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ARMA APARENTE
ARMA DE ALARME
FURTO
Sumário
I - Como já muitas vezes se decidiu neste Supremo Tribunal, a arma aparente é a que é visível, por oposição à que está oculta, e não a que aparenta ser uma arma. II - Não se verifica a agravante do art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP - trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta -, quando se apura que os “arguidos eram portadores de uma arma de alarme, sem qualquer poder letal”.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1. AA, BB, CC e DD foram julgados na 8ª Vara Criminal de Lisboa e aí condenados pela co-autoria material, em concurso real e na forma consumada, de dois crimes de roubo qualificado, do artigo 210.°, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.°, n.º 2, al. f), todos do Código Penal, nas penas, iguais para todos os arguidos, de 3 anos de prisão por cada crime e na pena única de 4 anos de prisão.
Do acórdão condenatório recorreram os 4 arguidos para a Relação de Lisboa, o AA e o DD impugnando apenas a matéria de facto e os dois restantes impugnando, para além da matéria de facto, a medida da pena.
A Relação de Lisboa, por Acórdão de 30 de Novembro de 2005, negou provimento aos recursos dos arguidos AA e DD, mas concedeu provimento parcial aos recursos dos arguidos BB e CC, desqualificando os dois crimes de roubo por serem de valor diminuto os objectos retirados aos ofendidos, nos termos dos art.ºs 204.º, n.º 4 e 210.º, n.º 2, al. b), do CP, e condenando esses dois arguidos, por cada um dos crimes de roubo simples, em 2 anos de prisão e na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão.
2. Inconformado ficou apenas o arguido AA, que recorre agora para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação, extrai as seguintes conclusões:
1. Tendo-se por verificados os vícios do art. 410 n.º 2 do CPP, designadamente insuficiência de matéria de facto para se concluir como se concluiu pela incriminação do recorrente e ainda uma incorrecta apreciação/valoração das provas, sendo evidente erro notório na apreciação das mesmas, uma vez que ficou provado em audiência de julgamento, que o recorrente não participou nos crimes de que vem acusado e condenado, conforme pontos 32 e 33 do douto acórdão proferido em ia instância, há que determinar a anulação do julgamento para operar o suprimento dos mesmos e a sua ultrapassagem, com a consequente absolvição do recorrente.
2. Houve uma clara violação do art. 32 da CRP, uma vez que não foi feita prova bastante, para se poder condenar o recorrente na prática de algum crime, implicava que se usasse o principio "in dubio pro reo", dado que não há uma testemunha nem um co-arguido que implique o ora recorrente na prática de algum crime.
3. O colectivo em 1ª instância, fundou a sua convicção à luz das regras da experiência comum, nenhuma prova efectuada em audiência de julgamento, ou outro qualquer tipo de prova junto aos autos, permite condenar o recorrente em dois crimes de roubo. O tribunal em ia instância, formulou acórdão à luz das regras da experiência comum, ou seja partiu da ideia errónea que jovem negro morador em bairro problemático é criminoso, conforme senso comum.
4. É de salientar que foi reduzida a pena de prisão aos co-arguidos BB e CC, para 3 anos e 4 meses, arguidos em que ficou provado sem margem para dúvidas a pratica dos crimes, e foi mantida a pena de 4 anos ao recorrente, que na nossa opinião subsistem dúvidas que tenha praticado o crime, violando o disposto no art. 402 n.º 2 a) do CPP, devendo ser aplicada a mesma redução da pena a todos os co-arguidos dos autos, caso não se decida pela absolvição do mesmo.
3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso e concluiu:
1ª- É de rejeitar o recurso no que à matéria de facto respeita face ao disposto no art.º 432° do CPP.
2ª- Uma vez que os objectos de que se apropriaram os arguidos BB e CC foram considerados de valor diminuto no douto acórdão desta Relação, e por isso, a sua conduta passou a ser enquadrada no art.º 210° n.º 2 al. b) in fine e 204° n.º 4 do CP, também a conduta criminal do recorrente AA tem de ser qualificada do mesmo modo.
3ª- Porém, como cada comparticipaste tem de ser punido segundo a sua culpa e independentemente da punição e do grau de culpa dos outros comparticipastes (art.º 29° do CP), este arguido deve ver mantidas as penas parcelares impostas bem assim a pena única de 4 anos de prisão face à prova produzida, designadamente quanto à falta de arrependimento e ao seu passado criminal.
3ª- O douto acórdão desta Relação deve ser mantido na íntegra.
Neste Supremo, o Excm.º PGA pôs o seu visto.
4. Colhidos os vistos e realizada a audiência com o formalismo legal, cumpre decidir.
As principais questões a decidir são as seguintes:
1ª- Se o STJ pode conhecer dos vícios da matéria de facto já invocados junto do tribunal recorrido, já que o recurso é meramente de revista?
2ª- Se houve violação do princípio “in dubio pro reo”?
3ª- Uma vez que houve co-autoria, se a desqualificação dos crimes de roubo que a Relação só aplicou a dois arguidos deve ser estendida ao ora recorrente e também ao quarto arguido?
4ª- Caso afirmativo, se ao recorrente e ao quarto arguido devem ser aplicadas as penas que a Relação fixou aos dois arguidos cujos recursos mereceram aí provimento parcial, ou se o recorrente deve manter a pena fixada na 1ª instância, atento o seu passado criminal e a falta de arrependimento?
Os factos provados são os seguintes: 1) No dia 4 de Junho de 2004, cerca das 00,30 horas, encontravam-se os arguidos na companhia de um número indeterminado de indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, próximos do Beco do Bola - Rua, no Bairro ......., na Venda Nova, Amadora, quando constataram que um pouco mais à frente, mais precisamente no cruzamento da Rua ...... com a Estrada ...., ocorreu um acidente que envolveu um táxi, com a matrícula ....-....-..... e um outro veículo, com a matrícula .....-.....-..... . 2) Na sequência desse acidente rodoviário, os respectivos condutores, o ofendido EE e FF saíram dos seus veículos, a fim de verificaremos estragos provocados; 3) Manteve-se o ofendido GG, passageiro do referido táxi, por instantes dentro do mesmo. 4) Constatando que as referidas pessoas se encontravam atentas às consequências do acidente, os arguidos logo formularam o propósito de os atacar, tendo em vista apoderarem-se de bens e valores que trouxessem consigo ou estivessem no interior dos respectivos veículos. 5) Mais decidiram que levariam a cabo tais intentos, actuando de forma conjunta e rápida, cercando as suas vítimas e ameaçando-as, se necessário. 6) Para neutralizar qualquer possibilidade de defesa, por parte das suas vítimas, usariam a ameaça de um revólver que estava na posse do arguido BB. 7) Em execução desta ideia correram todos em direcção aos referidos indivíduos, sendo certo que optaram por dirigir as suas acções para o local onde ficara o veículo de serviço de táxi; 8) De imediato, os arguidos BB e CC se dirigiram para o ofendido GG , ao passo que os restantes cercaram o condutor do táxi, o ofendido EE. 9) Os arguidos BB e CC puxaram o ofendido GG para fora do veículo e o BB, vendo que o ofendido GG trazia uma mala a tiracolo, deu fortes puxões a esta com o intento de lha tirar. 10) Como o GG tivesse resistido, o BB apontou-lhe ao peito o revólver que trazia consigo, dizendo-lhe "Tas a ver isto? Eu não estou a brincar". 11) Temendo agressão que, inclusivamente poderia tirar-lhe a vida, o ofendido GG acabou por entregar a sua mala ao BB. 12) Ao mesmo tempo que o arguido CC revistava este arguido, acabando por lhe tirar o seu telemóvel, de marca Sony Ericsson, modelo T100. 13) Enquanto isto os arguidos AA e FF juntamente com os restantes companheiros não identificados cercaram o ofendido EE e agarrando-o, revistaram-no, acabando por lhe tirar do bolso da camisa a quantia de quinze euros em notas. 14) Seguidamente tiraram de uma bolsa existente junto ao lugar do condutor do táxi uma carteira em pele que continha dez euros em moedas; 15) Apercebendo-se do que se estava a passar, o condutor do outro veículo interveniente no acidente - FF, que é agente da PSP, pegou na sua arma de serviço e exibiu-a, ao mesmo tempo que avisava da sua condição profissional. 16) Perante tal, os arguidos e os seus acompanhantes interromperam, de imediato, a sua acção e puseram-se em fuga, dirigindo-se para o já referido Beco do ....., na posse dos bens e valores de que se tinham, entretanto, apoderado. 17) Os bens de que os arguidos se apoderaram não mais foram recuperados. 18) A mala pertencente ao ofendido GG continha três livros de estudo, uma bolsa para objectos de higiene pessoal, com diversos artigos, as chaves de casa e diversos papeis e facturas, tudo num valor declarado de setenta e cinco euros; 19) O ofendido EE, para além da quantia de vinte e cinco euros de que ficou desapossado, ficou com a sua camisa, a que atribuiu o valor de dez euros, rasgada, em consequência das condutas dos arguidos. 20) Nenhum dos ofendidos sofreu ferimentos ou ficou com lesões, em consequência das condutas dos arguidos. 21) O BB foi detido em 16/6/04. 22) Na sequência de busca operada na sua casa, acabou por ser-lhe apreendido o revólver que usou nas referidas condutas, o qual foi examinado e conforme consta do respectivo relatório que ora faz fls. 178 a 182, verificou-se que se tratava de uma arma de alarme, sem qualquer poder letal. 23) Dadas as semelhanças que o dito "revólver" apresenta com uma arma de fogo, a ameaça com aquela foi idónea para neutralizar a resistência do ofendido GG. 24) Aquando da sua actuação, o arguido BB atirou com uma garrafa de cerveja que tinha na sua mão, para o chão. 25) A referida garrafa foi apreendida e recolhidos vestígios digitais que o mesmo BB deixara nela. 26) Tais vestígios foram sujeitos a exame logoscópico, cujo relatório constante de fls. 183 a 190, conclui que tais vestígios correspondem ao dado médio da mão esquerda deste arguido. 27) Com as descritas condutas, quiseram os arguidos e os seus acompanhantes apoderar-se de valores e bens que se encontrassem na posse dos ofendidos ou no interior do táxi do ofendido EE, fazendo-os seus e, assim, utilizando-os como lhes aprouvesse, o que efectivamente conseguiram. 28) Sabiam que tais bens e valores não lhes pertenciam e que, ao actuar do modo descrito o faziam contra as vontades e interesses dos seus legítimos donos. 29) Para tanto, os arguidos actuaram com esforços concertados, utilizando força física e o desequilíbrio numérico, sendo certo que o arguido BB não se coibiu de apontar o revólver que trazia consigo ao peito do ofendido GG, neutralizando, pelo medo neste criado, qualquer reacção de defesa. 30) Os arguidos agiram ainda aproveitando o local e o momento de tempo, caracterizados pela quase ausência de movimento rodoviário e pedonal. 31) Os arguidos actuaram sempre de modo livre e determinado, com plena consciência de que as suas condutas não eram permitidas por lei. Mais se provou: 32) O arguido BB vive maritalmente e tem um filho com um ano de idade. Antes de detido trabalhava como calceteiro, auferindo 700 Euros mensais. O arguido BB confessa ter-se dirigido ao ofendido GG perguntando-lhe "tá tudo bem contigo". Ele agarrou a mal que trazia a tiracolo e o arguido BB tirou-lha, não lhe apontando arma nenhuma, e foi-se embora. Alguns dias depois a PSP foi lá a casa procurar uma arma e apreenderam-lhe estando à ordem deste processo. Na altura do seu interrogatório perante o T.I.C. mentiu para não ficar preso, pois o seu filho só tinha três meses. Confirma a presença do CC ao pé de si e que os ditos AA e DD não estavam lá. Confirma que tinha a garrafa de cerveja na mão e deitou-a para o chão. Tinha a arma no bolso "que um amigo lhe dera para guardar enquanto ia visitar uma tia lá dentro do bairro. Mostrou-a aos outros arguidos. Da sua ficha criminal, extractada em 3/5/05, nada consta. É o 2° filho de uma fratria de seis tendo o seu processo de socialização decorrido até aos dezanove anos em ambiente cultural Caboverdiano, no interior de uma família monoparental, pois os pais separaram-se quando bebé, de condição sócio-económica modesta mas estável. Frequentou a escola até ao 6° ano de escolaridade, que abandonou aos catorze anos, para se dedicar ao futebol, tendo sido federado na equipa nacional do seu país. Aos dezanove anos vai para França enquadrado na sua equipa de futebol, onde permanece em casa de familiares, até decidir emigrar para Portugal. Aqui entregou agregados familiares de primos e tios, trabalhando na construção civil, ajudante e estucador de calceteiro. Aos 21 anos iniciou relação afectiva de que nasceu o dito menor. Tem outro filho menor que ainda não perfilhou. Antes da reclusão vivenciou uma situação de vida desestruturada, desenquadrado profissionalmente, assumindo um estilo de vida baseado no ócio, integrando grupos de pertença com as mesmas características, num bairro de exclusão social e com elevada problemática marginal. A sua companheira, devido a comportamentos delinquentes, foi sujeito a uma medida de internamento, em regime aberto, no Centro Educativo S. Bernardino, mantendo o seu filho com ela. No E.P. já foi sujeito a uma sanção disciplinar por conflituosidade inter-relacional. É conhecido pela alcunha "Dá". 33) O arguido CC vive maritalmente e tem uma filha com dezanove meses de idade. Trabalha como servente de pedreiro, auferindo 450 euros mensais. Confessa ter ido junto com o BB ao pé do táxi, abordaram o passageiro e ele CC disse-lhe: «dá aí o telemóvel», o que o ofendido fez. O telemóvel valia quando muito 25 euros. Sabia que o BB tinha uma arma, uma pistola cromada, para entregar a um amigo. Não sabe se o AA (conhecido pelo "Bruno Tarrafal") ou o DD (conhecido por "Neve") participaram na abordagem ao táxi. Confirma que tinha bebido umas cervejas, mas não estava embriagado. Afirma-se arrependido. Do seu CRC nada consta. 34) O arguido DD afirma ser conhecido por "Neve", solteiro, servente de pedreiro há um mês, auferindo quatrocentos euros mensais. Refere viver com a mãe e o padrasto, agora na Rua das ......, ..... - Damaia. Refere que não participou em nado esteve só a 5/10 metros, a ver o acidente, veio "bué" de PSP e taxistas e viu lá os outros três BB, CC (Catita) e AA (Tarrafal). Do seu CRC nada consta. 35) O arguido AA refere viver maritalmente há vinte meses e tem dois filhos de cinco anos, a viver com a sua mãe biológica e outro com cinco meses. Refere o AA que está desempregado há 3 meses, conhece os restantes e estava presente lá junto ao acidente mas não praticou os factos constantes da acusação. Já respondeu e foi condenado no Proc° 760/99.05RL5B da 9ª Vara Criminal de Lisboa por tráfico de menor gravidade, bem como nos Proc°s 732/99.45RL5B e 576/00.
VÍCIOS DA MATÉRIA DE FACTO
Repetidamente Por ser uma jurisprudência muitas vezes repetida, reproduz-se aqui profusamente o Ac. lavrado no processo n.º 2369/04-5, em que foi relator o Conselheiro Carmona da Mota e no qual o ora relator foi adjunto. vem este Supremo Tribunal de Justiça decidindo o seguinte:
«Pretendendo os interessados solicitar o reexame da matéria de facto fixada em 1.ª instância por decisão final de tribunal colectivo, terão que o fazer directamente para a Relação e nunca per saltum para o Supremo, uma vez que este só julga de direito. É que, tendo os recorrentes ao seu dispor o Tribunal da Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo e tendo aquele tribunal mantido tal decisão, vedado lhe está pedir ao Supremo Tribunal uma reapreciação da decisão de facto tomada pelo Tribunal da Relação e, muito menos, directamente do acórdão sobre os factos do tribunal colectivo de 1.ª instância» ( Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, «O Novo Código e os Novos Recursos», 2001, edição policopiada, ps. 9/10.)
«A competência das relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido» ( Ibidem.)
Ora, o reexame/revista (pelo STJ) exige/subentende a prévia definição (pelas instâncias) dos factos provados (art. 729.1 do CPC).
E, no caso, a Relação – avaliando a regularidade do processo de formação de convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos (re)impugnados no recurso – manteve-os, em definitivo, no rol dos «factos provados».
A revista alargada ínsita no art. 410.2 e 3 do CPP pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»).
Essa revista alargada (do STJ) deixou, porém, de fazer sentido – em caso de prévio recurso para a Relação – quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (art.ºs 427.º e 428.1).
Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça e, se o não visar, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art. 432.b).
Só que, nesta hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» – das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa») «Salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe [ou «anule», no caso dos «meios proibidos de prova»] a força de determinado meio de prova» (art. 722.2 do CPC)..
O recurso de revista terá assim que circunscrever-se a questões «exclusivamente» de direito. Pois que – insiste-se – as questões «de facto»( Ou «de direito» delas instrumentais e, por isso, «não exclusivamente de direito».) deverão considerar-se definitivamente decididas pela Relação.
VIOLAÇÃO DO “IN DUBIO PRO REO”
O recorrente invoca que houve violação do princípio do “in dubio pro reo”, uma vez que não foi feita prova bastante para se poder condená-lo pela prática de algum crime.
Porém, por um lado, o recorrente reporta-se à decisão da 1ª instância e não à decisão recorrida e só esta está agora em apreciação.
Por outro, o recorrente coloca esta questão no plano da apreciação da prova, pois entende que os meios de prova não terão sido suficientes para atingir a decisão. Ora, é mais uma questão que não é exclusivamente de direito e que, portanto, escapa aos poderes da mera revista.
Já assim não seria se o tribunal recorrido tivesse expressado alguma dúvida sobre se os factos terão ou não ocorrido e, mesmo assim, tivesse decidido contra o arguido, pois aí haveria violação de uma norma jurídica (o art.º 32.º, n.º 1, da Constituição). Mas não é o caso, pois o tribunal recorrido não exprimiu qualquer dúvida.
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA E MEDIDA DAS PENAS
Os quatro arguidos foram condenados na 1ª instância pela co-autoria material, em concurso real e na forma consumada, de dois crimes de roubo qualificado, do artigo 210.°, n.º 2, al. b), com referência ao art. 204.°, n.º 2, al. f), todos do Código Penal.
Ora, a Relação decidiu, quanto a dois dos co-arguidos, que o valor dos objectos de que se apropriaram nos dois roubos era de diminuto valor, pelo que desqualificou os roubos:
«Os crimes praticados pelos recorrentes foram ambos qualificados como roubo agravado, p. e p. pelo 210° n.º 2 al. b), com referência ao art. 204° n.º 2 al. f), todos do Código Penal. Contudo, da análise dos factos dados como assentes constata-se ser diminuto o valor dos objectos retirados a cada um dos ofendidos. Assim, ao ofendido GG foram roubados objectos no valor total de 75 € - cfr. ponto 18 - e ao ofendido EE, objectos no valor total de 35 €. Tendo em consideração estes factos, forçoso é concluir que a conduta de todos os recorrentes se encontra abrangida pela norma constante do n.º 4 do art. 204° do C. Penal, por força do disposto no artigo 210° n.º 2 al. b) in fine do mesmo diploma, e como tal cada um dos crimes de roubo cometido por cada um dos recorrentes é punido com a pena prevista para o crime de roubo simples, isto é, uma pena de 1 a 8 anos de prisão.»
Acrescentaríamos que não se verifica a agravante do art.º 204.º, n.º 2, al. f) - «trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta» - pois, como já muitas vezes se decidiu neste STJ, a “arma aparente” é a que é “visível”, por oposição à que está “oculta”, e não a que aparenta ser uma arma. Ora, os arguidos eram portadores “de uma arma de alarme, sem qualquer poder letal”e “dadas as semelhanças que o dito "revólver" apresenta com uma arma de fogo, a ameaça com aquela foi idónea para neutralizar a resistência do ofendido”.
Portanto, não se verificava em qualquer caso a agravante qualificativa, pelo que nem era necessário apelar ao diminuto valor dos bens apropriados.
A Relação desqualificou os crimes de roubo no que respeita aos dois arguidos que tinham questionado as medidas das penas, mas devia tê-lo feito quanto a todos os arguidos, mesmo aos que só recorreram da matéria de facto, pois havendo comparticipação e não sendo a procedência parcial dos recursos fundada em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos aproveita aos restantes (art.º 402.º, n.º 2-a, do CPP).
E, assim, devia ter decidido que todos os arguidos cometeram, em co-autoria, dois crimes de roubo simples, pp. no art.º 210.º, n.º 1, do C. Penal, par daí retirar as devidas consequências.
Como sabemos, a Relação só diminuiu as penas aos arguidos BB e CC, fixando cada uma das duas penas parcelares em dois anos de prisão e a pena única em 3 anos e 4 meses de prisão. Fê-lo depois de apelar à nova moldura penal dos crimes, aos parâmetros que a jurisprudência vem aludindo na operação de fixação da pena e “tomando em devida consideração todas as circunstâncias atinentes aos factos e à personalidade dos recorrentes”.
Isto é, a Relação para fixar as penas àqueles recorrentes absteve-se de concretizar se os factos e a personalidade daqueles arguidos eram diferentes das dos outros dois arguidos, pelo que é lícita a ilação de que, se tivesse considerado a hipótese de fazer aproveitar o recurso aos dois arguidos que só recorreram da matéria de facto, teria aplicado as mesmas penas a todos, tanto mais que na 1ª instância assim sucedeu.
Vêm estas considerações a propósito da resposta do M.º P.º da Relação ao recurso que ora temos presente, pois manifestou o entendimento de que o recorrente, embora devesse beneficiar da desqualificação dos roubos, teria de manter as mesmas penas parcelares e única, pois, ao contrário dos que viram diminuídas as penas, não mostrou arrependimento e tem antecedentes criminais.
Ora, esta opinião, a ser aceite, representaria uma decisão “in pejus” contra o recorrente, pois ficaria com a mesma pena, mas fixada no quadro de uma nova moldura penal mais favorável, isto é, seria conferido um maior peso às circunstâncias agravantes em seu prejuízo, apesar do recurso ter sido movido pela defesa (cfr. art.º 409.º do CPP).
Do mesmo modo, entendemos que, tendo os quatro arguidos agido em comparticipação e tendo a 1ª instância aplicado a todos as mesmas penas, com as quais se conformou o M.º P.º, a decisão de baixar a pena a dois dos arguidos por motivos que não se demonstram ser estritamente pessoais acarreta a obrigatoriedade de se aplicar aos comparticipantes pena não superior (eventualmente inferior, se houver circunstâncias pessoais destes).
Por isso, não devendo o recorrente, em recurso que só ele moveu, ser prejudicado por se atribuir um maior peso a certas circunstâncias agravantes e não tendo alegado outras circunstâncias novas que o beneficiem, há que condená-lo nas mesmas penas parcelares e única que já foram fixadas aos comparticipantes.
O mesmo se aplica ao não recorrente DD, por força do já citado art.º 402.º, n.º 2, al. a), do CPP.
Termos em que o recurso merece provimento parcial.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso do arguido AA e, em consequência, condená-lo pela co-autoria de dois crimes de roubo, p.p. no art.º 210.º, n.º 1, do C. Penal, nas penas parcelares de dois anos de prisão por cada um e na pena única, resultante do cúmulo jurídico dessas penas, de três anos e quatro meses de prisão. Mais acordam em aproveitar esta decisão em benefício do não recorrente DD, o qual ficará condenado pelos mesmos crimes e nas mesmas penas parcelares e única.
Pelo decaimento parcial, fixam-se em 3 UC a taxa de justiça a cargo do recorrente, com metade de procuradoria.
Notifique.
Lisboa, 4 de Maio de 2006
Santos Carvalho
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa
Arménio Sottomayor