualquer acto susceptível de consubstanciar um acto de concorrência desleal, desde logo, porque o cliente poderia tomar a decisão de passar a trabalhar com a Recorrente porque também estava na posse de tais informações e ideias.
22ª A produção duma encomenda como a da F depende e é feita a partir das amostras e não de quaisquer outros elementos, tais como fichas técnicas, desenhos, etc., conforme resulta dos depoimentos prestados e também do parecer ora junto.
23ª Eventuais danos sofridos pela Recorrida na sua imagem e no seu bom nome comercial não foram originados por qualquer conduta ilícita da Recorrente, mas sim na legítima e saudável aplicação das regras de livre concorrência e de mercado, pelo que não merecem, in casu, a tutela do direito.
24ª Ao julgar improcedente a apelação da Recorrente, confirmando a sentença recorrida, a decisão recorrida violou a lei, interpretando e aplicando erradamente os arts. 9°, n.° 2, 67° e 68°, n.° 3 e 73° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, 260° do Código da Propriedade Industrial e 483°, 487° e 496° do Código Civil, razão pela qual não pode manter-se.
Termos em que deve julgar-se procedente a nulidade arguida, anulando o acórdão recorrido, mandando-o baixar à Relação para que esta proceda à sua reforma, ou, caso assim não se entenda, deve julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido.»
Corridos os vistos cumpre decidir.
No acórdão recorrido foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
«a) Relativamente à autora, ao seu programa informático e à sua relação com a F
1. A Autora é uma sociedade que tem por objecto e actividade principal o fabrico de roupas e confecções.
2. Dado o número de modelos de roupa confeccionados, a complexidade crescente do sistema de produção e controlo de fabrico e o volume de toda a informação gerada na empresa, a Autora, em 1983, adquiriu um sistema informático para possibilitar o tratamento de toda esta informação, nomeadamente relativa à produção, à estrutura de produtos, à contabilidade, à gestão comercial, às compras e aos salários.
3. Na sequência, a Autora criou, na sua estrutura, um gabinete de informática, a quem coube a tarefa de criar e desenvolver o programa informático adequado, que satisfizesse as necessidades e especificidades da empresa.
4. O departamento de informática, que era comum à Autora e a uma empresa associada desta, a E - Confecções, S.A., foi formado por quatro técnicos de informática que nele trabalhavam a tempo inteiro, sendo actualmente constituído por dois prestadores de serviços.
5. Esse programa foi desenvolvido pelos serviços da Autora ao longo de 16 anos de modo a adequá-lo à sua forma de organização e de laboração.
6. Este programa realiza, informaticamente e duma forma integrada, a gestão de toda a actividade da empresa, incluindo a gestão do processo comercial (tratamento de encomendas, facturação, etc.) e relação com clientes, bem como o planeamento e controlo da produção (desde a determinação dos componentes de cada modelo e suas quantidades até à gestão das compras de material, stocks, entre outras).
7. A C vendeu no mercado duas aplicações semelhantes, contendo os desenvolvimentos posteriores realizados pela autora.
8. Havia até um acordo com esta que permitia à C invocar o nome da Autora nas vendas daquele programa como sendo uma das empresas utilizadores daquele e para a realização de demonstrações que chegaram a ser feitas.
9. O programa actualmente usado pela Autora resulta exclusivamente do trabalho de criação e desenvolvimento dos seus serviços de informática, feito à medida para a empresa.
10. Este programa é utilizado, entre outras tarefas, para controlar e planear a produção das peças de roupa.
11. Para tanto o programa, por ordem do utilizador, emite ordens de fabrico que contêm informações necessárias para o fabricante produzir a peça de roupa.
12. Não existe qualquer programa informático igual ou semelhante àquele criado e usado pela Autora.
13. Um dos principais clientes da Autora, a "F" da Suécia, que é o licenciado da multinacional de vestuário "Gant USA", no início do segundo semestre de 1998 solicitou-lhe que fabricasse umas amostras de umas peças de roupa para a colecção, como acontecia desde há oito anos.
14. Na posse dos impressos de computador e de outras informações e instruções de fabrico a Autora ou os fabricantes por si contratados ficam habilitados com as informações necessárias para produzir as peças de roupa com as características pretendidas.
15. Foram os funcionários da Autora que conceberam e depois foram aperfeiçoando, ao longo dos anos, a forma de apresentação dessas indicações de modo a torná-las mais claras e de fácil percepção e determinando quis as informações a mencionar.
16. O desenho dos modelos foi elaborado por trabalhadores da Autora.
17. A ficha técnica de que constam as especificações de elaboração e acabamentos foi redigida pelos seus funcionários.
18. As fichas de etiquetas foram também elaboradas por trabalhadores da Autora resultando de indicações do cliente e de propostas feitas pelos técnicos daquela.
19. Essas fichas, informações, desenhos e impressos constituem no seu conjunto uma ordem de fabrico.
20. Os modelos são criados pelo cliente, assim como toda a imagem global da colecção, incluindo acessórios a utilizar.
21. A autora recebe instruções dos seus clientes relativas aos modelos que estes querem ver confeccionados.
22. Os clientes do tipo da F transmitem tais instruções de forma pormenorizada definindo o "styling" da peça, especificando os tecidos, cores, medidas, pespontes, acessórios, etiquetas, etc.
23. Na posse de tais instruções a autora executa-as, regime
confeccionando a correspondente amostra.
24. Esta é submetida à apreciação do cliente que a pode aprovar ou introduzir-lhe alterações, caso em que volta a dar à Autora as competentes instruções.
25. Os blusões encomendados pelo cliente da Autora eram produzidos pela sociedade G - Confecções, Lda em regime de empreitada.
26. Para o fim aludido em 13. e por forma a produzir, a Autora elaborou "ordens de fabrico" de cada um dos 33 modelos de blusões dos quais iriam ser fabricadas amostras.
27. A ordem de fabrico continha a discriminação dos materiais a utilizar no fabrico das peças, que inclui o tipo de material (o tipo de tecido, o tipo de linha e sua cor, cordões, fecho, etiquetas, elásticos, sacos, caixas, etc.), o código desse material, quantidade por cada peça de roupa e quantidade total.
28. Em anexo incluía:
- desenhos dos modelos a fabricar;
- uma ficha técnica contendo as especificações técnicas e dos acabamentos;
- indicações pormenorizadas sobre etiquetas da marca, etiquetas de tamanho, etiquetas de instruções de lavagem e o modo como elas devem ser colocadas nas peças de roupa, bordados da marca e das etiquetas a colocar e que sacos que embalarão as peças de roupa.
29. Com as ordens de fabrico a Autora mandou fabricar em regime de empreitada à sociedade G - Confecções, Lda cerca de 2.700 amostras de produtos para a "F", tendo suportado o seu custo.
30. Produzidas as amostras a cliente faz as encomendas definindo as quantidades por modelos, cores e tamanhos para a produção.
31. A autora executa-as, por si ou por terceiro, a quem retransmite as instruções recebidas do cliente.
32. Para o efeito, a autora elabora processos de confecção para cada um dos modelos.
33. A Autora enviou as amostras produzidas para o cliente "F".
34. O cliente F pagou as amostras que recebeu da autora.
b) Relativamente à ré e à sua actuação
34. A ré, que comercialmente também usa a designação R2M, foi constituída e registada em 14 de Janeiro de 1999 por D e H que continuam a ser os seus únicos sócios e gerentes (doc. de fls. 29 a 31 do procedimento cautelar).
35. Os sócios da ré foram trabalhadores da Autora até pouco tempo antes de constituírem a sociedade: a primeira foi durante 18 anos secretaria comercial da Autora, tendo saído da empresa, por sua iniciativa, em 8 de Janeiro de 1999; o segundo trabalhou com a Autora 10 anos, sendo responsável pela compra de tecidos tendo-se desvinculado desta em 30 de Novembro de 1998.
36. Nas suas funções enquanto trabalhadores da Autora os sócios da ré usavam o programa referido em 6. diariamente, introduzindo dados, consultando informações e realizando outras operações nos computadores daquela, conhecendo-o bem e sabendo trabalhar com ele.
37. A ré tem por objecto a comercialização de vestuário e confecções.
38. Para tanto recebe as encomendas dos clientes e contrata com pequenas empresas da região a fabricação das peças de roupa, em regime de empreitada, que depois venderá ao cliente.
39. A ré exerce a sua actividade no mesmo ramo comercial e na mesma área geográfica da Autora (Vale do Ave).
40. A ré limita-se a tratar as encomendas dos clientes e fornecer aos fabricantes por si contratados os materiais, instruções de fabrico e especificações técnicas necessárias à fabricação das roupas.
41. Como forma de iniciar a sua actividade de forma rápida, a ré passou a usar o programa de computador da autora.
42. A Ré obteve esse programa através de um técnico de computadores que prestava serviço para a Autora, no seu departamento de informática.
43. Esse técnico apropriou-se de umas cassetes ("tapes") que continham a cópia do programa, levou-as consigo e cedeu à ré cópias dessas "tapes".
44. O programa usado pela ré é uma reprodução do da Autora, correspondendo à versão usada em 1995/1996 na empresa desta.
45. A aparência global das ordens de fabrico emitidas pelo programa usado pela ré é igual ao da Autora, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
46. Também os componentes não dependentes dos dados são totalmente coincidentes, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
47. A disposição dos campos, a nomenclatura usada, o tipo de informação são absolutamente idênticos, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
48. A quantidade de informação, disponível nas ordens de fabrico emitidas é igual, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
49. Nos campos de informação "corte" e "confecção" nessas ordens de fabrico, enquanto não estivesse definido o fabricante que iria produzir a peça de roupa, a Autora atribuía a letra de código "S" correspondente a um credor virtual que na Autora era "A Geral".
50. Também na ordem de fabrico da ré, nesses mesmos campos, o código "S" corresponde a "Geral" tendo sido retirada a alusão a firma da Autora.
51. A forma como os dados são codificados e armazenados é igual, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
52. Tal implica que é idêntica a forma pela qual o programa trata e processa a informação, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
53. A forma de codificação e o tamanho (15 dígitos) do código dos componentes necessários para fabricar a peça de roupa em causa são idênticos, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
54. As convenções de codificação são as mesmas, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96
55. O código do artigo inicia-se com uma letra que distingue tecidos (T) de acessórios (P) e um ponto separa das testantes partes, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96
56. No caso dos tecidos seguem-se 4 letras que identificam o tipo de tecidos, um ponto, uma letra não usada, outro ponto, mais duas letras não usadas, um ponto e por fim 3 letras que indicam a cor do tecido, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96
57. No caso dos acessórios, seguem-se 3 letras que indicam que indicam o modelo e tamanho, um ponto, 3 letras a indicar a cor, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
58. Essas convenções são totalmente coincidentes nas duas listagens, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
59. O modo como os códigos dos artigos se encontram estruturados, que são informações usadas em todos os módulos do programa, permite afirmar que todo o programa é o mesmo, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
60. A forma de componentes dos artigos (a sua estrutura) implica que outros módulos (ramificações) do programa onde eles são usados (por exemplo, a gestão de stocks e facturação) sejam idênticos aos do programa da Autora, com o esclarecimento que a versão do programa utilizado pela ré é igual à versão da autora de 1995/96.
61. Apesar de as ordens de fabrico terem a mesma aparência global, estrutura, disposição de campos, nomenclatura usada e tipo e quantidade de informação disponível, a codificação dos artigos, cores, tipo de tecido, tamanhos e modelo não é a mesma.
62. A Ré, utilizando uma cópia do software da Autora, passou a dispor de um programa adaptado à actividade que ela iria exercer, já exaustivamente testado por esta nessas funções e nas mesmas condições de trabalho.
63. Ao actuar pela forma descrita no ponto anterior a ré tinha a intenção de iniciar a laboração imediatamente.
64. O programa não careceu de qualquer adaptação na empresa da Ré.
65. Nem quem trabalha com ele careceu de qualquer formação.
66. A Ré sempre soube que o programa que está a utilizar é uma cópia do da Autora.
67. A Autora nunca autorizou que o seu programa fosse copiado ou usado.
68. Os desenhos dos módulos da Autora e da ré são iguais.
69. A ré copiou as fichas de etiquetagem da Autora.
70. A ré utilizou as ordens de fabrico (com os impressos de computador gerados pelo programa em causa e com as demais fichas com os elementos técnicos e instruções de fabrico) da autora como se suas fossem.
71. Os sócios gerentes da ré foram funcionários da autora e a sócia gente D teve livre acesso a esses documentos e com eles trabalhou enquanto funcionária da autora.
72. Em momento não apurado os agora gerentes da ré apropriaram-se, sem conhecimento ou consentimento da autora, de fotocópias das fichas com os elementos técnicos e instruções de fabrico.
73. O cliente F tomou conhecimento que a sócia gerente da ré iria sair da autora.
74. Sempre foi esta quem tratou, desenvolveu e ajudou a criar as colecções durante os oito anos em que a F foi cliente da Autora.
75. Na posse das amostras referidas em 33. o cliente "F" enviou-as à Ré encomendando-lhe a produção.
76. Seguidamente a Ré enviou à G ordens de fabrico por si elaboradas e as amostras da colecção Outono - Inverno 1999 que o seu cliente lhe enviara.
77. Usando ordens de fabrico iguais às da autora, especialmente preparadas para os modelos de roupa da "F", contratou a fabricação dessas peças de roupa à G - Confecções, Ld.ª.
78. A sócia gerente da Ré utilizou o mesmo fabricante, G, por o conhecer bem enquanto trabalhadora da Autora, por gostar do seu trabalho e ter confiança no mesmo.
79. O envio dos desenhos das peças pode ser dispensável, mas não o foi no caso em apreço.
80. Através das amostras o confeccionador G tem uma ideia rigorosa e precisa do que o cliente pretende que sejam os modelos a produzir.
81. Na posse dessas fotocópias dos desenhos foram-lhes apostos os códigos de cada modelo em uso na ré.
82. Os códigos em uso na Autora foram criados pela sócia gerente da Ré na qualidade de trabalhadora da primeira.
83. Como a sócia gerente da ré tentava codificar os modelos de forma a que lhe fosse possível identificá-los só pelo nome, optou por codificar os modelos criando anagramas.
84. As listagens com os artigos precisos para cada modelo foram todas elaboradas pela ré para a produção Outono - Inverno 1999 da marca Gant, tendo em conta todas as informações fornecidas pela cliente.
85. Quando foi decretada a providência cautelar decidida no apenso a ré estava na posse do programa de computador referido em 43. e dos documentos referidos em 70. e tinha já contratado com a "F" o fornecimento das peças de roupa que anteriormente eram fornecidas a esta pela autora.
c) Relativamente aos danos sofridos Dela autora
86. A licença de utilização do programa de computador da autora, atenta a sua funcionalidade e adaptação à função tem um valor de mercado de aproximadamente PTE 3.000.000$00 (€ 14.963,94).
87. A actuação da ré causou à autora um prejuízo no montante referido em 86., correspondente à perda da possibilidade de uma eventual comercialização de uma licença de utilização.
88. O cliente "F" era um dos maiores da Autora.
89. A percentagem de produção da autora destinada à F foi de 52,8% em 1997 e de 58,8% em 1998.
90. As vendas para a F representaram para a autora, no ano de 1998, uma facturação de PTE 372.712.307$00.
91. Nesse ano, tal traduziu-se para a empresa autora:
- num proveito bruto de PTE 77.831.000$00;
- num lucro bruto de FITE 38.665.000$00;
- num lucro líquido de PTE 29.650.000$00.
92. No ano de 1998 a Autora elaborou o seu plano de trabalhos e orçamento para o ano de 1999 tendo em conta a produção a efectuar para a "F".
93. A autora preparou a sua capacidade de produção de modo a dar resposta cabal a todas as encomendas.
94. Sem as encomendas do cliente F a produção contratada a fabricantes exteriores diminuiu 20% em termos totais e 70% em relação à produção de blusões.
94. Os custos fixos inerentes à laboração da empresa mantiveram-se.
95. Ao ver desviado esse cliente em favor duma empresa nova no mercado a Autora viu abalado e posto em causa o nome e imagem comerciais.
d) Outros factos provados
96. A ré adquiriu pelo preço de PTE 3.600.000$00 um pacote informático com finalidade semelhante àquele.
97. Esse programa vai ser desenvolvido e adaptado à estrutura, dimensão e necessidades da Ré.
98. As ordens de fabrico da Autora que apresentam as datas de emissão de Março de 1999 foram fabricadas apenas para serem exibidas no âmbito da providência cautelar.
99. O código de ordem de fabrico dos docs. n.ºs 3, 4, 5 e 6 juntos pela Autora com o requerimento inicial da providência cautelar acaba em 95, o que corresponde ao ano da sua execução e não Março de 1999.
100. O mesmo acontece com o código de número de encomenda dessas "ordens de fabrico" emitidas pela Autora em 1999 que começam em 95, correspondendo igualmente ao ano da sua laboração.
101. Nas ordens de fabrico da Ré verifica-se que os códigos de O.F. e de número de encomenda terminam e começam, respectivamente, por 99, ou seja o ano da sua execução e que corresponde à data de emissão nelas aposta - 05/03/99.
102. Actualmente, a ré tem técnicos habilitados a realizar desenhos para confeccionar as peças, conforme instruções dadas pelo cliente.»
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente começaremos por dizer que ela carece de razão.
Com efeito, há desde logo que salientar que na al. b) do n.º 1 do art.º 690-A CPC na redacção do DL 39/95 de 15/2, que é a aplicável ao caso "sub judice" se estabelecia que:
Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena rejeição quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
E no n.º 2 do mesmo art.º 690-A se estatuía que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado das passagens da gravação em que se funda.
Ora no caso "sub judice" a recorrente não efectuou a transcrição das passagens dos depoimentos gravados em que fundamenta a sua impugnação, o que manifestamente significa que não cumpriu o ónus imposto pelas citadas disposições legais.
Anote-se que a presente acção foi intentada em 10 de Maio de 1999 e a Ré foi citada em 28 de Maio de 1999 pelo que é aplicável a redacção anterior ao D.L. 183/2000 de 10/8 (v. seu art.º 7 n.º 3).
Assim, tal facto acarreta o não do conhecimento da parte do recurso relativo à impugnação do que foi decidido sobre a matéria de facto.
E não é de atender à pretensão da recorrente no sentido de ser aplicável o n.º 4 do art.º 690º C.P.C. já que os ónus impostos à recorrente, e a que se fez alusão, visam o corpo da alegação, insusceptível de ser corrigido ou completado no nosso ordenamento processual pela via do convite (cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 5ª ed., Almedina, pág. 161).
Mantém-se, pois, a matéria de facto considerada como provada no acórdão recorrido, sendo com ela, e só com ela, que se irá decidir o mais que constitui objecto do recurso da Ré (art.º 722º e 729º CPC).
Ora antes de tudo está provado que os sócios gerentes da Ré (que foram funcionários da Autora) sabiam que o programa que adquiriram para a sua sociedade, e que utilizaram, era propriedade da Autora e que não podiam levar a cabo essa conduta sem consentimento desta.
Conduta pois ilícita por violadora dos direitos de fruição e utilização exclusiva pela Autora do programa informático que esta comprara e que desenvolvera, como lhe era contratualmente permitido.
E também manifestamente culposa.
Tal significa, além de mais, que não é de aceitar a alegação de que a violação dos direitos de autor relativos ao programa informático, apenas poderia ser imputada a quem se apropriou das tapes e posteriormente vendeu o programa nelas contido.
Todo o circunstancialismo da conduta dos sócios gerentes da Ré aponta claramente em sentido contrário, isto é, no sentido de um aproveitamento, abusivo do programa em causa com o intuito de concorrerem deslealmente com a Autora.
E nesta sede o art.º 260º C.P.I. (apro. pelo D.L. 16/95 de 24/1 - aplicável ao caso presente) estabelece o conceito geral de concorrência desleal traduzindo-se em qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade.
De afastar também a afirmação feita pela Ré recorrente de que a sua conduta não foi contrária aos usos honestos, já que comprou o dito programa pagando a totalidade do preço exigido por quem se presumia ser o seu proprietário e legítimo possuidor, já que bem sabiam os sócios gerentes daquela o que na realidade se passava em relação à propriedade do programa, pois, tinham trabalhado na Autora até pouco tempo antes de constituírem a sociedade e usando eles próprios tal programa (v. art.º 3 n.º 3 do D.L. 252/94 de 20/10).
E, por isso, também não colhe a ideia defendida pela recorrente de que só o funcionário da 2 N conhecia a "paternidade"da obra e de que só ele retirou benefícios ilegítimos com a sua comercialização, já que ela lhe pagou 3.600.000$00 pela respectiva licença de utilização.
A Ré recorrente tirou largos benefícios da sua conduta ilícita e culposa aproveitando-se da patente "criação intelectual" da Autora desviando logo um bom cliente desta e atendendo de imediato, o que só se tornou possível através do uso do programa informático em causa, que não precisou de qualquer significativa adaptação, nem quem trabalha com ele careceu de qualquer formação.
A Ré passou do modo já descrito a dispôr de um programa adaptado à actividade que ia exercer (como exerceu), já exaustivamente testado nas mesmas funções e nas mesmas condições de trabalho, o que lhe deu manifesta vantagem, a ponto de conseguir a encomenda do aludido cliente da Autora, tudo com manifesto prejuízo desta, até na sua imagem e bom nome o que justifica o seu pedido de indemnização (art.º 483º C. Civil e 9º n.º 2 e 67 do código do Direito de Autor).
Liberta, deste modo, de um avultado investimento inicial particularmente nesta área de programas informáticos, a Ré ofereceu naturalmente ao cliente em causa condições muito mais favoráveis do que a Autora lhe oferecia, tanto mais que a utilizou o mesmo fabricante (G) por a sócia gerente o conhecer bem enquanto trabalhadora da Autora.
De salientar, aqui e agora, que a forma de expressão continua a ser um requisito essencial da protecção da obra intelectual e pode revestir toda e qualquer modalidade (cfr. art.º 2 al. i) do Código do Direito de Autor), merecendo, pois, protecção legal o que verdadeiramente foi intelectualmente criado pela Autora A.
E de pôr em destaque também, como fizeram as duas instâncias, que "O agente, utilizando segredo alheio, parte para a concorrência, não com as próprias capacidades, mas à custa de uma ilegítima e indevida intromissão e utilização de elementos reservados da empresa alheia, havendo, por conseguinte, um aproveitamento da prestação alheia às normas e aos usos honestos."
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, improcedem as conclusões das alegações da recorrente, sendo de manter o decidido no acórdão recorrido, que não cometeu nulidades, nem violou quaisquer preceitos legais, "maxime" os mencionados pela recorrente.
DECISÃO
I - Nega-se a revista.
II - Condena-se a recorrente nas custas.
Lisboa, 20 de Setembro de 2005
Fernandes Magalhães,
Azevedo Ramos,
Silva Salazar.