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HIPOTECA
JUROS
Sumário
I - Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos.
II - A contagem desse período dos três anos de juros abrangidos pela hipoteca deve ter lugar a partir do momento em que os primeiros juros forem exigíveis.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 6-10-04, AA e BB instauraram os presentes embargos de executado contra Empresa-A, hoje incorporada, por fusão, no Banco.... , S.A., por apenso à execução hipotecária para pagamento de quantia certa, que este moveu contra aqueles e outra.
Pedem que, na procedência dos embargos, seja extinta a execução e, na hipótese destes serem julgados improcedentes ou apenas parcialmente procedentes, sejam indemnizados das benfeitorias que realizaram no imóvel adquirido, relegando-se a sua fixação para execução de sentença e solicitando ainda a condenação da embargada como litigante de má fé.
Como fundamento da sua oposição, os embargantes alegam, resumidamente:
São executados na qualidade de terceiros adquirentes do imóvel sobre o qual incide a hipoteca dada em garantia da dívida exequenda, pelo que apenas respondem nos termos e nos limites constantes do registo daquela garantia real, ou seja, no montante máximo garantido de 133.927,24 euros, sendo este, na data dos embargos, apenas de 25.060,68 euros quanto ao capital em dívida, ao qual acrescem os respectivos juros relativos a um período de três anos, contados desde a data do seu vencimento, no caso desde 28-2-85 a 7-1-87, e ainda das despesas emergentes do contrato, no valor máximo de 2.992,79 euros, desde que devidamente individualizadas e demonstradas.
Os juros relativos ao indicado período de três anos encontram-se prescritos e as despesas emergentes do contrato não se encontram individualizadas e demonstradas.
A hipoteca foi distratada e o distrate foi julgado nulo, na sequência do que a hipoteca foi novamente inscrita, mas este registo não lhes é oponível.
Acrescentam que os embargantes fizeram benfeitorias ao longo dos anos no imóvel de que são donos, destinadas à sua conservação, de que pretendem ser indemnizados.
O Banco embargado contestou.
Aceita que o pedido executivo contra os embargantes tem o limite constante do registo da hipoteca, mas impugna a demais factualidade e a invocada prescrição dos juros, defendendo que, como credor hipotecário, tem direito a ver contemplados na hipoteca três anos de juros, calculados à taxa levada ao registo, sem qualquer obrigação de definir o período a que respeitam.
No saneador-sentença, o Ex-mo Juiz julgou os embargos parcialmente procedentes, reduzindo a responsabilidade dos embargantes à quantia de 45.359,82 euros, garantida pelo imóvel hipotecado, sendo 25.060,68 euros de dívida do capital e 20.299,14 de três anos de juros, e ordenando o prosseguimento da execução quanto a estes, nesta respectiva medida.
Apelaram os embargantes, com êxito, pois a Relação do Porto, através do seu Acórdão de 10-1-06, concedeu provimento à apelação, revogou a parte impugnada do saneador-sentença recorrido, reconheceu encontrarem-se prescritos os juros peticionados e ordenou o prosseguimento da execução contra os embargantes apenas para cobrança da dívida do capital de 25.060,68 euros.
Agora, é o Empresa-A, que pede revista, onde conclui:
1- O art. 693, nº2, do C.C., nada refere quanto ao período a que respeitam os juros aí referidos, limitando-se a dizer que a garantia hipotecária engloba os juros respeitantes a três anos.
2 - Deverá, assim, tal limitação ser entendida como um quantum, valor máximo englobado na garantia hipotecária.
3 - Tal entendimento em nada prejudica terceiros, tendo presente serem levados a registo tais juros e taxa respectiva.
4 - Achando-se, assim, perfeitamente assegurada a publicidade da situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário e terceiros envolvidos - art. 1º do C.R.P..
5 - Por isso, não pode proceder a prescrição dos juros, invocada pelos recorridos, devendo ser mantido o decidido em 1ª Instância.
Os recorridos contra-alegaram em defesa do julgado.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
A Relação considerou provados os factos seguintes:
1- Por inscrição de 3 de Maio de 1982, com o nº 41.517, de fls 58 verso, do Livro C-58, foi registada hipoteca voluntária do prédio nº 62.624, descrito a fls 196, do livro B-162, tendo por sujeito activo o Empresa-A, e como sujeito passivo a Empresa-B", garantindo um empréstimo no valor de 15.000.000$00, com o juro anual de 23%, acrescido de 2% no caso de mora e, também as despesas emergentes do contrato, até ao montante de 6.000.000$00, tudo com o montante máximo garantido do capital e acessórios de 26.850.000$00.
2 - Por inscrição de 22, de Julho de 1982, com o nº 41.824, de fls 31 do Livro C- 59, foi ampliada a inscrição supra referida, elevando-se a taxa de juro em mais 2%, com o valor máximo de 900.000$00, mantendo-se a elevação de 2% em caso de mora.
3 - Por inscrição de 6 de Setembro de 1988, com o nº 107047, foi registada a aquisição por compra à sociedade "Empresa-B", a favor de AA das fracções "I" e "V", do prédio nº 68.164, de fls 76 v, do Livro B-179, desanexado do prédio nº 62624, de fls 196 v, do Livro B-162.
4 - O contrato que fundamentou o registo supra descrito foi celebrado perante o notário, pela sociedade Empresa-B e AA, no dia 12 de Janeiro de 1984.
5 - Em 13 de Dezembro de 1993, foi registada a acção interposta por Empresa-A, contra AA e mulher BB e a sociedade Empresa-B, na qual se pedia a declaração da falsidade dos títulos de distrate que serviram de base ao cancelamento das hipotecas nºs 40.338, de fls 44, do Livro C-55 e nº 41824, de fls 31, do Livro C-59, e a nulidade dos registos de cancelamento das mesmas.
6 - No dia 8 de Maio de 2001, foi levada ao registo a decisão judicial que declarou a nulidade dos registos de cancelamento das hipotecas que oneram as fracções "I" e "V", do prédio nº 68.164, de fls 76 v, do Livro B-179.
7 - Do empréstimo referido no anterior nº1 encontra-se em dívida o montante de 25.060,68 euros, de capital.
8 - O início do incumprimento, com o vencimento dos primeiros juros, ocorreu em 28 de Fevereiro de 1985.
9 - A execução de que estes embargos são apenso deu entrada em juízo em 18 de Março de 2002.
A questão fulcral a decidir consiste em saber quando se inicia a contagem do período de três anos dos juros, abrangidos pela hipoteca, a que se refere o art. 693, nº2, do Cód. Civil.
Vejamos:
A sentença da 1ª instância entendeu que a hipoteca abrange três anos de juros vencidos, independentemente do início do seu vencimento.
Por isso, considerou que podem ser peticionados os juros dos últimos três anos, imediatamente anteriores á data da propositura da execução de que este embargos são apenso, que não se encontram prescritos.
Por sua vez, a Relação decidiu que os três anos de juros abrangidos pela hipoteca são os que imediatamente se seguem ao incumprimento, aí se iniciando os primeiros juros.
No caso dos autos, os juros em questão dizem respeito ao período decorrido de 28 de Fevereiro de 1985 até 28 de Fevereiro de 1988.
Como já tinham decorrido muito mais de cinco anos sobre o termo daquele período, quando a execução foi instaurada, em 18-3-02, o Acórdão recorrido julgou procedente a prescrição desses juros, por força do preceituado no art. 310, al. d), do C.C., já que não se apurou qualquer causa de suspensão ou de interrupção da invocada prescrição.
Que dizer ?
A razão está com a Relação.
Com efeito, dispõe o art. 693 do C.C:
" 1- A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constam do registo.
2 - Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos.
3 - O disposto no número anterior não impede o registo de nova hipoteca em relação a juros em dívida.
Assim, quanto a juros, há que atender ao prescrito no nº2, do citado art. 693: a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os juros relativos a três anos.
Alterou-se o princípio, que era duvidoso, do art. 900 do Código Civil de 1867, não obstante a alteração introduzida pelo decreto nº 19126, de 16 de Dezembro de 1930.
O facto da hipoteca só abranger os juros dos últimos três anos, não obsta a que se registe nova hipoteca em relação aos juros vencidos ( art. 693, nº3), nem que se executem juros por mais de três anos, estando, porém estes, excluídos da garantia hipotecária.
Além disso, se os juros tiverem sido capitalizados, não se lhes aplica a restrição do art. 693.
Comentando o mencionado art. 693, nº2, do C.C., escrevem Pires de Lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 717):
"A indicação rígida dos juros de três anos, sem concretização dos períodos a que respeitam, tem a vantagem de afastar muitas dúvidas que se suscitam noutros países, como, por exemplo, a de saber se estão garantidos por hipoteca os juros vencidos durante a execução, e terá ainda a vantagem de estimular, para além de certo limite, a diligência do credor exequente.
Também a proibição de convenção em contrário mostra que é no interesse de terceiros que se estabelece a limitação do nº2; os juros poderiam cumular-se sem conhecimento destes.
Ao mesmo tempo, incluindo na execução hipotecária os juros referidos na lei, evita-se (com real vantagem para todos) a necessidade de instaurar várias execuções: uma relativa ao capital inicialmente garantido; outra ou outras, quanto a todos os juros posteriormente vencidos e acumulados.
E dá-se ainda ao credor um lapso de tempo razoável para ele esperar pelo pagamento dos juros sem recorrer á execução.
O sistema intermédio fixado na lei, tem, assim, reais vantagens ".
Entrando, agora, mais directamente, na análise da questão que nos ocupa, dir-se-á que várias razões apontam no sentido de que a contagem do período dos três anos de juros abrangidos pela hipoteca deve ter lugar a partir do momento em que os primeiros juros forem exigíveis.
Com efeito, o início da contagem desse prazo não tem de coincidir, forçosamente, com a data do financiamento.
Desde logo, porque se o financiamento não vier a beneficiar da garantia real de hipoteca, não poderão ser reclamados nem o capital, nem os juros, face ao disposto no art. 865, nº1, do C.P.C.
Depois, porque mesmo que o financiamento beneficie de contemporânea hipoteca, só o registo desta confere eficácia aos juros que constem do registo.
Finalmente, porque as partes podem convencionar data diferente para o vencimento dos juros e, enquanto estes se não vencerem, não pode o credor reclamar o seu pagamento.
Por outro lado, também não pode afirmar-se que o início da contagem do referido período legal dos juros ocorra com o registo da hipoteca que se pretende fazer valer.
É que, se as partes tiverem convencionado a data de vencimento dos juros, só a partir de tal data eles são exigíveis.
Ora, no caso concreto, à obrigação de juros constituída por via do ajuizado contrato de crédito hipotecário, foi consensualmente fixado um prazo a partir do qual a mesma passou a ser exigível, sendo assim uma obrigação com prazo certo.
Daí que a solução natural seja considerar como data do início de contagem daquele período de três anos durante o qual os juros beneficiam de garantia hipotecária, o dia do vencimento e consequente exigibilidade dos primeiros juros.
No sentido desta interpretação abona o disposto no art. 693, nº3, do C.C.
De facto, a lei concede ao credor hipotecário a possibilidade de requerer o registo de nova hipoteca em relação aos juros em dívida que excedam as três anuidades.
O que significa que a ratio desta norma converge para o entendimento aqui sufragado.
O legislador comete ao credor hipotecário o ónus de periodicamente (uma vez esgotado aquele período de três anos ) requerer junto da competente Conservatória do Registo Predial novo registo, por forma a que a totalidade dos juros que se vão vencendo fiquem também hipotecariamente garantidos.
Não obstante a lei estabelecer a limitação dos juros garantidos por hipoteca a um período de três anos, o certo é que permite um actualização progressiva da extensão de tal garantia, o que só se justifica considerando que o período inicial e legalmente garantido se reporta aos três primeiros anos do respectivo vencimento.
Por isso, findo tal período, tem o credor hipotecário a possibilidade de requerer novo registo, referente aos juros que se vierem a vencer nos anos subsequentes.
Dentro desta linha interpretativa de que os três anos de juros, abrangidos pela hipoteca, são os que imediatamente se seguem ao vencimento dos primeiros juros, temos que os juros em causa são os que respeitam ao período que vai de 28 de Fevereiro de 1985 até 28 de Fevereiro de 1988.
Tendo a execução sido proposta em 18-3-02, não pode sofrer dúvida que opera a invocada prescrição de tais juros, nos termos decididos pela Relação - arts 310, al. d), e 698, nº1, do Cód. Civil.
Termos em que negam a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 27 de Junho de 2006
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Afonso Correia