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COMPROPRIEDADE
Sumário
1- A convocatória feita por dois dos comproprietários de prédio urbano ao outro comproprietário (até aí administrador) para uma reunião tendo por objecto deliberar ao abrigo do disposto no art.º 1407 C. Civil quanto à forma como futuramente aquele imóvel passaria a ser administrado deve ter um mínimo de antecedência razoável para o convocado dispor da sua vida e se preparar convenientemente para tal reunião. 2 - Não obedece manifestamente a esse mínimo a convocatória feita por carta registada com aviso de recepção datada de 8 de Julho de 2002 para uma reunião em 12 de Julho de 2002. 3 - Assim, procede o pedido formulado pelo autor, convocado comproprietário, no sentido de ser declarada a nulidade da deliberação tomada pelos outros dois convocantes compropritários em tal reunião.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
"AA" propôs acção declarativa contra BB e CC pedindo seja declarada nula a deliberação das Rés tomada em 12 de Julho de 2002 como comproprietários do prédio identificado nos autos.
O processo seguiu termos com contestação das Rés, vindo, após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente.
Inconformadas com tal decisão dela interpôs o Autor recurso de apelação sem êxito, recorrendo agora de revista.
Formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
I. A decisão recorrida atentou contra o preceituado nos arts. 1407°, 1740, n° 1, 1570, 9850, 14050, 1406° e 1408° do Código Civil.
II. A deliberação das Recorridas de 12/07/2002 é nula por não ter sido precedida de convocatória com oito dias de antecedência e por ter recaído sobre direitos indisponíveis do Recorrente.
III. Para se ter por legalmente válida a reunião do dia 12/07/02 era forçoso que tivessem sido observados os requisitos de forma aplicáveis por analogia dos arts. 174°, n° 1 do Código Civil, ex vi pelo art. 157° do mesmo diploma legal.
IV. À administração da compropriedade em matéria de formalismos legais devem ser aplicadas as regras do contrato de sociedade em geral.
V. O Tribunal recorrido assenta a sua decisão na circunstância de se não ter provado que tivesse havido convenção entre as partes em como tivesse sido confiada ao Recorrente a administração do prédio.
VI. As próprias Recorridas nos arts. 2° e 4º da contestação a fls.... esclarecem que a administração do prédio foi confiada ao Recorrente com «acordo das RR.».
VII. Havia, pois, um só administrador o que fundamenta que o regime do art. 9850, n° 1 do CC não tenha qualquer aplicação, uma vez que havia uma convenção (tácita) em contrário, isto é, de que a administração não competia a todos os comproprietários, mas apenas ao comproprietário Recorrente.
VIII. As Recorridas tinham que cumprir com a formalidade de convocar a reunião dos autos respeitando um prazo prévio.
IX. Devia o Tribunal recorrido ter-se socorrido do argumento analógico de aplicar o formalismo do art. 174°, no 1 do CC ao caso sub judice.
X. Deixar na disponibilidade das Recorridas, ou de quem quer que seja, o respeito, ou não, por um mínimo de regras e formalidades legais é permitir o livre arbítrio e um mundo de incertezas e insegurança jurídicas, o que pode fazer perigar a administração do prédio que é o interesse que a lei pretende acautelar.
XI. Violou, pois, o Tribunal a quo o disposto nos arts. 1407°, no 1, 985°, nº 1, por errada interpretação e aplicação, e, concomitantemente o disposto no art. 174°, n°1, ex vi pelo art. 1570, no 1 do CC.
XII. A deliberação de 12/07/2002 é ainda nula na parte que determinou que as rendas do prédio passariam a ser depositadas pelos respectivos inquilinos numa conta aberta pelas Recorridas cuja movimentação só poderia ocorrer com a assinatura conjunta de ambas.
XIII. Semelhante deliberação contende com o conteúdo de direitos indisponíveis do Recorrente, violando as Recorridas, e o Tribunal a quo, o disposto nos arts. 1405° e 1406° do CC., pois que retiram da esfera jurídica do Recorrente a possibilidade de aceder na proporção de um terço aos frutos de um bem que lhe pertence.
XIV. Todos os comproprietários têm poderes para proceder à recolha dos frutos do bem comum na proporção da quota que lhe cabe, podendo exercer, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, no qual, naturalmente se inclui, o direito aos frutos do bem.
XV. A deliberação das Recorridas, tomada nos moldes em que o foi, consiste na prática na restrição ao direito de propriedade do Recorrente que, sem o seu consentimento, vê-se impossibilitado de aceder e controlar os rendimentos a que tem direito na proporção que lhe cabe.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, designadamente a anulação da decisão recorrida e a sua substituição por outra, conforme o alegado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
É a seguinte a matéria de facto provada:
1 - O autor e as rés são comproprietários, em partes iguais, do prédio urbano sito na Praceta Cerrado da Vinha, n.° ... Falagueira, Amadora, descrito na Conservatória do registo Predial da Amadora sob o n° 7483, inscrito a favor do autor e das rés sob o n.° 27706, a fls. 106 do livro G-5 5 (Alínea A) dos Factos Assentes);
2 - Corre termos no 1.° Juízo deste Tribunal sob o n.° 1198/2001, acção de prestação de contas proposta pelas rés contra o autor relativamente à administração do imóvel em questão na qual se discute, entre outras coisas, o período em que o autor começou a desempenhar as funções de administrador desse imóvel (Alínea B) dos Factos Assentes);
3 - O autor desempenhou as funções de administrador desse prédio desde pelo menos o falecimento do pai, ocorrido em Outubro de 1999 (Alínea C) dos Factos Assentes);
4 - As rés enviaram ao autor uma carta, datada de 08.07.2002, registada com aviso de recepção, da qual constava como assunto "administração do prédio sito na Praceta Cerrado da Vinha, n.° ... Falagueira, Amadora" (Alínea D) dos Factos Assentes);
5 - Nessa carta, as rés convocaram o autor para uma reunião a realizar no dia 12 de Julho de 2002, às 16h, na Av. Praia da Vitória, n.° ....°, Lisboa, com a seguinte ordem de trabalhos:
"deliberar, ao abrigo do disposto no art. 1407.°, do Código Civil, quanto à forma como futuramente o prédio urbano sito na Praceta Cerrado da Vinha, n.° ... Falagueira, Amadora, deverá passar a ser administrado" (Alínea E) dos Factos Assentes);
6 - A essa carta o autor respondeu, por meio de carta datada de 11.07.2002, na qual informava as rés que não poderia comparecer à reunião anunciada com tão pequena antecedência e solicitava que a mesma fosse adiada para uma data nunca anterior a finais de Agosto (Alínea F) dos Factos Assentes);
7 - O réu não compareceu à reunião marcada para 12.07.2002 (Alínea G) dos Factos Assentes);
8 - As rés reuniram em 12.07.2002 e ambas deliberaram que a administração do prédio, até agora a cargo do autor, a partir de 01 de Agosto de 2002, a pertencer conjuntamente e em igualdade de circunstâncias às rés, em virtude de o autor nunca ter prestado contas da d sua administração às mesmas, apesar de insistentemente solicitado para o fazer.
Mais deliberaram que as rendas do prédio seriam depositadas pelos inquilinos na conta bancária aberta pelas rés no banco Espírito Santo, com o n.° 0076 63290004 e cuja movimentação a, débito só poderia ocorrer com a assinatura conjunta das duas.
Finalmente deliberaram que seria enviada ao autor cópia da acta, por carta registada com aviso de recepção, bem como a todos os inquilinos do prédio dando instruções para estes, a partir de 01 de Agosto de 2002, depositarem as rendas como referido (Alínea H) dos Factos Assentes)
9 - O autor só tomou conhecimento da deliberação da acta da assembleia realizada a 12 de Julho de 2002 através dos inquilinos do prédio, a quem tinha sido enviada uma cópia (resposta ao quesito 2.° da Base Instrutória);
10 - As RR. comunicaram verbalmente ao Autor que iriam passar a exercer a Administração do prédio dos autos (resposta ao quesito 3.° da Base Instrutória);
11 - A presente acção deu entrada em Tribunal no dia 12 de Setembro de 2002.
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, começaremos por dizer que ele tem razão.
Com efeito, pediu o Autor nesta acção a declaração de nulidade da deliberação tomada pelas Rés em 12 de Julho de 2002 por a sua convocatória para a realização da assembleia de comproprietários não ter sido feita com a necessária e devida antecedência já que o foi por carta registada com aviso de recepção datada apenas de 8 de Julho de 2002, da qual constava como assunto "administração do prédio sito na Praceta Cerrado da Vinha, nº..., Falagueira, Amadora" tendo a reunião a seguinte ordem de trabalhos:" deliberar ao abrigo do disposto no ar.º 1407 do Código Civil, quanto à forma como futuramente o prédio urbano sito na Praceta Cerrado da Vinha, nº..., Falagueira, Amadora, deverá passar a ser administrado".
E ainda porque o conteúdo da deliberação tomada versa sobre direitos indisponíveis.
Ora no que concerne à questão posta pelo Autor recorrente de que não foi convocado para a reunião em causa com a necessária antecedência se destacará desde logo que como é bem sabido, e se torna evidente, uma convocatória de tal teor deve ser feita com um mínimo de antecedência razoável para o convocado (o comproprietário) dispor da sua vida e se preparar convenientemente para a reunião.
Isso manifestamente não aconteceu no caso "sub judice" - carta registada com aviso de recepção datada de 8 de Julho de 2002 para uma reunião em 12 de Julho de 2002.
Aliás, o autor respondeu à mesma através de uma outra carta datada de 11 de Julho de 2002 informando que não poderia comparecer à reunião anunciada com tão pequena antecedência e solicitando que a mesma fosse adiada para uma data nunca anterior a finais de Agosto.
Por outro lado, resulta do constante do processo que tal reunião não tinha um fim tão absolutamente urgente que justificasse um prazo de convocatória tão curto - o Autor estava a desempenhar as funções de administrador do prédio desde pelo menos o falecimento do pai, ocorrido em Outubro de 1999.
Sucede ainda que ficou provado que "Corre termos no 1º Juízo deste Tribunal acção de prestação de contas proposta pelas rés contra o autor relativamente à administração do imóvel em questão na qual se discute, entre outras coisas, o período em que o autor começou a desempenhar as funções de administração desse imóvel".
Assim, é deste modo simples que se resolve a questão fulcral objecto do presente recurso.
E isto ser sem preciso entrar na querela de averiguar se é de aplicar ou não ao caso presente o preceituado no art.º 174 C. Civil ("ex vi" do art.º 157 nº1 do mesmo Código) - cfr. Prof. P. Lima e A. Varela, C. Civ. Anotado, I, 161 - que faz referência ao prazo de 8 dias de antecedência mínima, ou mais dilatado prazo estabelecido quanto às sociedades comerciais - cfr. Prof. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, I, 624.
Como nota salienta o tratar-se aqui de um número reduzido de comproprietários, tendo a convocatória sido feita a uma só pessoa o que afasta prazos muito longos ou meios de publicidade demasiado formais.
E como nota última pôr em destaque que é irrealista a tese do acórdão recorrido no sentido de que "não se provou que tivesse havido convenção mediante a qual anteriormente tivesse sido confiada àquele a administração do prédio, pelo que, de harmonia com o disposto no nº1 do art.º 985 do Código Civil, aplicável por força do disposto no nº1 do art.º 1407 do mesmo Código, todos os comproprietários têm igual poder para administrar o prédio em causa (vide a este propósito, o acórdão do S.T.J. de 19-9-2002 in www.dgsi.pt).
E "por isso não era necessária a reunião realizada pelas ora recorridas, sem prejuízo de prestarem contas da sua administração. É, pois, irrelevante tal reunião não tenha sido convocada com a antecedência de 8 dias, pois, o poder de administração dos comproprietários do prédio não dependia dela".
É que de tal tese se pode dizer, no mínimo, que não vai ao cerne da questão posta, que desloca tal questão em termos não pertinentes ao objecto do recurso em apreciação.
Como alega o Autor recorrente as próprias recorridas aceitam que a administração do prédio foi entregue àquele o que denuncia, a aceitação tácita por banda daquelas da administração na pessoa do recorrente desde a data do falecimento do pai dele recorrente e delas recorridas até à data em que ele foi distribuído.
Tudo a significar a inaplicabilidade ao caso "sub judice" do preceituado no art.º 985 nº 1 C. Civil referido no acórdão recorrido.
Confiada como estava a uma só pessoa - o recorrente - não cabia em igual medida às recorridas, as quais, pretendendo, como pretendiam, alterar a "cabeça" da mesma, tinham que cumprir com determinadas formalidades, uma das quais um prazo com um mínimo razoável de antecedência de convocação da reunião dos comproprietários para tal finalidade.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações se decide julgar procedente a revista, revogando-se o decidido no acórdão recorrido e julgando-se procedente o pedido do Autor de declaração de nulidade da deliberação em causa de 12 de Julho de 2002, tomada em reunião de comproprietários do identificado prédio com a comparência apenas das duas recorridas.
Custas pelas Rés recorridas.
Lisboa, 4 de Abril de 2006
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos
Silva Salazar