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INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
FALTA DE INQUÉRITO
INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO
Sumário
I - Não cabe ao assistente promover ou sugerir, em instrução, diligências de prova que não visem factos novos susceptíveis de determinar uma alteração substancial da acusação pública. II - A nulidade insanável da falta de inquérito [art. 119.º, al. d), do CPP] refere-se à falta do conjunto de diligências ou actos compreendidos no art. 262.º, n.º 1, do CPP: ocorre quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito. III - A insuficiência do inquérito [art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP], por sua vez, consubstancia a omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios, ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essências para a descoberta da verdade.
Texto Integral
Processo n.º 1645/08.6PIPRT.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I.RELATÓRIO.
No Processo n.º 1645/08.6PIPRT, do 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, em fase de instrução relativamente ao arguido B-…, o assistente C… veio interpor recurso do despacho de fls. 1084 a 1089 dos autos, proferido pelo Mmº. Juiz de Instrução Criminal que indeferiu o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente e no qual este requeria, além do mais, a pronúncia dos denunciados D… e E... pelo crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º do CP.
Da motivação do recurso extraiu as seguintes conclusões:
“1) O requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
2) No caso em apreço, não há qualquer razão para rejeitar o requerimento de abertura de instrução, uma vez que se encontram preenchidos todos os requisitos legalmente exigíveis.
3) O requerimento de abertura de instrução narra os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, incluindo o tempo, o lugar e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve, com a indicação das disposições legais aplicáveis, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 283.º, nº 3, alíneas b) e c) e 287.º nº 2 do C.P.P.
4) O momento próprio para decidir de nulidades ou eventuais questões incidentais até aí ainda não averiguadas é a decisão instrutória.
5) Uma vez que a questão da nulidade do inquérito, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 120° do C.P.P. foi suscitada no requerimento de abertura de instrução, o Meritíssimo Juiz de Instrução deveria ter declarado aberta a instrução, para aí se pronunciar sobre a existência ou inexistência dessa nulidade.
6) Nos termos da alínea c) do nº. 3 do artigo 120° do C.P.P., a nulidade acima mencionada só pode ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.
7) Uma vez que o assistente decidiu requerer a abertura de instrução, a arguição desta nulidade foi feita tempestivamente e através de meio adequado.
8) No requerimento de abertura de instrução foram requeridas diligências de prova, tanto para os suspeitos que não foram constituídos arguidos e acusados pelo Ministério Público, como também, para o arguido que foi acusado.
9) A rejeição do requerimento de abertura de instrução implica necessariamente que o juiz, para além de não ter considerado os dois suspeitos a serem constituídos arguidos, também não tenha tomado conhecimento dos factos que foram acrescentados e das diligências que foram requeridas em relação ao arguido que já se encontra acusado no processo (sendo que esse arguido também requereu abertura de instrução, tendo a mesma sido declarada aberta por despacho de 2 de Setembro de 2010, proferido a fls. 1069 dos autos).
10) O facto de nenhuma das diligências requeridas ter sido realizada é, em si mesmo, o que, de certa forma, fragiliza a prova e impede que o assistente possa melhor pormenorizar os factos pelos quais pretende ver, quer os suspeitos (que pediu fossem constituídos arguidos), quer o arguido que já se encontra acusado, pronunciados e submetidos a julgamento.
11) A abertura de instrução requerida pelo assistente não pode ser rejeitada com o fundamento de que se pretende em fase de instrução proceder-se à determinação dos agentes do crime, pois não é esse o objectivo do requerimento de abertura de instrução.
12) O requerimento de abertura de instrução oferece a identificação concreta dos dois indivíduos que pretende que sejam constituídos arguidos e pronunciados a final da instrução, identificação essa que já constava dos dados do inquérito logo desde o início do mesmo.
13) Admitir o requerimento de abertura de instrução nunca significaria lesar o direito de defesa de arguido constitucionalmente consagrado no artigo 32° da Constituição.
14) A alínea g) do nº. 1 do artigo 61° do C.P.P. refere o direito de o arguido "intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias", de onde se retira que nenhum direito do arguido deixaria de ser exercido por estar na fase de instrução.
15) Os direitos do arguido ao contraditório e à plena participação no processo penal seriam sempre respeitados com a abertura de instrução.
16) Os arguidos só não beneficiaram da fase de inquérito e do direito de intervir nessa fase, porque não foram constituídos nessa qualidade nessa fase processual como deveriam ter sido.
17) Nunca a abertura da fase de instrução nos presentes autos poderia significar uma "acusação surpresa" aos arguidos, uma vez que o pedido de abertura de instrução, ao ser aceite pelo juiz, não determina por si só, automaticamente uma acusação surpresa sem possibilidade de defesa.
18) O requerimento de abertura de instrução só será procedente e conduzirá a um despacho de pronúncia caso o juiz de instrução assim o entenda e após ter dado todas as possibilidades de defesa ao arguido que este poderá exercer na fase de instrução, para se opor à acusação, nomeadamente sendo ouvido sempre que o requerer.
19) Em nenhum momento, com o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, ficaria lesado qualquer um dos direitos de defesa dos arguidos, que a Constituição consagra e que o C.P.P. concretiza.
20) O facto de os arguidos apenas serem constituídos como tal na fase de instrução em nada impede os seus direitos de defesa (tais como os consagrados nos n.ºs. 5 e 10 do artigo 32º da Constituição), que são sempre assegurados nesta fase, conforme se pode comprovar por vários exemplos.
21) O despacho de abertura de instrução é notificado ao arguido (n.º 5 do artigo 287º do C.P.P.)
22) A instrução é formada obrigatoriamente por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual pode participar o arguido (nº 1 do artigo 289º do C.P.P.)
23) O juiz de instrução interroga o arguido quando o julgar necessário e sempre que este o solicitar (n.º 2 do artigo 292º do C.P.P.).
24) No debate, o juiz assegura a contraditoriedade na produção da prova e a possibilidade de o arguido ou o seu defensor se pronunciarem sobre ela em último lugar (nº 2 do artigo 301º do C.P.P.).
25) A posição processual do arguido fica sempre salvaguardada, mesmo quando resulte dos actos de instrução ou do debate instrutório, alteração não substancial dos factos descritos no requerimento para abertura da instrução.
26) Nesta situação o juiz, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao defensor, interroga o arguido sobre ela sempre que possível e concede-lhe, a requerimento, um prazo para preparação da defesa não superior a oito dias, com o consequente adiamento do debate, se necessário (n.º 1 do artigo 303ºdo C.P.P.).
27) A posição processual do arguido fica ainda mais protegida no caso de resultar da instrução alteração substancial dos factos descritos no requerimento para abertura da instrução, na medida em que o n.º 1 do artigo 309° do C.P.P. afirma ser nula a decisão instrutória na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos no requerimento para abertura da instrução.
28) Todas as normas legais acima exemplificadas, que regulam a fase da instrução, comprovam de forma inequívoca que nenhum direito de defesa dos arguidos ficaria arredado da sua esfera de exercício caso o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente fosse aceite.
29) Em nenhum momento da instrução, os arguidos deixariam de poder ter acesso a todos os elementos probatórios produzidos, a poder contraditá-los, a exercer amplamente a sua defesa de forma prática e efectiva e a preparar devidamente a discussão da causa.
30) Exercendo os arguidos todos os direitos acima referidos e concluindo-se no encerramento da instrução não terem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança, o Ex.º Sr. Juiz de Instrução proferirá despacho de não pronúncia, tendo sempre os arguidos esta garantia de controlo jurisdicional.
31) A instrução e o controlo do juiz de instrução que a mesma acarreta são, em si mesmos, uma garantia para os arguidos, sendo incompreensível a ideia de que a abertura de instrução requerida pelo assistente nestes autos de alguma forma irá prejudicar os suspeitos que venham a ser constituídos arguidos.
32) O despacho recorrido não levou em conta o artigo 32° da Constituição, no seu n.º 7, que diz que "O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei."
33) O despacho recorrido não considerou que, ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, está a negar que o assistente possa intervir activamente na fase de instrução, coarctando irremediavelmente a sua acção no processo e ofendendo com isso um imperativo constitucional de protecção da vítima, de forma incompreensível no ordenamento jurídico português.
34) Nada na Constituição impede que o arguido apenas possa ser como tal constituído na fase de instrução.
35) Se assim fosse, o C.P.P. não poderia no seu artigo 57°, n.º 1 estatuir que "Assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal."
36) Assim, todo aquele que não for arguido pode (e deve) ser assim constituído caso seja requerida instrução contra si num processo penal.
37) Deste modo, não colhe o argumento de que a instrução não possa ser iniciada por inexistência do estatuto de arguido previamente a essa fase processual.
38) Não corresponde à realidade que antes do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, não tenha havido fase processual de inquérito.
39) Na fase processual de inquérito, que efectivamente existiu, foi apenas constituído arguido um dos denunciados, tendo sido a denunciada apenas ouvida na qualidade de testemunha e um outro denunciado pura e simplesmente esquecido e ignorado pelo Ministério Público durante o resto do inquérito.
40) O douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Julho de 2010 (processo 311/08.7 JFLSB.P1) afirma que, mesmo não se indicando qual ou quais os arguidos que se pretendem ver submetidos a julgamento isso não implica que o juiz de instrução criminal não deva admitir o requerimento de abertura de instrução.
41) No requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente nos presentes autos, não só se identificava de forma cabal os dois suspeitos a serem constituídos arguidos, mas indicavam-se clara e explicitamente quais os arguidos que se pretendem ver submetidos a julgamento.
42) Assim, e por maioria de razão, sempre o juiz de instrução criminal deveria admitir o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente neste processo.
43) Caso o assistente tivesse suscitado a intervenção hierárquica, estaria a prescindir do direito de requerer instrução, conforme se afirma no mencionado Acórdão de 7 de Julho de 2010 do Tribunal da Relação do Porto.
44) Com a intervenção hierárquica, estaria o assistente a abdicar do essencial controlo judicial do juiz de instrução em relação ao procedimento do Ministério Público no inquérito, que só dessa maneira será verdadeiramente sindicado.
45) O despacho recorrido fundamenta a rejeição do requerimento de abertura de instrução do assistente nos termos do n.º 3 do artigo 287° do C.P.P.
46) O despacho recorrido viola de forma inequívoca a norma contida no n.º 3 do artigo 287° do C.P.P., na medida em que nenhum dos três fundamentos legais que este artigo enuncia como motivos para rejeição da instrução se verificam neste caso concreto, porque o requerimento foi apresentado tempestivamente, o juiz é competente e a instrução é legalmente admissível.
47) O Tribunal a quo aplicou erradamente a norma do nº. 3 do artigo 287º do C.P.P. como fundamento para a rejeição do requerimento de abertura de instrução.
48) Na realidade, a norma do n.º 3 do artigo 287° do C.P.P. deveria ter sido interpretada como o fundamento legal que obriga a que seja recebido o requerimento de abertura de instrução apresentado e, consequentemente, declarada aberta a instrução requerida pelo assistente.
49) O Tribunal a quo violou aqui a norma presente no nº.3 do artigo 287º do C.P.P., na medida em que interpretou essa norma de forma errada, ao rejeitar em vez de admitir o requerimento de abertura de instrução do assistente.
50) O despacho proferido viola também as normas contidas nos artigos 120º, n.º 2, alínea d) e 120°, n.º 3, alínea c) do C.P.P., na medida em que o assistente requereu a abertura de instrução e, no seu requerimento, arguiu a nulidade do inquérito, de forma tempestiva e através de meio adequado.
51) O despacho recorrido, ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução, não se pronunciou sobre a nulidade suscitada e, com isso, inviabilizou de forma definitiva que essa mesma nulidade seja apreciada, pois o prazo para a arguir termina com o encerramento do debate instrutório.
52) O Tribunal a quo não procedeu bem ao não se pronunciar sobre esta nulidade, nem aplicou no sentido correcto as normas contidas nos artigos 120º, n.º 2, alínea d) e 120°, n.º 3, alínea c) do C.P.P.
53) O Tribunal a quo violou as normas dos artigos 120°, nº 2, alínea d) e 120º, n.º 3, alínea c) do C.P.P., porque, ao contrário de as cumprir, ignorou-as ao abster-se de se pronunciar sobre a nulidade arguida.
54) O Tribunal a quo, ao invés de ter rejeitado o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, deveria tê-lo recebido e declarado aberta a instrução por ele requerida.
Termos em que, para além dos melhores de Direito cujo douto suprimento se requer, deve ser dado provimento ao recurso interposto pelo assistente, revogando-se o despacho que rejeitou requerimento de abertura de instrução por este apresentado, o qual deverá ser substituído por outro que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente, declarando aberta a fase de instrução por este requerida, seguindo-se os demais termos legais.”
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O Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta ao recurso interposto pelo assistente entendendo que o mesmo não merece provimento, devendo manter-se o despacho recorrido, alegando, para tanto, em síntese, que a arguição da nulidade prevista no art.120º, nº2, al.d), por insuficiência de inquérito e omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade deveria ter sido arguida perante o MºPº, titular do inquérito e, no caso de esta ser desatendida, através de reclamação hierárquica, o que não se verificou e que a verificar-se uma nulidade insanável da acusação ou mesmo uma nulidade dependente de arguição não pode a mesma ser sanada em sede de instrução. Mais alega que, de qualquer modo, os autos não contêm quaisquer indícios da prática pelos arguidos D… e E… do crime denunciado de ofensa à integridade física por negligência, p. e p., pelo art. 148º do CP.
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O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do art.407º, nº2, al.h) e 408º, nº3, do CPP.
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Nesta instância a Ex.ª Sr.ª. Procuradora-Geral Adjunta teve vista no processo dando parecer no sentido da improcedência do recurso nos termos e pelos fundamentos alegados na resposta apresentada pelo Mº.Pº em 1ª instância.
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Foi cumprido o disposto no n.º 2, do art.º 417.º, do C.P.P. tendo o assistente apresentado resposta de forma a reiterar as alegações antes já expressas na motivação do recurso interposto, para além da apreciação crítica das motivações apresentadas pelo Mº.Pº.
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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir.
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II. Fundamentação: 1. Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso deste Tribunal, como no caso das nulidades de conhecimento oficioso ou dos vícios enumerados no art.410º, nº 2, do CPP.
Assim sendo, de acordo com as conclusões da respectiva motivação o objecto do recurso do assistente prende-se com as questões seguintes, aqui indicadas pela ordem por que vão ser conhecidas:
A) Saber se deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, o requerimento para abertura da instrução [RAI] apresentado pelo assistente;
B) Saber se o assistente tem legitimidade para requerer diligências de prova, em sede de instrução, em relação a um arguido contra qual foi deduzida acusação pelo MºPº.
C) Conhecer oficiosamente da nulidade insanável de falta de inquérito previsto no art. 119, al. d), do CPP.
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É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição):
“A fls. 979 e ss veio o assistente requerer a abertura da instrução, cfr. fls. 999, pedindo a pronúncia de D… e de E… pelo crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º do CP..
Em processo penal vigora o princípio da vinculação temática. Isto é, o juiz de instrução está limitado pela factualidade relativamente à qual se pediu a instrução. Se esta não existe, legalmente não pode existir instrução. Não pode o juiz suprir essa falta. Oficiosamente o juiz só pode suprir as nulidades e as irregularidades nos termos dos arts. 119º e ss. do C. P. Penal. Mas não pode, de todo, substituir-se aos participantes processuais e praticar os actos que só a eles pertencem e podempraticar.
O inverso determinaria ao juiz a dedução de factos que só ao assistente compete. O que é contrário ao que vem disposto na lei: o requerimento de instrução tem de conter a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ..., incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve ..., art. 283º, nº 3, al. b) do C. P. Penal, por força do nº 2 do art. 287º do mesmo diploma legal. Só relativamente a factos há instrução, e esta apenas e só sobre eles sedebruça, tendo em vista uma decisão judicial de comprovação da decisão dededuzir acusação ou de arquivar o inquérito - arts. 286º, nº 1 e 287º nº 1 do C. P.Penal
Ora, no requerimento de abertura de instrução não está narrada afactualidade que permita concluir pelo tipo legal do crime aí indicado. Não há factosno RAI imputados aos arguidos para a verificação de um dos pressupostos do crimeimputado.
Com efeito, o assistente, para além da exposição que faz às razões da sua discordância, na exposição dos factos não descreve todos os factos indiciadores do crime. Apenas se limita a afirmações conclusivas e de carácter genérico.
E ao não constarem tais factos no requerimento de abertura de instrução incorre-se na nulidade prevista pelo nº 3 do art. 283º do C. P. Penal, por força do nº2 do art. 287º do mesmo diploma legal.
Salvo douta opinião em contrário, esta é a única interpretação possível face aos normativos legais referidos (287º, nº 1 e 2 e 283º, nº 3, al. b) e c), e pelos princípios que norteiam o processo penal da contraditoriedade (dos direitos de defesa do arguido, da peremptoriedade do prazo do prazo do RAI) e da vinculação temática, como aliás, tem sido firmado pela nossa jurisprudência.
O juiz só pode decidir sobre factos, sendo a decisão o resultado, o corolário de um conjunto de factos. Isto é, partindo-se de factos, como premissas, tira-se uma conclusão: a decisão "stricto sensu". O assistente tem de alegar os factos, ainda que de forma sintética, quehão-de ser atendidos para a decisão e, consequentemente, para as diligências deinvestigação, atento o princípio da suficiência, da legalidade, da objectividade e docontraditório. Não havendo alegação de factos, presumindo-se, teriam estes de resultar da decisão. Ora não só não é isto o previsto na lei, como tal impossibilitaria satisfazer o princípio do contraditório.
O juiz não acusa, pronuncia, o que é muito diferente. A fase de instrução não é uma fase policial ou de averiguação destinada acompletar a investigação efectuada no inquérito. Para isso é que existe essa fase de inquérito. Por outro lado não deixa de com o requerimento de abertura de instrução pretender-se em fase de instrução proceder à determinação dos agentes do crime. O que é manifestamente improcedente. Essa é a finalidade do inquérito e não da instrução, como, aliás, já se pronunciou a Relação de Évora, C.J., ano XVIII, pg. 281.
A admitir-se o requerimento de abertura de instrução, uma vez que se estamos perante autos de inquérito sem arguido, estar-se-ia a lesar o direito de defesa de arguido constitucionalmente consagrado no art.32º da Constituição.
Seria uma porta aberta para a omissão da fase de inquérito aos arguidos.
"A estrutura do processo penal há-de assentar na ideia-força de que o processo deve assegurar todas as garantias práticas de defesa do inocente... a estrutura acusatória do processo criminal, a que é inerente a garantia da ampla defesa do arguido, implica também reconhecer ao arguido o poder de proceder a investigações extraprocessuais para poder elidir ou enfraquecer as provas que são recolhidas... a estrutura acusatória do processo pressupõe a intervenção activa do arguido e do seu defensor na preparação e discussão da causa", cfr. Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, T. I, págs. 355 e 359.
E o código, em cumprimento do normativo constitucional, especifica quais são esses deveres e direitos e, de entre eles destaca-se o direito de intervenção durante o inquérito, requerendo as diligências e oferecendo provas, art. 61º, nº 1, al.g). O princípio do contraditório, em processo penal, é por imposiçãoconstitucional e por via da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e significaque o arguido tem o direito de intervir no processo e de se pronunciar e contraditartodos os elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, abrangendo todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, cfr. Ac. STJ de 10.05.2005, proc. 04P4740.
A qualidade de arguido, art. 57º nº 1 do CPP, destina-se a permitir que alguém, ainda não ouvido no processo, passe, a partir desse acto, a beneficiar dos direitos e deveres inerentes à qualidade de arguido - Ac. RL de 18.03.98, proc.0073633.
À constituição de arguido nos termos da referida norma legal está emergente a capacidade formal, possibilidade de imputabilidade criminal, e a capacidade concreta, participação com plena autonomia e esclarecimento no processo penal. Como refere Tolda Pinto, O Novo Processo Penal, 2ª edição, pág. 135, significa que "...se tem de assegurar ao arguido uma posição jurídica que lhe permita uma participação constitutiva na declaração do caso concreto, através da concessão de autónomos direitos processuais, legalmente definidos, que hão-de ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal", citando Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, p. 429 e 430).
O que nos presentes autos não aconteceria. Seria para os arguidos, como referido, a completa omissão da fase de inquérito, uma acusação surpresa sem possibilidade de defesa (à fase processual do contraditório (do direito). Seria omitir o direito ao arguido de intervir na fase de inquérito referido. E além de se lhe negar esse direito, estar-se-ia também a negar um outro direito que lhe assiste de autonomamente se opor à dita acusação.
Seria violar o direito a garantias de defesa do arguido estipulados por lei, al. g), do nº 1 do art.61º do CPP, e constitucionalmente consagrado no art.32º da Constituição da República Portuguesa. Admitir nestes termos o requerimento de abertura de instrução seria negar ospróprios direitos que o mesmo atribui aos requeridos só pela sua formulação - oestatuto de arguido ao, ou aos, requeridos. Seria uma negação intrínseca do próprioprincípio que institui.
Aliás, e cfr. o nº 3 do art. 336º do CPP, implicaria, e resultaria numa desigualdade de tratamento. Isto é, conforme a peça processual a introduzir os factos a julgamento após notícia do crime, assim se admitiria ou não, o direito autónomo do arguido de o contraditar. Em de despacho com acusação proferida, mas desconhecida do arguido, reconhecer-se-ia o direito de requerer a instrução, mas já sendo de despacho de arquivamento, com ausência total de arguido e por requerimento de abertura de instrução do assistente, tal já seria negado.
A dar-se esta interpretação ao artigo 57º, nº 1 do CPP seria violar a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o seu art. 32º, como ainda provocar uma desigualdade de tratamento.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva: “o requerimento do assistente tem de conter uma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele resultar falta de tipicidade da conduta ou a falta do arguido … porque é o próprio procedimento que não pode prosseguir por falta dos pressupostos de objecto, de arguido. Faltando no processo o seu objecto ou o arguido o processo é inexistente” – Curso de Processo Penal, III, pág. 134.
Significa os termos deste ensinamento que inexiste fase processual até ao presente requerimento do assistente. Assim sendo, a única que só pode seguir face à notícia do crime é a de inquérito.
Nestas circunstâncias do caso sub judice o que está ao alcance do assistente é lançar mão do disposto no nº 2 do art. 278º, ou no art. 279, ambos do CPP, conforme o caso, ou seja, suscitar a intervenção hierárquica. Só assim estarão, e serão assegurados os direitos de defesa do arguido constitucional e legalmente consagrados.
Pelas razões expostas é o requerimento de abertura de instrução requerido pelo assistente legalmente impossível, pelos princípios que norteiam o processo penal não só da legalidade, como da contraditoriedade e dos direitos de defesa do arguido, art. 61º do CPP e 32º da Constituição. Pelo que, em consequência, é rejeitado nos termos do nº 3 do art. 287º do citado diploma legal”.
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Tudo visto, cumpre decidir das questões suscitadas
A- O Ex.mo juiz de Instrução, como se vê do despacho transcrito, considerou em primeira linha que o requerimento de abertura de Instrução não estava em conformidade com os preceitos legais aplicáveis, ou seja, o requerimento apresentado pelo Assistente não continha os factos capazes de preencherem suficientemente os elementos típicos quer objectivos quer subjectivo de qualquer crime. Refere-se, com efeito, no despacho recorrido- “(…) no requerimento de abertura de instrução não está narrada afactualidade que permita concluir pelo tipo legal do crime aí indicado. Não há factosno RAI imputados aos arguidos para a verificação de um dos pressupostos do crimeimputado.Com efeito, o assistente, para além da exposição que faz às razões da sua discordância, na exposição dos factos não descreve todos os factos indiciadores do crime. Apenas se limita a afirmações conclusivas e de carácter genérico”.
Como segundo fundamento para o indeferimento do requerimento de abertura da instrução por parte do assistente invoca-se no despacho recorrido que com o requerimento de abertura de instrução pretende o assistente, em fase de instrução, proceder à determinação dos agentes do crime e colmatar a falta de inquérito que se verificou, o que é manifestamente improcedente, sendo certo que, do caso sub judice o que está ao alcance do assistente é lançar mão do disposto no nº 2 do art. 278º, ou no art. 279º, ambos do CPP, conforme o caso, ou seja, suscitar a intervenção hierárquica.
Adiantamos desde já que concordamos com as duas primeiras posições expostas no despacho recorrido, já o mesmo não sucedendo relativamente a afirmação do Mmo. Juiz de Instrução no sentido de que a forma de colmatar a invocada inexistência de inquérito é a reclamação hierárquica (nº 2, do art. 278º, ou art.279, ambos do CPP.).
Na verdade, embora não sujeito a formalidades especiais, o requerimento para abertura de instrução, tem de obedecer aos requisitos exigidos para a acusação nos termos do art.º 283º, n.º 3 alíneas b) e c) e n.º 2, do art.º 287,º do CPP.
A acusação define e delimita o objecto do processo fixando o thema decidendum tendo necessariamente que ser deduzida cumprindo as exigências do art.º 283° do CP., posto que é em função dela que o arguido organiza a sua defesa. O princípio acusatório é um dos princípios estruturantes do processo penal que exige que a decisão final há-de incidir apenas sobre a acusação.
O princípio acusatório, como referem J. Gomes Canotilho e Vital Moreira é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Significa ele que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação (...) sendo "a acusação condição e limite do julgamento"- cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. p. 205.
E o Requerimento de Abertura de Instrução, deverá, a par dos requisitos exigidos pelo n°2, do art.°287, incluir os exigidos a uma acusação, os quais serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante à elaboração da decisão instrutória.
Perante tal princípio de acusatório e do contraditório que regem o processo penal o Requerimento de Abertura da Instrução, quando requerida pelo assistente, na sequência de despacho de arquivamento, deve conter, efectivamente, todos os elementos de uma acusação, descrevendo os factos que consubstanciem o ilícito, cuja prática imputa e a quem, identificando o arguido, já que o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui substancialmente uma acusação alternativa (ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo MºPº) que dada a divergência com a posição assumida pelo Ministério Público, vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial” – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, In “Do Processo Penal Preliminar, pág. 254).
È assim essencial, conforme exigido pelo art. 287º, nº 2 do C.P.P. que tal requerimento contenha a descrição clara, ordenada, à semelhança do que é exigido para a acusação, seja pública, seja particular, de todos os factos susceptíveis de responsabilizar criminalmente algum arguido- ou seja, a factualidade resultante da actividade ou comportamento do arguido que preencha todos os requisitos objectivos e subjectivos do tipo legal denunciado.
Como se diz no sumário do Acórdão do S.T.J., de 7 de Março do 2007 (processo 06P4688), o requerimento para abertura de instrução há-de definir o thema a submeter à comprovação judicial sobre a decisão de acusação ou de não acusação. Os termos em que a lei dispõe sobre a definição do objecto da instrução através do requerimento para abertura desta fase processual têm de ser compreendidos pela estrutura e exigências do modelo acusatório: por isso, e não obstante o juiz investigar autonomamente o caso submetido a instrução, tem de ter em conta e actuar dentro dos limites da vinculação factual fixados pelo requerimento de abertura de instrução.
«No caso de instrução requerida pelo assistente, o limite tem de ser definido pelos termos em que, segundo o assistente, deveria ter sido deduzida acusação e, consequentemente, não deveria ter sido proferido despacho de arquivamento – no rigor, por um modelo de requerimento que deve ter o conteúdo de uma acusação alternativa, ou, materialmente, da acusação que o assistente entende que deveria ter sido deduzida com base nos elementos de prova recolhidos no inquérito, de onde constem os factos que considerar indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório – arts. 308.º e 309.º do CPP.» (ver o referido sumário).
Com a clara prevalência do entendimento de que o requerimento de abertura de instrução não é susceptível de qualquer convite ao aperfeiçoamento (veja-se o Acórdão do S.T.J. 7/2005 e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 389/2005), que seria contrário à índole peremptória do prazo consignado no n.º1 do artigo 287.º (veja-se o Acórdão do S.T.J. 2/96, D.R., I Série, de 10 de Janeiro de 1996, e bem assim o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º27/2001, D.R., II Série, de 23 de Março de 2001), afigura-se-nos que o conceito de inadmissibilidade legal não pode deixar de abranger o caso de instrução requerida por assistente cujo requerimento não contenha uma descrição factual susceptível de integrar os elementos do tipo criminal que o requerente entenda ter sido preenchido (neste sentido, entre muitos, o Acórdão do S.T.J., de 22 de Março de 2006, processo 357/05-3.ª, sumariado em SASTJ; com interesse sobre o tema e diversas referências doutrinárias e jurisprudenciais, ver o Acórdão da Relação de Coimbra, de 23 de Janeiro de 2008, processo 2557/06.3TALRA.C1).
Por outro lado, conforme é também mencionado no despacho recorrido a instrução, nos termos em que a lei vigente a regula, tem natureza judicial e não de actividade investigatória, destinando-se à comprovação judicial da decisão tomada pelo Ministério Público de deduzir, ou não, acusação (art. 286º, nº 1, do Cód. Proc. Penal) e não a constituir um complemento da investigação prévia à fase de julgamento, como já aconteceu no passado.
Sendo assim, não cabe ao juiz de instrução a tarefa de investigar e averiguar com vista á acusação ou á determinação dos agentes do crime mas a de pronunciar, o que é diferente.
Deste modo, assiste razão ao Mmº Juiz de Instrução ao considerar que, o caso em apreço e pelas razões supra expostas, configura uma situação de inadmissibilidade legal de instrução relativamente aos denunciados D… e E…, os quais não foram constituídos arguidos, a sua respectiva e concreta actuação não foi objecto de qualquer diligência de prova em sede de inquérito e nem proferido quanto a eles qualquer despacho de arquivamento, situação com a qual o próprio assistente se insurge, considerando estar em causa uma nulidade do inquérito nos termos da al.d), do nº2,do art.120º, do CPP, questão esta que será apreciada em c) do presente acórdão.
Porém já não podemos alinhar com a afirmação feita no despacho recorrido de que a forma de colmatar a invocada inexistência de inquérito é a reclamação hierárquica (nº 2, do art. 278º, ou art.279, ambos do CPP.).
O CPP. prevê a intervenção hierárquica no art.287º do CPP. para o caso de omissão ou insuficiência de algumas diligências de prova mas não prevê a obrigatoriedade dessa intervenção quando esteja em causa uma nulidade insanável, designadamente, por falta absoluta de inquérito, nos termos do art.119º, al.d) do CPP., a qual, conforme expressamente dispõe o citado preceito legal deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo.
B- Da faculdade legal de o assistente requerer diligências de prova em instrução em relação a um arguido contra qual foi deduzida acusação pelo MºPº.
Invoca, ainda, o recorrente que no requerimento de abertura de instrução foram requeridas diligências de prova também relativamente ao arguido B… acusado nos autos pelo MºPº e que a rejeição do requerimento de abertura de instrução que apresentou, implica, necessariamente que o Mmº Juiz de instrução não conheça dos factos que foram acrescentados e das diligências que foram requeridas em relação a esse arguido.
Não tem, porém, razão.
A instrução pode ser requerida pelo arguido ou pelo assistente, conforme a natureza do acto que os afecte e que lhes confira o interesse em fazer comprovar judicialmente o acto de encerramento do inquérito.
Nos termos do art.287º, nº1, al.b), do CPP. o assistente pode requerer a abertura da instrução, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o MºPº não tiver deduzido acusação.
Conforme resulta do preceituado nesta disposição legal a instrução pode ser requerida pelo assistente relativamente a factos novos que importem alteração substancial da acusação pública. Trata-se de factos pelos quais o MP não deduziu acusação e que não podem ser aduzidos á acusação pública nos termos do art.284º, nº1, in fine do CPP e não quaisquer factos coadjuvantes ou explicativos da factualidade pela qual o MºPº deduziu acusação- cfr. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque comentário do Código de Processo penal anotação 4 ao ar.287º -
Sem prejuízo do exposto, analisado e interpretando o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente que, diga-se de passagem, não prima pela clareza, o que se retira é que todas as diligências requeridas em sede de instrução se referem aos denunciados D… e E… e em tudo o mais o que o assistente requereu foi a inquirição de uma série de testemunhas para um melhor esclarecimentos dos factos.
Acontece que o titular da acção penal é o M.P. o qual, relativamente ao arguido B… deduziu acusação pública não cabendo ao assistente que, nos crimes semi públicos e públicos, tem a posição de mero colaborador do MºPº e a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo (art.69º do CPP) substituir-se ao M.P. e promover ou sugerir diligências de prova que não visem factos novos que determinem uma alteração substancial da acusação pública.
Finalmente saliente-se que o art.69º, nº2, al.b), do CPP. mencionado pelo recorrente, ao dispor que o assistente pode intervir na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurem necessárias tem como pressuposto que o assistente possa requerer essa mesma instrução e, como já vimos, o assistente só pode requerer a instrução em relação a crimes públicos e semi-públicos pelos quais o MPº não tiver deduzido acusação, o que relativamente ao arguido B… não sucedeu.
Acresce que se o assistente pretendia acrescentar factos acessórios á acusação pública que não importassem uma alteração substancial da acusação e indicar ou requerer provas que não constassem da acusação do MºPº deveria ele, nos termos do art.284º, do CPP deduzir acusação, o que não pode é requer a abertura da instrução para esse efeito, conforme expressamente decorre do disposto no art.287º, nº1,al.b) do CPP.
C- Da nulidade, insanável, de falta de Inquérito- artº 119, al d) do CPP.
Invoca o recorrente que se verifica a nulidade por insuficiência de inquérito, nos termos do art.120º, nº2, al.d) e 120º, nº3, al.c), do CPP, relativamente a B… e C…, médicos que assistiram o seu filhos em dois distintos episódios de urgência e contra os quais apresentou queixa crime por crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p., pelo art. 148º do CP, porquanto, não foram os mesmos constituídos arguidos em inquérito e não foram, quanto a eles, realizadas quaisquer diligências para a descoberta da verdade.
Conclui que deveria ter sido declarada aberta a instrução para, nessa fase, o Mm.º Juiz se pronunciar sobre a existência ou inexistência dessa nulidade.
Vejamos.
O MºP enquanto titular da investigação criminal está legalmente obrigado à busca da verdade, no sentido de investigar da existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas - cfr. Arts.262° e 267°, ambos do Código de Processo Penal -.
O inquérito é fase obrigatória no processo comum, da competência do MºPº e de acordo com o disposto no art. 262°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, compreende o conjunto de diligências tendentes a investigar a existência de infracções criminais, a determinar os seus agentes e respectivas responsabilidades e a descobrir e recolher as provas com vista à decisão do Ministério Público sobre o exercício ou não da acção penal.
No inquérito, o MªPº procede apenas às diligências que considera úteis para a descoberta da verdade. A lei não impõe, em geral, a prática de actos típicos de investigação. Apenas alguns actos de inquérito são obrigatórios para o MºPº e entre eles conta-se o do interrogatório do arguido - cfr. art. 272º, nº 1, do C.P.P. - excepto quando não for possível notificá-lo, exarando-se nos autos, em tal caso, todas as diligências encetadas para esse efeito.
Deste modo a "falta de inquérito", refere-se à falta do conjunto de diligências ou actos compreendidos no art. 262º n.º 1, do C.P.P.
Tal vício ocorre quando se verifique ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito - cfr., também, Souto de Moura in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 118 e Maia Gonçalves in C.P.P. Anotado, 1996, pág. 250.
A insuficiência de inquérito, por sua vez, constitui uma nulidade dependente de arguição (120º, nº2, al.d), do CPP) e consubstancia não uma omissão absoluta e total de actos de inquérito mas numa omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios ou na omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Dispõe o n.º 2 do art. 262º do C.P.P. que "(...) a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito".
Ora, compulsando a fase de inquérito dos presentes autos verifica-se que após a queixa formulada pela assistente contra os três denunciados B… e D… e E…, relativamente a estes dois últimos, o MºPº não os constitui arguidos (arts.58ºe 59º, do CPP), diligencia obrigatória em sede de inquérito, não ordenou nem realizou quanto a eles nenhuma diligência concreta de investigação e findo o inquérito não proferiu qualquer despacho, nomeadamente, de arquivamento do processo quanto a eles.
Na verdade, compulsando os autos, relativamente á actuação concreta destes dois denunciados, o MºPº não inquiriu quaisquer testemunhas, não requisitou quaisquer documentos, não os constitui arguidos e, consequentemente não ordenou o seu interrogatório nessa qualidade, o parecer solicitado ao IML não se pronunciou quanto á actuação destes dois denunciados e recebido o respectivo relatório o MºP nenhum esclarecimento adicional requereu dada a omissão no relatório de qualquer referência quanto á actuação dos médicos D… e E…- cfr. fls. 850 a 852 dos autos-.
Em suma, nada foi feito, não obstante o assistente ter manifestado quanto a estes denunciados o desejo de procedimento criminal.
Conforme se afirmou no Ac. da R.P. de 23 de Janeiro de 2001 publicado na C.J. 2002, Tomo I, pág. 229 e 230 “A decisão de abstenção do Ministério Público de deduzir acusação, findo o inquérito dirigido contra pessoa (s) certa (s), é assim, um pressuposto do requerimento do assistente para a abertura de instrução. Caso contrário, como é obvio, ficaria frustrada a razão de ser desta fase processual, ou seja, a de comprovar judicialmente a decisão do MºPº de não acusar arguido (s) previamente determinado (s) por factos que, no decurso do inquérito foram objecto de investigação”.
Deste modo, não tendo sequer o MP, no caso dos autos, findo o inquérito, proferido qualquer despacho de arquivamento do processo contra os supra referidos denunciados inviabilizou, deste modo, a possibilidade do assistente de requerer, quanto a eles, a abertura da instrução.
X
Tendo o assistente apresentado queixa contra D… e E…, impunha-se ao Ministério Público proceder aos actos que tivessem por fim a decisão sobre a acusação, excepto se conclui-se, em face da notícia do crime, que os mesmos já não integrava ilícito criminal, por força de descriminalização, que o procedimento criminal se encontrava extinto, que caducou o exercício do direito de queixa ou que os factos, de forma notória, sem sombra de qualquer dúvida, não integram ilícito típico, o que não é manifestamente o caso dos autos.
Antes pelo contrário, os factos denunciados são de grande complexidade e requerem conhecimentos técnicos muito específicos e pormenorizados, pelo que, quer por esta razão, quer pelos valores em causa e pelos contornos nada simples do caso concreto em investigação, bem como atendendo á considerável e especifica prova a investigar, conclui-se que no caso dos autos se encontravam reunidos todos os pressupostos do dever de investigar, a começar necessariamente pelo constituição como arguidos dos denunciados D… e E….
Pelas razões supra expostas, entendemos que não se está perante uma mera nulidade por insuficiência de inquérito, nos termos do art.120º, nº2, al.d) e 120º, nº3, al.c) do CPP, relativamente aos denunciados D… e E…, mas perante uma nulidade insanável, por falta absoluta de Inquérito- artº 119, al d) do CPP.
Neste sentido, entre outros, pode ler-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 12/12/2002, proferido no Proc. 42319/00, da 9ª Secção, (relatora Margarida de Almeida). Aí se afirma:
“Denunciado um determinado facto como crime, o Ministério Público não pode arquivar liminarmente os autos sem a realização de qualquer diligência, designadamente a identificação do (s) arguido (s), sob pena de nulidade absoluta por falta de inquérito, pois o (s) denunciado (s) tem direito a ter conhecimento da queixa contra si apresentada e a pronunciar-se sobre ela, tal como ao denunciante deve ser dada a oportunidade de, caso a lei o permita, requerer a abertura de instrução.”
A declaração de nulidade prevista na al. d), do art. 119.°, do CPP., falta de inquérito nos casos em que a lei determina a sua obrigatoriedade, deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento e têm os efeitos fixados no art-122º, do CPP.
Sendo assim e estando em causa uma nulidade de conhecimento oficioso podia e devia o Mmº Juiz de instrução dela conhecer independentemente de a mesma lhe ter sido ou não suscitada e do meio processual utilizado para o efeito.
Significa isto que, embora não pudesse ter a virtualidade de constituir um RAI nos termos legais podia e devia o Mm.º Juiz de Instrução Criminal conhecer da nulidade de inquérito que foi arguida pelo assistente e da que, efectivamente, se verifica nos autos.
Por todo o exposto, impõe-se declarar nulo o inquérito apenas e tão só quanto aos denunciados D… e E… nos termos da al. d), do art. 119°, do CPP e, em consequência, ordenar que os presentes autos baixem á 1ª instância afim de ser suprida a referida nulidade procedendo-se, a inquérito quanto a estes dois denunciados contra quem o assistente apresentou queixa crime nos autos, mantendo-se quanto ao arguido B… a validade de todos os actos de inquérito e a instrução que a requerimento deste foi declarada aberta e a qual deve prosseguir os seus ulteriores termos nos presentes autos.
Para efeito do, ora, decidido quanto aos denunciados D… e E… deverá, na 1º instância, ser extraída certidão de todo o processo determinando-se a remessa da referida certidão aos serviços do MºPº para efeitos de realização do inquérito em falta.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Porto em declarar nulo o inquérito quanto aos denunciados D… e E…, nos termos da al. d), do art. 119°, do CPP e, em consequência, ordenar que os presentes autos baixem á 1ª instância afim de ser suprida a referida nulidade, procedendo-se a inquérito quanto a estes dois denunciados, mantendo-se a validades de todos os actos relativamente ao arguido B… contra quem foi deduzida acusação e a requerimento deste declarada aberta a instrução e a qual deve prosseguir os seus ulteriores termos no presentes autos. Para o efeito do, ora, decidido quanto aos denunciados D… e E… deverá, na 1º instância, ser extraída certidão de todo o processo determinando-se a remessa da referida certidão aos serviços do MºPº para os efeitos da realização do inquérito em falta.
Sem custas
(Este Acórdão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revisto)
Porto, 15 de Junho de 2011
Ana de Lurdes Garrancho da Costa Paramés
Maria da Graça Martins Pontes dos Santos Silva