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GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR
CRÉDITO DO ESTADO
CRÉDITO FISCAL
Sumário
I - No caso de concurso entre um crédito privilegiado nos termos do art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12, e um crédito garantido por penhor mercantil, aquele, de harmonia com o expresso nessa dis-posição legal, deve preferir a este.
II - Dado, porém, que, de harmonia, ainda, com o art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12, os créditos privilegiados nos termos desse normativo devem ser sempre graduados depois dos créditos do Estado ( art.747º, nº1º, al.a), C.Civ.), quando se verifique concurso conjunto desses créditos com créditos do Estado ou das autarquias por contribuições e impostos garantidos por privilégio mobiliário geral, - caso para que a sobredita disposição legal não adianta solução expressa -, deve atribuir-se prevalência ao penhor, graduando-se em seguida os créditos de impostos, e só depois os que beneficiem do privilégio conferido pelo art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12.
III - Com efeito, os privilégios mobiliários gerais não conferem ao respectivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaiam, pelo que, embora confiram preferência no pagamento em relação aos credores comuns, não devem qualificar-se como verdadeiras garantias reais das obrigações, devendo, antes, excluir-se dessa categoria, uma vez que, na realidade, constituem meros direitos de prioridade que prevalecem contra os credores comuns na execução do património do devedor, e, ao contrário do que, conforme art.750º, sucede com os privilégios especiais, não são, consoante art.749º C.Civ., oponíveis a outros direitos reais, como é o caso do penhor.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :
Em 6/7/94, foi declarada no Proc.nº64/90 da comarca de Rio Maior a falência da Empresa-A.
No competente apenso de reclamação de créditos, foi, mais de 10 anos depois, proferida, em 6/10/ 2004, sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados, que, relativamente aos bens móveis, graduou o do Instituto do Emprego e Formação Profissional ( IEFP ) depois dos garantidos por penhor mercantil (1).
Invocando, a final, o disposto no art.713º, nº5º, CPC, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso que o IEFP interpôs dessa sentença (2) .
É dessa decisão que vem pedida revista.
Em fecho da alegação respectiva, o Instituto recorrente deduz as conclusões que seguem :
1ª - Conforme art.7º do DL 437/78 ( de 28/12 ), os créditos provenientes da concessão de apoios financeiros atribuídos no âmbito da promoção do emprego e da formação profissional gozam de privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis do devedor, com prevalência sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
2ª - O acórdão recorrido devia, pois, ter graduado o crédito do recorrente em 1º e não em 4º lugar, ou seja, no lugar em que graduou os créditos garantidos por penhores.
3ª - O comando legal de que o privilégio mobiliário previsto relativamente ao crédito do recorrente prevalece face a qualquer penhor é bem claro e directo, de modo que qualquer interpretação diferente dessa afirmação não pode deixar de revestir a natureza de interpretação contra legem.
4ª - Consequentemente, a decisão recorrida violou a al.a) do art.7º do DL 437/78 ( de 28/12 ), para além do art.9º C.Civ.
Houve contra-alegação da Empresa-B
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
A situação a ter em conta é como segue :
- Criado pelo DL 519-A2/79, de 29/12, o Instituto do Emprego e Formação Profissional ( IEFP ) é um organismo público sujeito à tutela do Ministério da Segurança Social e do Trabalho a que compete a execução das políticas de emprego e formação profissional definidas e aprovadas pelo Governo.
- Reclamou um crédito sobre a falida no valor de 172.168.189$00, proveniente da concessão de 4 empréstimos para a manutenção dos postos de trabalho.
- Esse crédito beneficia do privilégio creditório mobiliário geral atribuído pelo art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12 ( cfr., a propósito, Acórdão Uniformizador de 28/11/2000, publicado no DR. I Série, de 5/1/2001 ).
- Os credores Empresa-C, Empresa-D, Empresa-E, Empresa-F, Empresa-B, e Empresa-G beneficiam de penhor mercantil, regulado nos arts.397º ss C.Com, e 666º ss C.Civ., sobre determinados bens móveis da falida.
- Em relação aos bens móveis, foram graduados, antes de mais os créditos garantidos por penhor mercantil, depois, os créditos do Estado por impostos, e só a seguir o do ora recorrente.
No que vem a ponto, a 1ª instância discorreu, em síntese, por este modo :
Como elucida Almeida Costa, " Direito das Obrigações ", 8ª ed., 897, os privilégios mobiliários gerais não conferem ao respectivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaiam. Daí que, embora confiram preferência no pagamento em relação aos credores comuns, não devam, afinal, qualificar-se como verdadeiras garantias reais das obrigações, devendo, antes, excluir-se dessa categoria, posto que, na realidade, constituem meros direitos de prioridade que prevalecem contra os credores comuns na execução do património do devedor.
De notar ainda que se trata de ónus oculto que afecta a segurança do comércio jurídico, concluiu, com os apontados fundamentos, que os titulares de penhor mercantil têm preferência em relação aos credores que beneficiam de privilégios mobiliários gerais.
Nada então se disse quanto à parte final do art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12, a que o Instituto recorrente se reporta nas conclusões 1ª e 3ª da alegação respectiva.
A 2ª instância firmou-se, por sua vez, em suma, no que segue :
Do art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12, colhe-se que os créditos privilegiados nos termos desse normativo devem ser sempre graduados depois dos créditos do Estado ( art.747º, nº1º, al.a), C.Civ.)
Assim, embora no caso de concurso entre um crédito privilegiado nos termos daquela disposição legal e um crédito garantido por penhor mercantil, o primeiro deva preferir ao segundo, quando, como é o caso, se verifique concurso conjunto desses créditos com créditos do Estado ou das autarquias por contribuições e impostos garantidos por privilégio mobiliário geral, deve atribuir-se prevalência ao penhor, graduando-se em seguida os créditos de impostos, e só depois o conferido pelo predito art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12. Cita, neste sentido, Salvador da Costa, " O Concurso de Credores", 2ª ed., 252. Ora :
Como referido na conclusão 1ª da alegação do recorrente, de harmonia com o art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12, os créditos provenientes da concessão de apoios financeiros atribuídos no âmbito da promoção do emprego e da formação profissional gozam de privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis do devedor, " graduando-se logo após os créditos referidos na al.a) do ( nº1º do ) art. 747º do Código Civil nos mesmos termos dos créditos previstos no art.1º, nº1, do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, com prevalência sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior".
Esta a parte da al.a) do art.7º do DL 437/78, de 28/12, que o Instituto recorrente pôs em destaque no texto da alegação respectiva, nem tal nega, como vem de ver-se, o acórdão recorrido, quando em confronto, apenas, um crédito privilegiado nos termos desse normativo e um crédito garantido por penhor mercantil.
O que, no entanto, bem assim se salienta naquele acórdão é outra parte dessa mesma disposição legal que manda graduar os créditos que beneficiem do privilégio mobiliário geral previsto no art. 7º do DL 437/78, de 28/12, " logo após os créditos referidos na al.a) do ( nº1º do ) art.747º do Código Civil, nos mesmos termos dos créditos previstos no art.1º, nº1, do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho " - sendo a tal que, a final, se segue a invocada " prevalência sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior ".
De facto " claro e directo o comando legal ", como o recorrente alega, quando esteja exclusivamente em causa a prevalência referida nesta parte final, que é o que sucede nas situações de simples concurso de créditos respectivamente garantidos pelo privilégio em questão e por penhor, de modo nenhum o é quando houver que ter em conta também o que a precede, como acontece nestes autos.
Nesse caso, verifica-se a contradição explanada em ARC de 23/4/96, CJ, XXI, 2º, 36 ss.
Como observado em Ac.STJ de 3/6/2003, no Proc.nº1157/03-6ª, com sumário nos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo nº72, pág.8, 1ª col.-1º- II, embora o DL 103/80, de 9/5, não contenha declaração expressa nesse sentido, deve entender-se que revogou e substituiu o predito DL 512/ 76, de 3/7.
Por isso, a remissão feita no art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12, para o art.1º, nº1, do DL 512/ 76, de 3/7, deve actualmente considerar-se feita para o art.10º do DL 103/80, de 9/5, que repetiu aquela disposição. Ora :
Como notado no referido ARC de 23/4/96 ( loc.cit., 37-III ), há um conflito de normas entre o art.10º, nº2º, do DL 103/80, de 9/5, e os arts.747º e 749º C.Civ., que importa lacuna de colisão que vem sendo superada pelo modo por que o fez o acórdão recorrido.
Na verdade, quando, como ocorre, se verifique concurso de créditos garantidos por penhor, de créditos do Estado ou das autarquias por contribuições e impostos garantidos por privilégio mobiliário geral, e de créditos a coberto do referido art.7º, al.a), do DL 437/78, de 28/12, tem-se julgado dever atribuir-se prevalência ao penhor, graduando-se em seguida os créditos de impostos, e só depois o que beneficie do privilégio com essa mesma natureza conferido por aquela disposição legal.
Bem assim elucidativa, a este respeito, a exposição de ARC de 27/3/90, CJ, XV, 2º, 98 ( 2ª col.)-III-99, crê-se ser, efectivamente, essa a melhor solução substantiva, e que assim, por conseguinte, se terá julgado com boa razão.
Em Ac.TC nº 363/02, de 17/9/2002, decidiu-se, com força obrigatória geral, serem, por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático consagrado no art. 2º da Constituição, inconstitucionais as normas contidas nos arts.2º do DL 512/76, de 3/7, e 11º do
DL 103/80, de 9/5, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral neles conferido prefere à hipoteca, nos termos do art.751º C.Civ.
Porventura de rever a essa luz a tese de ARC de 16/5/2000, CJ, XXV, 3º, 9 ss, por sua vez assente na de Ac. STJ de 29/4/99, CJSTJ, VII, 2º, 76 ss, tem-se por preferível, no respeitante aos créditos pignoratícios e ao beneficiário do privilégio mobiliário geral em questão neste recurso, a solução paralela dos mencionados ARC de 27/3/90 e de 23/4/96.
Bem assim apelando para o princípio da protecção da confiança e da segurança do comércio jurídico, salienta-se em Ac. STJ de 7/6/2005, CJSTJ, XIII, 2º, 116 ss - v. V e VI , que inexistindo nesse caso a relação ou conexão entre o crédito e os bens que o garantem que os privilégios especiais pressupõem, os privilégios mobiliários gerais não têm a mesma natureza, de direitos de garantia, daqueles e, ao contrário dos privilégios especiais, conforme art.750º, não serão, consoante art.749º C.Civ., oponíveis a outros direitos reais, como é o caso do penhor.
Alcança-se, em vista do exposto, a decisão que segue :
Nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 8 de Junho de 2006
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) De que eram titulares o Empresa-C, o Empresa-D, o Empresa-E, o Empresa-F, a Empresa-B, e a Empresa-G.
(2) Tem-se repetido a este respeito que, aí estabelecida forma sumária de julgamento em que o tribunal de recurso faz, sem mais, seus os fundamentos - de facto e de direito - adiantados pelo tribunal recorrido, o uso do nº5º do art.713º CPC supõe que todas as questões suscitadas pelo recorrente encontraram resposta cabal na decisão recorrida, manifestando-se supérfluo qualquer aditamento. Assim sendo, essa previsão legal não tem cabimento quando não limitada a motivação ao considerado no tribunal recorrido. A ser deste modo, como melhor parece, menos bem se tem vindo, na prática, a invocar aquela disposição legal quando sentida ainda a necessidade de melhor desenvolvimento, isto é, de considerandos adicionais - que, no caso dos autos, se estendem por cerca de 5 páginas.