CONTRATO DE TRABALHO
DIREITO A FÉRIAS
FÉRIAS
VIOLAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. São dois os requisitos do direito à indemnização por violação do direito a férias: que o trabalhador não as tenha gozado e que tal tenha acontecido por a isso ter obstado, sem fundamento válido, a entidade empregadora.
2. A simples não marcação das férias não é suficiente para concluir que o empregador obstou ao seu gozo.
3. O termo obstar exige mais do que a simples inércia do empregador na concessão do gozo de férias; pressupõe uma atitude voluntária e consciente nesse sentido.
4. Compete ao autor alegar e provar aqueles dois factos, por serem factos constitutivos do direito àquela indemnização.
5. O facto das escalas de organização dos turnos não conterem os períodos de férias dos respectivos trabalhadores não permite concluir que eles não gozaram férias e muito menos que tenham sido impedidos de o fazer pela entidade empregadora.

Texto Integral

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:


1. "A" propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra B - Empresa de Trabalho Temporário, L.da, C - Empresa de Trabalho Temporário, L.da e contra a D- Serviços de Manutenção e Assistência, S. A., pedindo, além do mais que ao recurso não interessa, que a última ré fosse condenada a pagar-lhe a importância de 3.336.819$00, a título de retribuição de férias, de subsídio de férias e de indemnização por férias não gozadas nos anos de 1992 a 1997, acrescida dos juros de mora já vencidos (1.715.830$00) e dos demais que se vencerem até integral pagamento.

Na 1.ª instância, a ré foi absolvida daquele pedido, mas o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença, nessa parte, condenando a ré D a pagar ao autor a quantia de 2.508.000$00 (12.509,85 euros), a título de indemnização pelo não gozo das férias relativas aos anos de 1994 a 1997.

A ré recorreu de revista, formulando as seguintes conclusões:
1) O autor não logrou provar que não tenha gozado férias (resposta ao quesito 5.º).
2) Incumbia ao autor a prova desse facto constitutivo.
3) A resposta ao quesito 5.º não podia ser alterada pela Relação.
4) Ao alterar a resposta e ao dar como provado que o autor não gozou férias, o acórdão recorrido violou o art.º 712.º do CPC, ex vi do art.º 84.º do CPT de 1981.
5) A douta sentença da 1.ª instância enquadrou, de forma correcta, a factualidade provada.
6) Não se provando que o autor não gozou férias, o autor nunca pode receber a indemnização em triplo, prevista no art. 13.º do D.L. n.º 874/76, de 28/12.
7) A ré não obstou ao gozo de férias.
8) Pelo que o douto acórdão recorrido violou a norma do art. 13.º do D.L. n.º 874/76, de 20 de Dezembro, atribuindo a indemnização em triplo quando não estavam preenchidos os requisitos exigidos pelo preceito.
9) Pelo que deve ser revogado, mantendo-se o decisão da 1.ª instância.

O autor contra-alegou, defendendo o acerto da decisão recorrida e neste tribunal, a ilustre magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela não concessão da revista.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
A) A "B -Empresa de Trabalho Temporário, Lda." e a "C - Empresa de Trabalho Temporário, Lda." são empresas de trabalho temporário, cuja actividade foi autorizada pelos alvarás nºs 45/91 e 149/94, respectivamente.
B) Em 5/09/95 foi retirado o alvará concedido à "B".
C) A R. "D" é a responsável, desde 1991, pela manutenção do sistema eléctrico do Hospital Garcia de Horta, em Almada.
D) Em inícios de Maio de 1992, o A. começou a exercer as funções de electricista de turno no referido estabelecimento hospitalar, contratado pela "B".
E) Trabalhava por escalas e por turnos diurnos, semi-nocturnos e nocturnos, numa equipa de 4 electricistas, perfazendo um total de 42 horas semanais, sendo que, a partir de Novembro de 1998, começou a trabalhar 5 dias, seguidos de dois dias de folga.
F) Em 1992, o A. auferia 1.000$00/hora, acrescidos de 50$00 diários, numa média mensal de 185.000$00 líquidos; a partir de Janeiro de 1993 e até Maio de 1998, auferiu sempre 1.100$00/hora, acrescidos de 300$00 diários, numa média mensal de 209.000$00; e a partir de Junho de 1998, começou a auferir 115.000$00 mensais de vencimento base, acrescidos de quantias variáveis a título de subsídio de turno e ajudas de custo.
G) Em Agosto de 1994, o A. deixou de ser pago pela "B" e começou a ser pago pela "C", mantendo-se a prestar o seu trabalho para a "D".
H) O A., desde o início de Maio de 1992, sempre prestou o seu trabalho para a R. "D", exercendo sempre as suas funções no Hospital de Almada, sob as ordens, direcção e fiscalização da "D", concretamente do responsável desta, Sr. E.
I) O A. trabalhou sempre com ferramentas, instrumentos de trabalho e artigos fornecidos pela R. "D", envergando uma bata com o distintivo desta, por ela fornecida.
J) Em 30 de Junho de 1998, a R. "D" aceitou a transferência do A. da R. "C" para o seu quadro de pessoal, tendo-lhe enviado uma carta, com o seguinte teor:
«ASSUNTO: Admissão de pessoal
Pela presente comunicamos a V. Exa. que a D, Serviços de Manutenção e Assistência, S.A. decidiu aceitar a sua transferência (A, portador do Bilhete de Identidade nº4808216, passado em 95.10.20, pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, contribuinte n. 152242180, residente na Rua de "O Século", n.º 26 - 3º Esq.º, 1200 Lisboa) da C, Ldª., com sede na Rua Brito Capelo, 97 - 2º S/J, 4450 Matosinhos, para o seu quadro de pessoal.
Em consequência da referida transferência, sua antiguidade reporta-se a 94.08.20, com todos os direitos e regalias.
Esta decisão tem como pressuposto a sua prévia declaração de que se encontram pagas, pela C, Ldª., todas as remunerações vencidas até 98.05.30.
Mais informamos V. Ex.ª de que o Contrato Colectivo de Trabalho aplicável é o da Associação das Empresas de Construção e Obras Públicas, sendo a sua categoria profissional de Oficial Electricista.»
L) O A. tomou conhecimento do teor da referida declaração, conhecimento que atestou com a sua assinatura.
M) O A. nunca assinou qualquer contrato escrito com a "D", a "B" ou a "C", nomeadamente qualquer contrato de trabalho temporário com as últimas.
N) Nem a "D", nem a "B" nem a "C" emitiram e entregaram ao A. qualquer recibo de vencimento até Junho de 1998, altura em que a R. "D" começou a entregá-los.
O) As ausências do A. ao serviço, no período de Maio de 1992 a finais de 1997, foram previamente combinadas com os colegas, no seio do grupo de 4 electricistas, e da exclusiva responsabilidade destes.
P) O grupo de electricistas referido em E) assegurava o serviço à R. "D", durante 365/6 dias por ano (Docs. de fls. 22 a 25).
Q) E trabalhavam de acordo com escalas previamente elaboradas após prévia combinação entre os mesmos e a R. "D" (docs. de fls. 22 a 25).
R) As referidas escalas não contemplavam qualquer período de férias dos respectivos trabalhadores, inclusive do A. (docs. de fls. 22 a 25).
S) Nas ausências do A. referidas em O) cabia a um dos 3 colegas substituir o A..
T) E vice-versa.
U) As ausências do A. eram, por este, compensadas posteriormente quando regressasse ao serviço.
V) Com um número equivalente de horas, a acrescer ao seu turno normal, até perfazer o período de ausência.
X) O contrato da prestação, pela R. "D", dos serviços referidos em C) era anual (docs. de fls. 402 a 489).
Z) A R. "D", para evitar a integração nos seus quadros de mais trabalhadores, recorreu a serviços de empresas de trabalho temporário, primeiro a "B" e depois a "C".

AA) Bem como a outros trabalhadores, que se apresentaram como independentes.
BB) Debitando facturas mensais.
CC) Em 12 de Março de 1992, a "B" apresentou à R. "D" uma proposta em que indicou preços para várias categorias de trabalhadores, na base horária (doc. de fls. 140).
DD) Em 1 de Novembro de 1993, a R. "D" celebrou com a "B" um contrato de utilização de mão de obra temporária, pelo prazo de 3 meses, renovável, no qual figurava o nome do A. com a categoria profissional de Oficial Electricista, tendo como local de trabalho o Hospital Garcia de Horta em Almada (doc. de fls. 142).
EE) Em 20/08/94, a R. "D" recebeu da "C" uma carta na qual era comunicado que o seu quadro de pessoal era constituído integralmente pelo pessoal proveniente da "B" (doc. de fls. 143).
FF) A R. "D" pagava mensalmente as facturas apresentadas na base das horas de trabalho, primeiro à "B" e depois à "C" (Docs. de fls. 145 a 151).
GG) Em 1996, a R. "D" solicitou à "C" documentação comprovativa da sua situação regularizada, tendo recebido os elementos solicitados (docs. de fls. 152 a 157).
HH) A R. "D" pagava a tais empresas na base da facturação apresentada, com indicação do valor/hora e do número de horas, e elas, por seu turno, pagavam igualmente ao A. e aos outros trabalhadores igualmente na base do valor/hora (Docs. de fls. 26 a 117, 145 a 151 e 176 a 266).
II) O A. recebeu, desde o início, a retribuição convencionada entre si e essas empresas, na base do valor/hora, até Junho de 1998.
JJ) A remuneração paga ao A. era mais elevada do que a remuneração base mensal fixada no Contrato Colectivo (doc. de fls. 558).
LL) O valor/hora pago integrava as prestações remuneratórias devidas a título de férias, subsídios de férias e de Natal e subsídio de turno.
MM) Tal prática é corrente nas empresas de trabalho temporário (docs. de fls. 158 a 169).
NN) O A. não descontava para a Segurança Social.
OO) Em princípios de 1996, a "C" contactou o A. no sentido de se alterar a forma de pagamento da remuneração.
PP) Tal alteração não se concretizou.
QQ) Na sequência de uma acção da Inspecção do Trabalho de Almada, em Junho de 1998, resultou a obrigação de a "D" integrar o A. no seu quadro de pessoal.
RR) A "C" regularizou a situação do A. na Segurança Social desde Agosto de 1994 até 30 de Maio de 1998, suportando os encargos inerentes, nos termos acordados com a Delegação de Almada da Inspecção Geral do Trabalho (docs. de fls. 614 e 653 a 668).
SS) A "D" entregou ao A. a declaração referida na alínea J), na Inspecção do Trabalho de Almada, em reunião orientada pela Sra. Inspectora F.
TT) O A. leu cuidadosamente a declaração, antes de a assinar, no canto inferior direito.
UU) A remuneração base de 115.000$00, atribuída ao A. aquando da sua integração na R. "D", era superior à de alguns trabalhadores daquela R. exercendo as mesmas funções (Doc. de fls. 603 e ss.).
VV) A R. "D" paga aos seus trabalhadores da mesma categoria profissional remunerações base de valor diverso e de pelo menos 10% acima das tabelas salariais contidas nas Convenções Colectivas (Doc. de fls. 603 e ss.).
XX) O A. nunca reivindicou a propósito de falta de recebimento de subsídio de férias ou de Natal.
ZZ) O A. e os restantes elementos da equipa geriam entre si as escalas, sem qualquer interferência da R. "D".

AAA) Para a R. era indiferente quem estava de turno e não se procedia a alterações escritas nas escalas em caso de substituições.
BBB) O A. nunca reivindicou a propósito de falta de gozo de férias.

3. O direito
Como resulta das conclusões do recurso são duas as questões a apreciar:
- saber se a Relação alterou indevidamente a resposta dada ao quesito 5.º;
- saber se o autor tem direito à indemnização que lhe foi arbitrada a título de indemnização por não gozo de férias.
*
Relativamente à primeira questão, adiantamos, desde já, que a ré não tem a mínima razão. Vejamos porquê.
No quesito 5.º da base instrutória (a fls. 387 dos autos), reproduzindo o que fora alegado no art. 43.º da petição, perguntava-se o seguinte:
"De Maio de 1992 a finais de 1997, o A. não gozou qualquer período de férias nem recebeu qualquer quantia a título de remuneração ou subsídio de férias?"

Como consta do despacho de fls. 678, a Meritíssima Juíza respondeu àquele quesito da seguinte forma:
"Provado apenas que as referidas escalas não contemplavam qualquer período de férias dos respectivos trabalhadores, inclusive do A.."

Ora, como se constata da matéria de facto supra referida, aquela resposta consta da alínea R), o que significa que a Relação não alterou a resposta dada ao quesito 5.º.

Aliás, a Relação não teceu qualquer comentário relativamente à matéria de facto que foi dada como provada na 1.ª instância e que não foi objecto de qualquer impugnação. Limitou-se pura e simplesmente a reproduzi-la.

O que aconteceu é que tirou dela ilações diferentes daquelas que tinham sido tiradas na sentença, ao considerar que da resposta dada ao quesito 5.º, conjugada com os factos referidos nas alíneas E, O, P, S, U, V, ZZ e AAA, era lícito concluir que o autor não tinha gozado férias e que tal tinha acontecido pelo facto de a ré ter obstado a tal.

E, por isso, evidente, que a questão colocada pela ré não tem qualquer razão de ser.


Relativamente à segunda questão, a recorrente tem toda a razão. Vejamos porquê.

Nos termos do art. 13.º do DL n.º 874/76, de 28/12, aqui aplicável, "nos casos de a entidade patronal obstar ao gozo das férias nos termos previstos no presente diploma, o trabalhador receberá, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deverá ser obrigatoriamente gozado no 1.º trimestre do ano civil subsequente."

Como decorre do normativo legal transcrito, são dois os requisitos de que depende o direito do trabalhador à indemnização pelo não gozo de férias: que não tenha gozado as férias a que tinha direito e que tal tenha acontecido porque a entidade empregadora a isso obstou.

O segundo requisito tem sido alvo de duas interpretações. Para alguns, a conduta meramente omissiva da entidade empregadora seria suficiente para que o mesmo fosse dado por preenchido. Bastaria provar, por exemplo, que não tinha procedido à marcação do período de férias a que o trabalhador tinha direito ou que não lhe tinha ordens para ir gozar essas férias. Para outros, é preciso provar algo mais. É necessário provar que houve uma conduta activa da parte do empregador no sentido de obstar a que o trabalhador gozasse as férias. Não bastaria provar o não gozo das férias, era preciso provar que o trabalhador pretendeu exercer o seu direito e que este lhe tenha sido negado, sem fundamento válido, pelo empregador.

O Supremo tem perfilhado este último entendimento (1) e não vemos razões para o alterar.

Efectivamente, obstar (com origem na palavra latina obstare) significa causar estorvo, empecer, opor-se, servir de impedimento, impedir (2). Pressupõe uma atitude voluntária e consciente da parte da entidade empregadora no sentido de impedir o trabalhador de gozo das férias. A não elaboração do mapa de férias ou a não inclusão do trabalhador naquele mapa não são suficientes para concluir que o empregador quis impedir o gozo das férias. Tais omissões podem ter ocorrido por esquecimento ou mero lapso. O termo obstar pressupõe uma atitude que vá para além da simples inércia, pressupõe que o trabalhador tenha reclamado o gozo das férias. Se assim não fosse, o legislador teria utilizado outros termos. Teria dito, por exemplo, que a não concessão das férias daria direito à indemnização. Ora, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3, do C.C.), temos de concluir que aquela é a interpretação mais correcta do termo.

Na decisão recorrida entendeu-se não só que o autor não tinha gozado férias, mas entendeu-se também que tal tinha acontecido porque o réu a isso tinha obstado e, para chegar a essa conclusão, o Tribunal da Relação apoiou-se nos seguintes factos provados:
- No período de 1992 a 1997, o autor trabalhava 42 horas semanais, por turnos, integrado numa equipa de quatro electricistas que assegurava o serviço à ré D durante 365/6 dias por ano, de acordo com escalas previamente elaboradas após prévia combinação entre os mesmos e a ré D (alíneas E) e Q) da matéria de facto).
- As referidas escalas não contemplavam qualquer período de férias dos respectivos trabalhadores, inclusive o autor (al. R) da matéria de facto).
- As ausências do autor ao serviço, em tal período, foram previamente combinadas com os colegas no seio do grupo de quatro electricistas e da exclusiva responsabilidade destes (al. O) da matéria de facto).
- Nessas ausências, cabia a um dos três colegas substituírem o autor e vice-versa (alíneas S) e T) da matéria de facto).
- As ausências do autor eram por este compensadas posteriormente quando regressasse ao serviço, com um número equivalente de horas, a acrescer ao seu turno normal, até perfazer o período de ausência (al. U) da matéria de facto).
- Para a ré era indiferente quem estava de turno e não se procedia a alterações escritas nas escalas em caso de substituições (al. AAA) da matéria de facto).
- O autor nunca reivindicou a propósito de falta de gozo de férias (al. XX) da matéria de facto).

A tal propósito no acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:
«Com efeito, o não gozo das férias anuais (22 dias úteis em cada ano) é facto que resulta inquestionável da obrigação que sobre o A. e seus colegas impendia de assegurarem o serviço durante 365/6 dias anos. As ausências do serviço (3) combinadas com os colegas, mas que depois eram compensadas com um número equivalente de horas de trabalho que acresciam ao turno normal até perfazer o período de ausência, não integram o conceito de férias.
As férias são interrupções da prestação de trabalho durante certo número de dias consecutivos, a fim de proporcionarem ao trabalhador um repouso anual sem perda de retribuição, com vista a possibilitar a "recuperação física e psíquica dos trabalhadores e assegurar-lhes condições mínimas de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e participação social e cultural", conforme refere o n.º 3 do art. 2.º do DL 874/76, de 28.12.
O direito a férias periódicas pagas está consagrado no art. 59.º da CRP, e previsto em vários diplomas internacionais, nomeadamente, no art. 24.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10.12.48 e na Convenção n.º 132 da OIT. E é um direito irrenunciável e parcialmente indisponível, não podendo o seu gozo, em regra, substituir-se por qualquer compensação, fora dos casos previstos na lei, ainda que com o acordo do trabalhador (art. 2.º, n.º 4, do DL 874/76).
As referidas ausências não se traduzem em "repouso efectivo" do trabalhador, uma vez que este tinha de compensar posteriormente essas ausências com trabalho efectivo.
Por isso, concluímos que está suficientemente provada a ausência de férias do A. no período de 1992 a 1997.
Por outro lado, essa ausência do gozo de férias por parte do A. é imputável a uma atitude culposa e positiva da entidade patronal que "obstou" ao gozo de férias por parte do A. e seus colegas que prestavam serviço no Hospital Garcia da Horta, em Almada. Com efeito, não só organizou escalas de serviço que objectivamente impossibilitavam ou impediam o gozo de férias aos trabalhadores nelas incluídos, como também do contexto fáctico provado se pode tirar a ilação de que nunca elaborou o mapa de férias relativamente ao A. e seus colegas, beneficiando, no entanto, do seu trabalho durante todos os dias do ano.
(...)
A falta de reclamação do gozo de férias por parte do autor afigura-se-nos irrelevante, porquanto o direito ao gozo das férias é irrenunciável e indisponível e não se pode esquecer que o A. estava numa situação laboral muito precária - era considerado como trabalhador temporário - o que, pelo menos psicologicamente, o podia impedir de reclamar o gozo de férias.
Mas a verdade é que é sobre o empregador que recai a obrigação de organizar o trabalho de acordo com os preceitos laborais, competindo-lhe elaborar planos de férias, de forma a proporcionar um período de repouso em cada ano aos seus trabalhadores. Não é admissível que um empregador, mesmo que fosse utilizador de trabalho temporário, mantivesse ao seu serviço quatro trabalhadores, ininterruptamente durante mais de seis anos, sem nunca lhes proporcionar o gozo de férias, beneficiando do seu trabalho ao longo de todos esses anos.
A falta do gozo de férias do A. não pode, pois, deixar de ser imputada a conduta dolosa da Recorrida que, dessa forma, obstou a que o A. pudesse gozar o período mínimo de férias nos anos de 1992 a 1997.» (fim da transcrição)

Como decorre da passagem do acórdão, agora transcrita, a Relação serviu-se da forma como as escalas de serviço foram organizadas pela ré para concluir que o autor (e colegas que com ele trabalhavam) não tinham gozado férias. De facto, diz a Relação, se o autor trabalhava por turnos, integrado numa equipa de quatro electricistas que assegurava o serviço da ré durante todos os dias do ano, de acordo com escalas previamente elaboradas pela ré após prévia combinação com todos eles; se tais escalas não contemplavam qualquer período de férias e se a ausência deles ao serviço eram previamente combinadas com os colegas, sendo o ausente substituído por um deles, compensando depois o período de ausência com a prestação de horas suplementares, só resta concluir que o autor nunca gozou férias e que tal aconteceu por ter sido impedido pela ré de o fazer.

Salvo o devido respeito, não podemos sufragar tal entendimento. Com efeito, como resulta das escalas juntas (docs. de fls. 22 a 25), as escalas eram organizadas no princípio do ano, para todos os meses do ano e delas não constam os nomes dos trabalhadores. Apenas constam as letras A, B, C e D, com a indicação do turno de trabalho respectivo. Cada uma das letras representa, naturalmente, o trabalhador que iria prestar serviço nesse turno, mas não especifica qual. Deste modo, o objectivo das escalas era apenas o de organizar os turnos de trabalho durante o ano. A marcação das férias era aí totalmente descabida, até porque, aquando da elaboração das escalas (início do ano), a ré não era obrigada a ter já definido o período de férias de cada trabalhador, uma vez que a afixação do mapa de férias pode ser feita até 15 de Abril (art. 8.º, n.º 6, do DL n.º 874/76). Por isso, não é correcto extrair das referidas escalas a ilação que a Relação tirou de que o autor não tinha gozado férias e muito menos que tal tivesse acontecido por culpa da ré.

E o mesmo acontece relativamente às ausências ao serviço e ao esquema de substituição acordado entre os trabalhadores da equipa em que o autor se integrava. O que foi dado como provado a esse respeito, apenas prova que quando algum deles precisava de faltar ao serviço, entrava de acordo com os colegas, sendo o seu trabalho, durante a ausência, feito por um dos colegas que depois era compensado pelo ausente. Não prova que eles não gozaram férias, até porque não faz qualquer sentido falar em ausências ao serviço, quando o trabalhador está de férias.

Na perspectiva de um declaratário normal, a ilação tirada pela Relação não faz sentido. Aliás, se a Meritíssima Juíza se tivesse convencido de que o autor não tinha gozado férias, como explicar a resposta restritiva dada ao quesito 5.º, supra já referida? E como se compreenderia que, relativamente aos quesitos 6.º e 7.º, onde se perguntava se a ré D obrigava o grupo de quatro electricistas a assegurar o serviço durante os 365/6 dias no ano (6º), sem organizar o serviço por forma a proporcionar ao A. e colegas o gozo de férias (7,º), a Meritíssima Juíza se tivesse limitado a responder "provado apenas o que resulta das respostas anteriores"?

Salvo o devido respeito, da factualidade referida e da contida na alínea AAA) da matéria de facto supra resulta apenas isto: a ré era bastante liberal no que diz respeito às faltas do autor e dos seus colegas de equipa, desde que o serviço ficasse assegurado.

Não estando provado que o autor não gozou férias e competindo-lhe a prova desse facto, nos termos do n.º 1 do art. 342.º do C.C., por ser um dos factos constitutivos do direito que invocou, mais não seria necessário para julgar procedente o recurso.

Todavia, mesmo que se tivesse por provado aquele facto, não poderíamos deixar de julgar procedente a pretensão da recorrente, uma vez que dos factos provados não resulta que a ré tivesse obstado ao gozo das férias, sendo certo que o autor nada alegou a tal respeito, a não ser o que foi levado aos quesitos 6.º e 7.º que receberam a resposta atrás já referida, sendo certo que sobre ele recaía aquele ónus, por constituir facto constitutivo do direito à indemnização que peticionou (art. 342.º, n.º 1, do CC). Ainda que se entendesse que os factos relacionados com as escalas de serviço, acima referidos, permitiam concluir que o autor não tinha gozado férias, a verdade é que eles não permitiriam que se concluísse no sentido de que tinha sido a ré a impedir esse gozo , desde logo porque o não gozo das férias pode ocorrer a pedido do próprio trabalhador, para, dessa forma, aumentar os seus rendimentos salariais. Todos sabemos que isso acontece com alguma frequência.

3. Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista e revogar a decisão recorrida no que toca à indemnização arbitrada ao autor com fundamento na violação do direito a férias.
Custas pelo autor.

Lisboa, 19 de Outubro de 2005
Sousa Peixoto,
Sousa Grandão,
Fernandes Cadilha.
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(1) Vide, entre outros, os acórdãos de 16.3.2005 (de que foi relator o mesmo deste) e de 27.4.2005 (de que foi relator o Conselheiro Fernandes Cadilha), proferidos, respectivamente nos processos n.º 4125/04 e n.º 3583/04, ambos da 4.ª Secção.
(2) - Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2004.
(3) - No acórdão escreveu-se "Mas ausências do serviço", mas trata-se de manifesto lapso.