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ROUBO
SEQUESTRO
CONCURSO APARENTE
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário
I - Como é sabido, o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve de meio para a prática daquele, o que sucede quando a privação de liberdade de locomoção da vítima não excede a medida naturalmente associada ao cometimento do crime de roubo. II - Da hermenêutica do art. 158.º do CP, que no seu n.º 1 se limita a estabelecer o âmbito da punição sem se referir a qualquer lapso de tempo, aludindo na al. a) do n.º 2, para agravação do crime, a um período de tempo superior a 2 dias, resulta que para a consumação do sequestro não se exige o preenchimento de um certo e determinado período de tempo, bastando que a privação da liberdade afecte, efectivamente, a liberdade de locomoção. III - Deste modo, tendo resultado provado que o arguido, após se haver apoderado da quantia de € 75, pertença da ofendida V, integrando-a no seu património, o que ocorreu na sequência de levantamento que aquela foi coagida a fazer de uma caixa de atendimento automático, voltou a entrar no veículo automóvel por aquela conduzido e ali se manteve em circulação durante alguns minutos, também se constituiu na autoria material de um crime de sequestro. IV - Os poderes de cognição do STJ em matéria de sindicação da decisão proferida sobre a determinação da sanção não são ilimitados: pode e deve exercer sindicação relativamente à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não no que concerne à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
No processo comum colectivo n.º 426/03. 8, do 1º Juízo da comarca de Felgueiras, após a realização do contraditório foi proferido acórdão que absolveu o arguido AA, com os sinais dos autos, da autoria material de um crime de rapto, de dois crimes de sequestro e de um crime de detenção e porte de arma proibida, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 160º, n.º 1, alíneas c) e d), 158º, n.º1 e 275º, n.º 3, do Código Penal, tendo-o condenado como autor material, em concurso real, de dois crimes de roubo, um na forma tentada, previstos e puníveis, pelo artigo 210º, n.º1 e 210º, n.º1, 22º, 23º e 73º, do Código Penal, nas penas de 10 meses e 20 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 2 anos de prisão.
O Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação:
1. No caso concreto, o arguido AA cerceou a liberdade de movimentação das ofendidas BB e CC por um período de tempo e por um percurso que em muito ultrapassa o necessário para o pretendido levantamento de dinheiro em posto de ATM;
2. Assim, a limitação da liberdade das ofendidas vai muito para além do necessário e do indispensável para o cometimento do crime de roubo;
3. Por outro lado, em qualquer das situações consideradas, os factos dados como provados preenchem os elementos típicos objectivos do crime de sequestro, para além do crime de roubo, na medida em que representam uma violação do bem jurídico ali protegido de liberdade de locomoção inerente à pessoa humana, ou seja, a liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocar de um sítio para outro;
4. Demonstra-se igualmente o elemento subjectivo já que resulta da factualidade provada que o arguido sabia ser-lhe proibida tal conduta e que a mesma violava a liberdade de movimentação das vítimas;
5. Assim sendo, em ambas as situações de facto relatadas no acórdão recorrido, verifica-se concurso efectivo de crimes, ou seja, a conduta do arguido AA preenche simultaneamente a previsão estabelecida pelo artigo 210º, n.º 1 e pelo artigo 158º, n.º1, do Código Penal;
6. Ao não entender assim, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 30º, n.º1, do Código Penal;
7. Para além do mais, as penas de prisão aplicadas em concreto, por cada um dos crimes de roubo cometidos pelo arguido, não satisfazem os propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada;
8. Na verdade, quer pela frequência da prática de crimes de roubo na comunidade, quer pela intranquilidade social que tal crime gera, impõe-se uma intervenção forte do direito penal sancionatório, por forma a que a aplicação da pena em concreto responda às necessidade de tutela do bem jurídico, assegurando a manutenção, apesar da violação da norma ocorrida, da confiança comunitária da prevalência do direito;
9. Por outro lado, a forma como o arguido cometeu o crime de roubo evidencia um grau elevado de frieza e de insensibilidade, porquanto é cometido com a utilização de uma navalha, sempre à vista das vítimas, o que, em nosso entender, eleva a culpa pelo facto;
10. Acresce ainda, em desabono do arguido, o facto de cada uma das vítimas, ambas ainda jovens, se encontrarem sozinhas no momento em que este actuou e o facto de serem obrigadas, nos moldes relatados na matéria de facto, a conduzir a sua própria viatura sob as instruções de quem as ameaça e inibe a sua liberdade;
11. No caso concreto, também no plano da prevenção especial se detectam particulares exigências, dado o percurso de toxicodependência e de vida delituosa do arguido AA;
12. Além do mais, como acima se defendeu, a factualidade considerada no acórdão recorrido integra ainda, em concurso efectivo de crimes, o cometimento de dois crimes de sequestro, previstos e puníveis pelo artigo 158º, n.º1, do Código Penal, reclamando, obviamente, cada um deles, a aplicação de uma pena de prisão;
13. Tudo ponderado, temos por ajustado a aplicação, ao arguido AA, das penas de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo, na forma consumada, 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de roubo, na forma tentada, e de 8 meses de prisão por cada um dos crimes de sequestro;
14. Em cúmulo jurídico, considerando, em conjunto os factos e a personalidade do arguido, evidenciada nos factos, de acordo com o que dispõe o artigo 77º, do Código Penal, temos por adequada a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;
15. Não procedendo assim, o tribunal “a quo” violou, para além do disposto no artigo 30º, n.º1, do Código Penal, o disposto no artigo 71º, do Código Penal.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o arguido formulou as seguintes conclusões:
1. Não assiste qualquer razão ao Ministério Público.
2. No que ao crime de sequestro diz respeito, muito embora estarem patentes os elementos tipificadores do crime de sequestro, no caso sub judice o crime de sequestro é consumido pelo crime de roubo, na medida em que o sequestro foi apenas um meio de execução do roubou.
3. Resulta claramente da matéria fáctica dada como provada que o arguido apenas reteve a liberdade das ofendidas até concluir os seus intentos, a prática do roubo, e não mais do que por esse tempo, ao contrário do que sustenta o Ministério Público.
4. Pelo que ao absolver o arguido da prática dos crimes de sequestro pelos quais vinha acusado o tribunal “a quo” fez sã e devida justiça, não tendo em consequência violado qualquer preceito legal.
5. Ora, no que à medida da pena diz respeito, também carece o Ministério Público de que qualquer razão, sendo que em nosso entender é de manter a pena fixada pela 1ª instância ao arguido.
6. A pena aplicada ao arguido é a pena necessária para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade, tendo em atenção que a medida da pena é a necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando só o mal necessário.
7. A pena aplicada ao arguido satisfaz as medidas de prevenção especial e geral que foram devidamente acauteladas no douto acórdão recorrido.
8. Pelo que, em nosso entender é de manter a pena fixada em 1ª instância ao arguido.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, após se haver pronunciado sobre a legitimidade do recorrente, a tempestividade do recurso e o efeito ao mesmo atribuído, manifestou-se no sentido de que nada obsta ao seu conhecimento, pelo que promoveu a designação de data para audiência.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
São duas as questões que o Magistrado recorrente submete à apreciação deste Supremo Tribunal, quais sejam a da qualificação jurídica dos factos, com o fundamento de que os mesmos também integram a prática pelo arguido de dois crimes de sequestro, e a da medida das penas, sob o entendimento de que as mesmas se mostram desajustadas.
O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
«No dia 11 de Maio de 2003, pelas 14.15 horas, na Av. .........., freguesia de Margaride, Felgueiras, seguia BB ao volante do seu veículo automóvel 43-80-00 quando, na altura em que se encontrava parada nos semáforos aí existentes, veio a ser surpreendida pela pessoa do arguido que, entrando na dita viatura, de imediato lhe apontou um objecto cortante ao mesmo tempo que lhe disse: “mantém-te calma (…) quero sair de Felgueiras”, dizendo-lhe ainda que “já tinha feito uma loucura em Felgueiras”, ao mesmo tempo que lhe ordenou para arrancar, pois “… queria sair de Felgueiras e ir para Vizela”;
Perante esta atitude do arguido, BB, ainda que contra a sua vontade, passou a conduzir o arguido na direcção por ele predeterminada;
Durante o percurso entre Felgueiras e a rotunda da Trofa, o arguido ordenou à BB a entrega de dinheiro, tendo esta respondido que não o possuía consigo;
Então, o arguido abriu a carteira da BB e, como confirmasse que a lesada apenas detinha um cartão Multibanco, obrigou-a a deslocar-se a uma caixa ATM, mais próxima e, assim, em direcção a Guimarães;
Durante essa viagem, o arguido veio a telefonar para o telemóvel com o n.º 9000000, com a finalidade de, entre outras coisas, perguntar a um conhecido onde se localizava uma caixa ATM nas proximidades;
Logo após o cruzamento localizado na referida estrada, o arguido, sempre apontando o objecto cortante na direcção da pessoa da BB, enquanto lhe dizia ser portador e estar infectado com o vírus HIV, mandou-a dirigir-se a umas bombas de combustível da “Galp”, sitas na Cruz de Argola, Guimarães. Aí chegados, veio a obrigá-la a dirigir-se e a levantar, de uma caixa de levantamento automático, € 75,00, montante este que a lesada disse ter, apenas, disponível nessa conta bancária;
O arguido apoderou-se desta quantia em dinheiro, integrando-a no seu património contra a vontade e sem o consentimento da sua dona;
Passados alguns minutos, o arguido abandonou o veículo no cruzamento de Paço Vieira, levando consigo tal quantia em dinheiro e gastando-o em seu proveito próprio;
O arguido agiu da forma atrás descrita, com a intenção de, através das ameaças e do medo que provocou na ofendida se apropriar do dinheiro que esta tivesse e com a intenção de a forçar a efectuar levantamento de dinheiro em Multibanco para que lhe entregasse tais quantias, ainda que para esse efeito tivesse, contra a vontade desta, que cercear a sua liberdade de acção;
O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua actuação era proibida e punida por lei;
No dia 22 de Maio de 2003, cerca das 20 horas e 30 minutos, a ofendida CC conduzia o seu veículo automóvel, marca “Fiat”, modelo “Punto”, de matrícula 49-12-00, na Avenida Dr. .....s, em Felgueiras;
Ao chegar ao semáforo aí existente a ofendida parou a referida viatura ao sinal vermelho;
Nessa ocasião, o arguido AA abriu a porta, do lado direito, do veículo automóvel conduzido pela CC e, empunhando uma navalha que encostou ao pescoço da ofendida, afirmou para esta seguir em direcção à via rápida;
Nesta mesma altura, o arguido afirmou que não faria mal algum à ofendida caso esta obedecesse às suas ordens;
Com medo, a ofendida obedeceu e, sob as ordens do arguido, conduziu tal viatura no sentido de Guimarães;
Durante a viagem, o arguido, exibindo de novo a referida navalha, referiu que precisava de dinheiro e que queria que a ofendida levantasse dinheiro numa caixa Multibanco;
Ao chegar a Jugueiros, aproveitando uma distracção do arguido, a ofendida parou a viatura e saiu de imediato do seu interior;
Como circulassem outros veículos na via onde se encontravam, o arguido, com medo de ser detido, fugiu do local, abandonando os seus intentos;
O arguido agiu da forma atrás descrita com a intenção de através, das ameaças e do medo que provocou na ofendida, se apropriar do dinheiro que esta tivesse consigo, ainda que para este efeito tivesse, contra a vontade desta, que cercear a sua liberdade de acção;
O arguido só não concretizou os seus intentos por a ofendida, aproveitando um momento de distracção do arguido, ter fugido;
Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
O arguido não tinha antecedentes criminais à data da prática dos factos. Actualmente, o arguido tem vários processos pendentes pela prática de crimes de natureza semelhante à dos praticados nos presentes autos, tendo já sofrido condenações nalguns deles;
Encontra-se preso pela primeira vez, cumprindo uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva à ordem do processo n.º 000000 do Tribunal de Cabeceiras de Basto;
Tem mantido bom comportamento no meio prisional, frequentando o 3º ciclo do ensino básico recorrente. Integra o programa de tratamento do projecto homem e faz acompanhamento psicoterapêutico no CAT de Guimarães;
Iniciou o consumo de estupefacientes de forma sistemática com 20 anos de idade, hábito que manteve durante 10 anos. Realizou duas tentativas de desabituação que não tiveram sucesso. Os factos a que se reportam os autos foram praticados no período de recaída desde a última tentativa efectuada;
Na ocasião dos factos não tinha actividade profissional regular, nem morada certa, encontrando-se em ruptura com os membros da sua família;
Frequentou o sistema de ensino dos 6 aos 14 anos de idade, abandonado após ter concluído o 6º ano de escolaridade.
Iniciou a actividade profissional no ramo da construção civil onde sempre se manteve, de modo irregular e com grande mobilidade;
Cresceu em agregado familiar de modestos recursos, fortemente condicionado pelos hábitos alcoólicos de alguns membros da família, nomeadamente do progenitor cujo comportamento era agressivo e conflituoso para com toda a família». Qualificação Jurídica dos Factos
Entende a Exm.ª Magistrada recorrente que os factos provados, para além dos crimes de roubo pelos quais o arguido foi condenado, também integram, em concurso real, dois crimes de sequestro, crimes de que foi absolvido, alegando que aquele cerceou a liberdade de movimentação das ofendidas por um período de tempo e por um percurso que em muito ultrapassa o necessário para o cometimento dos crimes de roubo, o que fez de forma intencional e sabedor da punibilidade do respectivo comportamento.
Como é sabido, o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve de meio para a prática daquele, o que sucede quando a privação da liberdade de locomoção da vítima não excede a medida naturalmente associada ao cometimento do crime de roubo (1).
Vem provado que o arguido após se haver apoderado da quantia de € 75 pertença da ofendida BB, integrando-a no seu património, o que ocorreu na sequência de levantamento que aquela foi coagida a fazer de uma caixa de levantamento automático, voltou a entrar no veículo automóvel conduzido pela ofendida, veículo que abandonou passados alguns minutos.
Debruçando-se sobre o tempo mínimo de duração da privação da liberdade para que o crime de sequestro se considere consumado, Taipa de Carvalho defende que as privações insignificantes não bastam, ou seja, não são subsumíveis à duração mínima da privação da liberdade que se deve considerar pressuposta pela ratio do crime de sequestro, referindo que os autores falam em tempos variáveis, aludindo uns a um mínimo de dez minutos, outros a meia hora (2). No entanto, adianta que se lhe afigura correcta a doutrina constante do acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Outubro de 1990, segundo a qual: «O crime de sequestro (…) é um crime de execução permanente e não vinculada, que não exige o preenchimento de um específico período de tempo (…). Em todo o caso, a privação da liberdade, do “jus ambulandi”, para que possa ter algum significado e relevância como elemento do crime, não deverá ter uma duração tão diminuta que, verdadeiramente, não afecte a liberdade de locomoção».
Maia Gonçalves assume entendimento não totalmente coincidente ao defender que o crime de sequestro consuma-se no momento em que o sujeito passivo fica ilegalmente privado da sua liberdade ambulatória, razão pela qual comete este crime quem priva ilegalmente outra do seu jus ambulandi, embora por escassos momentos, desde que isso seja censurável e tenha algum relevo(3 ).
Quanto a nós, da hermenêutica do preceito, que no seu 1 um se limita a estabelecer o âmbito da punição sem se referir a qualquer lapso de tempo, aludindo na alínea a) do número 2, para agravação do crime, a um período de tempo superior a 2 dias, resulta que para a consumação do sequestro não se exige o preenchimento de um certo e determinado período de tempo, bastando que a privação da liberdade afecte, efectivamente, a liberdade de locomoção.
Deste modo, sendo certo que o arguido, após a consumação do roubo perpetrado na pessoa da ofendida Verónica Sá, voltou a entrar no veículo automóvel por aquela conduzido e ali se manteve em circulação durante alguns minutos, entendemos que também se constituiu na autoria material de um crime de sequestro.
Relativamente ao crime tentado é evidente que a privação da liberdade da ofendida CC se manteve, apenas, enquanto meio típico de realização do roubo, razão pela qual inexiste, manifestamente, crime de sequestro.
Determinação da Pena
Alega a Exm.ª Magistrada recorrente que as penas cominadas ao arguido por cada um dos crimes de roubo perpetrados, um consumado, o outro tentado, não satisfazem as exigências de prevenção geral e especial, atentas as necessidades de prevenção relativamente a este facto típico e à forma de execução dos crimes, a que acresce a circunstância de o arguido ser toxicodependente, razões pelas quais entende deverem ser as penas agravadas para 2 anos e 6 meses e 1 ano e 6 meses de prisão.
Mais alega que, a considerar-se ter o arguido incorrido na autoria material dos crimes de sequestro, deve o mesmo ser condenado, por cada um deles, na pena de 8 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 3 anos e 6 meses de prisão.
Começar-se-á por assinalar que os poderes de cognição deste Supremo Tribunal em matéria de sindicação da decisão proferida sobre a determinação da sanção não são ilimitados.
Com efeito, pode e deve exercer sindicação relativamente à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não no que concerne à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada (4 ).
Certo é que a determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais seja a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 41º, n.º 1, do Código Penal –, sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 daquele artigo.
Efectivamente, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a p+ena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (5).
Também este Supremo Tribunal se orienta em sentido concordante ao assumir que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa (6 ), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República, consagra (7 ).
Tendo em consideração todas as circunstâncias ocorrentes, designadamente as expressamente indicadas no acórdão recorrido a propósito da determinação das penas, com destaque, por um lado, para a gravidade dos crimes e, por outro lado, para a primariedade do arguido e o facto de em reclusão, para cumprimento de pena de 4 anos e 6 meses de prisão, haver aderido a programa de tratamento da toxicodependência e a acompanhamento psicológico, o que denota a vontade e o propósito de recuperação e de ressocialização, entendemos, dentro dos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal cabem, não merecerem qualquer censura as penas fixadas pelo tribunal a quo, razão pela qual se manterão intocadas.
No que tange ao crime de sequestro, facto punível com prisão até 3 anos ou com pena de multa, optando-se obviamente pela pena detentiva, única adequada às finalidades da punição (artigo 70º, do Código Penal), atento o contexto em que o facto típico se verificou e o curto lapso de tempo durante o qual a ofendida foi privada da sua liberdade, sem esquecer todas as demais circunstâncias ocorrentes, fixa-se a mesma em 6 meses.
Há que proceder ao cúmulo jurídico das penas, ou seja, à operação de unificação das penas em concurso.
De acordo com o disposto no artigo 77º, n.º 2, do Código Penal, a pena aplicável tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, o que significa que o nosso legislador manteve em aberto todas as possíveis opções em matéria de cúmulo de penas, ou seja, a absorção (aplicação da pena mais grave), o cúmulo material (soma de todas as penas aplicadas) e a exasperação (agravação da pena mais grave aplicada).
Assim, no caso vertente a pena conjunta a aplicar situa-se entre um mínimo de 20 meses (1 ano e 8 meses) e um máximo de 36 meses (3 anos).
Por outro lado, segundo preceitua o número 1 daquele artigo, na medida da pena unitária são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena unitária a partir das penas parcelares cominadas.
Quanto ao critério que preside à operação de fixação da pena unitária ou conjunta, diz-nos Figueiredo Dias (8 ), que a mesma deve ser encontrada em função do critério geral consignado no artigo 71º e do critério especial previsto no artigo 77º, n.º1, ambos do Código Penal, «como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique», relevando, na avaliação da personalidade do agente «sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.
Certo é, pois, que a personalidade que fundamentalmente importa valorar é a personalidade manifestada nos factos (9), especialmente à luz das exigências de prevenção especial.
Do exame dos autos decorre que, muito embora corram termos vários processos criminais contra o arguido pela prática de crimes semelhantes aos objecto destes autos e que em alguns desses processos já haja sido aquele condenado, encontrando-se a cumprir pena de 4 anos e 6 meses de prisão, a verdade é que, por ora, se não pode dizer que o arguido é portador de tendência criminosa.
Deste modo, fixa-se a pena conjunta em 2 anos de prisão.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso, condenando o arguido como autor material de um crime de sequestro previsto e punível pelo artigo 158º, n.º1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, fixando a pena conjunta, resultado de cúmulo desta pena com as já aplicadas, em 2 (dois) anos de prisão.
Sem tributação – artigo 75º, alínea b), do Código das Custas Judiciais.
Lisboa, 22-02-2006
Oliveira Mendes (relator)
João Bernardo
Pires Salpico
Henriques Gaspar
________________________________________
1 - Cf. entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 98.03.04, 98.04.01 e 98.07.02, proferidos nos processos n.ºs 1411/97, 1553/97 e 505/98, e Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 415.
2 - Cf. ibidem, 408.
3- Código Penal Anotado e Comentado (8ª edição), 614.
4 - Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 197, bem como o acórdão deste Supremo Tribunal de 02.05.09, publicado na CJ (STJ), X, II, 193.
5 - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
6 - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados.
7- Cf. Figueiredo Dias, ibidem, 105/106.
8 - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime (1993), 290/292.
9 - Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade (1995), 670.