CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
CRÉDITO ILÍQUIDO
MORA
Sumário

I - Como se vê do art. 1221º C.Civ., a existência de defeitos na execução da obra não confere ao dono da mesma o direito de exigir desde logo o pagamento da respectiva reparação.

II - Não é pelo simples facto de ser controvertido o montante da dívida que ela se torna ilíquida, isto é, de montante incerto e por isso desconhecido do devedor.

III - Para efeito da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº3º do art. 805º C.Civ. só releva a iliquidez objectiva, e esta só se verifica quando o devedor não estiver em condições de saber quanto deve.

IV - O princípio referido não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjectiva.

V - Estando o demandado, em vista da obra feita, em condições de saber quanto devia ao demandante, o facto de a quantia em que foram condenados ser inferior à pedida não afasta a condenação em juros de mora, assente em culpa no atraso do pagamento.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Em 30/4/98, A intentou acção declarativa com processo comum na forma ordinária contra B e mulher e C e mulher, tendo em vista obter a condenação dos demandados a pagar-lhe a quantia de 12.573.243$90, com juros de mora, à taxa legal, sobre o capital de 12.142.210$00, desde a data referida e até integral pagamento.

Alegou para tanto que, dedicando-se à construção civil, celebrou em 28/1/97 com os Réus maridos um contrato de empreitada que tinha por objecto a execução da obra de trolha num edifício que aqueles construíram.

O preço total acordado foi de 52.275.600$00, com IVA., tendo recebido, por conta desse preço, a quantia de 50.000.000$00.

Executou os trabalhos ajustados e ainda outros não previstos inicialmente, que discriminou.

O preço desses trabalhos extra ascendeu a 9.866.610$00, já com IVA.

O pagamento das quantias em falta, de 2.275.000$00 e de 9.866.610$00, devia ter sido efectuado, respectivamente, em 22/1 e em 25/3/98.

A responsabilidade das Rés por estas dívidas advém de terem sido contraídas no exercício da actividade profissional dos Réus maridos, de que os mesmos retiram os proventos com que dão suprimento aos respectivos encargos familiares (cfr. art.1691º, nº1º, al.d), C.Civ.).

Contestando, os RR deduziram defesa por impugnação de parte dos factos alegados pelo A.

Sustentaram, mais, que, nos termos do contrato, a obra devia ter ficado concluída em 15/8/97 e ainda o não estava em Janeiro de 1998, pelo que, em 12/1/98, enviaram ao A. carta em que lhe concediam prazo improrrogável para a conclusão da obra com termo em 31/1/98.

Como tal não aconteceu, comunicaram, em 3/2/98, ao A. a resolução do contrato por incumprimento.

O atraso na conclusão da obra de trolha é da responsabilidade do A. que esteve semanas seguidas sem ter pessoal a trabalhar na mesma.

Por outro lado, a quantia de 50.000.000$00 que entregaram ao A. excede o valor dos trabalhos por ele executados.

Nos termos do contrato, a execução de trabalhos não previstos estava condicionada a acordo prévio sobre a respectiva execução e preço, reduzido a escrito e assinado pelas partes.

Os trabalhos que o A. alega ter efectuado e que não estavam previstos no contrato, que não são todos aqueles que o mesmo invoca, nunca foram ajustados pela forma contratualmente prevista.

Deduziram, por fim, pedido reconvencional de condenação do A. a pagar-lhes a quantia de 15.038.750$00, com juros de mora desde a notificação da contestação.

Para tanto, alegaram que o atraso na conclusão da obra de trolha por parte do A. ocasionou um atraso de 10 meses na conclusão do edifício em causa, o que implicou terem tido que pagar 13.000.000$00 a mais em juros do empréstimo bancário pedido para a construção desse edifício.

Alegaram ainda que os trabalhos que o A. deixou de efectuar custam 3.568.000$00, pelo que terá recebido a mais a quantia de 1.292.900$00. Para reparar os tectos do último piso, os RR. despenderam 52.650$00. E a obra de trolha efectuada pelo A. apresenta defeitos cuja reparação implica o gasto de 693.200$00.

Houve réplica com requerimento de condenação dos RR. como litigantes de má-fé, e tréplica.

Saneado e condensado o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, em 28/9/2001, sentença da 2ª Vara Mista da comarca de Vila Nova de Gaia, de que ambas as partes interpuseram recurso.

A Relação do Porto anulou o julgamento e ordenou a repetição do mesmo para nova pronúncia sobre a matéria dos quesitos 75º a 77º, devendo ainda ser junta pelo A. prova documental relativa ao período em que a obra foi objecto de embargo.

Foi junto o documento a fls.379 e procedeu-se a novo julgamento relativo às questões dos quesitos referidos.

Em 11/4/2003, foi proferida nova sentença que julgou a reconvenção improcedente, por não provada, e absolveu o A. do pedido, e parcialmente procedente e provada a acção, condenando os RR. a pagar ao A. a quantia de 5.114.600$00, com juros de mora, à taxa legal para as operações comerciais, desde 25/3/98 quanto à quantia de 2.275.600$00, e desde 22/1/98 quanto à quantia de 2.839.000$00, até integral pagamento.

Os RR. maridos foram condenados como litigantes de má-fé no pagamento solidário de multa fixada em 40 UC e no pagamento de uma indemnização ao A.. correspondente ao valor do reembolso ao mesmo das despesas que efectuou com a presente lide, incluindo honorários dos mandatários e/ou técnicos.

Ambas as partes interpuseram recurso de apelação dessa sentença.

Repetido ainda, em parte, o julgamento devido a vicissitude ocorrida na gravação da prova, veio a ser mantida, em 31/5/2004, a sentença anteriormente proferida.

A Relação do Porto julgou improcedentes os recursos de ambas as partes e confirmou essa sentença.

Os RR pedem, agora, revista dessa decisão.

Em fecho da alegação respectiva deduzem, com prejuízo da síntese imposta pelo art. 690º, nº1º, CPC, 24 conclusões.

Resumem-se, em termos úteis, às proposições que seguem (indicam-se entre parênteses as conclusões correspondentes) :

1ª ( = 10ª e 11ª ) - Sendo sobre o A. que recaía o ónus da prova de que o atraso da obra se deveu ao embargo, a resolução operada foi lícita. Com efeito:

2ª ( = 1ª, 3ª, e 4ª ) - Conforme cláusula 5ª do contrato de empreitada a fls.8, o prazo de execução da obra era de 6 meses, pelo que, iniciada em 15/2, devia ter ficado pronta em 15/8/97.

3ª ( 2ª e 5ª ) - O embargo não retira a culpa do A. no atraso da conclusão da obra, que já era de cerca de 2 meses quando ocorreu o início do mesmo.

4ª ( = 6ª, 7ª e 8ª ) - Desde o início dos trabalhos e até finais de Janeiro de 1998, o A. manteve sem pre, sem qualquer interregno, pelo menos 2 ou 3 trabalhadores na obra, o que significa que o embargo, com objecto circunscrito à parte traseira e no tocante a uma garagem, como consta da certidão a fls. 379, e, assim, a uma pequena parte da obra, não perturbou o andamento do resto dos trabalhos em curso, tendo o A., não obstante o embargo da obra, prosseguido os trabalhos que lhe competiam.

5ª ( = 9ª ) - O próprio A. nunca invocou nas cartas que enviou aos RR a existência do embargo para justificar o atraso da obra.

6ª (= 18ª) - O acórdão recorrido deve ser revogado, pois condenou os RR no pagamento da totalidade do preço da obra quando o A. não executou parte dos trabalhos.

7 ª ( = 19ª ) - Por falta de conclusão da obra e em vista dos trabalhos executados que apresentam de feitos, deve ser reconhecido aos RR o direito à excepção de não cumprimento no tocante à parte do preço que faltaria pagar - 2.275.600$00.

8ª ( = 12ª, 13ª, e 14ª ) - Tendo em conta as alíneas R) e S) dos factos assentes, é, na falta de acordo escrito sobre o preço dos trabalhos a mais, ilícita a liquidação operada unilateralmente pelo A.,que, quando muito, poderia demandar os RR por enriquecimento sem causa, podendo estes ser condena dos em quantia a liquidar em execução de sentença, mas, não provado o valor real e objectivo desses trabalhos, nunca na quantia que o A. arbitrariamente pretende.

9ª ( = 17ª ) - O pedido reconvencional deve proceder parcialmente, devendo o A. ser condenado a indemnizar os RR pelos defeitos da obra, em quantia a liquidar em execução de sentença.

10ª ( = 15ª e 16ª ) - Pedindo o A. nas datas consideradas para esse efeito quantias que o tribunal veio a reconhecer não serem devidas, a obrigação não era líquida, e só havendo mora quando a quantia devida for líquida e exigível, isso só sucedeu com a prolação da sentença, só sendo devidos juros desde então, por ser essa a data em que ocorreu a liquidação.

11ª ( = 20ª, 21ª, 22ª, e 23ª ) - Para além de a multa aplicada ser exagerada e excessiva, a condenação dos RR como litigantes de má-fé assenta em pressupostos de facto errados, inexistentes, pois não impugnaram factos pessoais pelo modo que as instâncias apontam, não tendo contestado a execução de trabalhos a seu pedido, mas tão só impugnado a qualificação jurídica dos (alegados) trabalhos não previstos, por se encontrarem incluídos no objecto do contrato, ou, apesar de não estarem no objecto do contrato, não eram da conta deles, por o preço respectivo não ter sido previamente ajustado por escrito.

12ª ( = 24ª) - O acórdão recorrido fez interpretação e aplicação incorrecta dos arts.342º, nº1º, 364º, nº1º, 405º, e 805º, nº3º, C.Civ., e 456º, 457º, 653º, nº2º, e 661º, nº2º, CPC.

Não houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Nas 5 primeiras proposições adiantadas - ou seja, nas 11 primeiras conclusões da alegação dos recorrentes - suscita-se a questão da relevância ou irrelevância do embargo da mesma como causa justificativa do atraso da obra, e, assim do incumprimento, quanto ao prazo de conclusão da obra, do contrato de empreitada em litígio que constituiu o motivo invocado para a resolução do mesmo, que as instâncias julgaram ilícita.

A primeira questão proposta é, assim, a da validade, ou não, da resolução do contrato de empreitada em causa.

A segunda questão a resolver é a da liquidação dos trabalhos a mais (conclusões 12ª a 14ª ).

A terceira é a do alegado erro de julgamento quanto à acção, por condenados os recorrentes no pagamento da totalidade do preço da obra quando o A. não executou parte dos trabalhos e da excepção de não cumprimento no tocante à parte do preço que faltaria pagar - 2.275.600$00 por falta de conclusão da obra e em vista dos trabalhos executados que apresentam defeitos ( conclusões 18ª e 19ª ), e de igual erro quanto à reconvenção, que, na tese dos recorrentes, deveria proceder parcialmente, devendo o A. ser condenado a indemnizar os RR pelos defeitos da obra, em quantia a liquidar em execução de sentença. ( conclusão 17ª )

A quarta é a do início da mora ( conclusões 15ª e 16ª ). E a (quinta e última é a da condenação por litigância de má fé conclusões 20ª a 23ª ).

Convenientemente ordenada (1), a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue :

( 1 ) - O A. exerce a indústria de construção civil e os RR. maridos exercem a actividade de construção de imóveis para venda ( A e B ).

( 2 ) - Da actividade dos RR. maridos resultam proventos com que cada um dos casais supre os encargos domésticos familiares ( 16º-A ).

( 3 ) - No exercício da sua actividade, os RR. construíram um edifício de ... andares e telhado, sito na Rua do Colégio, Pedroso, Vila Nova de Gaia ( C ).

( 4 ) - No âmbito dessa construção, e através de contrato celebrado em 28/1/97, deram de empreitada ao A. a execução da obra de trolha, pelo preço de 44.680.000$00, acrescido de IVA, num total de 52.275.600$00, conforme orçamento enviado pelo A. aos RR. e por estes aceite ( D e E ).

( 5 ) - Por conta do pagamento desse preço, os RR. fizeram entregas ao A. no montante total de 50.000.000$00 ( F e 1º ).

( 6 ) - O A. iniciou a obra de trolha no prazo acordado, em 15/2/97 ( V e 68º).

( 7 ) - Nessa data, o edifício encontrava-se levantado, faltando efectuar alguns serviços de pedreiro ( 69º).

( 8 ) - Em 15/8/97 ( data prevista para o termo da obra de trolha (2) ainda faltava executar alguns serviços de pedreiro (70º ).

( 9 ) - A obra esteve embargada pela Câmara Municipal de V. N. de Gaia desde 3/10/97 a 5/1/98 - cfr. certidão a fls.379 e art.659º, nº3º, CPC ( e 14º).

( 10 ) - Em Janeiro de 1998, a obra ( de trolha ) ainda não se encontrava concluída ( H ).

( 11 ) - Em 12/1/98, os RR., através de advogado, enviaram ao A., carta registada com A/R que o A. recebeu no dia seguinte (I e K ).

( 12 ) - Nessa carta, incorrectamente datada de 14/5/96, pois essa é data do orçamento do A., os RR. comunicavam-lhe que lhe concediam prazo supletivo e improrrogável para a conclusão da obra até 31/1/98 ( J e L ).

( 13 ) - O A. enviou aos RR. a factura nº 298, por ele emitida em 14/1/98, no valor de 9.866.610$00 ( 16º ).

( 14 ) - Em 21/1/98, os RR., através do seu mandatário, enviaram ao A. nova carta registada com A/R, reiterando o prazo limite e admonitório para a conclusão e entrega da obra até 31/1/98 ( M, 17º e 64º).

( 15 ) - Mais comunicaram que reiteravam as reclamações sobre os defeitos visíveis da execução dos tectos nos andares recuados ( N ).

( 16 ) - Os tectos do último piso foram aplicados pelos RR, não fazendo parte do contrato que celebraram com o A. ( 83º e 84º ).

( 17 ) - O A. respondeu através de carta datada de 26/1/98, recusando responsabilidade pelo atraso na obra ( O ).

( 18 ) - Em Janeiro de 1998, data em que os RR. disseram ao A. para deixar a obra, ainda faltava executar alguns serviços de pedreiro ( 71º ).

( 19 ) - Para se fazer o chamado remate de trolha tem de estar concluída a obra de pedreiro ( 72º ).

( 20 ) - Mesmo em Janeiro de 1998, faltava ainda a construção dos muros exteriores da frente, para o A. fazer o areamento, e faltava a execução do pavimento no terraço ao nível do r/c, para o A. colocar o material cerâmico ( 73º e 74º ).

( 21 ) - Desde o inicio dos trabalhos e até finais de Janeiro de 1998 o A. manteve sempre na obra, pelo menos, dois ou três trabalhadores ( 75º a 77º ).

( 22 ) - Depois do trolha, numa obra de construção civil, são ainda executados trabalhos de carpintaria, de pintura, de colocação de estores, do taqueiro, do electricista, do picheleiro ( 81º ).

( 23 ) - Estes trabalhos duram numa obra do tipo da dos RR., cerca de 6 a 8 meses ( 82º ).

( 24 ) - Em 3/2/98 a obra ainda não estava concluída ( X ).

( 25 ) - Por carta de 3/2/98, enviada ao A., os RR. comunicaram-lhe a resolução do contrato, por incumprimento(P).

( 26 ) - Os trabalhos contratados encontravam-se previstos no ponto 4.1 do contrato ( Q ).

( 27 ) - O A. não terminou a execução dos remates do r/c ( Y ).

( 28 ) - É necessário colocar toda a tijoleira no r/c ao nível dos terraços e áreas comuns e arear os muros exteriores (Z e AA).

( 29 ) - O A. não executou os remates de "litocer" em toda a obra, designadamente, em parte dos muros ( BB ).

( 30 ) - É necessário proceder à limpeza da tijoleira da caixa de escada, o que custa 150.000$00 (CC).

( 31 ) - Essa limpeza não fazia parte do contratado entre A. e RR ( 85º ).

( 32 ) - Os trabalhos de execução dos remates e de colocação da tijoleira no r/c ao nível dos terraços e áreas comuns e de areamento dos muros exteriores só podiam ser executados depois de as outras artes, designadamente de pedreiro, serralheiro e picheleiro, terem executado o que lhes competia (58º).

( 33 ) - Ficou clausulado no contrato que, para a execução de trabalhos não previstos era necessário que, tanto para a sua execução, como para o ajuste do seu custo, as partes acordassem, previamente, as quantidades e os preços, por meio de um aditamento assinado por ambas, que ficaria em anexo ao contrato ( R ).

( 34 ) - A inobservância dessa forma escrita implicava, contratualmente, a ausência de responsabilidade dos RR pelo pagamento dos trabalhos efectuados, ainda que tivesse havido anuência verbal por parte do director da obra ( S ).

( 35 ) - Não houve qualquer ajuste escrito entre A. e RR. sobre o preço e valor dos trabalhos não previstos ( T ).

( 36 ) - A pedido dos RR., sem que tal estivesse contemplado no contrato de empreitada, o A. procedeu : - à reparação de defeitos na execução da obra de pedreiro que consistiu na reparação de escadas e floreiras com a máquina de martelo (material e mão-de-obra ), pelo preço de 250.000$00 ; - à reparação de paredes com areamento das mesmas ( 91m2 ), pelo preço de 400.000$00 ; - ao areamento das paredes da cabine da EDP, e deitou chão e executou os poços para tubos EDP, pelo preço de 120.000$00 ( 4º e 12º).

( 37 ) - O A. efectuou o revestimento de paredes - cerzitar, chapiscar e rebocar - e assentou material cerâmico nos terraços ( 176 m2 ), tendo esse serviço o custo de 1.500.000$00, efectuou o revestimento de chão e tijoleira numa área de 156 m2, com o custo de 4.000$00/m2, efectuou o rebocamento e areou os quartos das máquinas nos terraços do vão do telhado, com um custo de 100.000$00, e efectuou as paredes no arrumo ao fundo das escadas e no quarto da luz, com o custo de 60.000$00 ( idem ).

( 38 ) - A pedido dos RR, o A. efectuou o enchimento nos pisos de todos os apartamentos ( 4º e 15º).

( 39 ) - O enchimento dos pisos é tarefa inerente à obra de trolha, o mesmo acontecendo com os trabalhos acima referidos ( 27º e 29º ).

( 40 ) - O enchimento normal dos pisos faz parte do contrato celebrado entre o A. e os RR ( 28º).

( 41 ) - Os trabalhos de reparação de escadas e floreiras com a máquina de martelo, de revestimento de paredes ( cerzitar, chapiscar e rebocar ) e assentamento de material cerâmico nos terraços, e de revestimento de chão e tijoleira numa área de 156 m2, foram consequência de um aditamento feito pelos RR. ao projecto de arquitectura inicial, com vista ao aproveitamento do telhado ( 7º ).

( 42 ) - No projecto de arquitectura inicial estava prevista a construção de meros arrumos no aproveitamento do telhado (recuado) com lanternins de luz ( 8º ).

( 43 ) - No aditamento ao projecto de arquitectura, fizeram-se aberturas para saída para o exterior (terraços) e os antigos arrumos passaram a quartos habitáveis com casa-de-banho, acessíveis por escadas interiores existentes nas habitações do 3º andar do edifício. Concretamente, foram feitas 8 aberturas de saída e 8 terraços ou pátios ( 9º e 10º ).

( 44 ) - O único aditamento ao projecto foi apresentado na Câmara Municipal de Gaia em 14/1/97
( U ).

( 45 ) - Os trabalhos de reparação de paredes com areamento das mesmas ( 91m2 ) traduziram-se no derrube de uma placa ou lage que havia sido incorrectamente construída pelos RR, encostada ao prédio vizinho ( 13º ).

( 46 ) - O A. executou os seguintes trabalhos que não estavam previstos no contrato de empreitada: - execução de paredes na garagem, de 38 m de comprimento e 2,60 m de altura, pelo preço de 360.000$00 ; - deitar abaixo uma placa com o compressor, o que implicou para o A. um custo de 720.000$00, com o aluguer do compressor, respectivos operadores e seu próprio pessoal ; - execução dos tubos do fogão de sala (material e mão-de-obra), pelo preço de 680.000$00 ; - abertura de clarabóias para as garagens e caixa para as águas dos terraços (material e mão-de-obra), pelo preço de 60.000$00 ; - assentamento de tijoleira em três apartamentos, salas e corredores (166 m x 1.500$00) pelo preço de 249.000$00 ( G, 5º e 6º ).

( 47 ) - Os trabalhos acima referidos foram executados a pedido dos RR ( 15º ).

( 48 ) - Ao deitar abaixo a placa com o compressor, nos termos referidos, o A. não executou o remate das telas ( DD ).

( 49 ) - O A. não fez o remate das telas quando as cortou ( EE ).

( 50 ) - É necessário colocar novas telas, rematá-las, romper as massas, e colocar novas massas, para poderem receber a tijoleira ( FF ).

( 51 ) - É necessário que o pedreiro levante um murete para se executar o remate das telas acima referidas ( 86º ).

( 52 ) - O A. enviou aos RR uma factura com o nº 299, datada de 25-02-1998, no valor de 2.275.600$00 ( 2º ).

( 53 ) - Os RR não pagaram esse montante ( 3º ).

( 54 ) - Houve telhas que após a sua aplicação estalaram e partiram e que os RR. mandaram substituir ( 56º e 57º).

( 55 ) - O A. não cerzitou as fossas ( 59º ).

( 56 ) - O A. não cerzitou as caixas de águas pluviais, que ainda não se encontravam construídas em Fevereiro de 1998 (60º ).

( 57 ) - Os RR. contrataram outro empreiteiro para efectuar serviços de trolha que o A. não efectuou e tiveram que pedir orçamentos e celebrar novo contrato ( 48º e 49º).

Vejamos então - analisando o discurso da 1ª instância, uma vez que a Relação, após esforçada análise do oposto à fixação da matéria de facto na instância recorrida, se sentiu, de claro modo, à vontade para praticamente o acompanhar em termos de direito.

São do C.Civ. todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação.

1ª questão: Da (in)validade ou (i)licitude da resolução do contrato em causa :

Notando o disposto nos arts. 792º, nº1º, 798º, 799º, 804º e 808º, nº1º, a sentença apelada julgou in justificada a resolução do contrato pelos ora recorrentes porque, pressuposto do direito de resolução desse contrato uma actuação culposa do ora recorrido, a presunção instituída naquele art. 799º se mostrava ilidida (conforme nº2º do art. 350º).

É certo que, como os recorrentes observam, o embargo para tanto tido em consideração - aliás circunscrito à parte traseira e no tocante a uma garagem - teve início 2 meses depois de findo ( em 15/8/97 ) o prazo estipulado para a conclusão da empreitada.

As instâncias salientaram, no entanto, também o facto de a obra de pedreiro não ter sido concluída em condições de permitir ao ora recorrido levar a efeito a obra de trolha a que se havia obrigado.

É, como assim, de aceitar que o atraso verificado na conclusão da obra resultou, num primeiro tempo, do facto de a obra de pedreiro não ter sido concluída em condições de permitir ao ora recorrido levar a efeito a obra de trolha a que se havia obrigado, e depois, do embargo da obra entre 3/10/97 e 5/1/98.

A invocação na conclusão 9ª da alegação dos recorrentes da omissão de referência ao embargo como declaração confessória nos termos e para os efeitos dos arts. 352º, 355º, nº4º, e 358º, nº2º, desmerece atenção, posto que o que, desde logo, ocorre é a inexistência de declaração, sequer, a esse respeito.

Certo é ainda que o recorrido manteve sempre na obra, pelo menos, dois ou três trabalhadores - mas de tal não se retira mais que a inexactidão da afirmação na contestação dos recorrentes, transcrita no relatório deste acórdão, de que o atraso na conclusão da obra de trolha é da responsabilidade do recorrido por ter estado semanas seguidas sem ter pessoal a trabalhar na mesma.

Julgou-se, nesta conformidade, demonstrado que o atraso na conclusão da obra não procedeu de culpa do A., e que, não obstante esse atraso, os RR. nunca perderam, em termos objectivos, o interesse na prestação do mesmo - tanto mais que, depois de resolverem o contrato com o A., contra- taram um terceiro para efectuar os trabalhos que aquele deixou de fazer.

Sendo assim, não lhes era, realmente, lícito proceder à resolução do contrato, que deve ter-se por injustificada.

Admitido na alegação dos recorrentes (respectiva pág.7, a fls.622 dos autos, 4., 5º par. ) que estes, na sequência da resolução do contrato em questão, que operaram, - disseram ao A. (ora recorrido) para abandonar a obra -, bem na Relação se aditou referência ao art. 1229º, pois, em tais termos, a equiparação da resolução operada - injustificada, como já visto - a desistência não sofrerá dúvida séria.

Daí, desde logo, a exigibilidade dos 2.275.600$00 que faltava pagar - mesmo se não concluídos os trabalhos, visto que só não o foram porque os ora recorrentes, resolvendo (rescindindo) injustificadamente o contrato, forçaram o recorrido a abandonar a obra.

2ª questão : Dos defeitos da obra - excepção de não cumprimento e reconvenção :

A falta de conclusão da obra deve-se à resolução injustificada do contrato de empreitada operada pelos recorrentes.

Quanto, por sua vez, aos defeitos da obra outrossim invocados na conclusão 19ª da alegação dos recorrentes ( v. 7ª , supra ), resumem-se, como se alcança das respostas aos quesitos 56º a 60º, isto é, de ( 54 ) a (56 ), supra, a que houve telhas que, após a sua aplicação, estalaram e partiram, tendo-as os RR. mandado substituir ( 56º e 57º), e a que o A. não cerzitou as fossas ( 59º ), mais se tendo, porém, provado que não cerzitou as caixas de águas pluviais porque ainda não se encontravam construídas em Fevereiro de 1998 ( 60º ).

Bem, enfim, não se vê como efectivamente fundar nesses factos a excepção de não cumprimento ao abrigo do art.428º, nº1º, invocada naquela conclusão.

Como logo na 1ª instância se fez notar, os ora recorrentes não lograram demonstrar não apenas o custo da reparação, mas a própria existência dos defeitos invocados na reconvenção deduzida.

Logo então salientado também, que a existência de defeitos na execução da obra só lhes conferia o direito de exigir a respectiva reparação e não o pagamento dessa mesma reparação, como resulta claro do art.1221º (sobre esta asserção, v. Pires de Lima e Antunes Varela, " C.Civ. Anotado ", II, 3ª ed.(1986), 821, ARP de 11/5/78, CJ, III, 841, e Ac.STJ de 25/11/2004, no Proc.nº3608/04-7ª, dos mesmos subscritores deste, com sumário no nº85 dos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, pág.68, 1ª col.-II ).

Improcede, pois, ainda, a conclusão 17ª ( = 9ª, supra ) da alegação dos recorrentes.

3ª questão : Dos trabalhos a mais ( conclusões 12ª, 13ª, e 14ª = 8ª , supra ) :

O preço dos trabalhos inicialmente não contemplados ascendeu, segundo se apurou, a 2.839.000$00.

Esses trabalhos foram efectuados a pedido dos RR, o mesmo é dizer que em cumprimento de acordo das partes a esse respeito, a coberto do principio geral estabelecido no art. 405º, devendo o preço respectivo ser pago por força do disposto no art. 1207º.

Para se eximirem ao pagamento desse montante, os recorrentes excepcionam a falta do acordo escrito a esse respeito exigido no contrato inicialmente celebrado.

Nas concretas circunstâncias do caso dos autos, e dada a óbvia contraditoriedade dessa arguição com o próprio pedido, sem mais, da realização dos trabalhos aludidos, a invocação, nesta acção, da inobservância da forma convencional importa, realmente, excesso manifesto, que o art. 334º proíbe, dos limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, " procurando ( os RR ) obter enriquecimento ilegítimo à custa do empobrecimento do A.", como logo na 1ª instância se disse.

Deste modo, não é, de facto, lícito aos RR. opor ao A. a cláusula em questão, para obstar ao pagamento da quantia referida.

Mesmo quando assim não entendido, não apurado, ou, sequer, indiciado, excesso dos preços reclamados, nada permite duvidar de que correspondam efectivamente ao valor real e objectivo dos trabalhos em referência, sempre, pois, tendo os recorrentes que pagar ao recorrido a quantia aludida, equivalente ao seu enriquecimento, por aplicação do instituto do enriquecimento sem causa previsto nos arts. 473º ss.

4ª questão : Dos juros de mora :

Disse-se em ARP de 30/1/90, BMJ 393/662-1º-I, que não é pelo facto de ser controvertido o seu montante que uma dívida se torna ilíquida, isto é, de montante incerto e por isso desconhecido do devedor.

Como explicado em ARE de 29/2/80, CJ, V, 1º, 172 ( 2ª col.), que cita Assento do STJ de 20/12/ 66, BM J 162/172 ss ( v. 177, 8º par. ) e anotações de Vaz Serra e de Pires de Lima na RLJ, 100º /217 ss e 233 e 234, respectivamente, o princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº3º do art.805º só é exacto para a iliquidez objectiva, isto é, para a que deriva de o devedor não estar em condições de saber quanto deve, e não, como é o caso, quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, se verifique iliquidez tão só aparente ou subjectiva.

Era também nesse sentido Ac.STJ de 22/1/81, BMJ 303/203 ss ( v. 207 - II, 7º e 8º par.) ; e essa doutrina foi, nomeadamente, reafirmada em ARP de 26/9/94, CJ, XIX, 4º, 195, 2ª col., em que se diz que, em vista da obra feita, os então demandados estavam em condições de saber quanto deviam ao demandante, não afastando a condenação em juros de mora, assente em culpa no atraso do pagamento, o facto de a quantia em que foram condenados ser inferior à pedida.

Improcedem, pois, também as conclusões 15ª e 16ª ( = 10ª, supra ) da alegação dos recorrentes.

5 ª questão : Da litigância de má-fé :

A condenação proferida neste âmbito assenta, sem equívoco algum, em que os ora recorrentes negaram expressamente factos de que necessariamente tinham conhecimento pessoal, relativos à execução pelo ora recorrido, e a pedido deles, de trabalhos não incluídos no contrato inicial.

Mas, tanto quanto se alcança, só nisso mesmo.

Insistem agora os recorrentes, em pura perda, em que não negaram ter o ora recorrido efectuado - a seu pedido - trabalhos não previstos.

Mostra-se, no entanto, expressamente afirmado no artigo 32º da contestação, de que, aliás, há transcrição na alegação dos recorrentes, que os trabalhos - não previstos, como de imediato resulta dos precedentes artigos 29º ss - que o A. alegava ter executado nem verbalmente tinham sido acordados. O que se provou ser falso.

Articularam, deste modo, contra a verdade, que bem conheciam, deduzindo, nessa parte, oposição que bem sabiam sem correspondência na realidade dos factos em questão.

Ainda assim um tanto severa, de facto, nestes limitados termos, a multa aplicada, entende-se dever-se reduzi-la a 20 UC, isto é, a metade da fixada pelas instâncias.

Só nessa medida procedem as conclusões 20ª ss ( = 11ª, supra ).

Não se mostra violada nenhuma das normas invocadas pelos recorrentes.

Chega-se, deste modo, à decisão que segue :

Concedendo, em parte, a revista pretendida, reduz-se para 20 UC a multa por litigância de má fé fixada pelas instâncias.

Mantem-se no mais a decisão das mesmas.

Na falta de contra-alegação, e dado o restrito âmbito do seu vencimento, as custas deste recurso são da responsabilidade exclusiva dos recorrentes.

Lisboa, 29 de Novembro de 2005
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa.
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(1) V., com a propósito, Antunes Varela, RLJ, 129º/51.
(2) Como notado na alegação dos recorrentes, o prazo para a conclusão da obra estabelecido na cláusula 5ª do contrato de empreitada a fls.8 era de 6 meses.