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RECONVENÇÃO
DEMARCAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
1) A reconvenção representa uma acção distinta que se cruza com a que o autor intentou, podendo consistir no mesmo conteúdo ou em conteúdos autónomos (reconvenção pura) ou, finalmente, num pedido incompatível com o pedido normal do réu, que é a improcedência (reconvenção subsidiaria). 2) Se ao pedido inicialmente formulado pelo autor corresponder uma forma de processo especial, mas passar a corresponder processo comum em virtude da contestação do réu, a reconvenção é admissível, mesmo na vigência da anterior redacção do nº 3 do artigo 274º do Código de Processo Civil. 3) Na antiga acção de demarcação (tombamento, "finium regundorum") após a contestação seguiam se os termos de processo comum de declaração (artigos 1053º e 1052º nº 1 do CPC). 4) Age com dolo substancial, ou má fé material, quem articula, dolosamente, factos que sabe não corresponderem à verdade ou omite factos essenciais ao fundo da causa. 5) Sendo o objectivo da demarcação fixar a linha divisória, perante a ausência de quaisquer sinais que evidenciem onde estão os extremos de cada prédio, sem que a questão se reconduza à propriedade, age dolosamente o autor que procede previamente ao arrancamento das marcas para, omitindo tal, vir alegar a indefinição dos limites.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
"AA" e seu marido BB intentaram acção de demarcação contra "Empresa-A", pedindo a delimitação de um seu prédio, na parte que confina com prédio da Ré, por inexistirem marcas a separar as duas parcelas.
Contestou a Ré dizendo, nuclearmente, que os prédios foram demarcados, sendo que os Autores retiraram os marcos, alem de terem falsificado uma certidão do Cartório Notarial.
Concluíram pela improcedência do pedido e, em reconvenção, pedem a condenação dos Autores a reporem os marcos que retiraram. Pedem ainda a condenação dos Autores como litigantes de má fé.
Seguiram se em réplica, a pugnar pela improcedência da reconvenção e pela má fé da Ré.
Na tréplica concluiu se como na contestação.
A final, a acção foi julgada improcedente e indeferido o pedido reconvencional.
Apelaram os Autores e, subordinadamente, a Ré.
A Relação de Coimbra confirmou integralmente a decisão da 1ª instância.
Os Autores pediram revista, que ficou deserta por não alegada.
Recorre a Ré para concluir:
- A reconvenção é admissível por se tratar dos casos elencados nas alíneas a) e c) do artigo 274º nº 2 do Código de Processo Civil;
- O pedido reconvencional funda - se na mesma causa de pedir que o pedido dos recorridos;
- Este baseia se no alegado comportamento da recorrente e no objecto do contrato de compra e venda celebrado com a recorrente e o pedido reconvencional baseia - se nos factos alegados pela recorrente em sua defesa que representam a versão contrária dos factos que servem de causa de pedir à acção;
- O pedido reconvencional tende ao mesmo efeito jurídico a que tende o pedido deduzido pelos recorridos;
- Existe identidade entre a causa de pedir que serve de fundamento ao pedido principal e a que serve de fundamento à reconvenção;
- A apreciação de um e outro pedido depende da apreciação dos mesmos factos;
- O pedido reconvencional emerge dos factos alegados pela recorrente na sua defesa;
- Contrariando os que vem descritos na petição inicial;
- E demonstram que os recorridos agiram ilegitimamente e que a recorrente tem direito a ver reposta a legalidade, isto é, a demarcação inicialmente feita pelas partes e destruída unilateralmente pelos recorridos;
- O nº 3 do artigo 274º do Código de Processo Civil permite a reconvenção, ainda que ao pedido do Réu corresponda uma forma de processo diferente, mediante autorização do juiz, verificadas as condições previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 31º;
- Isto é, desde que os pedidos não importem uma tramitação incompatível e quando existe interesse relevante ou quando a apreciação simultânea de ambos seja indispensável para a justa composição do litigio;
- Tais pressupostos ocorrem e não há incompatibilidade de tramitações - artigo 1053º;
- O princípio da segurança jurídica propugna que iguais situações de facto mereçam a mesma valoração e decisão jurídica;
- Os recorridos litigam de má fé, pois sempre conheceram os limites da propriedade e não estavam convencidos que a área era inferior à que adquiriram;
- A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 31º nºs 2 e 3, 274º alíneas a) e c), 456º, 659º, 1052º e 1053º do Código de Processo Civil.
Pedem, em consequência, a revogação da sentença e do acórdão que a confirmou " na parte em que julgou inadmissível a Reconvenção apresentada pela recorrente".
Como não vem impugnada, nem é caso de alteração da matéria de facto, remete - se para a elencada no acórdão recorrido, face aos artigos 713 nº 6, 749º e 754º, todos do CPC.
Foram colhidos os vistos.
Conhecendo,
1 - Âmbito do recurso
2 - Reconvenção
3- Litigância de má fé
4- Conclusões
1 - Âmbito do recurso
A acção foi intentada em 1995, sendo - lhe aplicáveis os preceitos adjectivos vigentes antes da reforma introduzida pelo Decreto - Lei nº 329-17/95, de 12 de Dezembro (artigo 16º).
Assim não é, porem, quanto aos recursos ponderando a data da sua interposição.
Contudo, e face ao preceituado no artigo 25º, na parte que exclui a aplicação imediata do nº 2 do artigo 754º da lei adjectiva, ainda se poderá conhecer da má fé, o que na actual regulamentação não seria possível.
È que, essa questão foi julgada em 1ª instância, confirmada pela Relação, sendo que se reporta à conduta dos recorridos no limiar da lide. Ora se fosse aplicável a primeira parte do nº 2 do citado artigo 754º, o julgado em 2ª instância seria definitivo.
Tanto não se diria quanto á questão da reconvenção já que, por se tratar de acção cruzada, o acórdão em crise pôs termo á lide, razão porque lhe seria inaplicável aquele nº 2 do artigo 754º, "ex vi" do nº 3 do mesmo preceito, na sua conjugação com a alínea a) do nº 1 do artigo 734º.
2 - Reconvenção
2.1 - Como acima se disse, e ponderando a data de instalação da lide, não é aplicável o regime introduzido pelos Decretos - Lei nº 329-17/95 e 180/96 de 25 de Setembro.
Terá, pois, de considerar se a redacção inicial do artigo 274º do CPC.
Outrossim, relevarão os artigos 1052º e 1053º do mesmo diploma, no tocante à forma do processo de demarcação, antes acção de arbitramento.
2.2 - Como acima se acenou, a reconvenção representa uma acção distinta que, sendo admissível se cruza com a que o autor intentou.
O pedido tem normalmente o mesmo do conteúdo do autor "embora de sinal contrário" (Prof. Castro Mendes, apud "Direito Processual Civil, II, 15-1969).
Mas alem do que é moldado sobre o do autor, dele dependendo e do seu conteúdo, pode formular, o Réu, pedidos autónomos.
È a reconvenção pura (Jaeger in "La Riconvenzione nel Processo Civile").
Os seus pressupostos substantivos são seriados no nº 2 do artigo 274º do CPC - emergir o pedido cruzado do facto que serve de fundamento à acção ou à defesa; propósito de obter uma compensação ou o direito a benfeitorias ou pagamento de despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida - v.g artigos 1273º ou 1199º, alínea b) do Código Civil - propósito do Réu de lograr em seu beneficio o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A relação pode ser compatível com o pedido do Réu (que, como regra pretende a absolvição) ou incompatível, devendo, neste caso, ser deduzido subsidiariamente.
Irreleva aqui proceder à exegese do nº 2 do artigo 274º do CPC, antes sendo crucial analisar o nº 3.
Na redacção que importa, a reconvenção não é admissível "quando ao pedido do Réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor", excepto se tal for (unicamente) o resultado do diverso valor dos pedidos.
"In casu", movemo - nos no âmbito de uma acção de demarcação, sendo que a Ré contestou alegando que a demarcação existia e, em reconvenção, pediu a condenação dos Autores a reporem os marcos que retiraram.
Parece claro que, tratando - se de uma acção de arbitramento destinada a determinar os extremos de prédios confinantes, se há duvidas quanto aos seus limites (in Prof. A. Dos Reis "Processos Especiais"II, 13 e Profs. P. Lima e A. Varela, in "Código Civil Anotado, III, 197) e pressupondo a qualidade de proprietário de um dos prédios confinantes a demarcar, a questão não pode reconduzir - se à propriedade mas, apenas, à indefinição da linha divisória entre dois prédios.
A acção especial de tombamento, "finium segundorum", justifica se perante a ausência de quaisquer sinais que evidenciem onde estão os extremos de cada prédio, sinais ostensivos, como marcos, muros, sebes, valadas, etc.
Logo que fixada a linha divisória, podia, e se subsistissem duvidas sobre o traçado em pormenor, seguir se o cravamento de marcas, nos termos do nº 5, artigo 1058º da lei adjectiva, diligência feita pelos peritos.
O objectivo da demarcação é, assim, fixar a linha divisória e nada mais.
Se esta está definida - e existem sinais visíveis e permanentes - não há lugar ao cravamento de marcas.
Estas considerações importam para aquilatar do requisito da compatibilidade processual, que é o essencial motivo da reconvenção não ter sido admitida, e da má fé.
2.3 - Na redacção que vigorava, ao pedido reconvencional devia corresponder a forma de processo aplicável ao pedido principal.
Na vigência do CPC de 1939 (§ único do artigo 279º) estabelecia se o mesmo principio com a ressalva "de ao pedido do autor corresponder processo comum e ao pedido do réu uma forma de processo comum mais simples".
Mas nunca seria admitida a reconvenção se ao pedido do autor correspondesse uma forma de processo especial e ao pedido cruzado uma forma comum ou de outro processo especial.
O Código de 1961 manteve, no essencial, o texto mas, perante muitas criticas (vg Sá Carneiro, in "Revista dos Tribunais", 62, 51; Prof. A dos Reis, "Comentário ao Código de Processo Civil, III, 118 e Lopes Cardoso, in "Projectos de Revisão do Código de Processo Civil", I, 1958) adoptou a redacção que ressalva "o diverso valor dos pedidos", mas contendo o advérbio "unicamente", só abolido na reforma de 1967, para possibilitar a reconvenção se ao pedido do réu correspondesse a forma sumaríssima.
Porem, é geralmente entendido que se ao pedido inicialmente formulado pelo autor corresponder uma forma especial de processo, mas passar a corresponder processo comum em virtude da contestação do réu nada obsta à admissibilidade da reconvenção. (neste sentido, Prof. A dos Reis, in "Comentário ao Código de Processo Civil", III, 118 seg; Cons. Rodrigues Bastos, apud "Notas ao Código de Processo Civil", II, 31; Prof. A. Varela, in "Manual de Processo Civil", 312, ed. 1984 e Abílio Neto, in "Breves Notas ao Código de Processo Civil", 86).
Na acção "sub judicio" foi oferecida contestação, seguindo se, desde então os termos de processo comum, nos termos dos artigos1053º e 1052º nº 1 do CPC.
Daí que irrelevasse o argumento da falta de compatibilidade processual para admitir a reconvenção.
Diferente seria (ou será) saber se o pedido de reposição das marcas pode ou não proceder.
Mas essa será questão de mérito a decidir noutra sede.
3 - Litigância de má fé
3.1 - A recorrente insiste na condenação dos Autores por litigarem de má fé.
Também aqui é aplicável a redacção do artigo 456º do diploma adjectivo.
Muito embora, e perante o que foi exposto, a acção tenha de prosseguir quanto ao pedido reconvencional, conhecer - se - á da má fé imputada aos Autores, por se reportar, apenas à sua conduta na acção, e em 1ª instância, não se prendendo com a reconvenção.
3.2 - Seguro é que o litigar conscientemente contra lei expressa integra lide temerária e menos proba sendo susceptível de integrar a previsão do artigo 456º nº 2 do Código adjectivo.
Aí se distingue entre o dolo substancial (1ª parte) e dolo instrumental (2ª parte).
"A má fé traduz - se, em ultima analise, na violação do dever de probidade que o artigo 264º impõe ás partes." (Prof. M. Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", 356).
O nº 2 daquele preceito impõe uma litigância sem formulação consciente de pedidos ilegais e sem articulação de factos "contrários à verdade" ou pedido de "diligências meramente dilatórias".
Na má fé material, o dolo pode perfilar - se como directo, caracterizado pela alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais, ou indirecto, com dedução de pretensão cuja falta de fundamento se não ignora.
Já a má fé instrumental consiste no uso de "meios processuais" reprováveis, "com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça" (Prof. M. Andrade, ob. cit. 357).
O Prof. A. Dos Reis refere que a má fé material diz respeito ao fundo da causa, à relação substancial deduzida em juízo; a má fé instrumental diz respeito a questões de natureza processual. (in "Código de Processo Civil Anotado", II, 263).
É fora de duvida que em ambos se exige dolo (não mera culpa ainda que grave).
Pretende - se má fé em sentido psicológico, que não apenas em sentido ético (leviandade ou imprudência) ou lide sem justa causa de litigar.
È a consciência de não ter razão e não obstante litigar, "eis a figura nítida do litigante de má fé" (Prof. A. Reis "Código" cit., II, 262)
3.3 - Os Autores intentaram uma acção de demarcação que, como acima se disse, tem como pressuposto a indefinição dos extremos de prédios confinantes.
Resultou provado que, antes da propositura da acção, procederam ao arrancamento dos marcos que ali existiam, omitindo esse facto.
"Prima fácies", é uma atitude grave, com grosseira alteração da verdade, não colhendo o argumento de estarem convencidos de que a área demarcada era inferior à que tinham adquirido.
Articularam, assim, factos contrários à verdade, fazendo o conscientemente.
Há clara má fé material.
4 - Conclusões
Pode concluir se que:
a) A reconvenção representa uma acção distinta que se cruza com a que o autor intentou, podendo consistir no mesmo conteúdo ou em conteúdos autónomos (reconvenção pura) ou, finalmente, num pedido incompatível com o pedido normal do réu, que é a improcedência (reconvenção subsidiaria).
b) Se ao pedido inicialmente formulado pelo autor corresponder uma forma de processo especial, mas passar a corresponder processo comum em virtude da contestação do réu, a reconvenção é admissível, mesmo na vigência da anterior redacção do nº 3 do artigo 274º do Código de Processo Civil.
c) Na antiga acção de demarcação (tombamento, "finium regundorum") após a contestação seguiam se os termos de processo comum de declaração (artigos 1053º e 1052º nº 1 do CPC).
d) Age com dolo substancial, ou má fé material, quem articula, dolosamente, factos que sabe não corresponderem à verdade ou omite factos essenciais ao fundo da causa.
e) Sendo o objectivo da demarcação fixar a linha divisória, perante a ausência de quaisquer sinais que evidenciem onde estão os extremos de cada prédio, sem que a questão se reconduza à propriedade, age dolosamente o autor que procede previamente ao arrancamento das marcas para, omitindo tal, vir alegar a indefinição dos limites.
Nos termos expostos, acordam:
- Dar provimento ao agravo e, em consequência, determinar a baixa dos autos para que seja conhecido o pedido reconvencional.
- Condenar os recorridos na multa de 5 UCs, por litigarem de má fé.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 18 de Abril de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho