CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
INDÍCIOS
Sumário

1. O que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho é a subordinação jurídica que mais não é do que a dependência em que o trabalhador se encontra perante o empregador no que diz respeito à forma como deve prestar a sua actividade, estando obrigado a obedecer às ordens e instruções que aquele venha a emanar, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

2. Por isso, ao averiguar se determinada situação concreta encaixa, ou não, no contrato de trabalho, tem de se começar por detectar a presença da subordinação jurídica, o que nem sempre é tarefa fácil, uma vez que aquela não existe em estado puro.

3. Para resolver as dificuldades, é corrente lançar mão do chamado método indiciário que consiste em buscar na situação concreta os indícios que normalmente são associados à existência da subordinação jurídica, de acordo com o modelo prático em que aquele conceito em estado puro se traduz.

4. Recolhidos os indícios, há que confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, através não de um juízo de mera subsunção, mas sim de um juízo de mera aproximação que terá de ser também um juízo de globalidade, uma vez que cada um dos indícios, de per si, tem um valor muito relativo.

5. Não é de trabalho subordinado a relação estabelecida entre determinado trabalhador e determinada empresa, nos termos da qual aquele se obrigou a promover, em determinada zona geográfica, os produtos daquela e a recolher as propostas de venda em nome e por conta dela, auferindo em contrapartida uma comissão sobre o montante das vendas, utilizando os seus próprios (dele) meios de transporte, organizando livremente o seu trabalho, escolhendo os clientes a visitar e a periodicidade das visitas a efectuar, suportando ele todas as despesas, nomeadamente de transporte, refeições, administrativas e de representação, podendo utilizar os serviços de terceiros por si contratados, sem auferir retribuição de férias nem subsídios de férias ou de Natal, emitindo facturas relativamente às comissões recebidas e estando colectado nas finanças como prestador de serviços.

6. Não obsta à conclusão referida no número anterior o facto de o trabalhador estar sujeito, no desempenho da sua actividade profissional, às orientações de carácter comercial que lhe eram dadas pela empresa, relacionadas com a estratégia da empresa, nomeadamente com os produtos novos a comercializar, as políticas de desconto e a definição de objectivos.

7. Tais orientações não são incompatíveis com o contrato de trabalho autónomo e nada têm a ver com o poder de direcção que é típico do contrato de trabalho.

Texto Integral

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" propôs a presente acção no Tribunal do Trabalho de Cascais contra B, S.A., pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de 25.915.390$00, a título de indemnização de antiguidade, por ter rescindido o contrato de trabalho com justa causa, de retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 1995 a 2001 inclusive, comissões de vendas e outras prestações pecuniárias os que devidamente especificou.

Em resumo, alegou que começou a trabalhar para a ré em 1 de Dezembro de 1994, mediante contrato que deve ser considerado de trabalho e que por ele veio a ser rescindido, com justa causa, em 2 de Março de 2001.

A ré contestou, alegando que o contrato não era de trabalho e, sem prescindir, impugnou a existência da justa causa e o direito aos créditos reclamados. Além disso, excepcionou a incompetência do tribunal por preterição do tribunal arbitral e por incompetência em razão da matéria, invocou a prescrição dos créditos referentes ao período anterior a 31.12.2000 e, ainda, o abuso de direito.

A acção foi julgada improcedente, com o fundamento de que o contrato celebrado entre as partes era de prestação de serviços e não de trabalho subordinado.

Perante o insucesso da apelação, o autor interpôs o presente recurso de revista, suscitando as questões que adiante serão referidas.

A ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e neste tribunal o Ex.mº magistrado do M.º P.º emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos provados são os seguintes:
1. O Autor apresentou, em 30.4.96, a declaração fiscal relativa ao ano de 1995, cuja cópia consta de fls. 18 a 20, declarando ter recebido:
- no exercício da «Profissão» de «Professor» a quantia de 99.000$00;
- no exercício da actividade de «Promoção Comercial» a quantia de 1.170.000$00, a que deduziu custos no montante de 997.298$00, assim discriminados:
a título de «Encargos sobre remunerações» 98.280$00;
a título de «Seguros» (excepto os de vida) 68.000$00;
a título de «Deslocações e estadas» 265.000$00;
a título de «Gastos das viaturas ao serviço da empresa» 385.718$00;
a título de «Material de escritório» 16.000$00;
a título de «Telecomunicações e correio» 3.800$00;
a título de «Despesas de representação» 150.000$00;
a título de «Outras despesas» 12.500$00.
2. O Autor apresentou, em 30.4.97, a declaração fiscal relativa ao ano de 1996, cuja cópia consta de fls. 21 e 22, declarando ter recebido, no exercício da actividade de «Prestação de Serviços» a quantia de 1.800.000$00, a que deduziu custos no montante de 1.072888$00, assim discriminados:
a título de «Encargos sobre remunerações» 148.304$00;
a título de «Seguros» (excepto os de vida) 58.827$00;
a título de «Deslocações e estadas» 752.704$00;
a título de «Gastos das viaturas ao serviço da empresa» 46.334$00;
a título de «Despesas de representação» 37.448$00;
a título de «Outras despesas» 29.271$00.
3. O Autor apresentou, em 29.5.98, a declaração fiscal relativa ao ano de 1997, cuja cópia consta de fls. 26 e 27, declarando ter recebido, no exercício da actividade de «Prestação de Serviços» a quantia de 5.062.529$00, a que deduziu custos no montante de. 3.062.056$00, assim discriminados:
a título de «Encargos sobre remunerações» esc.171.222$00;
a título de «Seguros» (excepto os de vida 111.026$00;
a título de «Deslocações e estadas» 229.784$00;
a título de «Gastos das viaturas ao serviço da empresa» 670.714$00;
a título de «Material de escritório» 110.564$00;
a título de «Telecomunicações e correio» 438.599$00;
a título de «Despesas de representação» 744.835$00;
a título de «Outras despesas» 25.312$00;
a título de «Reintegrações e amortizações» esc.560.000$00.
4. O Autor apresentou, em 15.7.99, a declaração fiscal relativa ao ano de 1998, cuja cópia consta de fls. 53 a 56, declarando ter recebido um rendimento de 13.011.439$00, a que deduziu custos no montante de 4.372.062$00, assim discriminados:
a título de «Remuneração do empresário» 824.600$00;
a título de «Seguros» (excepto os de vida) 76.858$00;
a título de «Gastos das viaturas ao serviço da empresa» 798.208$00;
a título de «Material de escritório» 110.420$00;
a título de «Telecomunicações e correio» 447.729$00;
a título de «Despesas de representação» 793.491 $00;
a título de «Outras despesas» 111.047$00;
a título de «Reintegrações e amortizações» 1.194.709$00.
5. O Autor apresentou, em 26.5.00, a declaração fiscal relativa ao ano de 1999, cuja cópia consta de fls. 57 a 59, declarando ter recebido, no exercício da actividade de «Prestação de Serviço» a quantia de 12.048.389$00, a que deduziu custos no montante de 5.159.584$00, assim discriminados:
a título de «Remuneração de empresário» 883.400$00;
a título de «Água, electricidade e gás» 24.215$00;
a título de «Seguros» (excepto os de vida) 196.320$00;
a título de «Deslocações e estadas" 414.775$00;
a título de «Gastos das viaturas ao serviço da empresa» 485.721 $00;
a título de «Ferramentas e utensílios de reduzido valor» 28.590$00;
a título de «Material de escritório» 174.407$00;
a título de «Telecomunicações e correio» 599.791 $00;
a título de «Despesas de representação» 309.764$00;
a título de «Outras despesas» 847.892$00;
a título de «Reintegrações e amortizações» 1.194.709$00.
6. O Autor apresentou, em 4.5.01, a declaração fiscal relativa ao ano de 2000, cuja cópia consta de fls. 60 e 61, declarando ter recebido o rendimento de 10.819.681$00, a que deduziu custos no montante de 5.743.997$00, assim discriminados:
a título de «Remuneração de empresário» 765.600$00;
a título de «Água, electricidade e gás» 30.244$00;
a título de «Seguros» (excepto os de vida) 179.418$00;
a título de «Deslocações e estadas» 917.847$00;
a título de «Gastos das viaturas ao serviço da empresa» 86.610$00;
a título de «Material de escritório» 279.871$00;
a título de «Telecomunicações e correio» 705.253$00;
a título de «Despesas de representação» 538.607$00;
a título de «Outras despesas» 950.924$00;
a título de «Reintegrações e amortizações» 1.289.623$00.
7. A Ré, na qualidade de primeiro outorgante e o Autor, 2.º outorgante, celebraram o acordo consubstanciado no documento de fls. 12 e 13 dos autos, que intitularam de «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS», acordo que dataram de 1 de Dezembro de 1994, com o seguinte teor:
«1.ª
Objecto
O primeiro outorgante ajusta com o segundo outorgante a prestação de serviços de natureza publicitária e promocional, com vista a assegurar a divulgação e conhecimento pelo público dos produtos e marcas comercializadas pelo primeiro outorgante.
2.ª
Condições de prestação
Os serviços ajustados na cláusula anterior serão efectuados nos estabelecimentos comerciais para tanto designados pelo primeiro outorgante, em regra na Área da Grande Lisboa e Distrito de Setúbal, nos dias úteis e em período adaptado ao horário dos referidos estabelecimentos.
3.ª
Vigência e denúncia
1.O presente contrato tem início em 1 de Dezembro de 1994.
2. Durante a vigência do contrato, qualquer das partes poderá livremente denunciá-lo. mediante aviso prévio, por escrito, à outra parte, com a antecedência mínima de 15 dias, não conferindo a denúncia lugar a qualquer indemnização.
4.ª
Contraprestações
1. Em contrapartida dos serviços prestados, o primeiro outorgante pagará ao segundo a quantia mensal fixa de 90.000$00, sobre o qual incidirá o IVA, caso não se verifique a isenção prevista em função do montante anual dos serviços prestados.
2. O primeiro outorgante pagará, ainda, ao segundo um acréscimo suplementar de 2 850$00 por cada dia em que venha a ser ajustada a prestação de serviços de promoção e divulgação nos dias de descanso semanal e feriados.
3. Para além das contraprestações previstas nos números anteriores, o primeiro outorgante suportará as seguintes despesas relativas aos serviços prestados:
a) despesas de refeição, para as quais é estipulado montante de 15.000$00 por mês.
b) despesas de deslocação na Área da Grande Lisboa e Distrito de Setúbal, através do pagamento do passe social;
c) despesas de deslocação para além da zona.
5.ª
Pagamento
O pagamento dos quantitativos previstos na cláusula anterior será efectuado até ao último dia útil do mês a que respeita, mediante a emissão de recibo apropriado pelo segundo outorgante e a apresentação dos comprovativos correspondentes às despesas a suportar .
6.ª
Comissão arbitral
Para qualquer controvérsia emergente do presente contrato, estipula-se desde já o recurso ao Tribunal Arbitral, nos termos dos art.°s 1508° e seguintes do C.P.C.
(...)».
8. O Autor subscreveu o Boletim de Adesão a um seguro de grupo na Companhia de Seguros Y, S.A., cuja cópia consta de fls.14, referindo-se o mesmo a um seguro de vida que a Ré propunha e se destinava a cobrir eventuais acidentes a pessoas que, como o Autor, não estavam cobertos por seguro de acidentes de trabalho.
9. A Ré, na qualidade de primeiro outorgante e o Autor, na qualidade de 2.º outorgante, celebraram o acordo consubstanciado no documento de fls.16 e 17 dos autos, que intitularam de «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS», acordo que dataram de 1 de Setembro de 1995.
10. A Ré, na qualidade de primeiro outorgante e o Autor, na qualidade de 2.º outorgante, celebraram o acordo consubstanciado no documento de fls. 23 a 25 dos autos, que intitularam de «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS», acordo que dataram de 1 de Fevereiro de 1997.
11. A Ré, na qualidade de primeiro outorgante e o Autor, na qualidade de 2.º outorgante, celebraram o acordo consubstanciado no documento de fls. 28 a 30 dos autos, que intitularam de «CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS», acordo que dataram de 1 de Janeiro de 1998.
12. A Ré, na qualidade de primeiro outorgante e o Autor, na qualidade de 2.º outorgante, celebraram o acordo consubstanciado no documento de fls. 34 a 36 dos autos, que intitularam de «CONTRATO DE AGÊNCIA», acordo que dataram de 1 de Janeiro de 1999, com o seguinte teor:
« (...) É livremente e de boa fé celebrado o presente contrato de Agência, o qual se rege pelas cláusulas seguintes:
1.ª
OBJECTO
1. A B é uma empresa industrial que produz, distribui e comercializa, no território nacional, aparelhos electrodomésticos da chamada "linha branca".
2. Pelo presente contrato e no âmbito dos seus conhecimentos e prática profissionais, o 2.º outorgante compromete-se a prestar à 1 a outorgante os serviços de Agente exclusivo para os produtos de Livre Instalação e Encastre da marca Ariston, (estrutura organizativa n° 60), na zona mencionada no Anexo 1 ao presente contrato, com as seguintes excepções:
Grandes Superfícies e Hipermercados
Fabricantes de Cozinhas, Especialistas de Encastre e Construção Civil (excepto Distrito de Faro)
Distribuidores Regionais
Distribuidores
Hotelaria (excepto Distrito de Faro)
Centrais de Compras
2.ª ACTIVIDADE DO AGENTE
1. No desenvolvimento da actividade de Agente da B, o 2.º outorgante obriga-se a assegurar:
a) A promoção e recolha de propostas de venda em nome e por conta da B, junto dos postos de venda de electrodomésticos existentes na zona que lhe está adstrita;
b) Recolher e transmitir à B todas as informações úteis sobre a situação do mercado, penetração da concorrência, aceitação de descontos, solvabilidade dos clientes, etc.
c) Quando solicitado pela B, organizar e acompanhar visitas de pessoal da B junto dos clientes da zona atribuída, destinadas a resolver quaisquer problemas existentes, a difundir novos produtos ou a promover e melhorar a imagem destes no mercado.
2. As propostas de venda referidas na alínea a) do número anterior serão efectuadas em impressos próprios, fornecidos pela B, preenchidos em todas as suas componentes e assinados por aceitação pelos clientes.
3. As propostas de vendas realizadas pelo Agente serão transmitidas à B, que confirmará a sua passagem a encomendas firmes. Caso o cliente contactado pelo 2.º outorgante manifeste a pretensão de adquirir produtos das marcas Indesit e Blue Air, será igualmente elaborada a correspondente proposta, a qual será, posteriormente encaminhada para os serviços competentes da 1.ª outorgante. As vendas dos produtos Indesit e Blue Air não serão consideradas para o cálculo das comissões previstas no anexo ao presente contrato. Todavia, as vendas dos produtos Ariston, efectuadas na zona de representação do 2.º outorgante pelos Agentes de produtos Indesit e Blue Air, em circunstâncias idênticas às previstas neste número, serão consideradas para aquela percentagem, a favor do 2.º outorgante.
4. As entregas de produto, bem como as cobranças dos respectivos valores, serão da exclusiva competência da B, sem prejuízo de situações especiais pontualmente ajustadas entre os outorgantes.
5. No desempenho dos serviços contratados, o Agente deverá actuar com zelo e diligência, com vista à garantia dos interesses da B e à salvaguarda da sua imagem no mercado, devendo cingir-se às instruções de políticas de vendas, promoção dos produtos, condições de fornecimento e outras dimanadas da B e que lhe sejam transmitidas por escrito.
6. É vedado ao Agente desenvolver actividades idênticas à representação ora contratada, directa ou indirectamente, em nome ou por conta de outras empresas que comercializem produtos da linha referida na cláusula 1.ª, ou sem consentimento expresso da B produtos de quaisquer natureza ou espécie.
7. O Agente obriga-se a atingir os objectivos definidos no anexo 3 a este contrato, os quais serão revistos anualmente por acordo das partes. Na falta de acordo observar-se-ão os objectivos ultimamente fixados.
3.ª CONTRAPRESTAÇÕES
1. Pelos serviços prestados ao abrigo do presente contrato, a B pagará mensalmente ao 2.º outorgante uma comissão sobre o montante das vendas líquidas efectuadas e após boa cobrança, na zona que lhe está adstrita e de acordo com as regras referidas nos anexos 2 e 3 ao presente contrato.
2. Ficam exclusivamente a cargo do 2.º outorgante todas as despesas ou ónus respeitantes à sua actividade de Agente da B, sejam de que natureza forem, sem prejuízo de situações especiais, prévia e expressamente fixadas entre os outorgantes e com ressalva do disposto no número seguinte.
3. Serão suportadas pela B as despesas de deslocação e estadia do Agente, destinadas a participar em reuniões para que tenha sido expressamente convocado pela própria B.
4.ª AJUSTAMENTOS
As percentagens acordadas no anexo ao presente contrato poderão ser revistas anualmente pelo 1.º outorgante.
5.ª VIGÊNCIA, DENÚNCIA E RESOLUÇÃO
1. O presente contrato produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1999, durará até 31.12.99 e será renovado, a partir dessa data, por períodos sucessivos de um ano, se não for denunciado por qualquer das partes, mediante carta registada com aviso de recepção, a enviar com, pelo menos, três meses de antecedência relativamente ao termo de vigência.
2. O contrato poderá ser resolvido por qualquer das partes, em qualquer momento da respectiva vigência, desde que:
a) Se verifique da outra parte violação ou incumprimento das obrigações contratuais que, pela sua gravidade ou reiteração, façam concluir pela inexigibilidade do vínculo contratual;
b) Ocorram circunstâncias que tomem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do objectivo contratual, em termos de não ser exigível que a relação contratual se mantenha até ao fim do período convencionado;
c) Se verifique, da parte do 2.º outorgante, sem motivo justificativo, a realização dos objectivos fixados para a sua zona, em percentagem inferior a 60%.
3. A resolução prevista no número anterior é concretizada através de declaração escrita à outra parte, no prazo de um mês após o conhecimento dos motivos que a fundamentam, devendo ser indicados tais motivos.
6.ª NORMAS APLICÁVEIS
Para quanto não se encontre especificamente regulamentado no presente contrato, as partes remetem para as disposições gerais da legislação aplicável.
7.ª COMPROMISSO ARBITRAL
Quaisquer litígios eventuais, emergentes da interpretação ou execução deste contrato, serão resolvidos definitivamente de acordo com o regulamento do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa/Associação Comercial de Lisboa e da Associação Comercial do Porto/Câmara de Comércio e Indústria do Porto, tendo o Tribunal um único árbitro e sede em Lisboa; o Tribunal Arbitral, julgará de acordo com a equidade nos termos da alínea c) do artigo 4.º do Código Civil, renunciando as partes aos recursos das decisões que venham a ser proferidas, bem como ao depósito das mesmas na Secretaria Judicial do lugar de arbitragem.»
13. A Ré, na qualidade de primeiro outorgante e o Autor, na qualidade de 2.° outorgante, celebraram o acordo consubstanciado no documento de fls. 40 a 42 dos autos, que intitularam de «CONTRATO DE AGÊNCIA», acordo que dataram de 1 de Janeiro de 2000.
14. Em 21 de Setembro de 2000, a Ré enviou ao Autor, que a recebeu, a carta registada com aviso de recepção que consta de fls. 52 dos autos, indicando-lhe, nomeadamente e com referência ao acordo aludido supra sob o n.º 13, que «vimos por este meio, e com a antecedência acordada, manifestar oposição à sua renovação, pelo que o mesmo caducará no próximo dia 31.12.2000».
15. No dia 2 de Março de 2001, quando se encontrava numa reunião promovida pela Ré, o Sr. C, trabalhador da Ré, dirigindo-se ao Autor, chamou-o "incompetente" e disse-lhe "Vai onde quiseres, porque daqui a pouco até à merda te mando".
16. O Autor enviou à Ré, que a recebeu, a carta datada de 29 de Março de 2001, referindo, nomeadamente, que «(...) venho por este meio, na sequência de sucessivas conversações havidas com o Sr. Director Geral, confirmar a minha indisponibilidade para continuar ao serviço da B, porquanto, no passado dia 2 de Março de 2001, o meu actual chefe, Sr. C, quando presidia a uma reunião de trabalho se permitiu classificar--me de "incompetente" e culminar dizendo-me "Vai onde quiseres, porque daqui a pouco até à merda te mando" (...)».
17. Tendo-se o Autor mantido em funções até 02/05/2001, dia em que entregou à Ré o computador pessoal.
18. O Autor encontrava-se colectado como empresário em nome individual, com o n° 815967241, nessa qualidade emitindo à R. os correspondentes recibos dos montantes que recebida.
19. Aquando da missiva aludida supra sob o n.º 16, em Março de 2001, encontrava-se pendente de assinatura um novo acordo escrito com clausulado idêntico ao referido supra sob o n.° 13, salvo quanto aos anexos.
20. Desde 1999 que a Ré, habitualmente, fazia cessar os acordos aludidos supra sob os n.ºs 12 e 13, no termo previsto (31 de Dezembro), com subsequente celebração de novo contrato.
21. A celebração dos novos contratos era feita, habitualmente, já no decurso do primeiro semestre do ano subsequente, sendo, porém, reportado o início de vigência a 1 de Janeiro desse ano.
22. Tal prática derivava do facto de serem apresentadas, pela R., novas propostas de objectivos e percentagens de comissões e, eventualmente, de zonas, as quais eram, posteriormente, objecto de negociação com os respectivos agentes.
23. Tal sucedeu, também, com o A..
24. Em 2001, a R. apresentou ao A. uma proposta de contrato para o ano de 2001, em que apenas era alterada, com referência a 2000, a estrutura de remuneração.
25. As partes ficaram de discutir a nova resposta e subsequentemente assinar o respectivo documento escrito, para vigorar durante o ano de 2001, em condições idênticas ao contrato de 2000, com a referida alteração das remunerações, não tendo havido uma conclusão em virtude da posição do Autor manifestada supra sob o n° 16.
26. Após 1 de Janeiro de 2001, o A. continuou a prestar os seus serviços nas mesmas condições em que o vinha fazendo no ano de 2000.
27. Tendo a Ré continuado a pagar ao Autor comissões, não se apurando o montante respectivo.
28. No desempenho da sua actividade profissional o A. estava sujeito às orientações de carácter comercial que a Ré lhe dava, relacionadas com a estratégia da empresa, nomeadamente orientações relativas a produtos novos a comercializar, políticas de desconto e definição de objectivos.
29. A Ré produz e comercializa no território nacional aparelhos electrodomésticos da chamada "linha branca", com as marcas Ariston e Indesit.
30. O A. foi contratado pela R. para ser o seu agente exclusivo dos produtos de livre instalação e encastre da marca Ariston, em determinada zona territorial, nos termos constantes dos acordos supra referidos.
31. Incumbia ao A. a promoção dos produtos da R. e a recolha de propostas de venda em nome e por conta da R., junto dos postos de venda de electrodomésticos existentes na zona que lhe estava adstrita.
32. O A. contactava potenciais compradores, a fim de estes apresentarem encomendas de produtos.
33. Essas encomendas eram enviadas à R..
34. Podendo a Ré, eventualmente, não aceitar, se o cliente não pagasse a pronto e não desse garantias suficientes de pagamento do preço.
35. Após a confirmação, a R. procedia à entrega dos produtos aos clientes e efectuava a cobrança dos respectivos preços.
36. Como contrapartida da actividade desenvolvida pelo A., a R. pagava-lhe uma comissão sobre os montantes das vendas líquidas efectuadas e após boa cobrança.
37. O A. emitia factura referente às comissões recebidas, com adição do respectivo IVA e a R. procedia à retenção na fonte do IRS correspondente a prestadores de serviços independentes.
38. O A. prestava a actividade supra aludida organizando livremente o seu trabalho, em consonância com os períodos de funcionamento dos estabelecimentos visitados.
39. Definindo o seu tempo de trabalho, não havendo dias ou tempos mínimos ou máximos de trabalho fixados pela Ré.
40. Utilizando os seus próprios meios de transporte.
41. Era o Autor quem decidia sobre os clientes a visitar e sobre a periodicidade das visitas.
42. Podia utilizar os serviços de terceiros por si contratados na angariação de clientes.
43. As tarefas de natureza administrativa, inerentes ao exercício da actividade referida, eram executadas pelo A. nas suas próprias instalações.
44. O Autor utilizava os seus próprios instrumentos de trabalho, excluindo um computador portátil e uma impressora, que lhe foram fornecidos pela Ré.
45. No exercício das suas funções, era o Autor que suportava as respectivas despesas, nomeadamente de transporte, alojamento, refeições, despesas de representação e administrativas.
46. Salvo as despesas de deslocação e estadia decorrentes da participação em reuniões convocadas pela R..
47. O A. tinha residência em Cascais e as instalações da R. são em Setúbal, não tendo esta quaisquer instalações naquela zona.
48. A Ré tem uma rede de agentes cobrindo todo o território nacional, em condições idênticas às do A.
49. Desenvolvendo-se a actividade prestada pelo Autor fora das instalações da Ré.
50. Os agentes da R. utilizavam um cartão com a referência «Gestor de Zona».
51. A utilização de um cartão desse tipo, com o nome e marcas da R., tinha em vista facilitar o acesso e a identificação dos agentes junto dos clientes.
52. A Ré emitiu as declarações constantes de fls. 44, 46, 47 e 50 dos autos com esse teor e nas datas aí mencionadas, pedido do Autor.
53. A Ré emitiu a declaração constante de fls. 15 dos autos, com esse teor, declaração que não se mostra datada.
54. A Ré nunca procedeu à marcação do período de férias do Autor, sendo o Autor quem comunicava à Ré qual o respectivo período de férias, com vista a que a Ré assegurasse que os clientes da zona em que o Autor prestava serviço fossem acompanhados, se necessário, por outra pessoa.
55. Relativamente aos seus trabalhadores, a R. procedia por sua iniciativa, à organização do mapa de férias, que era afixado.
56. O A. não constava desse mapa de férias.
57. Os trabalhadores da Ré usufruíam de remuneração fixa, seguro de doença, viatura de serviço (quando em serviço externo), telemóvel, refeições pagas, subsídio escolar e cartão de empregado.
58. O que não sucedia com o A. e os demais agentes na mesma situação, à excepção da quantia fixa aludida nos acordos referidos supra e nos termos aí enunciados.
59. O Sr. C, chefe de vendas da Ré, tinha uma reunião com o Director Geral da R., marcada para 5 de Março de 2001, destinada à discussão da situação dos clientes.
60. Com vista à preparação dessa reunião, o Sr. C solicitou a cada um dos agentes da R., incluindo o A., para, com referência à respectiva zona de actuação, prepararem informação sobre cada um dos seus clientes.
61. Devendo essa informação ser fornecida durante a reunião marcada para o dia 2 de Março de 2001.
62. Esta reunião realizou-se, nessa data, com a presença do Sr. C e dos agentes da R., incluindo o A..
63. O Sr. C pretendia receber a informação nessa reunião, a fim de a poder trabalhar durante o fim de semana, de modo a apresentá-la, de forma sistematizada, na reunião com o Director Geral prevista para a segunda-feira seguinte.
64. Durante a reunião, cada um dos agentes presentes apresentou a informação solicitada relatando a situação dos clientes da sua zona.
65. À excepção do Autor, que não apresentou a informação detalhada requerida.
66. O que deixou transtornado o Sr. C, tendo este proferido as expressões supra aludidas sob o n.° 15.
67. O Sr. C e o A., no relacionamento entre si, tratavam-se por «tu» .
68. Após a referida reunião, o A. encontrou-se com o Sr. D, Director Comercial da R., a quem explicou o que se passara e referindo que não pretendia continuar a relacionar-se profissionalmente com o Sr. C.
69. O Sr. D referiu-lhe que tudo seria um mal-entendido, que a R. tinha interesse em manter os seus serviços, pelo que não havia motivo para o Autor se ir embora.
70. E pedindo, em nome da R., desculpa pela linguagem do Sr. C.
71. Num dos dias seguintes igualmente o Sr. C telefonou ao A., pedindo desculpa pelo que havia dito.
72. E também o Sr. E, Director Geral da R., ao ter conhecimento do que sucedera, falou com o A., mais uma vez pedindo-lhe desculpa em nome da R. e reafirmando que esta mantinha todo o interesse em continuar a contar com os serviços do A..
73. O Autor, no decurso da sua colaboração para a R., concluiu a licenciatura em Medicina Dentária.
74. Pretendendo vir a exercer a respectiva profissão, como vem fazendo.
75. A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal.
76. Os quais nunca foram reclamados pelo A. durante a vigência da relação contratual entre as partes.
77. O A. celebrou com a R. os acordos supra referidos sob os n.ºs. 7, 9, 10, 11, 12 e 13, de forma livre e esclarecida.

3. O direito
Como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, que aqui se dão por reproduzidas, são duas as questões por ele submetidas à apreciação deste tribunal:
- nulidade do acórdão,
- qualificação jurídica do contrato.

3.1 Da nulidade do acórdão
Antes das alegações propriamente ditas, o recorrente suscitou uma "questão prévia", alegando que o acórdão recorrido não cumpriu o estatuído na alínea a), do n.º 1, do art. 668.º do CPC., pois, ter-se-ia esquecido que ele tinha invocado factos que, só por si, obstariam a que a matéria de facto dada como assente fosse integralmente acolhida. Mais concretamente, o autor alega que a Relação não se pronunciou sobre os documentos n.º 3, 12, 15, 17, 18 e 19, juntos com a petição inicial, documentos esses que, por não terem sido impugnados, teriam de ser valorizados, diz o autor, como prova bastante da existência do contrato de trabalho.

Como se depreende do assim alegado, estamos perante uma falsa questão prévia, uma vez que a "questão" levantada pelo recorrente diz respeito a uma eventual nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia no que toca à matéria de facto fixada na 1.ª instância.

Acontece, porém, que a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi objecto de qualquer impugnação no recurso de apelação. Naquele recurso, o recorrente limitou-se a atacar a decisão de mérito, mais propriamente a qualificação jurídica que foi dada ao vínculo que existiu entre ele e a ré. E foi essa a questão que a Relação apreciou, limitando-se, embora, a remeter para os fundamentos da sentença, invocando para tal o disposto no n.º 5 do art. 713.º do CPC. Por isso, não faz qualquer sentido a "questão prévia" agora suscitada, uma vez que o facto de o acórdão recorrido não fazer qualquer referência aos documentos em causa não configura um caso de omissão de pronúncia, por este vício só ocorre quando o tribunal deixa de conhecer de alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes. E questões para efeitos dos artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, são apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, por outras palavras, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções; não são as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.

De qualquer modo, sempre se dirá que os documentos em causa não têm a força probatória que o autor lhes atribui. Com efeito, trata-se de documentos emitidos pela ré (Declarações), mas esta em nenhum reconhece que o vínculo estabelecido com o autor era de trabalho subordinado. Limita-se a reconhecer, "para os devidos efeitos" que o autor é seu "colaborador" (doc. n.º 3 e n.º 12), que tem com ela um "contrato de prestação de serviços" (docs. n.ºs 14, 15 e 18), que durante o ano d 1997 lhe tinha pago 310.000$00 a título de honorários e retido 46.500$00 por conta do IRS (doc. n.º 17) e que durante o ano de 1998 lhe tinha pago 13.011.439$00 a título de comissões e retido 2.602.288$00 de IRS (doc. n.º 19).

3.2 Da qualificação jurídica do contrato
Como resulta da matéria de facto, o autor começou a prestar serviço à ré em 1 de Dezembro de 1994 e essa prestação manteve-se ininterruptamente até 2 de Maio de 2001, data em que veio a cessar por iniciativa do autor (factos n.ºs 7, 16 e 17). Formalmente essa prestação desenrolou-se ao abrigo de seis contratos que as partes celebraram entre si, respectivamente em 1.12.94, 1.9.95, 1.2.97, 1.1.98, 1.1.99 e 1.1.2000 e que denominaram de prestação de serviços (os quatros primeiros) e de agência (os dois últimos).

Através da presente acção, o autor veio discutir a natureza daqueles contratos, sustentando que o vínculo jurídico realmente estabelecido entre as partes configurava um contrato de trabalho e que como tal devia ser considerado.

As instâncias não lhe deram razão, mas o autor não se conformou e continua a defender que a relação em causa era de trabalho subordinado e não de trabalho autónomo.

Como é sabido, o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (art. 1152.º do C.C. e art. 1.º da LCT aqui aplicável). E como também é sabido, o que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho é o poder de autoridade e direcção que uma das partes detém em relação à outra no que diz respeito ao modo como esta deve prestar-lhe a actividade a que se obrigou. É, de facto, esta relação de dependência em que o trabalhador se encontra no que toca à execução do contrato que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho e o distingue do contrato de prestação de serviço (art. 1154.º do C.C.). Neste, o trabalhador obriga-se a prestar certo resultado do seu trabalho a determinada pessoa, naquele obriga-se a prestar-lhe o seu próprio trabalho.

É óbvio que a obtenção do resultado implica a realização de trabalho, mas a diferença está na forma como ele é prestado.

No contrato de prestação de serviço, é o trabalhador que livre e autonomamente gere, no tempo e no espaço, o exercício da sua actividade, embora se possa dar o caso, como diz Monteiro Fernandes (1), de aquela autonomia não ser total, pelo facto do trabalhador estar contratualmente obrigado a respeitar determinadas condições relativamente aos materiais a utilizar, ao figurino a seguir, ao local onde a actividade deve ser prestada, ao horário dentro do qual a mesma pode ser prestada, etc.. Estaremos, todavia, nesses casos, perante condições contratualmente estabelecidas, fundadas no consenso das partes e não na autoridade directiva de uma perante a outra.

No contrato de trabalho, pelo contrário, a direcção da actividade a prestar pelo trabalhador cabe à pessoa que dela beneficia (o empregador), ficando aquele obrigado a obedecer às ordens, regras, instruções e orientações que, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, forem transmitidas ou emanadas pelo empregador. Na verdade, no contrato de trabalho, ao contratar, o trabalhador não se limita a prometer a sua capacidade de trabalho, também concorda que aquele seja orientada pelo outro contratante, ou seja, usando as palavras da lei, concorda que a sua actividade seja prestada "sob a autoridade e direcção" do outro contratante que assim fica investido de um poder de direcção sobre o trabalhador, ficando este, por sua vez, numa situação de dependência em relação àquele, situação que a doutrina e a jurisprudência costumam denominar de subordinação jurídica.

E é esse estado de subordinação jurídica que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho, uma vez que a dependência económica, sendo um elemento essencial daquele contrato, também está ou pode estar presente no contrato de prestação de serviço.
Por isso, ao averiguar se determinada situação concreta encaixa no contrato de trabalho, ou não, teremos de começar por detectar a presença da subordinação jurídica, o que nem sempre é tarefa fácil, uma vez que aquela subordinação não existe em estado puro. A extrema variabilidade das situações, o carácter informal do contrato de trabalho, o facto de a subordinação jurídica poder ser apenas potencial e de haver actividades que por sua natureza implicam uma grande autonomia técnica, mesmo quando são prestadas em regime de contrato de trabalho são alguns dos escolhos com que nos deparamos na tarefa de identificação do contrato de trabalho.

Como diz Bernardo Lobo Xavier (2), na ordem prática não é fácil fazer a distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços e outros que têm por objecto o trabalho autónomo, como acontece no contrato de prestação de serviço e no contrato de agência. Na verdade, diz aquele autor (3), "em certos contratos de trabalho a prestação do trabalhador é efectuada com tanta autonomia que dificilmente se divisam os traços da subordinação jurídica ou a retribuição está tão ligada à execução de produtos acabados que a situação se aproxima muito das do trabalho autónomo. Por outro lado, a autonomia do trabalho não é incompatível com a execução de certas directivas da pessoa servida e de algum controlo desta sobre o modo como o serviço é prestado."

Para resolver as dificuldades é corrente lançar mão do chamado método indiciário que consiste em buscar na situação concreta os indícios que normalmente são associados à existência da subordinação jurídica, de acordo com o modelo prático em que aquele conceito em estado puro se traduz.

Os índices que habitualmente andam associados ao contrato de trabalho são os seguintes: a vinculação do trabalhador a um horário de trabalho; a execução da prestação em local determinado pelo empregador; a existência de controlo externo do modo de prestação; a obediência a ordens; a sujeição do trabalhador à disciplina da empresa; o pagamento da retribuição em função do tempo; o pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal; pertencerem ao empregador os instrumentos de trabalho e serem por ele disponibilizados os meios complementares da prestação; inscrição do trabalhador na segurança social como trabalhador por conta de outrem; estar o trabalhador sujeito ao regime fiscal dos trabalhadores por conta de outrem; estar o trabalhador inscrito numa organização sindical; não recair sobre o trabalhador o risco da inutilização ou perda do produto; inexistência de colaboradores; a prestação da actividade a um único beneficiário.

Uma vez recolhidos os indícios, há que confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, através não de um juízo de mera subsunção, mas de um juízo de aproximação que terá de ser também um juízo de globalidade.

Como diz Monteiro Fernandes (4), os elementos do modelo tipo de subordinação que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Todavia, porque cada um dos indícios, tomado de per si, tem um valor relativo, o juízo final a fazer terá de ser sempre um juízo de globalidade, não existindo "nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso."

Revertendo, agora, ao caso em apreço e olhando para a matéria de facto que foi dada como provada, podemos dizer que a situação se apresenta muito clara. Com efeito, da factualidade provada resulta, em nossa opinião de forma indiscutível, que a relação jurídica estabelecida entre as partes não era de trabalho subordinado, uma vez que praticamente todos os índices nela recolhidos apontam no sentido contrário. Senão vejamos.

Está provado que:
- o autor estava inscrito como prestador de serviços (factos n.ºs 1 a 6 inclusive);
- o autor estava colectado como empresário em nome individual e nessa qualidade emitia à ré os correspondentes recibos dos montantes que dela recebia (facto n.º 18);
- o autor foi contratado pela R., nos termos dos contratos referidos nos n.ºs 7, 9, 10, 11 e 13 da matéria de facto supra, para ser o seu agente exclusivo dos produtos de livre instalação e encastre da marca Ariston, em determinada zona territorial (facto n.º 30);
- ao autor incumbia a promoção dos produtos da R. e a recolha de propostas de venda em nome e por conta da R., junto dos postos de venda de electrodomésticos existentes na zona que lhe estava adstrita (factos n.º 31);
- como contrapartida da sua actividade, a ré pagava ao autor uma comissão sobre os montantes das vendas líquidas por ele efectuadas, após boa cobrança (facto n.º 36);
- o autor emitia facturas referentes às comissões recebidas, com adição do respectivo IVA e a ré procedia à retenção na fonte do IRS correspondente aos prestadores de serviço independentes (facto n.º 37);
- o autor prestava a sua actividade, organizando livremente o seu trabalho, em consonância com os períodos de funcionamento dos estabelecimentos visitados, definindo o seu tempo de trabalho, não havendo dias ou tempos mínimos ou máximos de trabalho fixados pela ré (factos n.ºs 38 e 39);
- o autor utilizava os seus próprios meios de transporte (facto n.º 40);
- era o autor quem decidia sobre os clientes a visitar e sobre a periodicidade das visitas (facto n.º 41);
- o autor podia utilizar os serviços de terceiros por si contratados na angariação de clientes (facto n.º 42);
- as tarefas de natureza administrativa, inerentes ao exercício da sua actividade, eram executadas pelo A. nas suas próprias instalações (facto n.º 43);
- o autor utilizava os seus próprios instrumentos de trabalho, excluindo um computador portátil e uma impressora, que lhe foram fornecidos pela Ré (facto n.º 44);
- no exercício das suas funções, era o Autor que suportava as respectivas despesas, nomeadamente de transporte, alojamento, refeições, despesas de representação e administrativas, salvo as despesas de deslocação e estadia decorrentes da participação em reuniões convocadas pela ré (factos n.ºs 45 e 46);
- a actividade do autor era prestada fora das instalações da Ré (facto n.º 49);
- a ré nunca procedeu à marcação do período de férias do autor, sendo este quem comunicava à ré o seu período de férias, com vista a que a Ré assegurasse que os clientes da zona em que o Autor prestava serviço fossem acompanhados, se necessário, por outra pessoa (facto n.º 50);
- relativamente aos seus trabalhadores, a R. procedia, por sua iniciativa, à organização do mapa de férias, que era afixado e o autor não constava desse mapa (factos n.º 55 e 56);
- os trabalhadores da Ré usufruíam de remuneração fixa, seguro de doença, viatura de serviço (quando em serviço externo), telemóvel, refeições pagas, subsídio escolar e cartão de empregado, o que não sucedia com o A. (factos n.º 57 e 58);
- a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal e tais remunerações nunca foram reclamados pelo A., durante a vigência da relação contratual (factos n.ºs 75 e 76).

A eloquência dos factos referidos dispensa comentários. Eles atestam inequivocamente que o autor realizava a prestação a que se obrigara perante a ré com plena independência e autonomia. O facto de ele poder contratar terceiros para, por sua conta, o ajudarem na angariação de clientes para a ré (facto n.º 42) é por demais elucidativo a esse respeito.

Ficou provado, é certo, que, no desempenho da sua actividade profissional, o autor estava sujeito às orientações de carácter comercial que a ré lhe dava, relacionadas com a estratégia da empresa, nomeadamente com os novos produtos a comercializar, com as políticas de desconto e com a definição de objectivos (facto n.º 28), mas tais orientações são perfeitamente compatíveis com o contrato de prestação de serviços e com o contrato de agência. Tais orientações prendem-se com o resultado que o autor se obrigou a prestar (a promoção e venda de produtos da ré) e não com o modo como ele deve organizar a sua actividade para obter aquele resultado. Não só, por isso, emanações do poder de direcção que é típico do contrato de trabalho.

Por outro lado, no contexto supra referido também deixa de ser relevante o facto de nos dois primeiros contratos ter sido convencionada uma "retribuição" mensal fixa de 90.000$00 no primeiro contrato e de 150.000$00 no segundo. E o mesmo acontece com o facto de, na sua actividade, o autor utilizar um computador portátil e uma impressora que lhe tinham sido fornecidos pela ré (facto n.º 44). São factos que isoladamente considerados deporiam a favor do contrato de trabalho, mas que no juízo de globalidade a fazer com base no conjuntos dos demais factos apurados perdem toda a relevância.

A tudo isto acresce que foi "de forma livre e esclarecida" que o autor celebrou todos os contratos (facto n.º 75).

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo autor.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
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(1) - Direito do Trabalho, I, 9.ª edição, Almedina, pag. 132.
(2) - Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª edição, pag. 302.
(3) - Ob. e local citado.
(4) - Ob. cit. pag. 136 e 137.