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CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
COMUNICAÇÃO
RESPOSTAS AOS QUESITOS
Sumário
1- O dever de comunicação das cláusulas contratuais constante do artigo 5º do Decreto-lei nº 466/85 de 25 de Outubro destina se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as clausulas a inserir no negócio.
2- Esse dever acontece na fase de negociação, ou pré-contratual, e deve ser acompanhado de todos os esclarecimentos necessários, possibilitando ao aderente conhecer o significado e as implicações das cláusulas.
3- Nas clausulas contratuais gerais, por constarem de texto pré-elaborado, a adesão faz se com a emissão da proposta e aceitação do modelo.
4- O ónus da prova da comunicação cabe ao contraente que submete as cláusulas ao outro.
5- As respostas negativas à matéria de facto não implicam que se tenha demonstrado o facto contrario, revelando apenas que tal não ficou provado, tudo se passando como se a matéria não tivesse sido alegada.
6- Excluída uma cláusula por indemonstrada a sua prévia comunicação, o contrato subsiste sem ela salvo se ocorrer uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou se gerar um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
7- O seguro de acidentes pessoais associado à emissão de um cartão de credito é negociado entre a entidade emitente do cartão e a seguradora, únicas partes no contrato, sendo o beneficiário integrado num grupo de titulares do cartão de credito sem que tenha aderido ao contrato de seguro.
8- Determinar o sentido relevante de uma declaração negocial, tendo presente o artigo 236º, e não olvidando o nº 1 do artigo 238º do Código Civil, é aplicar o direito aos factos.
9- O típico seguro de acidentes pessoais, conhecido por seguro de viagem, cobre os eventos lesivos ocorridos "in itinere" - independentemente de se tratar de deslocação de lazer ou de negócios - incluindo as que ocorrerem durante as curtas estadas de transito, e não abrange os que acontecem no exercício de uma actividade profissional que o segurado exercia fora da sua área de residência, durante as férias da sua profissão principal.
10- A morte do segurado, em seguros de vida associados a financiamentos imobiliários ou outros, implica o pagamento pela seguradora do capital em divida à data do evento - morte - e a restituição pela entidade financiadora, ou pelo mutuante, pelo que recebeu após esse evento, já que, então, a responsabilidade pelo pagamento é da seguradora.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"AA", por si e em representação dos seus filhos menores, BB, CC, DD e EE, residentes em Braga, intentou acção com processo ordinário, contra " Empresa-A" e " Empresa-B, ambas com sede em Lisboa.
Pediu o pagamento, pela seguradora, da quantia de 249.398.95 Euros, referente ao capital de seguro de vida associado a um cartão de crédito de que seu marido era titular.
Pediu a condenação da Empresa-A a restituir lhe 82.684.00Euros, por a tanto ascenderem as prestações de amortização de um credito hipotecário e de um credito pessoal pagos na sequência do óbito do mutuário, bem como as prestações pagas na pendência da acção, e a quantia de 49.09 Euros, referente ao premio do seguro de vida pago em Setembro de 2000, todos acrescidos de juros, á taxa legal, desde a citação.
Contestaram as Rés alegando, nuclearmente, que o evento que vitimou marido e pai dos Autores estava expressamente excluído dos seguros associados ao cartão de crédito e aos empréstimos.
A 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré seguradora a restituir aos Autores a quantia de 49.09 euros, referente ao prémio do seguro cobrado após a morte da vítima, com juros á taxa legal.
No mais, absolveu as Rés do pedido.
Apelaram os Autores para a Relação de Guimarães.
Julgando a apelação parcialmente procedente, este Tribunal condenou a Ré " Empresa-B" a pagar á Ré "Empresa-A" as quantias que lhe eram devidas á data da morte de FF, nos montantes, respectivamente, de 90.843.63 euros e 1943.76 euros e a Ré "Empresa-A" a restituir aos Autores o que lhe pagaram a titulo de credito á habitação (80740.24 euros) e credito pessoal (1943.76 euros) acrescidos de juros.
Autores e Rés pedem revista.
Concluem os Autores:
- Ao contratar com a recorrida Empresa-A o cartão Gold de que ficou titular, o falecido FF assumiu a posição de aderente do contrato de seguro, associado a esse cartão, com a Ré Empresa-B;
- Tal contrato de seguro integra os direitos e obrigações implicados no contrato de emissão do cartão de seguro e tem de considerar - se em aberto e sem determinação do sujeito activo até á adesão do titular do cartão de crédito;
- Não podendo este considerar se um mero beneficiário desse seguro;
- Os beneficiários são os seus herdeiros, aqui Autores;
- Nas negociações entre seguradora e banco não existe um verdadeiro contrato de adesão;
- A falta de negociação das cláusulas existe, sim, no que diz respeito á adesão ao contrato de seguro pelo titular do cartão de crédito, adesão que se efectiva por força da celebração do contrato de emissão do cartão;
- Sobre a seguradora impendia o ónus de demonstrar que o falecido FF, ao aderir ao contrato de seguro pela via da celebração do contrato de emissão do cartão de credito teve acesso ao real conteúdo das clausulas de exclusão constantes do contrato de seguro;
- Não tendo satisfeito esse ónus, devem essas clausulas considerar se nulas, subsistindo o contrato sem elas (artigos 5º, 8º e 9º do Decreto Lei nº 466/85);
- Da validade do contrato decorre para a Ré seguradora a obrigação de pagar o respectivo capital;
- O acórdão recorrido violou os artigos 5º, 8º e 9º do DL nº 466/85;
Contra alegou a recorrida "Empresa-B" insistindo não ter de pagar qualquer quantia.
Nas suas alegações, como recorrente, a "Empresa-B" assim conclui:
- Em 1ª instância foram considerados não provados factos que se prendiam com a Autora e marido não terem conhecimento de qualquer causa de exclusão de responsabilidade da Seguradora e que as Rés não lhes tivessem fornecido tal documento, nem que de qualquer forma não lhes tivessem sido explicadas as causas de exclusão dos seguros;
- Por isso, o Acórdão em crise não podia concluir que não foi feita a prova do dever de informação por parte da Ré sobre o sentido e alcance das condições gerais da apólice;
- Da matéria de facto dada por não provada não é possível concluir que a Autora e o marido não tivessem tido conhecimento das cláusulas de exclusão da responsabilidade;
- Nos termos no nº 1 do artigo 342º do Código Civil competia aos Autores a prova do facto constitutivo do seu direito;
- O acórdão não fez correcta aplicação do Decreto-lei 446/85 e violou os artigos 342º nº 1 do Código Civil e 659º nºs 2 e 3 e 664º do Código de Processo Civil.
A recorrente "Empresa-A" conclui as suas alegações dizendo:
- A nulidade da cláusula decidida pela Relação tem a montante a questão do segurado ter omitido ser piloto de aeronaves de combate a incêndios;
- Tratando se de actividade de elevado risco criaria grave desproporção no contrato de seguro;
- Que seria nulo, face ao artigo 429º do Código Comercial;
- Não existe fundamento legal para a recorrente restituir o que lhe foi pago, sendo que a morte do FF nenhum efeito teve nos contratos de mútuo entre ele e a recorrente;
- Não praticou nenhum ilícito contratual gerador de obrigação de restituir o que recebeu;
- Não deve, ainda, ser condenada no pagamento de juros de mora, por tal pressupor a obrigação de restituir o que recebesse após a morte de FF;
- A seguradora não tem de pagar a Empresa-A o que esta recebeu dos Autores, antes as prestações vincendas, assistindo aos Autores o direito de exigir á seguradora o reembolso dos valores que pagaram á Empresa-A e que, face ao contrato de seguro, deveriam ter sido pagos pela seguradora;
- O Acórdão violou os artigos 429º do Código Comercial, 286º e 1142º e seguintes, 804º e 805º do Código Civil.
Contra alegaram os Autores para concluírem:
- Os funcionários da recorrente Empresa-A que intermediaram e celebraram os contratos de seguro tinham conhecimento que o falecido era piloto;
- O contrato de seguro é parte integrante do contrato de mútuo beneficiando a Empresa-A que, assim, garante o pagamento do crédito mutuado;
- Sobre a Empresa-A impende a obrigação legal de exigir o pagamento do capital seguro e restituir á Autora, com juros de mora, desde o incumprimento, o que ela prestou;
- O ónus da prova do dever de informação é de quem dele se pretende prevalecer;
- A recorrente não cumpriu esse ónus;
- Na parte objecto de recurso das Rés o Acórdão não merece censura.
A Relação deu por assente a seguinte matéria de facto:
- No dia 7 de Agosto de 2000 faleceu, sem testamento, FF, deixando como únicos herdeiros os Autores;
- No dia 10 de Abril de 1977, no Socionimo-A, por intermediação desta, a Autora AA e seu marido FF contrataram com a Ré Empresa-B um seguro de vida para garantia do pagamento de um empréstimo para aquisição de habitação que, entretanto, tinham contraído junto da Empresa-A;
- Titulado pela apólice nº 5000500 esse seguro garantia, em caso de morte de qualquer dos segurados, o pagamento á Empresa-A do capital máximo do empréstimo á data do evento;
- À Autora AA foi comunicado pela Empresa-A, em resposta ás cartas de 10 de Agosto e 8 de Setembro de 2000, que a Ré Empresa-B não pagaria o capital seguro, alegando que o acidente que vitimou o FF estava excluído do âmbito de protecção do seguro, ao abrigo do artº 4, alínea d) das Cláusulas Gerais do Apólice;
- A Ré Empresa-B ainda exigiu o pagamento do prémio de seguro relativamente a Setembro de 2000, no montante de 49.09 euros;
- Em 3 de Abril de 1998, o FF subscreveu com a Ré Empresa-A um contrato de adesão ao cartão de credito Caixa Gold, com base no qual foi emitido o cartão nº 464408104796152, que o tornava beneficiário de um pacote de seguros com a Ré Empresa-B, nomeadamente, um seguro de acidentes pessoais em viagem, titulado pela apólice nº 33/3365, o pagamento de 249398.95 euros, cuja validade expiraria em Abril de 2002;
- Esse seguro garantia o caso de morte ocorrido em viagem de ferias ou de negócios alem de 50 quilómetros da residência, sempre que o tempo de permanência não excedesse 60 dias;
- O FF faleceu num acidente de aviação, em Miranda do Corvo, a mais de 50 km da sua residência quando, em tempo de ferias escolares, combatia um incêndio florestal por conta da empresa "Aeronorte", de Braga, sua entidade patronal;
- O acidente ocorreu quando o avião Dromadair, daquela empresa, embateu num eucalipto com uma asa, despenhando se e explodindo, provocando a morte do FF, seu piloto e único tripulante;
- O FF, considerado " piloto dos sete ofícios" aproveitaria as ferias de verão para trabalhar para empresas do norte no combate a incêndios;
- Em 2 de Junho de 2000 o FF contratou com a Ré Empresa-B um seguro de vida titulado pela apólice 5000540 no montante de 2513.94 euros, para garantir um empréstimo de igual valor na Empresa-A;
- Quando a Autora comunicou a morte do FF foi informada pela Empresa-A que a Ré Empresa-B recusaria o pagamento do capital;
- Depois da morte do FF, os Autores pagaram o empréstimo num total de 504000$00;
- E amortizaram duas prestações (no total de 73213.56 euros) e continuaram a faz elo, num total de 8526.68 euros, á data da propositura da acção, do empréstimo para habitação;
- À data da morte do FF o débito desse empréstimo era de 90848.63 euros;
- Os funcionários da Socionimo-B sabiam que o FF pilotava aeronaves;
- O FF, ao preencher a proposta de seguro titulada pela apólice nº 5000540 disse, a propósito do seu estado de saúde, ser piloto comercial;
- Aquando do preenchimento do contrato de seguro relativamente ao empréstimo de 20000 contos, o FF declarou que exercia a actividade profissional de professor de educação física e, perguntado sobre quais os desportos que praticava habitualmente, respondeu que praticava vários desportos sem especificar quais.
Foram colhidos os vistos.
Conhecendo
1- Clausula de exclusão
2- Seguro de acidentes pessoais
3- Seguros de vida
4- Conclusões
1- Clausula de exclusão
O Acórdão recorrido julgou ser nula a clausula do primeiro contrato de seguro de vida (apólice nº 5000540) e do contrato seguinte (apólice 5000540) que estabelecia que " os riscos de morte ou de invalidez não se consideram cobertos quando devidos a desastre de aviação, salvo sendo a pessoa segura passageiro em avião de carreira comercial ou em avião militar de transporte de passageiros, desde que munidos de certificado de navegabilidade valido".
A nulidade seria consequência de a mesma não ter sido comunicada aos segurados, nos termos do artº 5º do DL nº 466/85 de 25 de Outubro.
Este Supremo Tribunal tem julgado uniformemente que o dever de comunicação referido existe para " possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de clausulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo lhe, para esse efeito, também a ele um comportamento diligente" (Acórdão de 2 de Novembro de 2004, CJ/STJ, XII, III, 104; cf. ainda o Acórdão de 28 de Junho de 2005, 05B4052).
Almeno de Sá explica ser "possível detectar, neste pressuposto aparentemente unitário, duas exigências analiticamente decomponíveis: a comunicação integral das clausulas e a necessidade de proporcionar á contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo" (apud "Clausulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Clausulas Abusivas", 190).
Trata se de, e ainda na fase de negociação, ou pré-contratual, comunicar quais as clausulas a inserir no negocio mas, e também, prestar todos os esclarecimentos necessários, designadamente informando o aderente do seu significado e implicações.
Este regime já podia ser detectado nos artigos 227º nº 1 e 232º do Código Civil. Aquele impondo a quem faz uma proposta de contrato, ou quem a recebe, e entra em negociações a seu respeito, a obrigação de diligencia para com a outra parte. Devem as partes comportar se de boa fé (cf. M Ianuzzi in "Bona fede e recesso dalle trattative contratuali no foro", 667) sob pena de responsabilidade por " culpa in contraendo".
O artigo 232º impõe a coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos essenciais do negocio, sob pena de não conclusão do contrato.
Nas clausulas contratuais gerais, por constarem de modelos pré-elaborados, a adesão faz se na emissão da proposta e na aceitação do modelo.
Só que para uma perfeita formação da vontade negocial há que garantir ao aderente um conhecimento exacto do clausulado, com a comunicação integral, perceptível e clara, do projecto negocial.
Certo que, e como nota o Prof. Almeida Costa (in " Cláusulas Contratuais Gerais", 25), " o dever de comunicação é uma obrigação de meios (...) Nessa linha o nº 2 (do artigo 5 do DL nº446/85) esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização, e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das clausulas." E mais adiante, refere que quem utiliza as clausulas deve " alem de comunicar o respectivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações."
O artigo 8º, alínea a) do citado Decreto-lei considera excluídas as clausulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º.
O nº3 deste preceito refere que o ónus da prova da comunicação cabe ao contraente que submeta a outrem as clausulas contratuais gerais.
È, no essencial, o regime geral do artigo 342º do Código Civil.
"In casu", o ónus da prova da comunicação caberia ao tomador dos seguros de vida - a recorrida Empresa-A - não só por força daquele preceito mas, também, "ex vi" do artigo 4º do Decreto-lei nº 176/95, de 26 de Julho (Regime Jurídico do Contrato de Seguro).
Os factos 1º, 2º, 7º, 8º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º da Base Instrutória, onde, no essencial, se questiona a comunicação foram dados por "não provados".
Dessas respostas negativas não se pode pretender, como pretende a recorrente "Empresa-B", que se tenha demonstrado o facto contrário, ou seja, que a comunicação foi feita, porquanto, como é jurisprudência uniforme, a resposta negativa a um quesito só revela que a matéria respectiva não ficou provada, tudo se passando como nem sequer tivesse sido alegada, e não que se tenha demonstrado o facto contrário. (n.g. Acórdãos do STJ de 8 de Janeiro de 1991, AJ 15º/16º, 20, de 11 de Abril de 1991- BMJ 406-660 e de 18 de Dezembro de 2003, 03B2518).
Ora se era a tomadora do seguro que tinha o "ónus probandi" e não logrou fazer qualquer prova, o decidido pela Relação é, nesta parte, incensurável.
De qualquer modo, sempre valeria o disposto no artigo 516º do Código de Processo Civil, caso subsistissem duvidas sobre a repartição do ónus da prova.
Aqui chegados e, excluída que está a clausula em apreço (artigo 8º do DL nº 446/85), por não ter sido provada a sua comunicação "adequada" e "efectiva", os contratos mantêm se sem ela, nos termos do artigo 9º.
A recorrente Empresa-A acena com a existência de grave desproporção entre a obrigação assumida pela seguradora e o prémio, como contrapartida, se irrelevar a actividade de piloto do falecido, por nulidade da clausula.
Trata se de apelar para o nº 2 "in fine" do citado artigo 9º.
Cremos que sem razão.
A lei refere o "desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé".
Ora, não se trata de mero desequilíbrio mas de distorção gravemente atentatória da boa fé.
Tal não acontece só pelo facto de o segurado exercer a actividade de piloto e não mero passageiro de avião comercial ou militar.
A actividade de piloto civil é rigorosamente controlada e sujeita a escrutínio pelo Instituto Nacional de Aviação Civil (Decreto-lei nº 71/84 de 27/2, nº250/03 de 11/10, nº 17-A/04 de 16/1, entre outros) que também emite certificados de navegabilidade para as aeronaves registadas em território nacional (v.g. Regulamento CE nº 2042/03).
Não há, por conseguinte, grave desequilíbrio com lesão dos princípios de boa fé, pelo que os seguros de vida são válidos sem a cláusula que se analisou.
2- Seguro de acidentes pessoais
Está agora sobre analise o seguro de acidentes pessoais, titulado pela apólice nº 33/3365, associado ao cartão de crédito do falecido.
Trata se de seguro que a recorrente Empresa-A negociou com a recorrente "Empresa-B" para oferecer aos utilizadores do cartão "Caixa Gold", que são um numero não determinado de pessoas.
E, como julgou o Acórdão deste Supremo Tribunal de 19 de Fevereiro de 2004 (03B4155), não é um contrato de adesão, uma vez que os beneficiários não são parte desse contrato.
O contrato foi celebrado, apenas, entre a emitente dos cartões de credito, a Empresa-A - tomadora - e a "Empresa-B", como seguradora, sendo o falecido totalmente alheio ao processo negocial, integrando, tão somente, um grupo de beneficiários e não "aderindo" ao contrato de seguro, apenas se limitando a acordar com clausulas previamente negociadas entre as partes.
Em apreciação aqui, e tão somente, a interpretação da cláusula referente á ocorrência do evento em viagem de férias ou de negócios, alem de 50 km da residência, sempre que o tempo de permanência não excedesse 60 dias por deslocação.
Se o apuramento da vontade dos outorgantes de um contrato constitui matéria de facto (Prof. A. Varela, RLJ 122-220 e Dr. Henrique Mesquita, RLJ 129-28) apurar o sentido relevante da declaração relevante para as partes é aplicar o direito aos factos (v.g. Acórdãos do STJ de 3 de Novembro de 1994 - BMJ 441-357, de 3 de Dezembro de 1998 - CJ/STJ VI 3 136 e de 18 de Dezembro de 2001 - 02B1814).
Isto é, determinar o sentido relevante para o direito a atribuir à declaração, tendo presente o artigo 236º do Código Civil, que consagra a impressão do destinatário, tendo, porem, em atenção o nº 1 do artigo 238º.
Tem se por adquirido que se trata do tipo de seguro vulgarmente conhecido por "seguro de viagem".
Daí que cubra os eventos lesivos ocorridos "in itinere" - independentemente de se tratar de deslocação de lazer ou de negócios - e os que ocorrerem durante as curtas estadas - não superiores a 60 dias - em locais inseridos nessas deslocações, desde que situados a mais de 50 km da residência do segurado.
Não é, manifestamente, o caso do falecido FF, cujo acidente ocorreu não em situação de deslocação transitória mas no exercício de uma actividade profissional, que exercia durante os períodos de férias da sua profissão principal.
Esta interpretação é a que mais se coaduna com os princípios acima referidos sendo que tem correspondência no texto do contrato.
E nem se diga poder contender com a prevalência do sentido mais favorável ao aderente do seguro, constante do nº 2 do artigo 11º do Decreto-lei nº 446/85, pois, e como atrás se acenou, o segurado não teve intervenção no contrato, apenas integrando um colectivo de beneficiários constituído por todos os titulares do cartão de credito emitido pela Empresa-A.
Também nesta parte o Acórdão recorrido não merece censura.
3- Seguros de vida
Assente ficou a validade dos seguros de vida, titulados pelas apólices nºs 5000500 e 5000540, com exclusão do clausulado na alínea d) do nº 1 do artigo 4º das Condições Gerais (morte em acidente aéreo).
A seguradora é, assim, responsável pelo pagamento aos Autores do capital em divida referente ao financiamento imobiliário a que o primeiro seguro estava associado e do capital em divida, referente ao contrato de mútuo a que o segundo seguro de vida estava associado.
Tudo devido à data da morte do FF.
A Empresa-A deve ser paga dos seus créditos - nos montantes vencidos à data do decesso - pela seguradora, que não pelos Autores.
Foi esse o escopo dos contratos de seguro.
Daí que tudo o que os Autores lhe prestaram após aquela data não era por eles devido, já que, na qualidade de tomadora e beneficiária dos seguros, teria de reclamar essas quantias à respectiva seguradora.
E, a Empresa-A, deve restituir aos Autores o que lhe foi pago, sendo relevantes as regras de repetição do indevido do nº 1 do artigo 476º do Código Civil.
Incensurável, outrossim, o julgado quanto aos juros.
4- Conclusões
a) O dever de comunicação das cláusulas contratuais constante do artigo 5º do Decreto-lei nº 466/85 de 25 de Outubro destina se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as clausulas a inserir no negócio.
b) Esse dever acontece na fase de negociação, ou pré-contratual, e deve ser acompanhado de todos os esclarecimentos necessários, possibilitando ao aderente conhecer o significado e as implicações das cláusulas.
c) Nas clausulas contratuais gerais, por constarem de texto pré-elaborado, a adesão faz se com a emissão da proposta e aceitação do modelo.
d) O ónus da prova da comunicação cabe ao contraente que submete as cláusulas ao outro.
e) As respostas negativas à matéria de facto não implicam que se tenha demonstrado o facto contrario, revelando apenas que tal não ficou provado, tudo se passando como se a matéria não tivesse sido alegada.
f) Excluída uma cláusula por indemonstrada a sua prévia comunicação, o contrato subsiste sem ela salvo se ocorrer uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou se gerar um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
g) O seguro de acidentes pessoais associado à emissão de um cartão de credito é negociado entre a entidade emitente do cartão e a seguradora, únicas partes no contrato, sendo o beneficiário integrado num grupo de titulares do cartão de credito sem que tenha aderido ao contrato de seguro.
h) Determinar o sentido relevante de uma declaração negocial, tendo presente o artigo 236º, e não olvidando o nº 1 do artigo 238º do Código Civil, é aplicar o direito aos factos.
i) O típico seguro de acidentes pessoais, conhecido por seguro de viagem, cobre os eventos lesivos ocorridos "in itinere" - independentemente de se tratar de deslocação de lazer ou de negócios - incluindo as que ocorrerem durante as curtas estadas de transito, e não abrange os que acontecem no exercício de uma actividade profissional que o segurado exercia fora da sua área de residência, durante as férias da sua profissão principal.
j) A morte do segurado, em seguros de vida associados a financiamentos imobiliários ou outros, implica o pagamento pela seguradora do capital em divida à data do evento - morte - e a restituição pela entidade financiadora, ou pelo mutuante, pelo que recebeu após esse evento, já que, então, a responsabilidade pelo pagamento é da seguradora.
Perante o exposto acordam negar as revistas.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 18 de Abril de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho