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ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CASO JULGADO
CLÁUSULA CONTRATUAL
BENFEITORIA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
OBJECTO NEGOCIAL
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
Sumário
I - Tendo sido decidido por sentença a resolução (ex nunc) dum contrato de arrendamento, não pode ser discutida em novo processo, entre as mesmas partes, a eventual nulidade do mesmo contrato, uma vez que se formou caso julgado entre elas de que o contrato foi válido até ter sido resolvido. II - Se ficou acordado no contrato de arrendamento que o locador nada teria a prestar por via das benfeitorias efectuadas no locado, essa cláusula não é afectada pelo facto do locatário, por razão a que é estranho o locador, nunca ter podido explorar o comércio a que se destinava o arrendamento. III - O sentido da referida cláusula não pode ser esclarecido por via da teoria do declaratário do artº 236º nº 1 do C. Civil, dado que as partes, quando celebraram o negócio, não podiam prever a futura impossibilidade do objecto contratual. IV - Fazendo apelo ao disposto no artº 237º daquele código para os casos duvidosos, chega-se à conclusão que o equilíbrio das prestações leva ao entendimento de que o locador não pode ser onerado, assumindo parte dos prejuízos, ou seja pagando as referidas benfeitorias, uma vez que o risco do funcionamento de um projecto comercial deve ser cometido integralmente ao respectivo empresário, no caso o locatário. V - Com efeito equilíbrio das prestações significa igualdade, mas esta não quer dizer igualitarismo, impondo que se trate de forma desigual o que é desigual.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
"A", Lda moveu a presente acção ordinária contra B e C, D (entretanto falecido) e E, pedindo que fossem declarados nulos um contrato promessa de arrendamento e um contrato de arrendamento, com a consequente condenação dos réus a devolver as rendas pagas, bem como a indemnizar perlo valor gasto nas obras, sendo os réus ainda condenados na transmissão do imóvel em causa, mediante o pagamento do justo preço e nos juros de mora a partir da citação.
Houve contestação dos réus.
Foi proferido despacho saneador em que se conheceu parcialmente dos pedidos, com a absolvição dos réus em relação aos pedidos de declaração de nulidade e de restituição das rendas pagas.
Foi julgada improcedente a excepção de prescrição, a excepção de caducidade do arrendamento, bem como de caso julgado. Relegou-se para decisão final a apreciação do abuso de direito.
Desta decisão apelou a autora.
O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que absolveu os réus do pedido.
Da decisão apelou a autora.
O Tribunal da Relação proferiu acórdão negando as apelações.
Recorre novamente a autora, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:
1 - As instâncias consideraram que o facto do contrato de arrendamento ter sido resolvido e extinto, à data da propositura da presente acção, impedia que fossem apreciados os pedidos da autora, mas a recorrente considera que continua a ser pertinente a apreciação da validade e eficácia dos contratos em causa, uma vez que existe uma diferença entre os efeitos práticos inerentes à declaração de nulidade e os relativos à declaração de resolução, diferença esta com efeitos e consequências directas na sua esfera patrimonial.
2 - Assim, a declaração de nulidade produzirá efeitos mais vastos e diferentes, dado que a sua eficácia é ex tunc.
3 - E idêntica declaração em relação ao respectivo contrato promessa terá consequências óbvias sobre o contrato prometido, o arrendamento.
4 - O artº 216º nº 1 do C. Civil considera como benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, pelo que, atento o provado nos pontos 1, 2, 10, 11, 12 e 13 (BB), T e U - fls. 672, verso e 673 - , houve, obviamente uma necessária valorização do imóvel, tendo-se de classificar as obras efectuadas no local como benfeitorias necessárias e úteis.
5 - Sendo o arrendatário equiparado ao possuidor de má fé - artº 1046º nº 1 do C. Civil - , tem o direito, nos termos do artº 1273º nº1 desse código, a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e a levantar, sem detrimento da coisa, as benfeitorias úteis.
6 - Tendo, pois, a recorrente o direito a uma indemnização a calcular nos termos do enriquecimento sem causa - nº 2 do citado artº 1273º - .
7 - O facto de na cláusula 4ª do contrato promessa e do subsequente contrato de arrendamento as partes haverem acordado que a recorrente poderia fazer as obras necessárias à actividade a exercer, sem que por elas, findo o contrato, pudesse invocar o direito de retenção ou pedir qualquer indemnização, terá de ser interpretado no conjunto da economia de todo o contrato e no sentido objectivo da declaração.
8 - Os contratos foram celebrados na expectativa das partes de que os mesmos seriam duradouros e de que a recorrente poderia exercer no imóvel actividade a que se propunha.
9 - Caso contrário seriam demasiado onerosos para a autora.
10 - A inexistência inicial do estabelecimento comercial tornou a dita cláusula de renúncia inválida, na justa medida em que, ao não se dar à recorrente a oportunidade de amortizar o seu investimento ocorre um abuso de direito.
11 - Na interpretação da mesma cláusula, no silêncio das partes, dever-se-á atender ao princípio geral do equilíbrio das prestações, ínsito no artº 237º do C. Civil, ou seja, uma solução que surja mais equilibrada, sem infringir danos despropositados a uma das partes em proveito da outra.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consigam-se os factos dados por assentes pelas instâncias remetendo para o que consta a fls.671 a 674.
III
Apreciando
1. A recorrente pretende que se discuta nestes autos a nulidade, ou a anulabilidade, do arrendamento em apreço, porque isso tem interesse para si, daí decorrendo efeitos jurídicos que lhe seriam vantajosos.
Não se duvida de que a anulação do referido negócio jurídico fosse no interesse da autora. A questão é a de saber se tal interesse é juridicamente tutelado.
Está assente, por via do caso julgado entre as partes, que o arrendamento era válido, razão pela qual por sentença foi decidida a sua resolução.
Essa resolução, como já foi explanado no acórdão recorrido, produz efeitos ex nunc. Para trás fica um contrato que foi válido durante a sua vigência.
Discutir agora a nulidade do mesmo negócio seria uma clara violação do caso julgado. Para isso é que este existe, para evitar o prolongamento indefinido do litígio, não permitindo que a parte que não se sente devidamente satisfeita com a decisão judicial, vá sucessivamente desdobrando o leque das questões jurídicas, que, eventualmente lhe poderão ser favoráveis.
Assim, o interesse da recorrente, a discussão da nulidade, não é processualmente viável.
E quanto à promessa de arrendamento o problema não tem autonomia, uma vez que, celebrado o contrato definitivo, aquela extingue-se, subsistindo apenas a relação jurídica respeitante à definitiva regulação dos interesses. O que já foi assinalado em 2ª instância.
2. Pretende também a recorrente que seja reparada pelos recorridos das benfeitorias que efectuou no imóvel locado.
No entanto, as instâncias, louvando-se numa das cláusulas do contrato, que exclui o direito do arrendatário à indemnização e ao levantamento das benfeitorias, negaram a referida pretensão.
A recorrente invoca a economia do contrato para alegar que essa cláusula foi estabelecida na perspectiva da vigência normal daquele, o que, se tivesse acontecido lhe permitiria amortizar o investimento efectuado.
Nunca tendo podido explorar o estabelecimento comercial, seria desproporcionado agravar a sua posição, que tornar-se-ia demasiado onerosa e injusta se se considerasse que a dita cláusula permanecia válida.
O artº 237º do C. Civil impõe por isso que, considerando o equilíbrio das prestações, se entenda a cláusula 4ª do contrato como inválida.
A teoria da impressão do declaratário consagrado no nº 1 do artº 236º do C. Civil não é aqui suficiente para determinar qual o conteúdo exacto da vontade dos contraentes, ao estabelecer a cláusula em apreço, por vir provado que ambas as partes confiavam que seriam concedidos os necessários licenciamentos para a utilização do locado para o fim a que se destinava o arrendamento. Por outras palavras, um declaratário médio, colocado nas circunstâncias concretas do caso, não teria previsto a hipótese que afinal veio a verificar-se.
Estamos efectivamente perante um caso de dúvida sobre o sentido da declaração.
O citado artº 237º estipula que nos casos duvidosos o sentido da declaração que prevalece, nos negócios onerosos é aquele que conduza ao maior equilíbrio nas prestações.
O equilíbrio das prestações é um princípio geral do direito, que faz apelo ao sentido de equidade, na forma de justiça comutativa, segunda a qual os sacrifícios devem ser repartidos de forma igualitária.
Deste modo, há equilíbrio das prestações num negócio jurídico bilateral, quando aquilo que uma das partes tem de prestar constitui um encargo quantitativamente idêntico aquele que impende sobre a outra parte.
Mas igualdade não significa igualitarismo. Para obter a igualdade há que tratar de forma desigual o que é desigual. As condições concretas do negócio podem impor que só se obtenha o almejado equilíbrio das obrigações, se a prestação de um dos contraentes for superior à da sua contraparte. Isto se, de acordo com os princípios da justiça comutativa, for o socialmente adequado.
A autora e os réus afastaram a previsão legal supletiva de ressarcimento das mais valias que o locatário tivesse trazido ao locado. Mas fizeram-no na previsão da vigência normal do arrendamento.
Pareceria, por isso, que, tendo-se frustrado essa vigência, deveriam as partes ser restituídas como que a um status quo ante, recebendo o locador a coisa locada e o locatário o valor do seu investimento.
Acontece, porém que as partes encontram-se em posições bastante diferenciadas em relação ao negócio. Dum lado estão os réus que como simples cidadãos pretendem apenas obter uma renda dum bem do seu património. Do outro está a autora numa atitude empresarial, como compete a uma sociedade comercial, que pretende obter um lucro através do exercício duma actividade económica.
Ora, é próprio deste exercício o risco. E é o empresário que o deve assumir. Aqui a possibilidade de não serem obtidos os necessários licenciamentos e de, consequentemente tornarem-se inúteis os investimentos feitos, nomeadamente, as melhorias no locado.
Não seria justo e, portanto, contrário ao equilíbrio das prestações fazer repercutir esse risco sobre quem não se co-obrigou a fazer funcionar o estabelecimento. Aliás, os locadores demarcaram bem a sua posição de meros "fornecedores" do locado, ao afastarem o regime supletivo do artº 1046º nº 1 do C. Civil. Com o que concordou a locatária. Note-se o que atrás se consignou sobre a necessidade de tratar de forma desigual o que é desigual, em ordem em obter a igualdade das prestações.
Razão pela qual se julga, nos termos do artº 237º do C. Civil, que a cláusula 4º em discussão permanece válida, nada podendo a recorrente exigir aos recorridos pelos melhoramentos que efectuou no imóvel.
Ficando, pois, prejudicadas todas as restantes conclusões do recurso relativas à pretendida indemnização.
3. A recorrente entende que a solução apontada em 2 conduziria a uma abuso de direito.
Sendo que essa solução se baseia fundamentalmente na equidade e que é também um pressuposto ético aquele que se encontra na base do instituto consagrado no artº 334º do C. Civil, é manifesto que se afasta qualquer hipótese de abuso de direito, no facto de se entender que os recorridos nada têm de prestar.
Acresce que a recorrente nega o direito dos recorridos e que o abuso de direito só pode ocorrer existindo o direito.
Nem poderia ser um exercício dum direito contrário aos ditames da boa fé, quando deriva duma interpretação literal do contrato.
Termos em que é de manter o acórdão impugnado.
Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 19 de Janeiro de 2006
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos