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CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
MORA
INTERPELAÇÃO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
EFICÁCIA
Sumário
- O direito de resolução dum contrato, enquanto destruição da resolução contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado. - Fica, pois, a parte que invoca o direito à resolução obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual. - Enquanto não for efectuada a comunicação da data da escritura, pelo contraente a quem caiba esse ónus, não poderá falar-se em mora, pois que, não havendo prazo fixo essencial, não há mora sem interpelação. - Como declaração receptícia, a eficácia da comunicação da data da escritura depende do conhecimento pela destinatária. - Não tendo havido efectiva recepção da declaração - enviada em carta registada -, esta só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (art. 242º-2 C. Civil). Havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, está afastada a aplicabilidade da norma. - Consequentemente, haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que "sem acção ou abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida", não dispensando a concretização do regime "um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração", demonstração que impende sobre a parte que tiver o ónus da interpelação.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - "AA" intentou acção declarativa contra "Empresa-A", pedindo o reconhecimento de que a Ré incumpriu de forma culposa dois contratos--promessa de compra e venda e a condenação desta a pagar-lhe € 55 865,40, com juros moratórios, à taxa legal, desde a data da citação, invocando a rescisão, sem qualquer motivo, de dois contratos-promessa de compra e venda de imóveis relativamente aos quais a Autora, como promitente-compradora, a título sinal e princípio de pagamento, entregara à Ré esc. 5 600 000$00.
A Ré contestou e reconveio, imputando à A. a responsabilidade pela rescisão, visto ter faltado à realização da escritura de compra e venda, e pedindo a declaração da perda do sinal a seu favor, por incumprimento da Autora.
A acção foi julgada procedente e improcedente a reconvenção, decisões que a Relação confirmou.
A Ré pede revista, insistindo na procedência da reconvenção, ao abrigo da seguinte síntese conclusiva:
- O acórdão recorrido viola o princípio geral do ónus da prova - art. 342º-1 C. Civil - quando imputa à R. o ónus da prova acerca do motivo pelo qual a A. não reclama a carta de interpelação que lhe foi enviada nos CTT;
- É à A. que compete a prova dos factos constitutivos do direito alegado na petição e consubstanciado nos artigos 1º e 2 do questionário, que resultaram não provados;
- A carta devolvida com a indicação de "não reclamada" consubstancia uma declaração eficaz, pois somente por culpa da destinatária é que não foi oportunamente recebida, conforme dispõe o art. 224º-2 C. Civil.
- Mesmo que o incumprimento da A. não fosse considerado definitivo, sendo-lhe apenas imputável a mora, era-lhe aplicável o regime previsto no art. 442º-2 C. Civil, pelo que deveria proceder o pedido reconvencional.
- A R. só rescindiu o contrato em consequência do incumprimento da A., que se furtou deliberadamente à recepção da carta que a notificava e compareceu às escrituras;
- Se a A. não provou a sua falta de culpa na impossibilidade de outorga das escrituras públicas, então o incumprimento é-lhe imputável e legitima a resolução contratual efectuada pela R., que, face à postura da A., perdeu o interesse no negócio;
- A ausência material de Licença de Utilização para as fracções, na data designada para a escritura, não seria motivo legítimo para recusa na outorga.
Foram violadas as disposições legais dos arts. 799º, 801º e 808º C. Civil.
A Recorrida respondeu em defesa do julgado.
2. - A questão proposta reconduz-se a saber se a Autora incorreu em incumprimento do contrato-promessa susceptível de legitimar a resolução do contrato efectuada pela Ré.
3. - Vem assente a seguinte factualidade:
- A A. celebrou com a R. dois contratos-promessa de compra e venda, nos termos dos quais a A. prometeu comprar e a R. prometeu vender-lhe duas habitações T2, ambas com lugar de garagem;
- Como sinal e princípio de pagamento, a A. entregou à R. a quantia de esc. 2 800 000$00, por cada uma das fracções prometidas vender;
- A escritura de compra e venda seria outorgada no prazo de 15 dias após a comunicação escrita, por parte da R, de que a escritura se poderia efectuar;
- A R. enviou à A., com data da 18 de Junho de 2003, uma carta registada com A/R, com carimbo de 20/6/03, na qual se diz: " Vimos pela presente informar V. Ex.as que estamos em condições de efectuar as escrituras de compra e venda da fracção referenciada em epígrafe, pelo que vimos convocar para a respectiva escritura que se realizará no próximo dia 8 de Julho p. f. no Cartório Notarial de Vila do Conde, pelas 14,30 horas. Encontramo-nos no entanto disponíveis para aprazar outra data de v/ conveniência desde que nos comuniquem a respectiva data de marcação de escritura dentro de 48 horas após a recepção desta carta";
- A carta foi enviada para o endereço constante do contrato-promessa de compra e venda;
- Por não se encontrar alguém em casa no dia 25/6/03, pelas 11 horas, foi-lhe deixado aviso para proceder ao levantamento da referida carta na Estação dos CTT;
- A A. não reclamou a referida carta;
- Em 8/7/03 (data designada pela R. para a escritura), a R. compareceu no Cartório Notarial de Vila do Conde, com vista à realização de tal acto, posto o que, face à ausência da A., foi lavrado o respectivo "certificado" de impossibilidade de realização da escritura;
- Em 8/7/03, as fracções a que se referem os contratos-promessa não dispunham de licença de utilização;
- A Ré requereu a emissão de licença de utilização relativa às fracções em causa em 23/4/03;
- Por carta de 26 de Agosto de 2003, regista com A/R, dirigida pela R. à A. e por esta recebida, aquela comunicou a esta o seguinte: "Na sequência da sua falta de comparência às escrituras marcadas para o passado dia 8 de Julho p.p. de que foi lavrado o competente instrumento notarial, e não tendo havido da v/ parte qualquer contacto no sentido de resolver a situação, vimos pela presente informá-lo de que consideramos os contratos referidos em epígrafe rescindidos por incumprimento da v/ parte, com perda das entregas feita como sinal e princípio de pagamento, considerando-nos livres para pôr à venda a referida fracção".
4. - Mérito do recurso.
4. 1. - O contrato-promessa é, como definido no art. 410.º-1 C. Civil, a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, ou seja, é um contrato que tem por objecto uma obrigação de prestação de facto, que consiste na celebração do contrato prometido, através da emissão das declarações negociais que lhe são próprias, formalizadas, ou não, consoante os requisitos de forma estabelecidos por lei.
Refere-se sempre, funcionalmente, a outro negócio, constituindo este o seu objecto. Por isso, o objecto imediato do contrato-promessa consiste na realização do contrato prometido, constituindo o deste último objecto mediato daquele.
O direito de resolução dum contrato, enquanto destruição da resolução contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432.º C. Civil.
Fica, pois, a parte que invoca o direito à resolução obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.
Fundamento de resolução é, como admitido nos arts. 801.º-2 e 802.º--1 do citado diploma, a impossibilidade de cumprimento da prestação, geradora de incumprimento definitivo.
O incumprimento definitivo do contrato-promessa pode verificar-se - - além de outras situações que aqui, por inaplicáveis, não interessa considerar - por ter sido inobservado o prazo fixo essencial fixado para a prestação, por ter o credor, em consequência da mora da outra parte, perdido o interesse que tinha na prestação ou por, encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor, como tudo encontra acolhimento na previsão do n.º 1 do art. 808.º C. Civil.
A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas» - art. 808º-2 (cfr. PESSOA JORGE, "Ensaio sobre os Pressupostos da Resp. Civil", pp. 20, nota 3; GALVÃO TELLES, "Obrigações", 4ª ed., 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ 477º-468).
Quando tal não ocorra deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes - o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo que razoavelmente for fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no citado preceito - interpelação admonitória (A. VARELA, "Das Obrigações em Geral", I, 9ª ed. 532).
Por último, deve referir-se que, como dos ditos arts. 801.º-2 e 802.º-1 decorre, só o contraente fiel - aquele que cumpriu ou se oferece para cumprir - goza de legitimidade para resolver o contrato, ficando vedado ao contraente faltoso invocar o seu próprio incumprimento como fundamento resolutivo.
Avançando ainda no campo do quadro jurídico a ter em conta na apreciação da concreta situação ajuizada, haverá que ter presente o princípio da boa fé que a lei impõe às partes no cumprimento das obrigações e no exercício dos direitos inerentes e decorrentes dele, boa fé que faz recair sobre as mesmas partes deveres acessórios de conduta, de sorte que nem sempre o cumprimento da obrigação se basta com a realização formal da prestação.
4. 2. - Aqui chegados é altura de introduzir a concreta questão do incumprimento do contrato-promessa celebrado pelas Partes e fundamento da declaração resolutiva.
A Ré invocou como fundamento da resolução através da qual o incumprimento definitivo, por declaração sua de 26 de Agosto, se verificou, a falta de comparência da Autora às escrituras marcadas para 8 de Julho, escrituras marcadas pela Ré, com comunicação feita à A. através de carta registada com aviso de recepção, cuja entrega na residência da A. se gorou e não foi depois, reclamada na Estação dos CTT.
Bem sabia, pois, a R., como, de resto, confessa ("a correspondência foi devolvida à procedência"), que a efectiva interpelação ou notificação da Autora não se tinha concretizado por essa via e que, consequentemente, se não tinha operado a "comunicação escrita" constante da cláusula VII dos contratos-promessa.
É seguro que, apesar disso, a Ré não deu ou tentou dar a conhecer à Autora, por qualquer outra via, conhecimento da data da outorga das escrituras. Limita-se a sustentar que efectuou a comunicação devida e que esta se frustrou por facto imputável à Autora, que não reclamou a carta, sem culpa da Ré.
O ónus dessa comunicação, configurando, como referido, uma verdadeira interpelação, necessária ao vencimento da obrigação, impendia sobre a Ré, como convencionado.
Enquanto não for efectuada, não poderá falar-se em mora, pois que, não havendo prazo fixo essencial, não há mora sem interpelação (art. 805º C. Civil).
Como declaração receptícia, a eficácia da comunicação da data da escritura dependia do conhecimento pela destinatária.
Não tendo havido efectiva recepção da declaração, esta só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (art. 224º-2 C. Civil).
O regime legal visa, sem dúvida, contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte cartas registadas, que são devolvidas aos respectivos remetentes, como sucedeu no caso.
Por isso se compreende que quando a não recepção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz.
Havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, está afastada a aplicabilidade da norma.
Consequentemente, haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que "sem acção ou abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida", não dispensando a concretização do regime "um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração" (PAIS DE VASCONCELOS, "Teoria Geral do Direito Civil", 2ª ed., 296).
No caso, como se faz notar na decisão impugnada, ignoram-se as razões por que a carta não foi reclamada e da não comparência no Cartório.
Absolutamente inócua, face aos termos do litígio, a matéria alegada pela A. e levada aos quesitos 1º e 2º.
Como do que ficou dito já resulta, era à Ré que cabia interpelar a A. e, por isso, sobre ela impendia também o ónus de demonstrar que cumpriu eficazmente essa prestação, o que, no caso, se não esgotava no envio da carta, meio por ela escolhido, mas ainda que o seu não recebimento pela destinatária se ficou a dever apenas a culpa desta.
Improvada a referida actuação ou omissão culposa da Recorrida, não se pode ter como eficaz a declaração constante da carta e, por via disso, como operante a interpelação, designadamente em termos de aptidão para desencadear uma situação de mora
Carecia, a Recorrente, nesta perspectiva, de qualquer fundamento para resolver o contrato a que estava vinculada, apresentando-se a resolução como ferida de ilicitude e exclusivamente imputável à Ré.
4. 3. - As Instâncias, e designadamente a Relação, pronunciando-se sobre a comunicação, limitaram-se a afirmar que se impunha outra atitude à Ré, no sentido de tornar efectivo o conhecimento da declaração. Depois, afastaram a pretensão da Ré-recorrente a pretexto de a omissão da A., ao não comparecer no acto notarial consubstanciar tão só uma situação de mora, de que não se pode extrair o incumprimento definitivo, por não decorrer dos autos a perda de interesse na realização do contrato.
Apesar de o anteriormente exposto dispensar mais considerações, por ser esta a questão expressamente invocada e solucionada em decisão do recurso, não deixará de se lhe fazer referência.
Como flui da conduta das Partes, designadamente da da Ré, nada permite concluir que o interesse em contratar se não manteve até à data da marcação das escrituras, pois que só isso dá razão de ser à própria marcação.
Após isso, a simples não comparência da A. no Cartório Notarial que, como vem pressuposto, a teria feito incorrer em mora - mesmo desprezando o específico circunstancialismo que envolveu a sua notificação para o efeito -, não é passível de integrar os requisitos de conversão em qualquer modalidade de incumprimento definitivo, com o sentido e alcance supra enunciados.
Àquela não comparência - quando considerada regularmente efectuada e eficaz a interpelação - impunha-se que a Ré reagisse mediante nova marcação com eventual cominação resolutiva, aguardando a recusa, ou que invocasse e demonstrasse uma objectiva perda de interesse, como previsto e exigido pelo art. 808º C. Civil.
Fica, consequentemente, por demonstrar pela Recorrente, como era seu ónus (art. 342º-1 C. Civil), qualquer perda objectiva de interesse, de resto nem sequer alegada, ou outra situação de incumprimento, fundamento de resolução.
De notar, ainda, que o cumprimento de regras como a da boa fé e de deveres acessórios de conduta - art. 762º C. Civil -, parece não ter sido critério por que a Recorrente se tenha regido no seu comportamento após a devolução da carta-notificação e ao extrair do facto as consequências que continua a pretender fazer valer, refugiando-se num cumprimento meramente formal da sua prestação com o qual vem esgrimindo.
4. 4. - Perante o que ficou relatado e decidido nos postos anteriores, nomeadamente quanto à inexistência de mora da Autora-recorrida ao tempo da declaração resolutiva do contrato, encontra-se prejudicada a necessidade de apreciação das demais questões colocadas na revista (art. 660º-2 CPC).
5. Decisão.
De harmonia com o exposto, decide-se:
- Negar a revista;
- Manter a decisão impugnada; e,
- Condenar a Recorrente nas custas.
Lisboa, 8 de Junho de 2006
Alves Velho
Moreira Camilo
Urbano Dias