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ROUBO
AGRAVANTES
ARMA APARENTE
Sumário
I - A expressão «arma aparente» contemplada na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP nada tem a ver com o que «aparenta» ser uma arma; surge em contraposição a «arma oculta», como aquela que aparece, que se pode ver. II - A apontada circunstância qualificativa pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. Aliás, a vítima pode nem se aperceber da detenção da arma pelo agente. III - Por isso, tendo-se apenas provado que os arguidos, na execução do crime de roubo, utilizaram «um objecto similar a uma arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada», não podia o tribunal concluir pelo preenchimento daquela qualificativa. IV - A tal não obsta a circunstância de a exibição do mencionado instrumento pelos arguidos, acompanhada pelas ameaças proferidas, ter sido decisiva para o desencadear do medo que levou as ofendidas a não oferecerem resistência à subtracção do dinheiro existente na estação dos correios, que apenas releva no âmbito do n.º 1 do art. 210.º do CP, como forma de violência contra as ofendidas. 10-05-2006
Texto Integral
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
I. No 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal da comarca de Vila Nova de Famalicão foram acusados em processo comum com intervenção do tribunal colectivo AA e BB, de terem cometido, em concurso real e co-autoria, um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º 2, alínea f), e 210.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal.
CTT – Correios de Portugal, S.A. deduziu pedido cível contra os arguidos pedindo a sua condenação a pagarem-lhe o valor de 1273,68 euros, acrescido de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, sobre aquele montante.
Efectuado o julgamento, por acórdão de 14 de Dezembro de 2005 foi decidido:
─ Condenar o arguido BB como co-autor de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena dois anos e quatro meses de prisão;
─ Condenar o arguido AA, como co-autor do mesmo crime, na pena de três anos de prisão;
─ Condenar os demandados AA e BB no pagamento, solidário, à demandante, da indemnização no valor de 1270,00 euros, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde, respectivamente, 7 e 11 de Novembro de 2005, até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, o Ministério Público recorreu para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem:
Artigo 1.°: A agravativa do roubo, ARMA, verifica-se quando se dá como provada utilização de um objecto similar a arma de fogo que aparentava ser pistola de pequenas dimensões e cromada, que provocou medo, constrangimento e foi idónea a não reacção perante apropriação.
Artigo 2.°: O objecto similar a arma de fogo que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada, pela sua descrição, é instrumento com possibilidade de poder ser utilizado para agredir e de forma significativa e eficaz: ninguém duvida que com o mesmo se poderia atingir a integridade física de outrem através, por exemplo, de uma coronhada na cabeça, de um murro, servindo o instrumento como "boxer", poderia ser arremessado contra a cara de alguém para atingir nos olhos, etc..
Artigo 3.°: Resulta provado que empunhando o objecto, o co-arguido voltou-se para as duas ofendidas e voltou-se para os utentes dos CTT dizendo "isto é um assalto" e que perante a exibição da referida arma os atingidos ficaram com MEDO e, assim, CONSTRANGIDOS... ficaram QUIETOS E SEM REAGIR a que os arguidos retirassem as quantias e as levassem com os mesmos, foi assim utilizado como ARMA e ARMA APARENTE...
Artigo 4.°: Os arguidos cometem o roubo animados pela arma que consigo transportam e prevendo que os pode ajudar na execução do crime e na
fuga!... verifica-se que em concreto existe o especial desvalor da acção e do resultado que a lei levou em conta para fundamentar a referida qualificativa estabelecida no código, a arma utilizada no momento do crime TEVE INTERFERÊNCIA, directa e indirecta, na prática do crime, pelo que tem de funcionar como qualificativa agravativa.
Artigo 5.°: O fundamento subjacente à agravação radica no perigo o objectivo que a utilização de uma arma envolve, ao determinar uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, e ao permitir ao agente uma acrescida confiança e audácia, não deixando de envolver, também, uma especial censura ao agente por este revelar dessa forma uma maior antissocialidade.
Artigo 6.°: Em decorrência lógica da alteração da qualificação jurídico- criminal proposta, impõe-se também nova determinação das penas adequadas.
Artigo 7.°: Por erro de interpretação, violou, em nosso entender, o Tribunal a quo o disposto no art.° 4.°, do Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março, e o estipulado no n.° 2, alínea b), do artigo 210.°, com referência à alínea f), do n.° 2, do art.° 204.°, ambos do Código Penal.
Face ao decidido, ao motivado e ao que Vª.s superior e oficiosamente suprirão, requer-se que na procedência do recurso se determine a revogação do acórdão na parte recorrida e a punição dos arguidos como pugnado, assim se possibilitando a realização integral da JUSTIÇA.
Os arguidos não responderam à motivação do recurso.
Colhidos os vistos legais teve lugar a audiência, com a produção de alegações orais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 4 de Novembro de 2002, cerca das 16,10 horas, os arguidos deslocaram-se até à Estação dos Correios de Pousada de Saramagos, sita no Lugar de Cimo de Vila, daquela localidade, na área desta comarca, de conformidade com o plano acordado entre ambos de se apropriarem de quantias em numerário que ali estivessem, para o efeito ameaçando as trabalhadoras e utentes daquela estação com um objecto semelhante a uma arma de fogo.
2. Ali chegados, depois de durante alguns minutos permanecerem no local a observarem o funcionamento da referida estação dos correios, o AA, empunhando esse objecto similar a uma arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada, voltou-se para as duas ofendidas trabalhadoras naquela estação, posicionadas no interior do balcão a atender os utentes, e voltou-se para estes últimos, dizendo «isto é um assalto», de modo que todos o ouvissem, permanecendo o AA na parte destinada aos utentes controlando os movimentos que estes pudessem fazer.
3. Enquanto isso, logo o BB entrava na área reservada àquelas trabalhadoras e recolhia das duas caixas ali existentes as quantias em numerário que nelas se encontravam, num total de pelo menos 770 euros, pegando, ainda um saco que estava em cima de um cadeira junto a uma das caixas, que continha 500 euros, tendo o BB, antes de abandonar a área do balcão se dirigido para os presentes para se manterem quietos e para nos os seguirem, após o que ambos os arguidos abandonaram o local.
4. Perante a exibição da arma referida e as palavras proferidas pelos arguidos, aquelas trabalhadoras, bem como os utentes que se encontravam a ser atendidos e os que aguardavam pela sua vez, ficaram com medo de que o AA disparasse a mencionada pistola na direcção dos mesmos e, assim, constrangidos por algum mal que aquele nesse momento lhes pudesse fazer à sua integridade física ou à sua vida, ficaram quietos e sem reagir a que os arguidos retirassem as quantias referidas e as levassem com os mesmos.
5. Com aquelas quantias em seu poder, perfazendo o total de pelo menos 1270 euros, os arguidos fizeram-nas suas, despendendo-a em proveito de ambos.
6. Com a conduta descrita e como era sua intenção, os arguidos agiram com a perfeita consciência de em conjugação de esforços se estarem a apoderar e fazer suas quantias em numerário alheias e contra a vontade do seu dono, bem sabendo que a ameaça com o objecto, similar a arma de fogo, referido supra, era susceptível de provocar medo, pela sua vida ou integridade física, nas pessoas a quem se dirigiram e dessa forma idónea e como o foi, a que as ofendidas e os outros presentes no local não reagissem à apropriação que os arguidos levaram a cabo.
7. Bem sabiam, para além do mais, que a sua conduta era proibida por lei.
8. O AA fora já condenado por Acórdão transitado em julgado em 20/11/98 e no Processo Comum Colectivo n.° 145/98 da 3ª Vara Criminal do Porto, pela prática em 26/10/94 de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.°, n.° 1, e 204.°, n° 1, alínea a), do Código Penal, na pena de dezoito meses de prisão, e em cúmulo jurídico com outras condenações por crimes com património praticados em 1994, na pena única de dez anos e seis meses de prisão, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional em 29/1/2001.
9. Este arguido esteve preso ininterruptamente desde 13.11.94 até a esse dia 29.1.2001.
10. As quantias acima referidas pertenciam à CTT, S.A..
11. O arguido BB já foi julgado e condenado pelo menos por decisão de 21.6.2004, por dois crimes de roubo (em banco), do art. 210º, do Código Penal, na pena única de 9 meses de prisão.
12. O arguido AA já foi julgado e condenado: em 5.12.94, por crime de roubo, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão que beneficiou de perdão de 1 anos; por decisão de 8.6.95, por crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 4 meses de multa; em decisão de 9.11.95, por furto qualificado, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão; em 30.1.96, por crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão; em decisão de cúmulo com outro crime de roubo, datada de 7.2.96, na pena de 2 anos de prisão; em 27.3.96, na pena de 18 meses de prisão, pelo crime roubo; em 5.7.96, por crime de roubo, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; em 1997, por dois crimes de falsificação de documento, na pena de 18 meses de prisão; em 21.11.97, por crime de receptação, na pena de 250 dias de multa; em 9.1.98, por furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; em 21.10.98, por furto qualificado na pena de 18 meses e, em cúmulo com outros processos, na pena de 10 anos e 6 meses de prisão; em 28.1.00, por receptação, na pena de 210 dias de multa; em 21.6.2004, por crimes de roubo, na pena parcelar de 2 anos e, em cúmulo, na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão.
13. O AA é o segundo elemento de uma fratria de 6 irmãos. O seu processo de desenvolvimento psicossocial e afectivo decorreu dentro dos parâmetros normativos estabelecidos.
14. Iniciou o seu percurso escolar com seis anos de idade, tendo efectuado as aprendizagens ao nível do 4° ano de escolaridade. Posteriormente ingressou no mercado de trabalho, no ramo da construção civil, juntamente com o progenitor, sendo referenciado como um jovem trabalhador e educado.
15. Aos 18 anos contraiu matrimónio, existindo desse relacionamento um filho, actualmente com 15 anos de idade. Volvidos 8 anos, ocorreu a ruptura da relação conjugal. Posteriormente estabeleceu nova relação marital da qual existem dois descendentes com cerca de 8 e 12 anos de idade. No entanto o arguido, no permeio destes dois relacionamentos teve uma outra ligação da qual nasceu uma filha.
16. No caso do arguido AA, o envolvimento no consumo de drogas e dependência destas substâncias, funcionou como factor desestruturante da sua vivência que se tornaria progressivamente instável, culminando, no confronto com o Sistema de Justiça.
17. Embora, a actual reclusão tenha vindo a surtir efeitos intimidatórios, o sucesso da sua ressocialização dependerá sobretudo da manutenção do estado de abstinência, uma vez que a dependência de drogas se afigura como eixo central e factor de risco da sua desviância comportamental.
18. BB é proveniente de um agregado familiar de mediana condição socio-económica, sendo o mais novo de seis irmãos.
19. O seu processo de desenvolvimento terá decorrido em ambiente familiar favorável, embora a sua educação tenha sido assumida quase exclusivamente pela mãe, feirante de profissão, em virtude do falecimento precoce do progenitor, quando o arguido contava cerca de três anos de idade.
20. Iniciou o período escolar com a idade habitual, abandonando o sistema de ensino com cerca de 13 anos ao completar o 5° ano de escolaridade.
21. Aos 15 anos de idade iniciou actividade laboral, como serralheiro, área em que sempre trabalhou. Foi com esta idade que iniciou também os primeiros contactos com substâncias estupefacientes, vulgarmente designadas por drogas leves, em contexto de grupo de pares.
22. A sua juventude revelou-se conturbada em virtude dos seus hábitos aditivos que passaram a orientar o seu quotidiano, especialmente com o inicio do consumo de heroína sob a forma inalada, comprometendo toda a sua vida pessoal e que envolveu negativamente a dinâmica familiar, que na altura apresentou incapacidade em supervisionar o comportamento daquele e promover a alteração do mesmo, Não obstante não se denotaram repercussões negativas no seu desempenho laboral, que foi sempre mantendo com regularidade.
23. Casou por volta dos 22 anos de idade, tendo-se divorciado cinco anos mais tarde em virtude da manutenção do consumo de estupefacientes que evoluiu para um quadro de completa incapacidade de controlo do comportamento aditivo e consequente dependência, situação não aceite pela cônjuge. Durante o período em que esteve casado residiu em casa própria adquirida com recurso ao crédito bancário, tendo regressado ao agregado da progenitora após a separação.
24. Até ao cometimento dos factos que o levaram ao cumprimento da primeira pena de prisão foi conseguindo manter o apoio por parte da sua família de origem, mesmo perante a continuidade do consumo de estupefacientes. No entanto, com o internamento da progenitora em lar de idosos e com o agravamento do seu comportamento ilícito, foi-lhe retirado temporariamente por parte dos irmãos qualquer tipo de suporte, como forma de pressão sob o mesmo e manifestação de desagrado pelo insucesso de tratamento a nível particular, custeado pelo seu irmão mais velho, atento à falta de motivação consistente por palie do arguido no sentido da superação da problemática da toxicodependência.
25. A influência de outrem que, com ele partilhava os hábitos de consumo de estupefacientes, terá balizado a sua conduta e provocado o seu envolvimento com o sistema judicial e, posteriormente com o penitenciário, encontrando-se preso desde Dezembro de 2002.
Factos Não Provados:
Que os arguidos tenha usado uma verdadeira arma de fogo;
Que os arguidos tenham subtraído à ofendida exactamente os referidos 773,68 euros;
Que o arguido BB sempre trabalhou, sem que alguma vez tivesse sido acusado de condutas inadequadas à sua actividade profissional;
Assim que sair da prisão o arguido pretende arranjar imediatamente trabalho;
Actualmente no E.P. de Alcoentre o arguido trabalha e mantém um comportamento irrepreensível.
III. O recurso incide primordialmente sobre a qualificação jurídico-penal dos factos. Em caso de procedência, envolvendo a aplicação de uma pena mais gravosa, haverá que proceder à determinação da correspondente pena.
Sustenta o recorrente que, face à matéria de facto provada, deve considerar-se que o instrumento utilizado pelos arguidos no cometimento do crime de roubo era uma arma, pelo que devem ser condenados pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.º. n.os 1 e 2, alínea b), com referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º, do Código Penal, e não pela prática do crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1.
Alega para tanto que se provou que os arguidos ameaçaram as trabalhadoras da estação dos correios com um objecto semelhante a uma arma de fogo, aparentando ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada, sendo um instrumento «com possibilidade de poder ser utilizado para agredir e de forma significativa e eficaz: ninguém duvida que com o mesmo se poderia atingir a integridade física de outrem através, por exemplo, de uma coronhada na cabeça, de um murro, servindo o instrumento como "boxer", poderia ser arremessado contra a cara de alguém para atingir nos olhos, etc.». Os arguidos utilizaram esse instrumento como «arma e arma aparente», tendo cometido o roubo «animados pela arma que consigo transportam e prevendo que os pode ajudar na execução do crime e na fuga!...»
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
Sendo o crime de roubo qualificado, no caso de se entender que os arguidos traziam, no momento do mesmo, «arma aparente ou oculta», tudo está em saber se o objecto utilizado pelos arguidos na prática do crime de roubo, deve ser considerado como arma para esse efeito.
O conceito de arma para efeitos do disposto no Código Penal vem definido no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que considera como tal qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser usado para tal fim.
Mas há objectos que podem ser usados como meio de agressão e que não podem ser considerados como armas, porque se afastam do sentido normal e comum da palavra arma, como acontece por exemplo com um simples pau ou uma pedra (Prof. José Faria da Costa, Comentário Conimbricense, Tomo II, pg. 80 e 81).
No caso, não foi possível ao tribunal colectivo caracterizar o objecto utilizado pelos arguidos na execução do crime de roubo ─ não se foi além um «objecto similar a uma arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada».
Tal descrição não exclui que se tratasse de uma verdadeira arma de fogo, como de igual modo não exclui que se tratasse de uma pistola de alarme, uma simples pistola de plástico ou outro objecto com o aspecto de uma arma de fogo.
Deste modo, não se podendo dar como assente um mínimo de características que revelem a idoneidade do objecto para ser usado como uma pistola, que é por natureza uma arma de fogo, estava vedado ao tribunal colectivo concluir pela utilização de uma arma.
É certo que, como refere o recorrente, o objecto podia ser usado para desferir uma pancada na cabeça das ofendidas. Mas isso não lhe confere as características de uma arma, tal como aconteceria com a utilização de uma pedra ou de qualquer outro objecto de uso corrente com um mínimo de dureza.
A circunstância qualificativa da alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal, pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. Aliás, a vítima pode nem se aperceber da detenção da arma pelo agente, situação que será a comum na perpetração dos crimes de furto, em cuja disciplina se insere o artigo 204.º.
Naturalmente que a exibição do referido instrumento pelos arguidos acompanhada pelas ameaças proferidas, foi decisiva para o desencadear do medo que levou as ofendidas a não oferecerem resistência à subtracção do dinheiro existente na estação dos correios. Mas isso releva tão-somente no âmbito do n.º 1 do artigo 210.º, como forma de violência contra as ofendidas.
Parece que o recorrente terá entendido que se tratava de uma «arma aparente» por o objecto em causa ter semelhanças com uma arma de fogo. Mas o que a referida alínea contempla é outra realidade: «arma aparente», por contraposição a «arma oculta», é aquela que aparece, que se pode ver, e não o que «aparenta» ser uma arma.
Deste modo bem andou o tribunal colectivo ao enquadrar a conduta no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal.
A jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal tem sido no sentido de considerar que a circunstância de o agente ser portador de uma pistola simulada ou de uma pistola de alarme não qualifica o roubo nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º ─ acórdãos de 17-01-2002, proc. n.º 3132/01, 19-11-2003, proc. n.º 3272/03, e de 24-11-2005, proc. 2755/05, entre outros.
É certo que na descrição da matéria de facto se registam algumas referências à factualidade em causa que poderiam suscitar dúvidas sobre a solução adoptada.
Com efeito, no n.º 4 utilizam-se as expressões «perante a exibição da arma referida» e a «mencionada pistola», o que poderia sugerir que se trata de uma verdadeira arma.
Todavia, resultando do texto da decisão recorrida que se trata de uma mera imprecisão de linguagem, essas expressões devem ser entendidas com o alcance da descrição constante do n.º 2: «objecto similar a uma arma de fogo, cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas dimensões e cromada».
Seria de um inadmissível excesso de rigor jurídico entender que ocorre uma contradição insanável da fundamentação implicando o reenvio do processo para novo julgamento nessa parte, nos termos do disposto no artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, já que é possível decidir da causa sem esse reenvio, considerando-se que essas expressões se reportam ao referido objecto, que aparentava ser uma pistola.
Em suma: não se provou que fosse utilizada qualquer arma na execução do crime, pelo que deve manter-se a qualificação jurídico-penal da conduta dos arguidos como constitutiva de um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal. Consequentemente, o recurso terá de improceder.
No que concerne à medida das penas, que o recorrente não impugnou no âmbito da qualificação jurídica dos factos adoptada na 1.ª instância, nenhum reparo merece o decidido.
IV. Nestes termos, julgam não provido o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Não é devida taxa de justiça.
Lisboa, 10 de Maio de 2006
Silva Flor (relator)
Soreto de Barros
Armindo Monteiro
Sousa Fonte