EMPRESA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

1. Não se tendo provado que a entidade empregadora sabia que o trabalhador já tinha sido contratado por tempo indeterminado, este incorre em abuso do direito se, depois de no contrato ter declarado que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado, vier invocar a nulidade do termo, alegando que já anteriormente tinha sido trabalhador por tempo indeterminado e pretendendo com esse fundamento que o contrato seja considerado sem termo.
2. A prorrogação do contrato de trabalho a termo por prazo diferente do inicialmente estipulado tem de respeitar os requisitos formais e materiais a que a celebração dos contratos de trabalho a termo está sujeita.
3. Assim e nomeadamente, tal prorrogação deve ser reduzida a escrito e conter a indicação do motivo justificativo do prazo da prorrogação e a estipulação do termo só será válida se o motivo indicado for um daqueles em que a lei admite a celebração de contratos a termo, isto é, se fizer parte do elenco das situações taxativamente referidas no n.º 1 do art. 41.º da LCCT.
4. Por não fazer parte daquele elenco, a prorrogação considera-se feita sem termo, se o motivo nela indicado for o facto de o trabalhador continuar "à procura de emprego" e o facto de "não ter, ainda, por motivos estranhos à sua vontade encontrado emprego compatível com a sua formação profissional".
5. Tais factos, só por si, não constituem motivo legal para a celebração de contrato de trabalho a termo, pois tal só acontece se o trabalhador em causa for um trabalhador "à procura de primeiro emprego".
6. Por isso, para que a indicação do motivo da prorrogação seja válida era necessário que aquela menção ("trabalhador à procura de primeiro emprego") ficasse também a constar do respectivo acordo de prorrogação.
7. Constando do contrato inicial que o motivo da sua celebração foi o facto de o autor ser trabalhador à procura de primeiro emprego, poder-se-ia dizer, à luz do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., que o verdadeiro motivo da prorrogação foi o facto de o autor continuar a ser um trabalhador à procura de primeiro emprego, mas o disposto no n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 38/96 não permite que se avance nesse sentido, uma vez que, nos termos daquele normativo legal, "[a] indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo (...) só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado".
8. Deste modo e aplicando, por analogia, o disposto no n.º 2 do art.º 41.º da LCCT, nos termos do qual a celebração de contratos a termo fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo", a prorrogação do contrato com os fundamentos invocados deve ser considerada sem termo, passando aquele, por via disso, a contrato sem termo, equivalendo a sua cessação no final do prazo acordado, por iniciativa da ré e sem invocação de justa causa, a um despedimento ilícito.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "AA" propôs a presente acção contra os Empresa-A, pedindo que se declarasse que foi ilicitamente despedido e que a ré fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições que teria auferido desde a data do despedimento até à data da sentença.

Em resumo, alegou o seguinte:
- foi admitido ao serviço da ré para exercer as funções de carteiro, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo pelo prazo de seis meses, com início em 23.5.2001;
- tal contrato foi celebrado para suprir necessidades transitórias de serviço, mas no texto do contrato não foram especificadas as circunstâncias concretas que motivaram a sua celebração, não cumprindo assim o disposto no n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 38/96, de 31/8, o que torna o contrato em contrato sem termo;
- aquando da assinatura do contrato, declarou que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado, mas tal declaração não corresponde à verdade, o que era do conhecimento da ré;
- a ré não lhe explicou o conteúdo daquela cláusula, tendo-lhe dito apenas que o contrato era aquele e que tinha de ser assinado naqueles termos;
- o autor, porque tinha prestado testes psicotécnicos, a mando da ré, e porque tinha a expectativa de que depois passaria ao quadro do pessoal permanente da ré, assinou o dito contrato;
- antes do termo do contrato, a ré enviou-lhe uma carta informando-o de que o contrato terminaria e não seria renovado;
- porém, no dia 20 de Novembro de 2001, apresentou-lhe uma "Adenda" aposta no verso do referido contrato, para prorrogação do mesmo por mais 12 meses, com a menção de que ele continuava na situação de procurar emprego e não tinha, ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional;
- com a assinatura de tal adenda, a ré pretendeu renovar o contrato que anteriormente havia denunciado, ficando, assim, o autor a trabalhar no mesmo local, com a mesma categoria profissional, o mesmo tempo de trabalho e a mesma remuneração;
- por ofício datado de 13.11.2002, a ré comunicou-lhe que o contrato terminaria a 22.11.2002 e que não seria renovado;
- aquela cessação do contrato corresponde a um despedimento ilícito, uma vez que o contrato deve ser considerado sem termo, pelo facto de as funções por si exercidas visarem a satisfação de necessidades permanentes da empresa e pelo facto de o motivo justificativo da prorrogação não ter sido devidamente concretizado.

A ré contestou, sustentando a validade do termo e a legalidade da cessação.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada procedente, mas o Tribunal da Relação de Coimbra revogou a sentença e absolveu a ré do pedido, o que motivou o presente recurso de revista interposto pelo autor que concluiu a sua alegação da seguinte forma:
«1.ª) O contrato inicial está datado de 22.Maio.2001.
E foi celebrado nos termos da alínea h) do Artigo 41.º- 1 do D.L. 64-A/89;
Para "suprir necessidades transitórias de serviço" da recorrida.
E o trabalhador exercer as funções de CRT (carteiro) na cidade da Figueira da Foz.
2.ª) A alínea h) do artigo 41.º do D.L. 64-A/89 é válida "a se".
E pressupunha, à data da celebração do contrato, nos termos da Portaria 196-A/2001, de 10 de Março, a possibilidade de serem contratados, segundo aquela alínea, poderia ser contratado todo o trabalhador que "...nunca haja prestado a sua actividade no quadro de uma relação de trabalho subordinado."
Não exige que tal relação fosse "por tempo indeterminado" como anteriormente àquela Portaria.
3.ª) Assim, a cláusula 5.ª do contrato inicial não tem a mínima relevância jurídica. Está fora do tempo.
E a recorrida tinha a obrigação de o saber, dada a plêiade de juristas que detém ao seu serviço.
Só para os presentes autos estão indicados cinco! (Vide os autos)
E porque está fora do tempo não pode aquela cláusula ser assacada ao recorrente tanto mais que o contrato foi elaborado pela recorrida simplesmente e dado ao recorrente para assinatura.
Nem pode acusar-se o recorrente (em sede de julgamento) de "venire contra factum proprium" para sua defesa, ele recorrente não versado em direito.
Mas a recorrida, através da sua plêiade de juristas, sabe que os contratos são feitos à base da boa fé.
E sabe ainda que ao contratar os seus trabalhadores lhe incumbe o dever de escolher quem reúna as condições legais.
Se o não fez (no caso dos autos) tem:
- Culpa in contraendum, e
- Culpa in eligendum.
Isto para não falarmos numa hipotética
- Má fé, ou
- Reserva mental da recorrida.
Assim, quando, na sua defesa, invoca a cláusula 5.ª do contrato inicial e procura pôr às custas do trabalhador o peso daquela cláusula, é a recorrida que está a servir-se do "venire contra factum proprium", pois foi a recorrida quem minutou o contrato.
4.ª) Segundo o artigo 46.º do D.L. 64-A/89, todo o contrato a termo caduca quando uma das partes comunica à outra, por escrito, a vontade de não o renovar.
E a sua renovação faz-se por período igual ao prazo inicial (artigo 46.º, 2).
Ora, oportunamente, a recorrida comunicou ao recorrente que o contrato não seria renovado.
Deste modo tal contrato viu a sua existência jurídica extinta em 22.11.2001.
5.ª) Adenda - Como renovação do contrato a Termo
No verso do contrato caduco a recorrida escreveu uma adenda pretendendo "ressuscitar" um morto.
Não se percebe a razão de ser daquela adenda.
A não ser que os CTT's pretendam provocar qual impacto psicológico em quem tem de decidir, tendente a convencer que:
- Um contrato extinto ainda pode formar um todo;
- A renovação de um contrato a termo possa ser feita por prazo superior ao inicial, ou
- Um contrato a termo possa ser feito fora dos casos taxativamente previstos nas alíneas de a) a g) do artigo 41.º - 1 do D.L. 64-A/89.
A adenda juridicamente não tem qualquer valor.
6.ª) Adenda - Como novo contrato a termo tal documento está datado de 20.11.2001.
Nessa data vigoravam já as seguintes disposições legais:
a) Portaria 196-A/2001 que definia trabalhador à procura do primeiro emprego, nos termos referidos na conclusão 2.ª, supra; e o recorrente não preenchia as condições legalmente exigidas.
b) Artigo 41.º- 4 - Redacção dada pela Lei 18/2001:
"Cabe ao empregador o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um Contrato a Termo..."
c) Artigo 41.º- A - 1 - Redacção dada pela Lei 18/2001
"A celebração sucessiva ou intervalada de contratos de trabalho a termo, entre as mesmas partes, para satisfação das mesmas necessidades do empregador determina a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo."
Foram estes os factos dados como provados em primeira instância.
Assim, a Adenda:
- Como renovação de um contrato a termo é juridicamente inexistente;
- Como novo contrato a Termo Certo é um Contrato sem Termo.
Deste modo, deve o presente recurso obter provimento, revogando-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que declara que:
A) O contrato de trabalho a termo certo, subscrito a 22.5.2001, é nulo dado que o trabalhador não preenchia as condições para ser contratado a termo certo, nos termos da alínea h) do artigo 41º-1 do D.L. 64-A/89;
B) O contrato em causa se extinguiu em 22.112001 por a recorrida ter comunicado ao recorrente que tal contrato terminaria e não seria renovado;
C) A adenda aposta no verso do documento que constituiu o contrato de trabalho inicial seja declarado juridicamente nula não só porque um contrato a prazo não pode ser renovado por prazo diferente do prazo inicial, mas também porque não indica em que alínea do Artigo 41.º-1 o novo contrato foi celebrado, e ainda porque o motivo indicado na adenda "continuar na situação de procurar emprego" não é motivo constante das alíneas do artigo 41.º citado.
D) A adenda não possa ser considerada como novo contrato de trabalho a termo, porque tendo o recorrente continuado a exercer (satisfazer) as mesmas necessidades do empregador, o artigo 41.º-A -1 - do D.L. 64-A/89 o considera como contrato sem termo.
E) E porque este novo contrato foi rescindido em 22.11.2002, deve o recorrente ser considerado despedido sem justa causa e sem processo disciplinar - despedimento ilícito.
F) E assim, deve o recorrente:
- Ser declarado trabalhador efectivo da recorrida, pelo menos, desde 22.11.2001, com a antiguidade reportada a 23.5.2001.
- E ser-lhe pagas as remunerações vencidas a partir de 17.10.2003 (30 dias que antecederam a propositura da acção) e as vincendas até final;
- Acrescida, de juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento;
- E ser reintegrado no seu posto de trabalho CDP 3080 Figueira da Foz, pois só assim se fará Justiça.»
A ré contra-alegou, defendendo o acerto da decisão recorrida e, neste tribunal, a ilustre magistrada do M.º P.º emitiu parecer, a que as partes não responderam, pronunciando-se pela concessão da revista.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos dados como provados são os seguintes:

a) Para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, a Ré e Autor celebraram por escrito contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, em 22.05.2001 e com início no dia seguinte, conforme documento subscrito por ambas as partes, junto em cópia a fls. 5 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, com os seguintes dizeres:
"CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO"
Empresa-A, SA., com sede na Rua S. José, ..., 1166-001 LISBOA, portadora do Cartão de Identificação de Pessoa Colectiva número 500077568, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número 01697/01 e com o capital social de € 533.800.274,97 (Quinhentos e trinta e três milhões, oitocentos mil e duzentos e setenta e quatro Euros e noventa e sete cêntimos), neste acto representada por BB, com poderes necessários e bastantes para o efeito, e AA, com o BI nº 10867555 emitido em 27-12-1999 pelo Arquivo de Coimbra, residente em Rua Severo Biscaia Lote ... 3080 FIGUEIRA DA FOZ, que neste acto intervêm, respectivamente, como 1º e 2º contratantes, ajustam entre si o presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da alínea h) do art. 41 do Anexo ao DL 54-Al89, de 27 de Fevereiro que se regerá pelo regime do direito comum do trabalho, pelo AE/CTT e pelas seguintes cláusulas:
1ª O 2º contratante compromete-se a prestar ao 1º a sua actividade profissional, desempenhando as funções de CRT no CDP 3080 FIGUEIRA DA FOZ.
2ª O 1º contratante pagará ao 2º a retribuição de € 102.300$00 mensais, sendo o pagamento efectuado mensalmente.
3ª O 2º contratante fica sujeito a um período normal de trabalho, com a duração semanal de 39 horas, diária de 7,48 horas e a um horário diário conforme escala de serviço existente no CDP.
4ª O contrato é celebrado pelo prazo de 6 Meses com início em 2001-05-23 a fim de suprir necessidades transitórias do serviço.
5ª O 2º contratante declara nunca ter sido contratado por tempo indeterminado.
6ª O regime de férias é o constante da cláusula 160ª do AE/CTT.
7ª O prazo de pré-aviso para rescisão do contrato por parte do trabalhador é o do n° 5 do art. 52 do DL 64-A/89, de 27/2.
8ª O presente contrato caducará nos termos do artº 46º do DL 64-A/89, de 27/2.
9º Em caso de litígio, ambos os contratantes acordam em determinar como competente o foro do local de trabalho."
b) Antes do acordo descrito em a), o Autor mantinha um contrato de trabalho por tempo indeterminado desde 1 de Junho de 1999 a 20 de Maio de 2001 com Empresa-B.
c) No dia 20.11.2001, foi acordado por escrito, no verso do suporte papel ao contrato descrito em a), entre Autor e a Ré, a seguinte estipulação designada por adenda:
"Adenda"
"As partes acordam em prorrogar o contrato celebrado em 2001-05-23, pelo período de 12 Meses em virtude de o segundo outorgante continuar na situação de procurar emprego e não ter, ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional".
d) Após o descrito em c), o A. ficou a trabalhar no mesmo local e com a mesma categoria profissional, as mesmas horas de serviço e a mesma remuneração.
e) Por ofício datado de 13.11.2002, a ré comunicou ao autor que o contrato de trabalho a termo certo terminaria a 22.11.2002, e que não seria renovado.

3. O direito
Como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a sua relação de trabalho com a ré deve ser considerada sem termo e, consequentemente, se a sua cessação por parte da ré configura um caso de despedimento ilícito.

Na 1.ª instância entendeu-se que o termo aposto no contrato era nulo, por ter ficado provado (vide al. b) da matéria de facto) que o motivo indicado para justificar o termo (ser o autor trabalhador à procura de primeiro emprego) não era verdadeiro e que a nulidade do termo inicial acarretava a nulidade do termo aposto na prorrogação do contrato.

Por sua vez, na 2.ª instância entendeu-se que o termo não era nulo, pelo facto de no contrato o autor ter declarado que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado (vide cláusula 5.ª do contrato transcrito na al. a) da matéria de facto) e por não ter provado, conforme havia alegado no art. 16.º da petição inicial, que a ré tinha conhecimento de que aquela declaração era falsa e, ainda, por se ter entendido que a conduta do autor sempre configuraria uma situação de abuso do direito.

E mais se entendeu na decisão recorrida que a "adenda" ao contrato não configurava um novo contrato de trabalho, mas simplesmente a prorrogação do contrato que antes havia sido celebrado e que essa prorrogação era perfeitamente válida.

Contestando a decisão recorrida, o autor começa por alegar que o teor da cláusula 5.ª do contrato não tem a mínima relevância jurídica, uma vez que nos termos da Portaria n.º 196-A/2001, de 10 de Março, só podiam ser contratados a termo ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 1 do art.º 41.º da LCCT os trabalhadores que nunca tivessem prestado a sua actividade no quadro de uma relação de trabalho subordinado, sendo indiferente, ao contrário do que anteriormente àquela Portaria acontecia, que essa relação laboral tivesse sido por tempo indeterminado ou não.

A questão assim colocada pelo recorrente, não pode, todavia, ser objecto de apreciação no presente recurso, por se tratar de uma questão que não foi suscitada na petição inicial, isto é, por se tratar de uma questão que não foi invocada como causa de pedir na presente acção. Mas mesmo que o tivesse sido, a verdade é que continuaria a não ser possível dela conhecer por se tratar de uma questão que já foi decidida com trânsito em julgado na 1.ª instância.

Com efeito, na sentença proferida naquela instância foi decidido, na sequência da jurisprudência que uniformemente tem vindo a ser perfilhada, que "trabalhador à procura de primeiro emprego", para efeitos do disposto na al. h) do n.º 1 do art. 41.º da LCCT, é aquele que nunca foi contratado por tempo indeterminado e decidido foi também que a celebração de contratos de trabalho a termo com aquele fundamento, como no caso em apreço aconteceu, era perfeitamente legal.

A ré recorreu da sentença, mas não pôs em causa aquela decisão, sendo certo que não o podia fazer por nessa parte lhe ter sido favorável e, por sua vez, o autor também não requereu a ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do disposto no art.º 684.º-A do CPC, o que significa que, nessa parte, a sentença transitou em julgado.

O autor contesta, ainda, a decisão recorrida no que diz respeito ao abuso do direito, alegando que quem agiu em abuso do direito foi a ré e não ele, por ter sido esta quem minutou o contrato, sem cuidar de saber, como lhe competia, se ele preenchia as condições legais para ser contratado ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 1 do referido art.º 41.º.

Apreciando recentemente uma situação praticamente igual à dos presente autos, este tribunal decidiu-se pela verificação de abuso do direito (vide acórdão de 30.3.2006, proferido no proc. n.º 3921/05, da 4.ª Secção, de que foi relator o aqui também relator).

E mais se decidiu que havia abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pelo facto de a conduta assumida na acção pelo autor (pretender a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, com o fundamento de que não era verdadeiro o motivo nele invocado de que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado) contrariar a conduta que ele tinha assumido aquando da celebração do contrato, uma vez que, então, havia declarado que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado.

Como se escreveu no referido acórdão, naquele contexto, a invocação da nulidade do termo "traduz-se numa clamorosa violação do dever de lealdade a que o autor estava obrigado na formação e na execução do contrato (artigos 227.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2, do C.C.), o que torna ilegítimo o exercício do correspondente direito (a conversão do contrato a termo em contrato sem termo), uma vez que tal exercício excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, não merecendo, por isso, a tutela do Direito".

E, como naquele acórdão também se disse, o venire contra factum proprium caracteriza-se pelo "exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente" - (1) e, como refere Baptista Machado (2) , o seu ponto de partida é "uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira", podendo "tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico".

Não basta, é certo, que haja condutas contraditórias, para que o venire se verifique. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, é necessário que essa situação de confiança seja objectivamente justificada e é necessário que, com base nessa situação de confiança, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, é necessário que a contraparte tenha investido naquela situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis (3).

Ora, tendo presente a situação em apreço, constatamos que aqueles pressupostos se mostram devidamente preenchidos. Vejamos porquê.

Como já foi referido, está decidido com trânsito em julgado que o contrato de trabalho a termo em apreço foi celebrado com o fundamento de que o autor era trabalhador à procura do primeiro emprego, ou seja, por nunca ter trabalhado por tempo indeterminado. E, como parece óbvio, o contrato foi celebrado com esse fundamento pelo facto de o autor ter declarado que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado. Perante tal declaração, qualquer pessoa normal teria acreditado, confiado, na veracidade da mesma e agido em conformidade com ela e foi isso o que ré, naturalmente, fez: confiou na veracidade daquela declaração e, investindo nessa confiança, celebrou com o autor o contrato de trabalho a termo, sendo certo que essa celebração é agora irreversível.

A factualidade dada como provada leva-nos a essa conclusão. Só assim não sucederia se o autor tivesse provado, conforme alegou, que a ré sabia que ele já tinha trabalhado para outra empresa por tempo indeterminado. Não tendo sido feita essa prova, temos de dar por verificados os pressupostos do venire, passando, assim, ao apuramento das consequências que daí resultam.

Mas antes disso, importa referir que o autor alegou que foi a ré que minutou o contrato, pretendendo dessa forma eximir-se às consequências da declaração que emitiu, mas a verdade é que esse facto não está dado como provado, sendo certo, porém, que tal facto, só por si, seria irrelevante, mesmo que tivesse sido dado como provado.

Na verdade, como se disse no já referido acórdão de 30.3.2006, o autor não nega que tenha assinado o contrato e, como dizem A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (4) "[u]ma vez provada a autoria da assinatura, tem-se de igual modo por reconhecido o contexto do documento. Aplicar-se-á ao corpo do documento, depois de provada a autenticidade da assinatura de quem o subscrever, a velha presunção qui subscripsit videtur scripsisse. Quem subscreve o documento quer significar que aprova o seu conteúdo e assume a paternidade deste." Como diz Manuel de Andrade (5), a lei partiu do princípio de que quem apõe a sua assinatura num documento faz seu o respectivo contexto.

Há apenas que ressalvar a hipótese de o documento ter sido assinado em branco (o que no caso em apreço não aconteceu), pois, nesse caso, o seu valor probatório formal, isto é, no que toca à autoria do contexto do documento, pode ser ilidido se a parte contra quem é apresentado provar que o documento lhe foi subtraído ou que nele foram inseridas declarações divergentes do ajustado com o signatário (art. 378.º do C. C.).

Deste modo, estando provado que o autor subscreveu, juntamente com a ré, o contrato entre ambos celebrado em 22 de Maio de 2001 (vide al. a) da matéria de facto supra), reconhecida está também a paternidade do seu contexto, por força do disposto no art. 374.º, n.º 1, do C. C.. Juridicamente (e é isso que releva), aquela paternidade pertence a ambas as partes, ainda que eventualmente a elaboração material do documento tivesse sido feita unicamente pela ré. E, reconhecida, assim, a autoria do documento que titula o contrato, ou seja, reconhecida a sua força probatória formal, provado está que o autor emitiu a declaração contida na sua cláusula 5.ª ("nunca ter sido contratado por tempo indeterminado"), uma vez que, nos termos do n.º 1 do art. 376.º do C. C., o documento em questão faz prova plena quanto às declarações (leia-se quanto à emissão das declarações) nele atribuídas ao seu autor e os factos nela compreendidos consideram-se provados (exactos, verdadeiros) na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (n.º 2 do citado art.º 376.º).

Retomando, agora, a questão relativa às consequências do abuso do direito, diremos, com Menezes Cordeiro (6), que elas podem ser variadas: a supressão do direito (é a hipótese comum, designadamente na suppressio); a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito; um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário; um dever de indemnizar, quando se verificarem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.

No caso em apreço, o direito que o autor pretendia exercer é o da conversão do contrato a termo em contrato sem termo, com fundamento na inveracidade do motivo justificativo do termo. Neste contexto, a consequência que se mostra adequada é a de supressão desse direito, uma vez que a celebração do contrato é irreversível e, sendo assim, tudo se passa como se o motivo invocado fosse verdadeiro, o que vale por dizer que não é nulo o termo aposto no contrato de trabalho que as partes, entre si, celebraram em 22.5.2001.

Resta, agora, analisar a questão da "adenda" ao contrato.

Com já foi referido, na decisão recorrida entendeu-se que se tratava de uma mera prorrogação do contrato, perfeitamente válida por terem sido observados os requisitos de forma.

O autor discorda daquele entendimento, por duas razões. Em primeiro lugar, por considerar que o contrato anterior já tinha sido denunciado, não podendo, por isso ser prorrogado o que já não existia. Em segundo lugar, por entender que o motivo justificativo aposto na "adenda" não faz parte do elenco de situações previstas no n.º 1 do art.º 41.º da LCCT.

Na opinião do recorrente, o termo aposto na "adenda" é nulo, o que significa que ele se tornou trabalhador efectivo da ré, pelo menos a partir de 23.11.2001 (data em que o contrato inicial cessou).
Compulsados os factos dados como provados, temos de concluir pela improcedência da primeira das razões invocadas pelo recorrente, dado que, ao contrário do que por ele foi alegado (art. 21.º da p. i.), não foi dado como provado que a ré tivesse comunicado ao autor a não renovação do contrato e, consequentemente, não está provado que o contrato já tivesse sido denunciado, aquando da celebração do acordo da sua prorrogação, sendo certo também que nessa data ainda não tinha chegado ao seu termo (recorde-se que o contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início em 23.5.2001 e que a sua prorrogação foi acordada em 20.11.2001).

De qualquer modo, como se disse no já citado acórdão de 30.3.2006 e como foi posteriormente reafirmado no recente acórdão de 27.4.2006, proferido no processo n.º 3484/05, da 4.ª Secção (7), mesmo que a ré já tivesse comunicado ao autor a não renovação do contrato, tal facto não impedia que, posteriormente a essa comunicação, as partes acordassem em prorrogar o contrato, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, anulando assim os efeitos da referida comunicação.

"Na verdade (escreveu-se no citado acórdão de 27.4.2006) não existe obstáculo legal a que, já depois do empregador comunicar não pretender renovar o contrato ao abrigo do disposto no artº 46º-1 da LCCT, mas antes do termo do prazo estipulado, as partes acordem na renovação do contrato.

Há que autonomizar e distinguir a eficácia daquela comunicação da eficácia deste acordo. Uma vez que, no momento em que as partes acordam a renovação, o contrato de trabalho ainda se mantém em vigor, vale aqui, na sua plenitude - já que inexistem regras imperativas que o impeçam - o princípio da liberdade contratual consagrado no artº 405º do CC.

Admite-se, assim, que no caso dos autos era lícito às partes paralisar por via contratual os efeitos diferidos da declaração negocial emitida pelo empregador no sentido da não renovação do contrato, mesmo que se defenda a tese da irrevogabilidade desta declaração ao abrigo do disposto no art. 230º-1 do CC."

Deste modo, nada obstava a que o contrato inicial tivesse sido prorrogado por mais doze meses. Ao contrário do que o recorrente alega, a prorrogação por prazo diferente do inicialmente estipulado é perfeitamente legal. A lei prevê expressamente essa possibilidade, limitando-se a exigir, nesses casos, que a prorrogação obedeça aos requisitos formais e materiais a que a contratação a termo está sujeita (art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 38/96, de 31/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3/7, já em vigor à data em que a adenda foi celebrada) (8).

E sendo assim, como se entende que é, estamos perante um único contrato, uma vez que, nos temos do n.º 4 do art.º 44.º da LCCT, se considera como tal aquele que tenha sido objecto de renovação e, em virtude disso, deixa de ter aqui cabimento a invocação feita pelo recorrente do disposto no n.º 1 do art.º 41.º-A da LCCT que nesta foi introduzido pela Lei n.º 18/2001, de 3/7 e nos termos do qual "[a] celebração sucessiva e ou intervalada de contratos de trabalho a termo entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades do empregador determina conversão automática da relação em contrato sem termo".

De qualquer modo, ainda que se entendesse que a "adenda" configurava um novo contrato de trabalho a termo, o disposto no n.º 1 do referido art. 41.º-A não teria aqui aplicação, uma vez que o contrato inicial foi celebrado antes da publicação e, consequentemente, antes da entrada em vigor da Lei n.º 18/2001, o que significa, dado o disposto no art.º 12.º, n.º 1, do C.C., que aquele contrato não podia ser levado em conta para efeito do disposto naquele n.º 1 do art. 41.º-A..

Falece, pois, a primeira das razões invocadas pelo recorrente para sustentar a nulidade do termo aposto na "adenda" de prorrogação do contrato.

Mas o mesmo não acontece com a segunda razão: a invalidade do motivo justificativo do termo indicado na "adenda".

Efectivamente, quando a "adenda" foi celebrada (20.11.2001) já a Lei n.º 18/2001, de 3/7, estava em vigor (9) e por força da nova redacção que esta Lei veio dar ao n.º 2 do art.º 3.º da Lei n.º 38/96, de 31/8, "[a] prorrogação do contrato a termo por período diferente do estipulado inicialmente está sujeita aos requisitos materiais e formais da sua celebração e contará para todos os efeitos como renovação do contrato inicial".

Deste modo, por força daquela disposição legal, a prorrogação do contrato a termo por prazo diferente do inicialmente acordado ficou a estar sujeita não só aos requisitos de forma a que a celebração dos contratos de trabalho a termo deve obedecer (obrigação essa que decorria já do disposto na redacção original do art.º 3.º da Lei n.º 38/99), mas também à verificação dos requisitos materiais de que depende a validade do termo.

Tal significa, além do mais, que a prorrogação do contrato (por prazo diferente do inicialmente estipulado, repete-se) deve ser reduzida a escrito, deve conter a indicação do motivo justificativo do prazo da prorrogação e a estipulação do termo só será válida se o motivo indicado for um daqueles em que a lei admite a celebração de contratos a termo, isto é, se fizer do elenco das situações taxativamente referidas no n.º 1 do art. 41.º da LCCT.

Ora, recordando o que consta da "adenda" de prorrogação do contrato, constatamos que o motivo nela indicado (continuar o autor "na situação de procurar emprego e não ter, ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional") não faz parte do referido elenco (10) .

Efectivamente e atrás já foi referido, a lei permite a celebração de contratos a termo relativamente a trabalhadores que se encontrem "à procura de primeiro emprego" (al. h) do n.º 1 do art.º 41.º), mas o facto de o trabalhador continuar "à procura de emprego" e o facto de "não ter, ainda, por motivos estranhos à sua vontade encontrado emprego compatível com a sua formação profissional" não constituem, só por si, motivo legal para a celebração de contrato de trabalho a termo. É necessário que o trabalhador em causa seja um trabalhador "à procura de primeiro emprego". Por isso, para que a indicação do motivo da prorrogação fosse válida era necessário que aquela menção ("trabalhador à procura de primeiro emprego") também tivesse ficado a constar do acordo de prorrogação.

Poder-se-ia dizer, à luz do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., que o verdadeiro motivo da prorrogação foi o facto de o autor continuar a ser um trabalhador à procura de primeiro emprego, por ter sido esse o motivo justificativo do prazo inicial estipulado, mas o disposto no n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 38/96 não permite que se avance nesse sentido, uma vez que, nos termos daquele normativo legal, "[a] indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo (...) só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado".

Deste modo e aplicando, por analogia, o disposto no n.º 2 do art.º 41.º da LCCT, nos termos do qual a celebração de contratos a termo fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo", temos de concluir pela nulidade do termo aposto na "adenda", o que significa que o contrato foi prorrogado sem termo, passando, por via disso, a contrato sem termo, a partir de 23.11.2001.

E sendo assim, como se entende que é, a sua cessação por parte da ré para o final do termo acordado na prorrogação, sem a invocação de justa causa, configura um caso de despedimento ilícito, com as consequências referidas na sentença da 1.ª instância.

4. Decisão
Nos temos expostos, decide-se conceder a revista, revogar o douto acórdão recorrido e repristinar a decisão da 1.ª instância, com a ressalva de que o contrato só se considera sem termo a partir de 23.11.2001, ou seja, da data em que foi renovado.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 10 de Maio de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
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(1) - Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo IV, pag. 275, Livraria Almedina, ano de 2005.
(2) - Tutela da Confiança e "Venire contra factum proprium", in Obra dispersa, Vol. I, pag. 416 e in RLJ, n.º 3726 e seguintes.
(3) - Vide autores citados em 13 e 14.
(4) - Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pag. 516.
(5) - Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, ano 1979, pag. 234.
(6) - Ob. cit., pag. 373
(7) - Subscrito pelos Conselheiros Maria Laura Leonardo (relatora), Sousa Peixoto e Vasques Dinis.
(8) - O n.º 2 do referido art.º 3.º na sua redacção inicial tinha o seguinte teor:
"A prorrogação do contrato a termo por período diferente do estipulado inicialmente está sujeita aos requisitos formais da sua celebração."
E na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001 passou a ter o seguinte teor:
"A prorrogação do contrato a termo por período diferente do estipulado inicialmente está sujeita aos requisitos materiais e formais da sua celebração e contará para todos os efeitos como renovação do contrato inicial."
(9) - Nos termos do seu art.4.º a referida Lei entrou em vigor "no prazo de 30 dias após a data da sua publicação".
(10) - No mesmo sentido, vide o acórdão de 30.3.2006, proferido no proc. n.º 392/05, da 4.ª Secção, em que era ré a aqui também ré, subscrito pelos Conselheiros Sousa Peixoto (relator), Pinto Hespanhol e Vasques Dinis.