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REMISSÃO ABDICATIVA
QUITAÇÃO
Sumário
1. A remissão de dívida traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com o acordo do devedor. 2. Não configura um contrato de remissão o documento denominado de "Declaração de remissão-Recibo quitação", mas em que as partes se limitaram a exarar o seguinte: "declaram, para os devidos efeitos, dar por definitivamente extintos, por recíproco pagamento ajustado e efectuado nesta data, todo e qualquer débito/crédito emergente da relação contratual de natureza profissional entre ambos mantida até 25 de Julho de 2002, nada mais havendo cada um a receber do outro, seja a que título for". 3. Tal documento contém apenas um declaração de quitação que, dada a sua amplitude, abrange todos os créditos resultantes da relação laboral em causa, incluindo os que eventualmente pudessem resultar da sua cessação, nomeadamente, o direito de crédito à reintegração e às retribuições vincendas.
Texto Integral
Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. "AA" propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa contra Empresa-A, pedindo que se declarasse que foi ilicitamente despedido pela ré e que esta fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe as remunerações e subsídios vencidos e vincendos desde 27 de Julho de 2002, acrescidas de juros de mora e de uma indemnização nunca inferior a 1 € a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência do despedimento de que foi alvo.
Em resumo, alegou o seguinte:
- Em 1 de Abril de 1999 celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo pelo prazo de um ano, com início nessa mesma data, para exercer as funções de Técnico Superior Especialista.
- Naquela mesma data, a ré apresentou-lhe um documento intitulado "Acordo de Comissão de Serviço", para ter início nessa data e sem prazo de duração, para exercer as funções de chefia da Divisão de Produção da Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas.
- Em 7.12.99, a ré apresentou-lhe novo "Acordo de Comissão de Serviço", com início em 12.11.99.
- Em 15.2.2002, a ré apresentou-lhe um escrito intitulado "Acordo de revogação do contrato de trabalho a termo", mas tal documento não teve os efeitos no mesmo enunciados nem corresponde ao que nele ficou consignado, dado que ele se manteve no desempenho das suas funções sem qualquer alteração funcional ou hierárquica e não lhe foram pagos os créditos emergentes da relação de trabalho motivados pela cessação.
- Nesse mesmo dia, a Administração da ré comunicou-lhe que continuaria em funções e apresentou-lhe um "Acordo de Comissão de Serviço", para continuar a desempenhar as funções de Chefe da Divisão de Produção da Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas.
- Na sua reunião de 25.7.2002, o Conselho de Administração da ré deliberou exonerá--lo, tendo-lhe essa deliberação sido comunicada por escrito datado de 7 de Agosto de 2002.
- Em 26 de Agosto de 2002, recebeu a informação de que tinha na tesouraria um cheque e de que devia entregar a viatura que lhe estava distribuída e o telemóvel.
- Datado de 27.8.2002, a ré enviou-lhe um cheque no valor de 38.146,39 € acompanhado de recibo de "abono de fundos de despesas com os seguintes dizeres: "adiantamento de vencimento ao trabalhador, acima referido, no valor de EUR 38.146,39. A regularizar em Setembro de 2002."
- O autor insurgiu-se contra a posição da ré apondo no verso do original do recibo o seguinte: "Reservo-me o direito de reclamar de quaisquer quantias emergentes do contrato que celebrei com V. Ex.as em 01/04/1999, bem como o reconhecimento desta comissão de serviço como continuação do meu contrato de trabalho."
- Após ter sido instada, a ré remeteu-lhe "nota discriminativa dos créditos pagos", a saber: retribuição parcelar relativa ao mês de Julho de 2002 - 960,28 €; Agosto a Dezembro/2002 - 5x4.801,41 - 24.007,05 €; Janeiro de 2003 - 3.841,13 €; férias - 8.075,10 € e 3.166,22 €.
- As funções que desempenhava mantém-se e continuam a ser desempenhadas por profissionais com a mesma categoria e habilitações.
- Em Maio de 2003, a ré apresentou-lhe uma declaração de "remissão-recibo quitação", mas tal declaração não produz efeitos quanto à subsistência do contrato de trabalho, não altera a ilicitude do despedimento e não produz efeitos em relação a direitos indisponíveis, por serem inegociáveis, como é o caso de férias e respectivo subsídio.
- O contrato celebrado em 1.4.99 deve ser considerado sem termo, por ser nula a estipulação do termo, uma vez que as tarefas para que foi contratado não tinham carácter excepcional nem resultavam de acréscimo anormal e temporário de trabalho.
- Ainda que outras razões não houvesse, o facto de ter permanecido ao serviço da ré por mais de três anos consecutivos seria suficiente para que o contrato fosse convertido em contrato sem termo, atento o disposto no art. 47.º do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2.
- E nem se diga que, a partir da assinatura do "Acordo de revogação do contrato de trabalho a termo", o autor deixou de estar vinculado por contrato de trabalho, dado que ele se manteve ao serviço no desempenho das mesmas funções, enquadrado na mesma hierarquia, sob a alçada da mesma disciplina, no mesmo local de trabalho, com o mesmo horário e com a mesma retribuição.
- Por outro lado, os "acordos de comissão de serviço" constituem uma forma de iludir o contrato de trabalho subordinado, uma vez que ele nunca desempenhou cargos de administração, nem de direcção directamente dependentes da Administração, pois estava integrado na Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas.
- Acresce que nos termos do D.L. n.º 404/91, de 16/10, a comissão de serviço pressupõe a existência de um contrato de trabalho, dado que, terminada a comissão, o trabalhador tem direito, nomeadamente, ao que dispõe a al. a) do n.º 3 do art.º 4.º daquele DL.
- Como é notório, no caso em apreço, a ré socorreu-se do contrato a termo e da "comissão de serviço" para ultrapassar o prazo máximo de duração do contrato a termo, iludindo, assim, as normas legais que regulam o contrato de trabalho.
- A ré não instruiu qualquer processo disciplinar ao autor, pelo que a rescisão do contrato equivale a despedimento ilícito.
- Em consequência do despedimento, o autor sofreu, para além dos prejuízos resultantes da perda de retribuição, forte abalo moral e psicológico e sentiu-se denegrido na sua imagem e prestígio.
A ré contestou defendendo a legalidade do contrato de trabalho a termo e dos contratos de comissão de serviço celebrados com o autor, a legalidade da cessação da relação laboral e excepcionando a [prescrição - Em vez de prescrição, a ré invocou a "caducidade do direito do Autor", mas, pela referência que faz ao art. 38.º da LCT, é óbvio que se queria referir à prescrição.] dos créditos resultantes do contrato de trabalho a termo, a remissão abdicativa e o abuso do direito.
No despacho saneador, o M.mo Juiz julgou procedente a excepção da remissão e julgou a acção improcedente.
O autor recorreu e, perante o insucesso da apelação, interpôs agora o presente recurso de revista concluindo a sua alegação da seguinte forma:
«A) O Acordo intitulado de Remissão-Quitação não engloba a questão em litígio da qualificação da relação contratual subsistente entre as partes desde 1 de Abril de 1999 e muito menos constitui um acordo com carácter de remissão abdicativa consequente ao despedimento abusivo promovido pela Ré, materializado na deliberação do dia 25/07/2002 e só posteriormente comunicada por escrito de 07/08/2002, como está provado - factos n.os 24 e 25 da matéria assente.
B) É "prática" (reprovável) da Ré, sempre que há alterações na relação de trabalho ou por interesses e motivos que o Recorrente nunca conheceu, extorquir a declaração de revogação e de quitação remitiva como aconteceu com o Autor, com efeitos a partir de 15 de Fevereiro de 2002, pese embora nessa mesma data - 15/02/2002 - a Ré ter apresentado ao Autor o acordo que vem reproduzido no elenco dos factos provados sob o n.° 19, mantendo-se a relação trabalho ininterrupta, o que fez crer ao Autor que a declaração em crise tinha um alcance idêntico.
C) Sob o n.° 30 dos factos provados está expresso que após ter sido instada, através da carta da mandatária do A., a fls. 224 dos autos (doc. 3 junto com a contestação), a Ré remeteu a "nota discriminativa dos créditos pagos" (ao Autor), constante a fls. 47 dos autos (doc. n.° 16 junto com a p. i.), ou seja:
"retribuição parcelar relativa ao mês de Julho de 2002 .... 960,28 euros, Agosto a Dezembro/2002 - (5 x 4.801,41)...24.007,05 euros Janeiro de 2003 ...3.841,13 euros Tempo de Férias...8.075,10 euros 3.166,22 euros.
Recibo de Agosto (a pagar pela tesouraria) valor líquido .....2.763,81 euros.
D) A Ré, tal como a partir de 15/02/2002, pagou ao Autor a remuneração relativa ao mês de Julho, como lhe pagou os salários relativos aos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro, estes do ano de 2002 e o salário relativo ao mês de Janeiro de 2003, o que constitui um facto insofismável de que a relação jurídico-laboral se manteve, pelo menos, até ao fim do mês de Janeiro de 2003.
E) O Autor nunca admitiu que a relação laboral entre as partes tivesse terminado ou cessado nem em 15/02/2002, como defendia a Ré, nem em 25/07/2002, já que o Autor afirmou e manteve que ela subsistiu, pelo menos, até essa data (n.ºs 19 a 24 e 32 da matéria de facto assente).
F) O credor, nos termos e conteúdo da declaração a fls. 52 - n.° 41 da matéria de facto - é a Ré Empresa-A Aeroportos de Portugal, S. A. e não o Autor, em resultado da compra que fez à Ré de um veículo e outros serviços que teve que pagar àquela e não o contrário.
G) A quitação recíproca nada tem a ver com a relação laboral, sendo certo que para ter o alcance que as Instâncias lhe atribuem é forçoso não ter sido considerada como violação da lei, por parte da Ré, a garantia do trabalhador segundo a qual era proibido à entidade patronal levar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços fornecidos por ela, como prevê a al. f) do n.° 1 do art. 21.º do RJCIT aprovado pelo Decreto-Lei n.° 49.408, de 24 de Novembro de 1969.
H) Tendo em conta a essência da relação de trabalho, tal como definida e prevista no art.º 1.º do RJCIT, não tem sentido que o trabalhador, sem que conste ter recebido qualquer quantia indevidamente, seja colocado na posição de devedor como claramente resulta do n.° 38.º da matéria de facto assente, com influência determinante na resolução de litígio laboral.
I) Nos termos do n.° 1 do art.º 863.º do Cód. Civil, remitir a dívida não é o mesmo nem compreende, como o faz o Acórdão recorrido, nessa remissão a questão da subsistência ou resolução do contrato, já que remitida uma dívida não se segue que o contrato fique resolvido
J) A remissão, ainda que vista à luz do n° 1 do art.º 863.° do Cód. Civil, não vai para além dos créditos fixados até 25/07/2002 e não abrange as questões inerentes ao contrato como seja o despedimento abusivo e ilícito que a Ré promoveu e que o Autor pede que assim seja declarado com a consequente reintegração.
K) O Acórdão recorrido, entre outras, violou, omitiu ou fez errada aplicação ou interpretação das seguintes normas de direito: n.° 1 do art.º 1.° da Lei n.° 38/96, de 31/08, art.ºs. 217.°, 218.°, 342.°, n.º 2, 863.°, n.º 1, estes do Cód. Civil, n.ºs 1 dos art.ºs 13° e 14° do RJCIT aprovado pelo Decreto-Lei n.° 49.408 de 24/11/1969, sendo que a norma do Cód. Civil é subsidiária e n.° 2 do art.º 660.º do Cód. Proc. Civil.»
O recorrente terminou as suas alegações pedindo que o acórdão recorrido fosse revogado, ordenando-se às instâncias que decidam sobre o pedido por ele formulado relativamente ao despedimento que considera abusivo e ilícito e, consequente, da requerida reintegração.
A ré contra-alegou, sustentando o acerto da decisão recorrida e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a que as partes não responderam, no sentido da não concessão da revista.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Os factos dados como provados na 1.ª instância sem qualquer impugnação e que a Relação confirmou são os seguintes:
1. Em 5.7.1993, a ré emitiu a Ordem de Serviço 14/93, a qual consta a fls. 110 a 177 dos autos (doc. n.º 1 junto com a contestação), a qual tem por finalidade e objecto "explicitar os princípios de base e regras de funcionamento que conduziram à definição detalhada da nova organização" da empresa, "definir a nova estrutura orgânica de segundas, terceiras e quartas linhas da Empresa-A e as funções básicas dos diferentes órgãos", "nomear os novos TOE´s (Titulares de Órgãos de Estrutura) de segunda, terceira e quarta linha e estabelecer o seu estatuto remuneratório", "definir o âmbito de delegação de competências no contexto da nova estrutura".
2. No dia 1 de Abril de 1999, autor e ré celebraram entre si um contrato de trabalho intitulado a "termo certo", com início nessa data, com a duração de um ano, renovável por iguais períodos de tempo desde que a "Empresa não comunique ao Trabalhador, até 15 dias antes do prazo expirar e de forma escrita, a sua vontade de o não renovar", contrato esse cuja cópia consta a fls. 23 dos autos.
3. Segundo esse contrato, o autor obrigou-se a prestar, sob autoridade e direcção da ré, a sua actividade profissional como Técnico Superior Especialista - E 24, desempenhando as funções inerentes (cláusula 1.ª do aludido contrato).
4. O autor ficou de desempenhar as suas funções em Lisboa, com o horário semanal de 36 horas, "nos termos estabelecidos no Acordo de Empresa" (cláusula 4.ª do referido contrato), como aconteceu.
5. A remuneração e demais regalias emergentes do contrato de trabalho ficaram de ser as correspondentes às do nível salarial 24 da categoria de Técnico Superior Especialista (cláusula 5ª).
6. Foi convencionado o período experimental de 30 dias (cláusula 7.ª).
7. Mais ficou consignado que, em tudo o mais, aplicavam-se as normas legais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo certo, o Acordo de Empresa e demais normativos internos (cláusula 8ª).
8. Na cláusula 3ª do contrato ficou consignado que "este contrato, celebrado ao abrigo das alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 41.º do DL n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro, fundamenta-se na necessidade de assegurar a coordenação e supervisão de Grupos de Projectos e Fiscalização de Obras, com vista à reorganização da Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas".
9. Com a mesma data de 1 de Abril de 1999, a ré e o autor subscreveram um documento intitulado "acordo de comissão de serviço", para ter início nesse dia, sem indicação de duração, prevendo que o "presente contrato" se extinguia com a cessação da comissão de serviço, segundo o qual "as funções de chefia da Divisão de Produção (PROD) da Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas (DIA) da Primeira Contratante, serão exercidas, em comissão de serviço, pelo Segundo Outorgante", e o 2º Outorgante auferiria "mensalmente todas as componentes remuneratórias correspondentes ao nível 10 da Tabela Salarial de TOE´s em uso, durante a vigência deste contrato", documento esse cuja cópia consta a fls. 24 dos autos (doc. 2 junto com a p.i.).
10. No dia 12/11/1999, a ré divulgou e entregou ao autor a sua Ordem de Serviço n.º OS-00-024/99, a qual consta a fls. 25 dos autos, que tem como assunto: "Direcção de Infra--estruturas Aeronáuticas (DIA)" - alteração à estrutura orgânica e funcional" que, no que respeita ao autor, contém o seguinte:
a) No n.º 3, a), o autor consta como tendo sido "exonerado";
b) No n.º 4, b), o autor consta como nomeado na mesma Divisão (PRO), mantendo o mesmo nível 10.
11. A acompanhar a referida Ordem de Serviço, foram publicados dois anexos.
12. O ANEXO 1, que consta a fls. 26 e 27 dos autos, apresenta a Estrutura Orgânica da Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas - DIA - da ré, onde:
a) O autor é enquadrado na Divisão que continuou a designar-se PRO, na dependência directa da Direcção de Infraestruturas Aeronáuticas - DIA;
b) O autor não tinha qualquer responsável de serviço dependente de si, lidando ele e coordenando directamente 5 grupos de projecto/área funcional, com a seguinte distribuição e descrição:
- AFR - Aeroporto de Faro: elaboração de Estudos Prévios, Projectos, bem como a preparação de C.E. (caderno de encargos) e P.C. (programa de concurso); fiscalização das empreitadas;
- AAÇ - Aeroporto dos Açores: elaboração de Estudos Prévios, Projectos, bem como a preparação de C.E. e P.C.; fiscalização de empreitadas;
- AFU - Aeroporto do Funchal: elaboração de Estudos Prévios, Projectos, bem como a preparação de C.E e P.C.;
- ALS - Aeroporto de Lisboa: elaboração de Estudos Prévios, Projectos, bem como a preparação de C.E. e P.C.; fiscalização de empreitadas;
- ASC - Aeroporto Sá Carneiro: elaboração de Estudos Prévios, Projectos, bem como a preparação de C.E. e P.C.; fiscalização de empreitadas.
13. O Anexo II, que consta a fls. 28 a 34 dos autos, contém o descritivo funcional da Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas - DIA, onde consta que:
a) O autor como responsável pela Divisão PRO estava hierárquica e funcionalmente dependente do Director responsável pela DIA (Direcção Infra-estruturas Aeronáuticas);
b) O autor, na mesma condição de responsável pela Divisão PRO com a responsabilidade directa pelos 5 grupos de projecto referidos na alínea b) do número anterior, respondia perante a sua Direcção pela subdivisão de cada um em "Grupo Projecto" e "Fiscalização" (ut doc. 5 - fls. 4).
14. De acordo com o referido na alínea b) do n.º anterior, competia:
a) Ao Grupo Projecto:
- Elaborar estudos prévios;
- Executar Projectos: Peças escritas (Cadernos de Encargos e Programa de Concurso) e Peças Desenhadas;
- Intervir no lançamento dos concursos, acompanhar os respectivos processos e integrar as Comissões de Abertura e Análise das Propostas;
- Intervir nas consultas a gabinetes externos.
b) À Fiscalização:
- Consignar, fiscalizar e recepcionar as obras;
- Verificar e aprovar os autos de medição;
- Elaborar Propostas de Trabalhos a mais, a menos e omissos para aprovação.
d) Para além destas funções, o Autor substituía interinamente o Director nas ausências do mesmo e estava incumbido de presidir à abertura dos concursos.
15. No dia 7 de Dezembro de 1999, a ré e o autor subscreveram novo "acordo de comissão de serviço", o qual consta a fls. 35 dos autos, para ter início em 12.11.1999, sem indicação de duração, prevendo que o "presente contrato" se extinguia com a cessação da comissão de serviço, segundo o qual "as funções de Chefe da Divisão de Produção (PRO) da Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas (DIA), são exercidas, pelo 2.º Contratante, em regime de comissão de serviço", e o 2.º Contratante auferiria "mensalmente todas as componentes remuneratórias correspondentes ao nível 10 da Tabela Salarial de TOE´s em uso, durante a vigência deste contrato".
16. Em 15.02.2002, o Conselho de Administração da ré emitiu a deliberação constante a fls. 38 dos autos (doc. n.º 8 junto com a p.i.), nos termos da qual procedia "à cessação do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado com o Senhor Eng.º AA, bem como da sua Comissão de Serviço, esta outorgada em 07 de Dezembro de 1999" e decidia "nomear o Senhor Eng.º AA, como Chefe de Divisão de Produção da DIA - Direcção de Infraestruturas Aeronáuticas, em regime de Comissão de Serviço, pelo prazo de um ano, data em que igualmente se extinguirá a relação contratual de trabalho".
17. No dia 15 de Fevereiro de 2002, a ré e o autor subscreveram um escrito intitulado "acordo de revogação do contrato de trabalho a termo certo", cuja cópia consta a fls. 36 e 37 dos autos (doc. 7 junto com a p.i.), no qual consta, nomeadamente, que as partes reconhecem que o fundamento da contratação a termo consistiu na "necessidade de assegurar a coordenação e supervisão de Grupos de Projecto e Fiscalização de Obras, com vista à reorganização da Direcção de Infraestruturas Aeronáuticas", que "essa finalidade se encontra totalmente concretizada, não subsistindo, pois, a necessidade que serviu de base ao referido contrato", pelo que revogam "por acordo o contrato de trabalho existente entre as partes", "extinguindo-se a respectiva relação jurídico-contratual ao abrigo do regime legal da revogação por acordo, com efeitos a partir de 15 de Fevereiro de 2002" e ainda que "por efeito da cessação do contrato de trabalho, o Segundo Outorgante declara nada ter a receber da Primeira Outorgante".
18. A ré não pagou ao autor qualquer quantia a título de créditos emergentes da cessação do contrato referida em 17.
19. No dia 15.02.2002, o autor e a ré subscreveram o "Acordo de Comissão de Serviço" cuja cópia consta a fls. 39 dos autos, com as seguintes cláusulas:
"1º - As funções de Chefe da Divisão de Produção (PRO) da Direcção de Infraestruturas Aeronáuticas (DIA) são exercidas pelo 2.º Contratante, em regime de comissão de serviço, com início em 15 de Fevereiro de 2002.
2º - O 2.º Contratante auferirá, mensalmente, todas as componentes remuneratórias correspondentes ao Nível 10 da tabela salarial de TOE´s em uso durante a vigência deste contrato.
3º - As partes aceitam, desde já, a extinção da relação jurídica-contratual ora estabelecida com a cessação da presente comissão de serviço.
4º- A cessação da comissão de serviço por iniciativa da 1ª Contratante está sujeita a um aviso prévio de 6 (seis) meses.
5º - A cessação da comissão de serviço por iniciativa do 2º Contratante está sujeita a um aviso prévio de 1 (um) mês.
6º - As partes acordam que para efeitos de cálculo da indemnização prevista na alínea c) do n.º 3 do art.º 4º do Decreto-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro, a antiguidade na empresa contar-se-á desde a data da outorga da anterior comissão de serviço, ou seja, desde 1 de Abril de 1999, com expressa exclusão de qualquer outra prestação compensatória."
20. Em 27 de Fevereiro de 2002, a ré apresentou, junto do IDICT, requerimento de concessão de isenção de horário de trabalho para o autor, onde diz que ele presta a sua actividade como Chefe de Divisão de Grupos e Projectos na Direcção de Infra-estruturas Aeronáuticas.
21. O autor deu a sua concordância e o pedido foi deferido por 4 anos.
22. Já anteriormente, pelo menos por duas vezes, tinha sido requerida a isenção de horário de trabalho para o autor, a qual tinha sido deferida por um ano de cada vez.
23. A ré apresentou sempre o autor nestes seus requerimentos como sendo seu trabalhador e sempre com as mesmas funções e categoria profissional.
24. Na sua reunião do dia 25/07/2002, o Conselho de Administração da ré, alegando decidir "iniciar um projecto de análise, em profundidade, da DIA - Direcção de Infraestruturas Aeronáuticas (...)" deliberou, "sem embargo do reconhecimento do esforço e alguns bons resultados obtidos pela DIA", (tomar) a decisão de "introduzir, desde já, alterações na titularidade de alguns Órgãos de Estrutura da DIA" e assim "proceder às seguintes exonerações: (...) Engº AA do lugar de Chefe de Divisão de Produção (PRO)" - n.º 2 do documento constante a fls. 40 dos autos.
25. O autor teve conhecimento dessa deliberação, por escrito, através da comunicação, datada de 07.8.2002, constante a fls. 42 dos autos, onde consta "...Nos termos dos n.ºs 3 e 4 do Acordo de Comissão de Serviço, então estabelecido, e da alínea c) do n.º 3 do art. 4.º do DL n.º 404/91, de 16 de Outubro, conjugado com o n.º 6 do referido Acordo, a Empresa irá proceder ao pagamento dos meses correspondentes ao aviso prévio, assim como à indemnização estabelecida por lei.
No que concerne à viatura de serviço que esteve ao dispor de V.ª EX.ª poderá optar entre a sua aquisição, mediante solicitação ao Conselho de Administração ou pela sua entrega."
26. Na ocasião referida em 24, o Conselho de Administração da ré nomeou para o lugar de Chefe da Divisão de Produção (PRO), anteriormente ocupado pelo autor, o Eng.º BB.
27. No dia 26 de Agosto de 2002 (segunda-feira), o autor recebeu a carta constante a fls. 43 dos autos, informando-o de que tinha na tesouraria o "cheque no valor dos créditos que V. Exa detém sobre a Empresa em resultado da supra citada cessação da Comissão de Serviço" e solicitando-lhe a "entrega imediata da viatura de serviço na posse de V. Ex.ª, assim como do telemóvel e cartão de gasolina".
28. A ré emitiu o cheque n.º 5592856349 sobre o Empresa-B, datado de 27/08/2002, no valor de 38.146,39 €, que entregou ao autor em 27.8.2002, acompanhado de recibo de "abono de fundos para despesas" com os seguintes dizeres: "adiantamento de vencimento ao trabalhador acima referido, no valor de EUR. 38.146,39. A regularizar em Setembro de 2002", cuja cópia consta a fls. 46 dos autos (documento n.º 15 junto com a p.i.).
29. O autor aceitou receber o aludido cheque, mas apôs no verso do original do referido recibo o seguinte, em 27.8.2002:
"Reservo-me o direito de reclamar de quaisquer quantias emergentes do contrato que celebrei com V.ªs Exªs. em 01/04/1999, bem como o reconhecimento desta comissão de serviço como continuação do meu contrato de trabalho".
30. Após ter sido instada, através da carta da mandatária do autor, constante a fls. 224 dos autos, a ré remeteu a "nota discriminativa dos créditos pagos" (ao Autor), constante a fls. 47 dos autos, ou seja:
"retribuição parcelar relativa ao mês de Julho de 2002 -- 960,28 €
Agosto a Dezembro/2002 - (5 x 4.801,41) - 24.007,05 €
Janeiro de 2003 -- 3.841,13 € - Tempo de Férias - 8.075,10 € -
3.166,22 €.
Recibo de Agosto (a pagar por tesouraria) valor líquido - 2.763,81 €".
31. A ré incluiu na rubrica "recibo de Agosto" a quantia de €
4 801,41 a título de subsídio de férias do ano de 2002 e a quantia de € 376,59 a título de "prémio de assiduidade".
32. Na mesma ocasião, a ré remeteu ao autor o modelo 346, no qual declara que o contrato vigorou de 01/04/1999 a 25/07/2002, embora refira ter-se tratado de "comissão de serviço".
33. Os documentos referidos em 30 e 32 foram acompanhados da carta cuja cópia consta a fls. 227 dos autos, datada de 11.9.2002, na qual a ré comunica anuir a que o autor mantivesse o número do telemóvel que a empresa lhe atribuíra, telemóvel que o autor deveria entregar de imediato na sede da ré , e solicita a entrega imediata, na sede da ré, da viatura que esta disponibilizara ao autor .
34. A remuneração do autor, em Julho de 2002, era de 4.801,41 € mensais, pagável 14 vezes por ano, assim decomposta:
- Remuneração mínima mensal 2.888,24 €
- Anuidades 86,65 € -
- Isenção de horário de trabalho 953,12 €
- Subsídio de função 873,40 €
35. Além disso o autor auferia subsídio de almoço no montante mensal de 150,00 €, tinha direito a viatura de serviço com pagamento do combustível e telemóvel.
36. A ré emitiu o recibo referente a Setembro de 2002, constante a fls. 222 dos autos (integrado no doc. 2 junto com a contestação), respeitante à "regularização a efectuar em Setembro de 2002" supra referida em 28, nos termos do qual o A. teria direito à quantia líquida de € 1380,61.
37. Com data de 30.10.2002, a ré emitiu a nota de débito constante a fls. 228 dos autos (doc. n.º 5 junto com a contestação), referente a gasto de telemóvel pelo A., no período de 05 de Agosto de 2002 a 05 de Setembro de 2002, no valor de € 52,52.
38. Em Maio de 2003, a ré contabilizou os débitos e créditos recíprocos das partes pela seguinte forma:
Débito da Empresa-A - recibo de regularização datado de Setembro de 2002, no valor de € 1.380,61;
Débitos do A.:
- Gastos de telemóvel referente aos períodos de 05.8.2002 a 05.9.2002, no valor de € 52,52;
- Valor da viatura atribuída pela ré ao autor - € 3.027,80;
- Prémios de seguro automóvel contabilizados desde 25.7.2002 - € 245,80.
39. A ré procedeu à compensação dos valores referidos em 38, tendo apurado um saldo credor a seu favor no valor de € 1.944,79.
40. O autor pagou à ré o aludido saldo através de cheque, no valor de € 1.944,79, que preencheu, assinou e entregou à R., em 16.5.2003.
41. Simultaneamente, em 16.5.2003, o autor e ré subscreveram o documento cuja cópia consta a fls. 52 dos autos, intitulado "Declaração de remissão - recibo de quitação" no qual "declaram, para os devidos efeitos, dar por definitivamente extintos, por recíproco pagamento ajustado e efectuado nesta data, todo e qualquer débito/crédito emergente da relação contratual de natureza profissional entre ambos mantida até 25 de Julho de 2002, nada mais havendo cada um a receber do outro, seja a que título for".
3. O direito
Com decorre das conclusões formuladas pelo autor, ora recorrente, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber a declaração emitida no documento referido no n.º 41 da matéria de facto ("Declaração de remissão - recibo de quitação") abrange os créditos peticionados na presente acção.
As instâncias entenderam que sim, com o fundamento de que o documento em causa configurava uma remissão abdicativa (art. 863.º do C.C.) de todos os créditos emergentes da relação laboral que vigorou entre as partes, desde 1 de Abril de 1999 até 25.7.2002, incluindo os créditos emergentes da sua cessação.
O autor não discute a qualificação jurídica atribuída ao documento, mas entende que o mesmo só abrange os créditos referentes ao telemóvel e à viatura que lhe estava atribuída e que ele comprou à ré. De fora teriam ficado os créditos referentes à relação laboral propriamente dita.
A primeira questão que se coloca é a de saber se o documento em causa constitui realmente um contrato de remissão. O facto de as instâncias terem decidido nesse sentido e o facto de as partes não terem posto em causa essa qualificação, não vincula este tribunal, atento o disposto no n.º 1 do art.º 729.º do C.P.C., nos termos do qual "[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado".
Ora, como é sabido, a remissão é uma das causas de extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte - A. Varela, Das obrigações em geral, Coimbra Editora, 2.ª ed., vol. II, pag. 203 e seguintes., revestindo, por isso, a forma de contrato, como claramente se diz no art.º 863.º, n.º 1, do C.C.: "O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor."
Deste modo, o que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. Como diz A. Varela - Ob. cit., pag. 204., o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.
E, sendo assim, para que o documento em causa pudesse ser qualificado de remissão, era necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, era necessário que as partes tivessem declarado que renunciavam ao direito de exigir esta ou aquela prestação, o que manifestamente não aconteceu.
Efectivamente, apesar da designação que lhe foi dada pelas partes ("Declaração de remissão-Recibo de quitação"), a verdade é que a declaração exarada no corpo do documento nada tem de remissivo. É totalmente omissa acerca da intenção das partes de renunciarem seja ao que for, pois limitaram-se a declarar que consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nesta data, todo e qualquer débito/crédito emergente da relação laboral, nada mais havendo cada um a receber do outro, seja a que título for. Ou seja, as partes limitaram-se a reconhecer que todos os seus créditos tinham sido pagos, ou seja, que todas as prestações que lhes eram devidas tinham sido realizadas, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas. Ora, se todas as prestações tinham sido cumpridas, é óbvio que nem sequer havia prestações a que elas pudessem renunciar (remitir).
Estamos, por isso, perante uma mera declaração de quitação que, sendo embora uma quitação sui generis, não deixa de ser uma quitação. Como diz João Leal Amado - A Protecção do Salário, pag. 225 (Separata do volume XXXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)., uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores (autor e ré) não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declararem que nada mais tinham a receber um do outro, seja a que título for ("nada mais havendo cada um a receber do outro, seja a que título for"), atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. Mas, como diz aquele autor, citando Carbonnier - Droit Civil, vol. 4 (Les Obligations), 1988, pag. 574., "les quittances ne sont pas toujours pures et simples", sendo bem conhecida a chamada «quittance pour solde de tout compte", na qual o credor declara que o devedor não lhe deve mais nada, seja a que título for.
Contudo, o facto de estarmos perante uma mera declaração de quitação e não perante uma declaração negocial de natureza remissiva não altera substancialmente os termos da questão que constitui o objecto do recurso que é a de saber se a declaração contida no documento de fls. 52 abrange, ou não, os créditos peticionados na presente acção, ou seja, os créditos relacionados com a relação laboral propriamente dita, mais especificamente, os direitos de crédito resultantes da sua cessação. Apenas muda o teor da pergunta a que teremos de responder. Em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seriam devidas em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas.
E a nossa resposta é claramente afirmativa, tal como foi decidido nas instâncias embora, aí, com apelo à figura da remissão.
Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os créditos e débitos abrangidos pela declaração emitida pelas partes são quaisquer débitos e créditos emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre elas se manteve até 25 de Julho de 2002 e, como da factualidade provada resulta, a relação contratual de natureza profissional mantida entre as partes até àquela data não foi evidentemente a relação de natureza laboral trazida à presente acção. E, como resulta da parte final da declaração (seja a que título for), esta abrange todos os créditos resultantes daquela relação, incluindo, naturalmente, os que eventualmente pudessem resultar da sua própria cessação, nomeadamente a reintegração e as prestações vincendas peticionadas pelo autor De facto, como foi dito nas instâncias, é esse o sentido que, na perspectiva de um declaratário normal, emerge do teor da declaração em causa e, por isso, é esse o sentido que deve ser levado em conta (art. 236.º, n.º 1, do C.C.).
O recorrente discorda e, nesse sentido, alegou:
- que nunca admitiu que a relação laboral tivesse cessado em 15.2.2002 ou em 25.7.20002;
- que nos termos do art. 863.º do C.C. é o credor que pode remitir a dívida por contrato com o devedor, mas que, no caso em apreço, o credor era a ré e não ele, pois foi ele que teve de pagar à ré, o que demonstra que a quitação recíproca nada tem a ver com a questão laboral, questão esta que o autor deixou ressalvada na declaração que apôs no verso do recibo referido no n.º 29 da matéria de facto;
- que o acordo de remissão, com o alcance que as instâncias lhe atribuíram, traduzir-se--ia na violação do disposto no art. 21.º, n.º 1, al. f), da LCT que proíbe à entidade empregadora obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços por ela fornecidos;
- que a declaração remissiva, mesmo que por absurdo se entendesse que abrangia a relação de trabalho que tive início em 1.4.99, nunca poderia ter o alcance que as instâncias lhe pretendem dar, uma vez que uma coisa é remitir a dívida e outra muito diferente é considerar o contrato como compreendido nessa remissão;
- para além disso, mesmo que, por mera hipótese, se entenda que a remissão da dívida do autor para com a ré teria implícita a rescisão do contrato de trabalho, a verdade é que nos termos do seu texto as partes só o fizeram até ao dia 25.7.2002, sendo que o contrato persistiu pelo menos até Janeiro de 2003.
Entendemos, porém, que a argumentação do autor não merece provimento.
Em primeiro lugar, por não ser verdade que o autor não tenha admitido que a relação laboral tivesse cessado em 25.7.2002, ou, mais precisamente, na data em que ele recebeu a carta que a ré lhe enviou informando-o da deliberação tomada, em 25.7.2002, pelo seu Conselho de Administração de fazer cessar aquela relação (vide factos n.ºs 24 e 25). Basta atentar na configuração que o autor deu à acção, para perceber que ele nunca teve dúvidas de que a sua relação laboral com a ré tinha efectivamente cessado naquela data. Só assim se compreende que ele tenha alegado que foi despedido naquela data e que só assim se compreende que tenha pedido o pagamento das retribuições vencidas e vincendas a partir de 27.7.2002 (vide o alegados nos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 24.º da p. i. e o pedido formulado no final da mesma).
A alegação feita pelo autor de que o contrato de trabalho se manteve até Janeiro de 2003 não tem o menor cabimento, não só pelo que já foi referido, mas porque dos factos provados, nomeadamente do teor das cartas de fls. 42 e 43 referidas nos factos n.os 25 e 26, resulta inequivocamente que aquele contrato cessou efectivamente quando o autor foi informado da deliberação tomada pelo Conselho de Administração da ré em 25.7.2002. Como decorre da factualidade em causa, não foi só a comissão de serviço que terminou, foi a própria relação laboral que cessou, como as partes expressamente reconheceram no documento que subscreveram em 16.5.2003.
O autor alega que a ré lhe pagou a retribuição até Janeiro de 2003 e que isso significa que o contrato foi revalidado pelo menos até essa data. Tal alegação apoia-se na "nota discriminativa" referida no n.º 30 da matéria de facto dos créditos que lhe foram pagos através do cheque no valor de 38.146,39 euros que ele recebeu em 27.8.2002 (vide facto n.º 28), mas, salvo o devido respeito, tal alegação não tem a menor consistência, pois, como inequivocamente se alcança da matéria de facto contida no n.º 30 e da referida "nota discriminativa" junta a fls. 47 dos autos, as retribuições imputadas pela ré ao período de 25.7.2002 a 24.1.2003 dizem respeito ao período de aviso prévio (seis meses) a que a ré estava obrigada nos termos do disposto na cláusula 4.ª do "Acordo de Comissão de Serviço" outorgado em 15.2.2002 (vide fls. 39 dos autos).
Trata-se, pois, de retribuições que nada tem a ver com a prestação laboral propriamente dita, mas sim com a indemnização a que o autor tinha direito pelo facto da ré ter feito cessar a relação laboral (comissão de serviço) sem observar o aviso prévio que tinha sido convencionado com o autor. Aliás, na carta que enviou ao autor, a dar-lhe conhecimento da cessação da relação laboral (vide fls. 42 dos autos), a ré diz claramente que "irá proceder ao pagamento dos meses correspondentes ao aviso prévio". Não faz, por isso, qualquer sentido vir agora o autor esgrimir com a referida "nota discriminativa", para, com base nela, defender que a relação laboral se manteve até Janeiro de 2003, para assim se furtar os efeitos decorrentes da declaração de quitação contida no documento exarado em 16 de Maio de 2003.
E também não faz sentido invocar a ressalva feita no verso do recibo referente ao cheque no montante de 38.146,39 euros que recebeu em 27.8.2002, por conta dos créditos que lhe eram devidos pela cessação da relação laboral.
Está efectivamente provado (vide factos n.os 28 e 29), que, quando recebeu o dito cheque, o autor apôs no verso do respectivo recibo a seguinte declaração: "Reservo-me o direito de reclamar de quaisquer quantias emergentes do contrato que celebrei com V.ªs Exªs. em 01/04/1999, bem como o reconhecimento desta comissão de serviço como continuação do meu contrato de trabalho".
Todavia, como salientado foi na decisão recorrida, aquela ressalva é muito anterior à declaração de quitação emitida em 16.5.2003, o que significa que aquela ressalva veio a ser consumida pela posterior declaração de quitação, perdendo, assim, qualquer relevância jurídica para a situação agora em apreço.
O autor alegou, ainda, que o "acordo de remissão", com o alcance que as instâncias lhe atribuíram, traduzir-se-ia na violação do disposto no art. 21.º, n.º 1, al. f), da LCT que proíbe à entidade empregadora obrigar o trabalhador a adquirir bens ou a utilizar serviços por ela fornecidos, mas tal alegação não tem qualquer relevância para a situação em apreço, pois nenhum pedido foi formulado com base naquela disposição legal, sendo certo que o autor nem sequer alegou que foi obrigado pela ré a comprar-lhe a viatura que lhe estava atribuída.
Concluindo, diremos que a relação laboral sub judice cessou efectivamente na data em que o autor tomou conhecimento da deliberação tomada pelo Conselho de Administração da ré na sua reunião de 25.7.2002 e que todos os créditos dela resultantes, incluindo os provenientes da sua cessação, se têm por extintos por pagamento, nos termos da declaração de quitação recíproca emitida pelas partes no documento de fls. 52 exarado em 16 de Maio de 2003, o que implica a improcedência do recurso.
4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 5 de Abril de 2006
Sousa Peixoto
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis