ARRENDAMENTO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
REPARAÇÕES URGENTES
PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTE COMUM
OBRAS
DEVER DE INDEMNIZAR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Do dever genérico estabelecido no art.º 1031, al. b), do CC (assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que se destina) resulta para o senhorio a obrigação específica de efectuar as reparações ou outras despesas essenciais ao gozo da coisa locada, prevendo-se regimes distintos, consoante a urgência da necessidade.
II - A falta de cumprimento pelo senhorio da obrigação de fazer obras, fá-lo incorrer em responsabilidade contratual, com o correspondente dever geral de indemnizar (art.º 562 do CC), presumindo-se a sua culpa (art.º 799 do CC).
III - O dever de indemnizar supõe, todavia, a mora do devedor (senhorio), sejam ou não urgentes as reparações a efectuar; e a mora, por seu turno, pressupõe a interpelação (art.º 805, n.º 1, do CC), que, seja judicial ou extrajudicial, terá que ser acompanhada do estabelecimento de um prazo, dada a natureza específica da prestação do senhorio; caso contrário, nunca a omissão que lhe é imputada poderá considerar-se ilícita nem culposa, o que exclui a sua responsabilidade.
IV - Se o prédio estiver constituído em propriedade horizontal, os dois regimes jurídicos (cfr. art.ºs 1424 do CC e 11 a 18 do RAU) têm que ser compatibilizados entre si, daí resultando que o senhorio de fracção arrendada não pode ser compelido a fazer obras em partes comuns do prédio sem a comparticipação dos demais condóminos.
V - Por serem um elemento estrutural da edificação, as paredes exteriores (empenas) de prédio constituído em propriedade horizontal devem ser consideradas paredes mestras para o efeito previsto no art.º 1421º, nº 1, a), do CC.
VI - O senhorio não está obrigado a fazer reparações na fracção arrendada caso se mostre que a causa das infiltrações aí verificadas residiu na permeabilidade da parede da empena exterior do prédio (parte comum).
VII - Ainda que se entenda que tais reparações, dada a urgência de que se revestem, são da responsabilidade do réu/senhorio, a Autora não tem o direito de indemnização pelos prejuízos com mercadoria danificada, pois não só não quis fazer as reparações, nos termos do art.º 1036 do CC, como, além disso, apenas comunicou ao Réu a sua necessidade já depois de consumadas as infiltrações e os prejuízos, não lhe dando um prazo razoável para diligenciar no sentido da realização das obras.
VIII - O art.º 492 do CC não prevê a responsabilidade objectiva do proprietário ou do possuidor: limita-se a inverter o ónus da prova, desde que se verifiquem os pressupostos de facto que condicionam a presunção de culpa (ruína devida a um vício de construção ou a falta de manutenção).
IX - Alegando a Autora, para sustentar a imputação ao Réu de responsabilidade extracontratual pelos prejuízos em causa com fundamento no art.º 492 do CC, que a parede da empena não estava impermeabilizada, facto que não logrou provar, fica afastada a aplicação do referido normativo, por não ter demonstrado o vício de construção invocado.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Termos essenciais da causa e do recurso
Em 4.11.96, no Tribunal de Lisboa, A, Ld.ª, propôs uma acção ordinária contra B e C, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 6.922.642$00 e juros à taxa legal, a título de indemnização pelos danos sofridos, com fundamento em que tomou de arrendamento aos réus a fracção autónoma designada pela letra "B" do prédio situado na Rua Professor Mira Fernandes, ...., em Lisboa, e sofreu estragos em produtos que comercializa devido a infiltrações de água na parede junto à qual os tinha armazenados, sendo que deu conhecimento aos réus quer das infiltrações, quer da ocorrência dos referidos prejuízos.

Foram chamados à autoria os restantes condóminos e D - Sociedade Gestora de Prédios Ld.ª, administradora do condomínio.
Admitido o chamamento, apenas os chamados D, Ld.ª, E e mulher F e G e mulher H, aceitaram o chamamento, deduzindo contestação a impugnar o alegado pela autora.
Os réus contestaram.
Por excepção, invocaram a ilegitimidade da ré por ser casada com o réu sob o regime de separação de bens e a preterição de litisconsórcio necessário passivo; por impugnação alegaram que as eventuais infiltrações derivam de partes comuns do edifício e, por isso, são da responsabilidade do condomínio, a quem de imediato deram conhecimento do sucedido; e disseram ainda que não dispõem de recursos financeiros para custear qualquer obra de reparação da empena do prédio de onde proviriam as alegadas infiltrações.

No despacho saneador julgaram-se improcedentes as excepções dilatórias deduzidas e, seguindo o processo os trâmites legais, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.
A autora apelou, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa confirmou a sentença (acórdão de fls. 858 a 868).
Ainda inconformada, a autora recorreu de novo, agora de revista, para este Supremo Tribunal, sustentando a revogação do julgado - e a consequente condenação dos réus no pedido - com base nas seguintes conclusões:

1ª) O recorrido teve conhecimento das infiltrações - mediante aviso da recorrente - antes da verificação dos danos;
2ª) O locador deve assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que esta se destina através das obras necessárias para manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração - art.°s 1031° CC e 11, n° 2, c), do RAU;
3ª) Essa obrigação do locador não depende de aviso do inquilino;
4ª) Existe também quando o inquilino avisa o locador do vício da coisa locada;
5ª) A ignorância dos defeitos da coisa não liberta o senhorio da obrigação que atrás se refere;
6ª) O senhorio tem sempre, desde a conclusão do contrato, o dever de vigilância do imóvel, dever que lhe é imposto por lei;
7ª) É uma falsa questão tomar dependente o cumprimento, pelo senhorio, da obrigação de impermeabilizar a parede da loja arrendada, da determinação da origem das infiltrações;
8ª) A responsabilidade contratual surge sempre que se verifique incumprimento, ou cumprimento defeituoso, de uma obrigação em sentido técnico:
9ª) No caso em apreço estão reunidos, porque provados, os requisitos daquela responsabilidade, isto é, o facto danoso, o dano, a culpa e o nexo de causalidade;
10ª) O recorrido deve, pois, indemnizar a recorrente pelos danos que esta sofreu;
11ª) Em alternativa, se assim não for entendido, deve à mesma indemnizar a recorrente, no domínio da responsabilidade extracontratual;
12ª) E isto porque houve danos causados por ruína parcial do edifício, por defeito de conservação, danos esses em coisas pertencentes ao recorrente que não teriam ocorrido se o recorrido tivesse exercido o seu dever de vigilância na conservação do imóvel;
13ª) Estão reunidos os requisitos para o surgimento da responsabilidade civil extracontratual: danos, facto danoso, nexo de causalidade, ilicitude (art.º 483° do CC) e culpa presumida (art.º 492°, n.° 1, do CC).
Os réus contra alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

II. Matéria de facto:
1. A autora declarou por escritura pública, lavrada no 15.° Cartório Notarial de Lisboa, tomar de arrendamento ao réu, em 14 de Julho de 1975, a fracção autónoma designada pela letra "B", constituída pela loja esquerda do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Professor Mira Fernandes, ..., em Lisboa,
2. E, desde aquele ano de 1975 a autora tem vindo a exercer o seu comércio na referida loja.
3. Utilizando aquela loja para, nomeadamente, armazenar mercadorias do seu comércio.
4. Por carta datada de 09.1.96 a autora comunicou ao Réu:
"Após as conversações tidas com V. Exa., além do na altura reclamado, detectámos, hoje, ao fazer o inventário, que há uma infiltração de água no tecto do lado direito a cerca de 4 metros da porta de entrada. Esta infiltração estragou-nos alguma mercadoria, no valor de algumas centenas de contos.".
5. A situação de infiltrações de água, que atrás se descreve, nunca tinha acontecido antes, ao longo dos anos de duração do contrato, isto é, desde 1975.
6. Por carta datada de 14-03-1996 a autora comunicou ao réu:
"1ºAs infiltrações de água, por nós anteriormente referidas, já nos causaram prejuízos em mercadoria estragada, superiores a vários milhares de contos, e ainda estamos na expectativa de outros se verificarem dado que continuamos à espera de devoluções de mercadorias por nós entretanto vendidas, que os clientes têm vindo a rejeitar depois de constatarem que se encontram alteradas, dentro das embalagens, por força da humidade que nestas entrou.
2° Este assunto reveste-se da maior gravidade e é urgente encontrar-se uma solução para ela.
3° Deste modo, aguardaremos pois, quinze dias, um contacto de V. Exa. para o debatermos e tentarmos encontrar uma solução para ele.
4° Findo este prazo, sem notícias de V.Ex.ª ou sem termos chegado a acordo, lamentamos ter de informar que entregaremos o assunto ao nosso Advogado para procedimento judicial.".
7. Os réus marido e mulher são casados em regime de separação absoluta de bens.
8. Pela apresentação n.° 29338 encontra-se inscrita a titularidade da fracção a favor de B casado sob o regime de separação absoluta de bens com C, por aquisição.
9. A autora pagava à data dos factos descritos, uma renda de 44.000$00 mensais pela fracção "B".
10. O réu marido enviou em 14.11.95 à administradora do condomínio, a sociedade "D - Sociedade Gestora de Prédios, Ld.ª" um fax dando conta da eventual existência de infiltrações e solicitando a sua intervenção, para procederem a visita ao local, com o seguinte teor:
"Na qualidade de condómino referente à fracção B (loja) venho-lhes comunicar que fui alertado novamente pelo meu inquilino que junto à parede da empena do edifício aparecem águas de infiltração, que presumo serem de:

- rotura das prumadas de águas residuais domésticas que são desviadas ao nível do tecto da loja, ou;
- Permeabilidade da parede de empena.

Pelo facto de na loja se encontrarem produtos alimentares perecíveis, agradeço que, com brevidade se solucione a situação.
O inquilino é o "A ", com escritório na Rua Egas Moniz, n. ....- Tel. ...., cujo gerente é o Sr. I, que agradecia que contactassem afim de marcar visita ao local."
11. Por carta datada de 18 de Janeiro de 1996 o réu marido voltou a insistir com a administração do condomínio, a identificada D, nos seguintes termos: "Tendo, em tempo, já comunicado a essa Administração, através de Fax, a existência de infiltrações de água provenientes de Tubos de Queda e de paredes de empena, venho mais uma vez comunicar que, para além daquelas, outras infiltrações agora aparecem, conforme consta de cópia de carta recebida do locatário.

Chamava a atenção para os prejuízos em causa, solicitando rápida intervenção, visto os problemas serem, em princípio, da responsabilidade do condomínio."
12. Em resposta à carta enviada pela autora em 14.3.96 o réu enviou à autora em 28.3.96 uma carta com o seguinte teor:
"Na sequência da V. carta datada de 96.03.14 e na sequência de troca de correspondência havida e conversas telefónicas tidas, venho, mais uma vez, reafirmar-lhe:
- As infiltrações que os Srs. noticiam só podem acontecer por roturas em prumadas, canalizações ou impermeabilizações do edifício, pelo que terão de ser resolvidas pelo condomínio:
- O condomínio é, actualmente, gerido pela firma D - Sociedade Gestora de Prédios, Lda. com domicilio em Lisboa, na Rua Carvalho Araújo, ...., telefone n° ....:
- Para resolução do problema, o A terá de o colocar perante o gestor do condomínio, conforme já comuniquei, e a este dei conhecimento, há meses atrás.
- Continuando a acreditar no diálogo, sou ainda a dizer que, simultaneamente, com esta carta, seguiu para a D, Lda. via fax, cópia da carta e desta, para reforçar a resolução do problema. ".

13. Na mesma data, 28.3.96, o réu enviou à administração do condomínio nova carta com o seguinte teor:
"Venho por este meio, mais uma vez, colocar-vos perante o problema invocado pelo inquilino da fracção B, R/chão loja, do prédio em assunto, endossando a essa administração as responsabilidades cíveis resultantes, visto que, após todas as comunicações já por mim efectuadas, nunca tivemos qualquer contacto no sentido de solucionar o problema.
Para V. conhecimento, junto envio, cópias das cartas do inquilino e minha em resposta. "

14. As obras nas partes comuns do edifício foram realizadas após 1998.
15. Os réus não foram notificados pela Câmara Municipal de Lisboa para proceder à realização de quaisquer obras relacionadas com os factos descritos pela autora.

16. A autora não notificou os Réus da realização, por sua parte, de quaisquer reparações ou do custeio de quaisquer despesas relacionadas com os factos descritos na petição inicial.
17. As mercadorias da autora estavam arrumadas em prateleiras situadas junto às paredes interiores da loja.

18. Em data que não pode precisar, mas que foi seguramente alguns dias antes de 2 de Janeiro de 1996, o gerente da autora constatou que, em quantidade apreciável, embalagens de produtos para pombos-correio estavam húmidas.

19. E que essa humidade provinha da parede junto à qual aquelas embalagens estavam armazenadas.

20. Aquele gerente da autora entrou, de imediato, em contacto com o réu ao qual deu conhecimento desta ocorrência.
21. Poucos dias depois aquele mesmo gerente da autora, ao retirar embalagens para efeitos da conferência a que, por causa do balanço anual, então procedia - isto, entre os dias 2 e 5 de Janeiro de 1996 - foi atingido com água que se encontrava nas prateleiras.

22. Não sabia ainda a autora, na época em que ocorreram os factos que se deixam descritos, a real extensão dos danos sofridos como consequência necessária das infiltrações de água.
23. As embalagens humedecidas de que se fala continham um produto para pombos correios denominado Gambakokzid, originário da Alemanha e importado pela autora daquele país para Portugal, a fim de aqui ser comercializado por ela.

24. Todas as embalagens de Gambakokzid que a autora tinha em stock encontravam-se armazenadas na loja arrendada e colocadas nas prateleiras que estavam junto à parede através da qual se deram as infiltrações de água.

25. Antes de ter verificado que as ditas embalagens de Gambakokzid estavam humedecidas, já a autora tinha vendido grande quantidade daquele produto que também sofrera a acção da humidade.

26. Aquela parede estava encoberta pelas prateleiras e pelas mercadorias que nesta se encontravam armazenadas.

27. Posteriormente àquela verificação, ainda a autora vendeu outra grande quantidade de Gambakokzid.

28. E fê-lo porque não podia abrir as embalagens, sob pena de as inutilizar e ao produto nelas contido.

29. E porque alimentou a esperança de a humidade não ter passado da embalagem para o interior desta.

30. Todas as unidades do produto Gambakokzid tinham sido deterioradas pela humidade que atingiu as respectivas embalagens.

31. As devoluções daquele produto, pelos clientes da autora eram sucessivas e totais.

32. Em consequência das referidas infiltrações de água a autora sofreu uma perda total das unidades de produto Gambakokzid.
33. As infiltrações de água inutilizaram ainda seis cestos de malha de nylon e de madeira, que se encontravam igualmente armazenados junto à parede através da qual se infiltrou a água.
34. Foram realizadas obras de impermeabilização da empena exterior do prédio custeadas pelo condomínio.
35. A fracção "B" foi objecto de obras custeadas pelo Condomínio.

III. Matéria de Direito
A questão a decidir é a de saber se o réu, enquanto senhorio e proprietário da fracção locada, deve ser condenado a indemnizar a autora, inquilina, pelos prejuízos que esta sofreu por virtude das infiltrações verificadas na fracção ajuizada. O réu, apenas, já que quanto à ré o problema não se coloca: não sendo proprietária da fracção arrendada nem tendo outorgado o contrato de arrendamento, o pedido, quanto a ela, teria sempre que improceder, como improcedeu logo na 1ª instância; e como a autora não reagiu em tempo oportuno (no recurso de apelação) contra a absolvição decretada, é manifesto que nessa parte a sentença e o acórdão da Relação passaram em julgado, tomando-se imodificáveis.

A autora sustenta que o réu, senhorio, violou o dever genérico estabelecido no art.º 1031, al. b), do CC, de assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que se destina. Deste dever genérico resulta para o senhorio a obrigação específica de efectuar as reparações ou outras despesas essenciais ao gozo da coisa locada, prevendo-se regimes distintos, consoante a urgência da necessidade. Concretizando a obrigação assim desenhada - e delimitando, correspondentemente, as situações de incumprimento contratual a que pode dar azo - o art.' 1032° dispõe: "Quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido:
a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa;
b) Se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador. ".

Na situação ajuizada os factos evidenciam claramente que as infiltrações são posteriores ao início da vigência do arrendamento. Assim, face à presunção legal de culpa do art.º 799°, importa apurar se é ou não imputável ao réu senhorio, por omissão do seu dever de conservação do locado, a existência de defeito ou vício que tenha originado as infiltrações de água e inerente humidade, causa adequada, por seu turno, da deterioração das mercadorias ali armazenadas pertencentes à autora. E a respeito disto não parece irrelevante, nem, menos ainda, uma falsa questão, bem pelo contrário, a determinação da origem das infiltrações; com efeito, fundando-se a indemnização exigida na responsabilidade contratual, está claro que interessa liminarmente, por um lado, isolar e definir o ilícito de que a responsabilidade promana e, por outro, identificar o seu autor. Ora, os factos coligidos mostram que a causa das infiltrações residiu na permeabilidade da parede da empena exterior do prédio; tudo indica que foi através dessa parede que, em pleno inverno, se deram as infiltrações que atingiram a fracção arrendada; doutra forma não haveria explicação lógica razoável para a efectivação de obras que visaram justamente a impermeabilização da empena exterior do imóvel, além das que tiveram lugar na fracção ajuizada, umas e outras custeadas pelo próprio condomínio (factos 34 e 35). Na tese da autora o réu faltou ao cumprimento do contrato ao omitir a realização das obras adequadas para impedir as infiltrações que se verificaram, tornando-se responsável pelos danos ocasionados. O vício ou defeito carecido de reparação, porém, localizou-se na parede de empena, que num prédio em regime de propriedade horizontal é em parte comum. A lei, na realidade, - art.º 1421, n.°1, al. a), do CC - diz que são comuns o solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio. E deve entender-se, como refere Aragão Seia (1), "que o termo paredes abrange as paredes das fachadas, das empenas, de separação entre habitações (em alguns casos também se designam por paredes meeiras ou de meação), de caixas de escada e interiores ou divisórias "; isto porque as paredes exteriores que não sejam meramente divisórias - tal o caso, sem dúvida, das empenas - sendo sempre construídas "tendo em vista não só as exigências de segurança do prédio, mas também as de salubridade, especialmente no que respeita a protecção contra a humidade, as variações de temperatura e a propagação de ruídos e vibrações (2)", não podem senão considerar-se como elementos estruturais das edificações e, portanto, paredes mestras. Em face disto, cabe perguntar: estará o senhorio obrigado a fazer as reparações necessárias para assegurar ao locatário o pleno gozo do locado se as infiltrações provierem de parte comum do edifício? A resposta parece-nos que deve ser negativa. Com efeito, se o prédio estiver constituído em propriedade horizontal, os dois regimes jurídicos em presença têm que ser compatibilizados e harmonizados entre si (cfr, além dos textos legais já citados, o art.º 1424 do CC e os art.°s 11° a 18° do RAU); e dessa compatibilização resulta fundamentalmente que o senhorio de fracção arrendada não pode ser compelido a fazer obras em partes comuns do prédio sem a comparticipação dos demais condóminos. O Supremo Tribunal já se pronunciou neste sentido: "sendo o arrendado fracção autónoma de um prédio em propriedade horizontal, o dever de o senhorio efectuar obras de conservação, nos termos do art. ° 12 do RA U, cabe ao senhorio apenas se a sua necessidade se localiza na própria fracção; porque, se se localiza em parte comum, não pode o senhorio ser obrigado afazer obras (nem as pode fazer) nessa parte comum". Deste modo, a actuação do réu senhorio, diligenciando com prontidão junto do condomínio no sentido da resolução do problema das infiltrações (factos 10, 12 e 13) constitui um cabal e adequado cumprimento das suas obrigações contratuais, nada mais lhe podendo ser exigido neste particular.

Podemos perspectivar as coisas doutro ângulo. Vamos partir do princípio de que são da responsabilidade do réu/senhorio as reparações necessárias para impedir a ocorrência das infiltrações, não obstante a origem destas se situar numa parte comum do imóvel. Nesta hipótese o regime aplicável fica dependente da qualificação em concreto das obras de reparação, pois a lei não determina uma responsabilização indiscriminada e, digamos assim, automática do senhorio, qualquer que seja a natureza das obras a realizar no locado.

As instâncias não qualificaram as obras de harmonia com a tipificação operada no art.º 11° do RAU (poderá tratar-se de obras de conservação ordinária - n.° 2, al. c) - ou obras de conservação extraordinária - n.° 3); e também não se pronunciaram sobre a natureza urgente (ou não) das reparações em causa. Tudo ponderado, e considerando, sobretudo, a necessidade objectiva da sua execução com brevidade a fim de manter o arrendado em condições de plena utilização pelo inquilino, entendemos que as reparações devem ser tidas por urgentes. Na situação ajuizada a urgência é equivalente à que se verifica, por exemplo, no caso do telhado que, danificado por um temporal, deixa entrar a chuva, do cano de água ou de gás que rebenta no interior duma parede, ou ainda do tecto que ameaça ruína - tudo hipóteses em que a nota da premência, do carácter inadiável da necessária intervenção está, incontestavelmente, bem presente, de acordo com o simples senso comum e as regras da experiência normal da vida e das coisas; e é uma urgência que; ainda segundo o apontado critério, "não se compadece com as delongas do procedimento judicial" (art.º 1036°, n° 1, CC), pois as infiltrações, no caso, estavam a dificultar seriamente a utilização do arrendado para um dos fins a que se destinava: o armazenamento de mercadorias comercializadas pela ré (3) .

Acontece que à falta de cumprimento pelo senhorio da obrigação de fazer obras corresponde o dever geral de indemnizar, nos termos do art.º 562° do CC, e, sendo as reparações urgentes, a faculdade conferida pelo referido art.º 1036° do mesmo diploma (realização extrajudicial das obras por iniciativa do locatário, com direito a reembolso). O dever de indemnizar, contudo, supõe a mora do devedor (senhorio), sejam ou não urgentes as reparações a efectuar; supõe, no mínimo, que ele tomou conhecimento e ficou consciente da necessidade da sua realização; caso contrário, nunca a omissão que lhe é imputada poderá considerar-se ilícita nem culposa, o que exclui a sua responsabilidade pelos danos ocorridos. E a mora, por seu turno, ao contrário do que a autora sugere nas suas alegações, pressupõe a interpelação (art.º 805°, n°1, do CC), que, quer seja judicial, quer seja extrajudicial, terá que ser acompanhada do estabelecimento de um prazo, dada a natureza específica da prestação do senhorio que está em causa (4).

Aliás, é precisamente tendo em vista o cumprimento pelo locador do dever de assegurar o gozo da coisa para o fim a que se destina que recai sobre o locatário a obrigação, prevista no art.º 1038, al. h), de o avisar imediatamente, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa. Por isso este Supremo Tribunal já decidiu que tendo as deteriorações ocorridas no locado e a consequente necessidade da realização de obras resultado do decurso do tempo e consequente desgaste dos materiais empregues na construção, não pode concluir-se que essa necessidade seja directa e exclusivamente imputável à omissão ilícita do senhorio referida no n°3 do art.º 11° do RAU se o locatário não tiver, em cumprimento do dever de aviso imposto na al. h) do art.º 1038° do CC, efectivamente dado conta da progressiva degradação do locado e exigido àquele a realização de obras (5) .
Como se vê dos factos apurados, a autora não quis fazer as reparações, e, além disso, só comunicou ao réu a sua necessidade já depois de consumadas as infiltrações e os prejuízos, sem lhe dar um prazo razoável para diligenciar no sentido da realização das obras. Não lhe assiste, por isso, o direito que reclamou na presente acção. A recorrente alega ainda que a condenação do réu pode fundar-se em responsabilidade extracontratual, invocando o art. 492° do CC. Mas sem razão. Na verdade, como se decidiu no citado acórdão deste Tribunal de 16.12.04 "o dever de vigilância cometido ao proprietário, em sede de responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, no art. ° 492° CC, não exclui o dever de aviso imposto ao arrendatário na al. h) do art° 1038° desse Código ". Importa sublinhar que esta norma não estabelece um caso de responsabilidade objectiva do proprietário ou do possuidor, limitando-se apenas a inverter o ónus da prova, desde que se verifiquem os pressupostos de facto que condicionam a presunção de culpa. Se não houver prova de que a ruína foi devida a um vício de construção ou a falta de manutenção a inversão do ónus da prova não funciona.
Ora, no caso presente os factos apurados não evidenciam, nem isso foi alegado pela autora, que os problemas na parede da empena, causa directa das infiltrações, resultaram da degradação do prédio por acção do tempo e consequente desgaste dos materiais da construção. Por isso, não é possível concluir que existiu falta de manutenção adequada do edifício por parte do réu.
A propósito disto, na verdade, a autora apenas alegou que a parede da empena não estava impermeabilizada (art.º 280 da petição inicial). No entanto, não conseguiu provar esse facto (cfr. resposta ao quesito 20°). Invocou, portanto, um vício de construção que não demonstrou. Não estão, pois, demonstrados os pressupostos de facto de que depende a presunção de culpa prevista no art.º 492° do CC, o que em definitivo afasta a aplicação deste texto legal ao caso dos autos.
Improcedem, assim, ou mostram-se deslocadas todas as conclusões da minuta.
III - Decisão:
Acorda-se em negar a revista e em condenar a recorrente nas custas.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2006
Nuno Cameira,
Sousa Leite,
Salreta Pereira.
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(1) Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios, pág 70 (Almedina, 2001). 12
(2) Obra citada na nota anterior, pág. 71. Em sentido idêntico, o acórdão do STJ de 18.5.99, na CJSTJ - Ano VII- tomo 2- 99.

(3) Sobre a caracterização das reparações cfr. o recente acórdão deste STJ de 11.10.05, (Rei. Cons° Sousa Leite) - Rev° n.° 2274/05 - 6° Secção).
(4)Neste sentido cfr. o acórdão do STJ de 13.10.92 (Rei: Cons° Amâncio Ferreira) em www.dgsi.pt).
(5) Ac. do STJ de 16.12.04 (Rel: Cons° Oliveira Barros) em www.dgsi.pt. 16