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CORRECÇÃO DA DECISÃO
ERRO
Sumário
I - O STJ tem entendido que, uma vez que a modificação essencial a que se refere a al. b) do n.º 1 do art. 380.º do CPP deve ser aferida em relação ao que estava no pensamento do tribunal julgador decidir e não em relação ao que ficou escrito, é mister que tal pensamento se revele com inequivocidade bastante para se ajuizar devidamente da essencialidade ou da não essencialidade dessa modificação. É que a correcção para que a lei aponta e que o art. 380.º do CPP autoriza só pode ser ditada por erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade evidentes, já que de outro modo estaria aberta a passagem a um ínvio caminho conducente à alteração do decidido quando o poder jurisdicional se encontrasse esgotado, com risco para a segurança das decisões. II - É legalmente possível, ao abrigo do disposto no art. 380.º do CPP, a correcção do erro de que padece o acórdão (erro no dispositivo induzido por erro do relatório), numa situação em que: - aparece como inequívoco o pensamento do tribunal julgador - que imediatamente resulta da economia da respectiva argumentação e da expressão do segmento dispositivo - no sentido de considerar legalmente adequadas as penas impostas a cada um dos arguidos, sendo de manter, em recurso, no quadro legal em que tinham sido determinadas; 29 - as pessoas directamente interessadas tinham perfeito conhecimento das penas impostas pelas instâncias, sendo que, quanto aos recorrentes, as suas pretensões foram julgadas improcedentes; - a alteração das penas foi consequência exclusiva de sucessão de leis penais e o seu reflexo, em cada uma das penas, foi operado "tendo presente o sentido da correspondência das penas" (aplicadas pelas instâncias); - a correcção do erro de que padece a decisão em causa não ofende direitos estabilizados do arguido A, posto que o pretenso ‘benefício’ assenta em erro que lhe era facilmente perceptível. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. O Tribunal da Comarca de Vila Franca de Xira, por acórdão de 19.04.02, proferido no âmbito do processo n.º 12/01, decidiu (para o que, agora, importa) :
a) condenar, por crime p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c) do DL 15/93, de 22.01, na pena de 13 (treze) anos de prisão, cada um dos arguidos AA, BB, CC, DD e EE e, de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, o arguido FF ;
b) condenar o arguido DD pela prática, em autoria material e concurso real, de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo artigo. 6.º, da Lei 22/97, de 27.06, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz € 450 (quatrocentos e cinquenta euros), ficando assim condenado o arguido DD na pena única de 13 (treze) anos de prisão e 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco) euros, o que perfaz € 450 (quatrocentos e cinquenta euros). (fls. 921)
1.1 Inconformados recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 15.01.03, julgou improcedentes os recursos.
1.2 Recorreram, então, para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 15.05.03, concedeu provimento aos recursos e revogou o acórdão recorrido, 'devendo a Relação de Lisboa, pelos mesmos juízes, se possível, decidir se as indicações constantes da motivação de recurso são suficientes para conhecer do recurso da matéria de facto, e então dele conhecer, ou, em caso contrário, convidar o recorrente a completar as respectivas conclusões.'
1.3 Nessa sequência, a Relação de Lisboa proferiu acórdão em 10.03.04, declarando os recursos improcedentes e confirmando o acórdão recorrido. (fls. 1399 a 1430)
1.4 Recorreram, de novo, para o Supremo Tribunal de Justiça, os arguidos CC, FF, DD e EE.
1.5 Este Tribunal, por acórdão de 07.12.04, decidiu 'negar provimento ao recurso dos arguidos'.
Mas, considerando que o art.º 54.º, da lei n.º 11/04, de 27 de Março, tinha dado nova redacção ao art.º 24.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, decidiu também que 'perante uma moldura legal mais favorável aos arguidos, deviam os tribunais aplicá-la aos casos pendentes (disso beneficiando, também, os arguidos não recorrentes)'. E, em consequência, "cotejando a nova moldura com a anterior, e tendo presente o sentido da correspondência das penas, acordou-se em condenar os arguidos CC, EE, FF, AA e BB, por autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.ºs 21.º, n.º 1. E 24.º, al. c), do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, na redacção dada pela Lei n.º 11/04, de 27.03, na pena de doze (12) anos e dois (2) meses de prisão, para cada um.
O arguido DD, pela mesma incriminação, vai condenado na pena de dez (10) anos e nove (9) meses de prisão (mantendo-se a pena em que foi condenado por crime de detenção ilegal de arma de defesa)." (fim de transcrição)
1.5.1 Ora, sucede que 'tendo presente o sentido da correspondência das penas' (aplicadas em 1.ª Instância), nem o arguido DD podia ser condenado na pena de 10 anos e 9 meses de prisão, nem o arguido FF poderia ser condenado na pena de 12 anos e 2 meses de prisão. Na verdade, o arguido FF tinha sido condenado, em primeira instância, na pena 11 anos e 6 meses de prisão e os demais arguidos na pena de 13 anos de prisão. E a redução de todas as penas tinha ficado a dever-se, exclusivamente, à redução da moldura legal, uma vez que, como se disse, havia sido negado provimento aos recursos.
E esse erro ficou patente quando o arguido FF veio reclamar da 'liquidação da pena', pedindo a respectiva rectificação. (fls. 2115)
1.6 Perante tal requerimento, a Senhora Juíza titular do processo, depois de transcrever o dispositivo do acórdão do Tribunal de Vila Franca e o do acórdão do Supremo Tribunal, concluiu :
(...) "Analisando os dois acórdãos (o que foi proferido em 1ª instância pelo círculo de Vila Franca de Xira e o douto acórdão proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça) parece-nos que, eventualmente, poderá existir um manifesto lapso de escrita no douto acórdão proferido a 26-01-2005, a fls. 1500 a 1545 destes autos, pelo Colectivo dos Colendos Juízes quando ali se refere que o FF foi condenado, em 1ª instância, numa pena de treze anos de prisão e, tomando em consideração tal pressuposto, concluem a final pela condenação do referido arguido em doze anos de prisão (fls. 1544/1545).
Assim sendo, não obstante o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ter transitado em julgado, podendo existir, eventualmente, um manifesto lapso de escrita na imputação das penas atribuídas aos condenados DD e FF, o qual pode ser corrigido a todo o tempo (artigo 249.°, do Código Civil e artigos 667.°, 1 e 2, do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.°, do Código de Processo Penal, artigo 380.°, 1, b) e 2) deste último diploma legal) e tendo tal decisão sido proferida por Tribunal Superior, decido ordenar a subida dos presentes autos ao Supremo Tribunal de Justiça, para que o Colectivo dos Colendos Juízes, mais Sabedor, julgue como for de Justiça."
1.6.1 Tal despacho foi notificado aos arguidos. (fls. 2144 e 2145)
2. Realizada a conferência, cumpre decidir.
2.1 O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando (...) a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. (al. b), do art.º 380.º, do C.P.P.)
E o Supremo Tribunal tem entendido que que 'uma vez que a modificação essencial a que se refere a al. b), do n.º 1 do artigo 380.º do CPP deve ser aferida em relação ao que estava no pensamento do tribunal julgador decidir e não em relação ao que ficou escrito, é mister que tal pensamento se revele com inequivocidade bastante para se ajuizar devidamente da essencialidade ou da não essencialidade dessa modificação. É que a correcção para que a lei aponta e que o referido art. 380.º autoriza só pode ser ditada por erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade evidentes, já que de outro modo estaria aberta a passagem a um ínvio caminho conducente à alteração do decidido quando o poder jurisdicional se encontrasse esgotado, com risco para a segurança das decisões'. (Ac. STJ de 01.06.00, proc. 76/2000)
2.2 Voltando à situação que subjaz ao caso, resulta seguro que, na sindicação a que o Supremo procedeu, não lhe mereceu censura a medida da pena que a cada recorrente tinha sido imposta pela 1.ª instância, depois confirmada, em recurso, pela Relação de Lisboa. E, no ponto em que se justifica a 'diferenciação' de uma das penas aplicadas (precisamente, a imposta ao arguido FF), o Tribunal de Vila Franca tinha deixado expresso que (...) "entendem os juízes que constituem o Tribunal Colectivo que, atentos os factos supra referidos é de aplicar aos arguidos uma pena de prisão acima da moldura média legal, em medida um pouco inferior quanto ao arguido FF, uma vez que resulta uma culpa menos acentuada na sua conduta, com intervenção apenas em determinado momento, não obstante fundamental para o bom desenrolar da operação". (fls. 920 e 921)
E a decisão do Supremo, depois de sintetizados os argumentos dos recorrentes e transcrita a fundamentação exposta pela Relação, esclareceu que "nenhuma crítica há a fazer a tais considerações", afirmando expressamente que "não pode estar em causa, face às condutas delituosas apuradas, o juízo formulado pelo Tribunal de Vila Franca de Xira e aceite pela Relação, de que 'o dolo é intenso, manifestando-se na sua forma mais vincada - o dolo directo.' Do mesmo modo, não merece censura a conclusão de ser 'elevado o grau de ilicitude do facto, indiciado pelo tipo de produto detido e transportado (uma das chamadas drogas duras - cocaína - de especial toxocidade) e á quantidade, que é elevadíssima". (...)
E, mais adiante, acrescentou-se : "Por outro lado, todas as razões que os recorrentes agora invocam em seu favor (primariedade, situação familiar, laboral e social), foram ponderadas na decisão. E não se encontra, na conduta posterior ao facto, circunstância que deponha a favor dos arguidos."
A decisão fechou do seguinte modo : "Em suma : no quadro da moldura legal que foi tida em conta, as penas impostas a cada um dos arguidos têm-se por necessárias, adequadas e justas, não desrespeitando os citados critérios legais."
Assim, resulta inequívoco que, na economia do acórdão e na expressa decisão do Supremo - negando formalmente provimento aos recursos - as penas impostas a cada recorrente seriam de manter, caso igualmente se tivesse mantido 'o quadro da moldura legal' que foi tido em conta pelas instâncias.
2.2.1 Também é claro que todos os recorrentes tinham cabal conhecimento da medida da pena a que cada um tinha sido condenado. É o que inequivocamente resulta, p. e., das conclusões I e XLIII do recurso (recurso cuja motivação e conclusões são comuns a todos os recorrentes).
2.2.2 Porém, o art.º 54.º, da Lei n.º 11/04, de 27 de Março, veio dar nova redacção ao art.º 24.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, estatuindo uma moldura legal mais favorável aos arguidos, 'disso beneficiando, também, os arguidos não recorrentes'.
Exclusivamente com este fundamento - e "cotejando a nova moldura com a anterior e tendo presente o sentido da correspondência das penas" (como, expressamente, se consignou na decisão) - fez-se repercutir tal circunstância em cada uma das penas impostas. E também resulta evidente que, por isso, a cada uma das iniciais penas de treze anos de prisão passou a corresponder uma pena de doze anos e dois meses de prisão e que, à pena inicial de onze anos e seis meses de prisão passou a corresponder a pena de dez anos e nove meses de prisão.
2.3 Como já ficou dito, o Tribunal de Vila Franca tinha condenado 'na pena de 13 (treze) anos de prisão, cada um dos arguidos AA, BB, CC, DD e EE e, de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, o arguido FF; e o arguido DD foi ainda condenado por crime de detenção ilegal de arma de defesa, em pena de multa', condenações essas confirmadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa e que, a não se ter verificado a citada sucessão de leis, seriam igualmente confirmadas pela decisão agora em causa (como, repete-se, claramente resulta da improcedência dos recursos).
2.4 Sucedeu, porém, que, ao transcrever-se o dispositivo do acórdão do Tribunal de Vila Franca para o relatório da decisão do Supremo, passou-se, por erro do relator, que os arguidos AA, BB, CC, DD, EE e FF haviam sido condenados 'em penas de treze anos de prisão para cada um, excepto quanto ao arguido DD, que foi condenado em onze anos e seis meses de prisão' e em pena de multa, por detenção ilegal de arma de defesa.
Em suma : onde devia constar, com rigor, que o arguido FF tinha sido condenado na pena de 11 anos e 6 meses de prisão e que o arguido DD tinha sido condenado na pena de 13 anos de prisão e multa, ficou consignado, ao invés, que arguido FF tinha sido condenado em 13 anos de prisão e que o arguido DD tinha sido condenado em 11 anos e seis meses de prisão e multa.
E este erro do relatório acabou por induzir o correspondente erro no dispositivo.
3. Reconhecido o erro, resta decidir se tal irregularidade da decisão, assim caracterizada, é susceptível de correcção, nos termos permitidos pela al. b), do art.º 380.º, do Código de Processo Penal.
3.1 Como tentou demonstrar-se, aparece como inequívoco 'o pensamento do tribunal julgador' - que imediatamente resulta da economia da respectiva argumentação e da expressão do segmento dispositivo - no sentido de considerar legalmente adequadas as penas impostas a cada um dos arguidos, sendo de manter, em recurso, no quadro legal em que tinham sido determinadas.
Por outro lado, as pessoas directamente interessadas tinham perfeito conhecimento das penas impostas pelas instâncias, sendo que, quanto aos recorrentes, as suas pretensões foram julgadas improcedentes.
A alteração das penas foi consequência exclusiva de sucessão de leis penais e o seu reflexo, em cada uma das penas, foi operado "tendo presente o sentido da correspondência das penas" (aplicadas pelas instâncias).
A correcção do erro de que padece a decisão em causa não ofende direitos estabilizados do arguido DD, posto que o pretenso 'benefício' assenta em erro que lhe era facilmente perceptível.
Conclui-se, enfim, que é legalmente possível, ao abrigo do que dispõe o art.º 380.º, do C.P.P., a correcção do erro de que padece o acórdão de 07.12.04.
4. Acorda-se, nos termos antes expostos, em corrigir o erro de que padece o acórdão referido, passando aí a constar que o arguido FF fica condenado na pena de dez (10) anos e nove (9) meses de prisão, e que o arguido DD (tal como os demais arguidos que, como ele, tinham sido condenados, em 1.ª e 2.ª Instância, na pena de treze (13) anos de prisão), fica condenado na pena de doze (12) anos e dois (2) meses de prisão, mantendo-se, quanto a ele, a pena de multa em que foi condenado pelo crime de detenção ilegal de arma de defesa.
Assinale-se, no local próprio, a correcção agora decidida.
Lisboa, 31 de Maio de 2006
Soreto de Barros (relator)
Armindo Monteiro
Sousa Fonte
Oliveira Mendes