REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA DA PENA
ROUBO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário


I - Vem entendendo o STJ que, apesar de a atenuação especial constante do DL 401/82 não ser obrigatória, o tribunal, quando se trate de arguidos menores de 21 anos, tem sempre de considerar, na sentença, a pertinência ou inconveniência da aplicação de tal regime e justificar a sua opção, ainda que o considere inaplicável, pelo que a não consideração oficiosa pelo tribunal da aplicação daquele regime o faz incorrer em nulidade por omissão de pronúncia.
II - Certo é que a pronúncia do tribunal sobre aquela ou qualquer outra questão, deve ser fundamentada, consabido que a lei fundamental, em matéria de decisões judiciais, consagrou o princípio da fundamentação - artigo 205.º, n.º 1, da CRP -, segundo o qual o tribunal está obrigado a especificar os motivos de facto e de direito da decisão.
III - Relativamente à sentença, atento o disposto nos artigos 379°, n.ºs 1, al. a), e 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, a falta de fundamentação constitui nulidade de conhecimento oficioso, sendo que à falta de fundamentação, isto é, à total e absoluta ausência de fundamentação, se deve equiparar a fundamentação insuficiente, posto que uma decisão parcialmente fundamentada tem de ser entendida como não fundamentada, consabido que inexiste meia fundamentação, tal como inexiste meia comunicação.
IV - Se se consignou no acórdão recorrido «Já no que concerne ao arguido G, que contava à data da prática dos factos 20 anos de idade, entende-se que a sua personalidade, marcada pela sua vincada propensão para a actividade delituosa, conforme o demonstram os seus antecedentes criminais, sendo patente a sua incapacidade para conformar as suas condutas com as normas sociais básicas inerentes à vida em comunidade, não justifica a aplicação do regime excepcional previsto pelo Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro», o tribunal a quo expôs de forma clara os motivos pelos quais entendeu não se justificar a aplicação do
regime especial em causa, a significar que o acórdão impugnado não enferma de nulidade.
V - A competência do STJ em matéria de controlo e de fiscalização da determinação da pena não é ilimitada: no recurso de revista pode sindicar-se a decisão proferida sobre a determinação da sanção, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada.
VI - Tendo em consideração que:
- estamos perante um crime de roubo, ilícito em que se tutelam bens jurídicos patrimoniais e pessoais, posto que a sua perpetração colide com o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis e com a liberdade individual de decisão e de acção, crime complexo, englobando o furto e a coacção que, por isso, se situa num patamar de significativa gravidade, patenteada pela sanção aplicável, qual seja a de prisão de 1 a 8 anos;
- o recorrente já sofreu duas condenações, uma, proferida em 15-02-2003, de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, pela prática, em 4-01-2000, de um crime de tráfico de menor gravidade, a outra, prolatada em 22-04-2004, de 3 anos de prisão, pelo cometimento, em 26-09-2003, de um crime de roubo agravado, pela qual se encontra preso;
- teve uma infância atribulada, com sucessivos abandonos por parte da mãe e do pai, acabando por ficar a cargo da Segurança Social, situação que se manteve até ao momento em que a mãe reorganizou a sua vida, com a sua quarta ligação marital;
- aos 15 anos, após o registo de alguns delitos, foi colocado por determinação do tribunal de menores, em regime de internato, no colégio Navarro de Paiva, instituição que frequentou até aos 18 anos, idade com que completou o 4.° ano de escolaridade;
- há cerca de dois anos estabeleceu uma relação afectiva com a sua actual companheira, da qual tem um filho com 1 ano de idade;
- encontra-se preso em cumprimento de pena desde 17-12-2003, mantendo em clausura uma conduta adequada, frequentando o 2.° ciclo de escolaridade, no que revela interesse;
- confessou integral e espontaneamente os factos pelos quais foi acusado e condenado, sendo que à data do seu cometimento tinha 20 anos de idade;
há que concluir estarmos perante delinquente com alguma propensão para o crime, circunstância que, aliada à gravidade do facto criminoso perpetrado, cujas necessidades de prevenção são prementes, afasta a aplicação do regime constante do artigo 4.° do DL
401/82, de 23-09.
VII - E, porque a pena cominada (15 meses de prisão) se mostra fixada de acordo com o critério legal, tendo sido devidamente tomados em consideração os factores relevantes, sem que hajam sido violadas as regras da experiência ou se mostre desproporcionado o quantum estabelecido, há que mantê-la intocada.
VIII - É de afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, posto que o recorrente já dele beneficiou aquando da sua primeira condenação, o que veio a revelar-se desvantajoso para a sua reinserção: após aquela condenação, em 15-02-2003, voltou a delinquir pouco tempo depois, em 26-09-2003, em resultado do que se encontra actualmente em cumprimento da pena de 3 anos de prisão.
IX - Não se mostra violado o princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, pelo facto de, pela co-autoria do mesmo crime de roubo, o recorrente ter sido condenado na pena de 15 meses de prisão e o seu co-arguido E na de 10 meses de prisão, já que o diferente tratamento dispensado no acórdão recorrido se mostra amplamente justificado: enquanto o recorrente à data dos factos tinha 20 anos de idade, o co-arguido E tinha 16 anos; enquanto o recorrente já foi condenado por duas vezes, a última em pena de prisão que se encontra a cumprir, o co-arguido E nunca foi objecto de censura penal; por fim, enquanto o recorrente teve uma única experiência laboral desinteressada, o co-arguido E trabalha há cerca de ano e meio num estabelecimento comercial, mostrando-se empenhado na sua actividade

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º …, do 3º Juízo Criminal de …, após contraditório foi proferido acórdão que condenou o arguido AA, com os sinais dos autos, como co-autor material de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210º, n.º1, do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão ( - Foi também condenado como co-autor material do mesmo crime, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, o arguido BB.).
Interpôs recurso o arguido.
É do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação:
1. O Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 4º, do DL 401/82, de 23.09, ao não ter atenuado especialmente a pena ao recorrente, sendo também certo que não fundamentou devidamente a não aplicação do aludido regime especial (omissão de pronúncia), em violação do disposto no artigo 97º, n.º 4, do Código de Processo Penal. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado os aludidos preceitos, atenuando especialmente a pena ao arguido, mediante decisão fundamentada.
2. Ao aplicar ao arguido ora recorrente (um jovem perfeitamente integrado familiar, social e lectivamente) uma pena efectiva de 15 meses de prisão e ao co-arguido BB uma pena de 10 meses de prisão (suspensa na sua execução), quando a participação de ambos nos factos denunciados e a medida da culpa foram idênticas, só porque o recorrente tem antecedentes criminais e está preso, o Tribunal recorrido interpretou os artigos 50º, 70º, 71º, 72º e 73º, do Código Penal, em violação dos artigos 13º, 29º e 32º, da Constituição da República Portuguesa.
3. O Tribunal violou os artigos 50º, 70º, 71º, 72º e 73º, do Código Penal, sendo certo que os deveria ter interpretado condenando o arguido numa pena inferior à aplicada, suspensa na sua execução, interpretando assim correctamente os artigos 50º, 70º, 71º, 72º e 73º, todos do Código Penal.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada a Digna Magistrada do Ministério Público pugna pela confirmação da decisão impugnada.
Fixado prazo para as alegações escritas, requeridas pelo recorrente sem oposição, foi junto articulado em que se reproduzem integralmente as conclusões extraídas da motivação de recurso.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal contra-alegou, manifestando o entendimento de que o acórdão impugnado não incorreu em omissão de pronúncia, visto que não deixou de equacionar a aplicação do regime especial para jovens delinquentes ao caso concreto e à situação específica do recorrente, tendo optado correctamente pela não aplicação daquele regime, atentas a condições pessoais do recorrente, designadamente o seu internamento em instituto de reeducação pela prática de vários crimes, a falta de hábitos laborais, a sua ligação ao consumo de álcool e estupefacientes, bem como a sua condenação pelo crimes de tráfico de menor gravidade e de roubo, crime este pelo qual se encontra em cumprimento de pena.
Mais entende que a gravidade do facto e as condições pessoais do recorrente, tendo em vista as exigências de prevenção, justificam a aplicação da pena concretamente cominada e a não utilização do instituto da suspensão.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Começando por delimitar o objecto do recurso, cujo âmbito se circunscreve, obviamente, ao reexame da matéria de direito, verifica-se que o recorrente submete à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia;
- Incorrecta determinação da pena;
- Violação do princípio da igualdade.
É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto (factos provados) ( - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão recorrido.):
«No dia 22 de Janeiro de 2003, cerca das 8 horas e 20 minutos, na Av…. em Linda-a-Velha, os arguidos AA e BB dirigiram-se a, CC e DD, que por ali passavam.
Fizeram-no com o premeditado intuito de se apropriarem, com recurso à ameaça de ofensa contra a integridade física dos sujeitos abordados, dos bens ou valores que os mesmos trouxessem consigo.
Para tal, abordaram-nos, tendo-lhes o arguido EE dirigido as seguintes expressões: “ comecem a passar para cá as vossas coisas “.
Os AA e BB referiram-lhes que caso não o fizessem lhes bateriam.
Receosos de virem a ser atingidos na sua integridade física, caso não obedecessem ou procurassem resistir aos propósitos dos arguidos EE e BB, AA, CC e DD permitiram que aqueles os revistassem e se apoderassem dos seus bens.
Neste contexto, os arguidos EE e BB retiraram a CC um telemóvel, da marca Nokia, modelo 5110, e um relógio da marca Rip Curl ; a AA um relógio da marca Calipso e a DD um relógio da marca Casio.
Objectos que fizeram seus, abandonando seguidamente o local.
Os arguidos EE e BB actuaram deliberada, livre e conscientemente, com o objectivo de se apropriarem dos objectos e valores supra referenciados.
Sabiam que os bens e valores não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo dono.
Sabiam que a sua conduta era proibida e punida pela Lei.
Apenas relógio da marca Casio, pertencente a DD veio a ser recuperado, através da acção empreendida pelas entidades policiais, tendo sido restituídos, em boas condições, ao dono.
Os arguidos EE e BB confessaram, livre, integral e espontaneamente, a sua participação nos factos, tal como vem descrita no requerimento acusatório.
O arguido EE é o único filho do terceiro relacionamento de sua mãe, que viria a dissolver-se, passados cinco anos. Tem ainda quatro irmãos uterinos. O processo de desenvolvimento do arguido EE foi marcado negativamente por um ambiente disfuncional e com acentuadas dificuldades económicas. Foi objecto de sucessivos abandonos, quer por parte da mãe, quer por parte do pai, situação que culminou com a sua entrega a uma ama da Segurança Social. O arguido EE retornou, entretanto, ao agregado da mãe, numa altura em que esta conseguiu reorganizar a sua vida, quer em termos pessoais, quer em termos materiais, com o quarto companheiro. Esta adaptação a um novo meio familiar, por parte do arguido, foi mais uma vez factor de grande instabilidade, que viria a reflectir-se no seu percurso escolar. Com o pai deixou de ter qualquer contacto. Iniciou a escolaridade com sete anos de idade, tendo completado a 4ª classe muito tardiamente, aos 18 anos de idade, registando, desde o início, um percurso muito problemático nas diversas instituições que frequentou, caracterizado por um contínuo insucesso escolar e elevado absentismo (fugas do recinto escolar), tendo na sua origem uma acentuada instabilidade emocional e hiperactividade. No decorrer do seu percurso escolar, o arguido EE frequentou dois estabelecimentos escolares vocacionados para crianças com necessidades educativas especiais, sem grande sucesso, em termos de aprendizagem e modificação de algumas características do seu comportamento. Aos 15 anos, o arguido EE, após o registo de alguns delitos, é colocado por determinação do Tribunal de Menores, em regime de internato, no colégio Navarro de Paiva. Frequentou tal instituição até aos 18 anos, apresentando-se como um aluno com problemas ao nível do comportamento, nunca chegando a completar qualquer curso de formação profissional, apesar de ter conseguido superar alguns obstáculos, no que respeita à adopção de algumas das regras impostas. Ao nível do desempenho laboral, teve o arguido EE uma experiência irrelevante e desinteressada, apenas tendo exercido a actividade laboral, durante um mês, como ajudante, numa das padarias da Apapol. Na adolescência, o arguido EE iniciou-se no consumo regular de haxixe e de bebidas alcoólicas. Há aproximadamente dois anos, o arguido EE viria a estabelecer uma relação afectiva com a sua actual companheira, da qual tem um filho com oito meses de idade. Encontra-se preso desde 17 de Dezembro de 2003, tendo mantido uma conduta adequada às normas institucionais, nada havendo a registar em termos disciplinares. Frequenta, de forma assídua, o 2º ciclo de escolaridade em que revela algum interesse. Não solicitou ocupação laboral por não ser compatível com o horário escolar. Ocupa o restante tempo em exercícios no ginásio e no convívio com os seus companheiros de cela.
Já sofreu as seguintes condenações: no processo nº 0000, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de.... , pela prática, em 4 de Janeiro de 2000, de um tráfico de estupefacientes de menor gravidade, pena de dezoito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos (decisão datada de 15 de Fevereiro de 2003, transitada em julgado); no processo nº ….. do 3º Juízo Criminal do Tribunal de …., pela prática, em 26 de Setembro de 2003, de um crime de roubo, pena de três anos de prisão (decisão datada de 22 de Abril de 2004, transitada em julgado).
O arguido EE encontra-se preso pela prática de um crime de roubo, cumprindo uma pena de três anos de prisão.
O arguido BB nunca conheceu o progenitor. Este ausentou-se para parte incerta quando o arguido contava apenas quatro meses de idade. A progenitora, por dificuldades económicas, não pode ocupar-se do sustento do descendente, que foi criado pelos avós maternos. A infância do arguido BB foi marcada pelo sofrimento acentuado de não ter conhecido o pai. Necessitou, inclusivamente, de ser acompanhado por psicólogo. O arguido BB frequentou, na sua infância, um equipamento infantil, tendo iniciado, na idade própria, o 1º ciclo da escola primária. Embora não evidenciasse problemas de aprendizagem, manifestava uma postura problemática, caracterizada por problemas de agressividade para com colegas e professores. No 3º ano do ensino básico, foi sinalizado pela escola e encaminhado para acompanhamento psicológico no Centro de Saúde de …. No 2º ciclo os comportamentos do arguido BB agravaram-se, iniciando um percurso de fugas de casa, absentismo às aulas, conflitos e envolvimento com grupos de pares problemáticos. Acabou por abandonar a escola com 15 anos, tendo unicamente completado o 6º ano, embora tivesse chegado a frequentar o 7º ano. Manifestou, nessa altura, interesse em ir viver com a mãe, tendo ido viver uns meses com ela, em Alcobaça. Aos 16 anos, voltou para casa dos avós, tendo tido uma primeira experiência de trabalho, de apenas duas semanas, na área da construção civil. Iniciou-se, entretanto, no consumo de haxixe, tendo chegado a consumir diárias bastante elevadas, que posteriormente reduziu. O arguido BB reside, há cerca de um ano, em casa dois pais da companheira. Este relacionamento, estável, mantém-se há cerca de dois anos. A companheira, de 19 anos de idade, encontra-se desempregado há cerca de três meses, tendo anteriormente exercido a actividade de empregada de balcão. O arguido BB trabalha, há cerca de ano e meio, num estabelecimento comercial de café, situado na zona do …., exercendo a actividade de empregado de balcão. O arguido BB encontra-se actualmente empenhado em organizar a sua vida futura.
O arguido BB não tem antecedentes criminais registados».
Nulidade do Acórdão
Alega o recorrente que o tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, visto que não fundamentou devidamente a não aplicação do regime constante do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, concretamente o disposto no seu artigo 4º.
Decidindo, dir-se-á.
Vem entendendo este Supremo Tribunal que, apesar da atenuação especial constante do DL n.º 401/82 não ser obrigatória, o tribunal, quando se trate de arguidos menores de 21 anos, tem sempre de considerar, na sentença, a pertinência, ou inconveniência, da aplicação de tal regime e justificar a sua opção, ainda que o considere inaplicável ( - Cf. entre outros o acórdão de 02.02.14, publicado na CJ (STJ), X, I, 213.), pelo que a não consideração oficiosa pelo tribunal da aplicação daquele regime faz incorrê-lo em nulidade por omissão de pronúncia ( - Cf. entre outros o acórdão de 02.03.20, publicado na CJ (STJ), X, I, 243. A omissão de pronúncia é motivo de nulidade da sentença conforme preceito do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o qual textua:
«1. É nula a sentença:
a) …
b) …
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».).
Certo é que a pronúncia do tribunal, sobre aquela ou qualquer outra questão, deve ser fundamentada, consabido que a lei fundamental, em matéria de decisões judiciais, consagrou o princípio da fundamentação – artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República –, segundo o qual o tribunal está obrigado a especificar os motivos de facto e de direito da decisão.
Relativamente à sentença, atento o disposto nos artigos 379º, n.ºs 1 alínea a) e 2 e 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação constitui nulidade de conhecimento oficioso, sendo que à falta de fundamentação, isto é, à total e absoluta ausência de fundamentação, se deve equiparar a fundamentação insuficiente, posto que uma decisão parcialmente fundamentada tem de ser entendida como não fundamentada, consabido que inexiste meia fundamentação, tal como inexiste meia comunicação ( - Cf. Paulo Saragoça da Mata, “ A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais (coordenação científica de Fernanda Palma – 2004), 265, bem como os acórdãos deste Supremo Tribunal de 05.11.06, proferido no Recurso n.º 2155/04 e do Tribunal Constitucional de 97.04.17, Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36.).
Vejamos, pois, se o tribunal a quo se pronunciou ou não fundamentadamente sobre a (in)aplicabilidade ao recorrente do regime decorrente do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.
A este propósito consignou-se expressamente no acórdão recorrido:

«Já no que concerne ao arguido EE, que contava à data da prática dos factos 20 anos de idade, entende-se que a sua personalidade, marcada pela sua vincada propensão para a actividade delituosa, conforme o demonstram os seus antecedentes criminais, sendo patente a sua incapacidade para conformar as suas condutas com as normas sociais básicas inerentes à vida em comunidade, não justifica a aplicação do regime excepcional previsto pelo Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro».

Ora, conquanto o tribunal a quo não se haja espraiado na consideração sobre a pertinência, ou inconveniência, da aplicação ao recorrente do regime especial previsto no artigo 4º, do DL 401/82, a verdade é que expôs de forma clara os motivos pelos quais entendeu não se justificar a sua aplicação, a significar que o acórdão impugnado não enferma de nulidade.
Improcede, assim, a primeira pretensão do recorrente.
Incorrecta Determinação da Pena
Entende o recorrente dever-lhe ter sido atenuada especialmente a pena nos termos do artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, fixando-se a mesma em medida inferior à que lhe foi cominada, para além de que deveria aquela ter sido objecto de suspensão na sua execução, atenta a sua idade à data dos factos, a circunstância de haver confessado aqueles integralmente e sem reservas, mostrando-se arrependido, para além de que tem mantido bom comportamento em clausura, tendo concluído o 2º ciclo e sido galardoado com três certificados de participação em aulas de ginástica, português e inglês.
Apreciando, dir-se-á.
Observação prévia a fazer é a de que a competência deste Supremo Tribunal em matéria de controlo e de fiscalização da determinação da pena não é ilimitada.
Com efeito, no recurso de revista pode sindicar-se a decisão proferida sobre a determinação da sanção, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada ( - Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 197, bem como o acórdão deste Supremo Tribunal de 02.05.09, publicado na CJ (STJ), X, II, 193.).
Estabelece o artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro que: «Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º, do Código Penal, quando tiver razões sérias para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado» ( - A referência aos artigos 73º e 74º, do Código Penal, atentas as alterações entretanto operadas, deve ser tida em relação aos artigos 72º e 73º).).
É evidente que a adequada reinserção social do condenado, ou seja, a sua correcta reintegração na sociedade, depende de considerações de natureza preventiva especial, cuja avaliação deve ter presente, em particular, a gravidade do facto ou factos perpetrados e as suas consequências, o tipo e a intensidade do dolo, os fins que subjazem ao ilícito, o comportamento anterior e posterior e a personalidade do condenado à luz dos factos, isto é, neles manifestada e reflectida.
Se a partir da avaliação feita for de formular um prognóstico favorável à ressocialização do condenado será, em princípio, de considerar positiva a aplicação do regime previsto no artigo 4º, do DL n.º 401/82, sendo pois de atenuar especialmente a pena; caso contrário, isto é, caso o juízo de prognose for desfavorável, obviamente que se terá de excluir a aplicação daquele regime (- Regime que, de acordo com o próprio preâmbulo do DL 401/82, não deverá ser aplicado quando, em concreto, se mostre necessário defender a comunidade e prevenir a criminalidade, sendo esse o caso de a pena aplicável ser de prisão superior a dois anos (no sentido de a lei aqui se referir a pena aplicável e não a pena aplicada, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.02.12, publicado na CJ (STJ), XII, I, 202).Assim, razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir a aplicação daquele regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.).
No caso vertente estamos perante um crime de roubo, ilícito em que se tutelam bens jurídicos patrimoniais e pessoais, posto que a sua perpetração colide com o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis e com a liberdade individual de decisão e de acção.
Trata-se, pois, de um crime complexo, englobando o furto e a coacção que, por isso, se situa num patamar de significativa gravidade, patenteada pela sanção aplicável, qual seja a de prisão de 1 a 8 anos.
O recorrente já sofreu duas condenações, uma de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, pela prática, em 4 de Janeiro de 2000, de um crime de tráfico de menor gravidade, proferida em 15 de Fevereiro de 2003, a outra de 3 anos de prisão, pelo cometimento, em 26 de Setembro de 2003, de um crime de roubo agravado, prolatada em 22 de Abril de 2004, pela qual se encontra preso.
Teve uma infância atribulada, com sucessivos abandonos por parte da mãe e do pai, acabando por ficar a cargo da Segurança Social, situação que se manteve até ao momento em que a mãe reorganizou a sua vida, com a sua quarta ligação marital.
Aos 15 anos, após o registo de alguns delitos, foi colocado por determinação do tribunal de menores, em regime de internato, no colégio Navarro de Paiva, instituição que frequentou até aos 18 anos, idade com que completou o 4º ano de escolaridade.
Há cerca de dois anos estabeleceu uma relação afectiva com a sua actual companheira, da qual tem um filho com 1 ano de idade.
Encontra-se preso em cumprimento de pena desde 17 de Dezembro de 2003, mantendo em clausura uma conduta adequada, frequentando o 2º ciclo de escolaridade, no que revela interesse.
Confessou integral e espontaneamente os factos pelos quais foi acusado e condenado, sendo que à data do seu cometimento tinha 20 anos de idade.
Perante este quadro, tal qual o entendeu o tribunal recorrido, há que concluir estarmos perante delinquente com alguma propensão para o crime, circunstância que, aliada à gravidade do facto criminoso perpetrado, cujas necessidades de prevenção são prementes, afasta a aplicação do regime constante do artigo 4º, do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro.
Deste modo e tendo por certo que a pena cominada (15 meses de prisão) se mostra fixada de acordo com o critério legal, tendo sido devidamente tomados em consideração os factores relevantes, sem que hajam sido violadas as regras da experiência ou se mostre desproporcionado o quantum estabelecido, há que mantê-la intocada ( - Trata-se aliás de uma pena benevolente, posto que situada próximo do mínimo da respectiva moldura.).
No que concerne ao uso do instituto da suspensão há que ter presente que o recorrente já dele beneficiou aquando da sua primeira condenação, sendo que a aplicação do mesmo veio a revelar-se desvantajosa para a sua reinserção, visto que após aquela condenação, o que teve lugar em 15 de Fevereiro de 2003, voltou a delinquir pouco tempo depois, mais precisamente em 26 de Setembro de 2003, em resultado do que se encontra actualmente em cumprimento da pena de 3 anos de prisão.
Ora, como expressivamente se consignou no acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Fevereiro de 2004, já referenciado em nota de rodapé: «… se a aplicação de pena suspensa não bastou para “prevenção da reincidência”, como esperar agora que outra dose do mesmo remédio assumisse eficácia curativa, a menos que verificado um verdadeiro milagre?”
Deste modo se exclui, tal qual o fez a 1ª instância, a aplicação daquele instituto.
Violação do Princípio da Igualdade
Alega o recorrente que o tribunal a quo ao condená-lo, na pena de 15 meses de prisão, pelo crime de roubo por que foi acusado e ao condenar o co-arguido BB pela co-autoria daquele crime, na pena de 10 meses de prisão com suspensão da sua execução, quando a medida da culpa e participação de ambos nos factos foram idênticas, só porque o recorrente tem antecedentes criminais e está preso, aplicou os artigos 50º, 71º, 72º e 73º, do Código Penal, em violação dos artigos 13º, 29º e 32º, da Constituição da República Portuguesa.
Muito embora o recorrente o não afirme expressamente, quer nas conclusões que formulou, quer no corpo da motivação de recurso, ao fazer a alegação a que vimos de aludir, coloca em causa a decisão recorrida por violação do princípio constitucional da igualdade.
Como é sabido, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa, tem um sentido negativo, basicamente consubstanciado na proibição de privilégios e de discriminações, e um sentido positivo, segundo o qual há que tratar por igual situações iguais e de forma desigual situações desiguais.
Em matéria de direitos e de deveres fundamentais consiste na proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever e na proibição de prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever.
Por outro lado, em matéria de aplicação da lei – vinculação da jurisdição – impõe a aplicação de igual direito a casos idênticos e a utilização de um critério de igualdade na utilização pelo juiz dos seus “poderes discricionários” (fixação de penas, de montantes de indemnização, etc.) ( - Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 130.).
Do exame do acórdão impugnado resulta inequivocamente que o diferente tratamento dispensado, em matéria de punição, ao recorrente e ao seu co-arguido BB, se mostra amplamente justificado.
Com efeito, enquanto o recorrente à data dos factos tinha 20 anos de idade, o co-arguido BB, tinha 16 anos.
Por outro lado, enquanto o arguido já foi condenado por duas vezes, a última em pena de prisão que se encontra a cumprir, o co-arguido BB nunca fora objecto de censura penal.
Por outro lado, ainda, enquanto o arguido teve uma única experiência laboral desinteressada, pelo curto período de um mês, o co-arguido BB trabalha há cerca de ano e meio num estabelecimento comercial, mostrando-se empenhado na sua actividade profissional.
Nesta conformidade, é evidente que não se mostra violado o princípio da igualdade.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa,04/01/2006
Oliveira Mendes (Relator)
João Bernardo
Pires Salpico
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i - Foi também condenado como co-autor material do mesmo crime, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, o arguido BB.
ii - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão recorrido.
iii - Cf. entre outros o acórdão de 02.02.14, publicado na CJ (STJ), X, I, 213.
iv - Cf. entre outros o acórdão de 02.03.20, publicado na CJ (STJ), X, I, 243.
A omissão de pronúncia é motivo de nulidade da sentença conforme preceito do artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, o qual textua:
«1. É nula a sentença:
a) …
b) …
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
v- Cf. Paulo Saragoça da Mata, “ A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais (coordenação científica de Fernanda Palma – 2004), 265, bem como os acórdãos deste Supremo Tribunal de 05.11.06, proferido no Recurso n.º 2155/04 e do Tribunal Constitucional de 97.04.17, Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36.
vi- Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 197, bem como o acórdão deste Supremo Tribunal de 02.05.09, publicado na CJ (STJ), X, II, 193.
vii - A referência aos artigos 73º e 74º, do Código Penal, atentas as alterações entretanto operadas, deve ser tida em relação aos artigos 72º e 73º).
viii- Regime que, de acordo com o próprio preâmbulo do DL 401/82, não deverá ser aplicado quando, em concreto, se mostre necessário defender a comunidade e prevenir a criminalidade, sendo esse o caso de a pena aplicável ser de prisão superior a dois anos (no sentido de a lei aqui se referir a pena aplicável e não a pena aplicada, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.02.12, publicado na CJ (STJ), XII, I, 202).
Assim, razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir a aplicação daquele regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínima e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
ix - Trata-se aliás de uma pena benevolente, posto que situada próximo do mínimo da respectiva moldura.
x - Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 130.