TELECOMUNICAÇÕES
TELEFONE
PRESCRIÇÃO
CRÉDITO
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Sumário

I - A prescrição prevista no art.10º, nº1º, da Lei n.º 23/96, de 26/7, aplicável ao serviço de telefone por força do seu art.1º, nº2º, al.d), é uma prescrição extintiva.

II - O prazo, de 6 meses, dessa prescrição inicia-se com a prestação do serviço.

III - Visto que se trata de serviços prestados continuamente, mas com, habitualmente, facturação mensal, o início desse prazo ocorre logo que termina cada período sujeito a facturação autónoma.

IV - O art.310º, al.g), C.Civ. deixou de ser aplicável à prescrição dos denominados serviços públicos essenciais referidos no art.1º, nºs 1º e 2º, da Lei n.º 23/96, tendo a actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e de prestador de serviço de telecomunicações regime específico no DL 381-A/97, de 30/12.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


Em 16/1/2004, a Empresa-A, moveu a AA acção declarativa com processo comum na forma ordinária que foi distribuída à 1ª Secção da 3ª Vara Cível da comarca do Porto.

Com vista a obter a condenação do demandado no pagamento da quantia de € 15.166,66, com juros, à taxa legal de 12% ao ano, desde a citação até efectivo e integral pagamento, alegou ter, no exercício da sua actividade, celebrado com aquele um contrato de prestação de serviços, na sequência do qual iniciou a prestação regular dos seus serviços, com efectiva utilização ( por parte ) do R., que, no entanto, não pagou algumas das facturas vencidas.

Contestando, o R., que litiga com benefício de apoio judiciário no tocante à taxa de justiça e demais encargos, excepcionou a prescrição da dívida nos termos dos arts.312º e 317º, al.b), C.Civ., relativos a prescrição presuntiva (1) .

Houve réplica, em que se obtemperou aplicar-se no caso a prescrição, também de carácter presuntivo, prevista na Lei nº 23/96, de 26/7, e correr ainda a prescrição quinquenal do art.310º, al.g), C.Civ., pelo que o crédito reclamado não se encontrava prescrito.

Dispensada, ao abrigo do art. 508º-B, nº1º, als.a) e b), CPC, a convocação da audiência preliminar, foi, nos termos do art.510º, nº1º, al. b), CPC, proferido, em 9/3/2005, saneador-sentença que, por considerar procedente a excepção de prescrição, julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

Entendeu-se então que o direito da A. de exigir o pagamento dos serviços telefónicos prestados ao R. se extinguiu por prescrição, uma vez que decorreram mais de 6 meses desde a prestação dos serviços em causa até á citação daquele para esta acção.

A Relação do Porto, por acórdão de 14/11/2005, considerou improcedente a excepção da prescrição invocada e procedente a acção. Como assim, julgou procedente o recurso de apelação que a A. interpôs da predita sentença, que revogou, e condenou o R. no pedido.

É dessa decisão que o assim vencido pede, agora, revista.

Em fecho da alegação respectiva, deduz, com desrespeito óbvio da síntese imposta pelo art.690º, nº1º, CPC, 31 conclusões, de que se extrai que a questão a dirimir - e não mais importa mencionar agora, como se vê dos arts.713º, nº2º, e 726º CPC - é apenas a da procedência ou improcedência da excepção de prescrição deduzida na contestação.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue :

- A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto a exploração de redes e serviços de telecomunicações e o fornecimento e comercialização de equipamentos de telecomunicações.

- No âmbito dessa actividade, a A. e o R. celebraram, sob proposta deste, um contrato de prestação de serviços a que foi atribuído o nº de conta 1.10459841.

- Na sequência desse contrato, a A. iniciou a prestação regular dos seus serviços, com efectiva utilização ( por parte ) do R.

- A A. emitiu as facturas referentes a esses serviços com os nºs 0005995840499, 00073559800599, 0008565950699 e 0012018740899, respectivamente emitidas em 28/4, 29/5, 25/6, e 31/8/99, no valor respectivo de € 2.965,65, € 4.953,84, € 1.482,94, e € 289,08, com vencimento, sempre respectivamente, em 18/5, 18/6, 15/7, e 20/9/99.

- Esta acção deu entrada em juízo em 16/1/2004.

- O réu foi citado para os termos da acção em 11/3/2004.

Em termos úteis, discorreu-se então, na 1ª instância, por este modo :

Conforme al.g) do art.310.º C.Civ., para além das indicadas nas alíneas anteriores, as prestações periodicamente renováveis - "quaisquer outras " - prescrevem no prazo de 5 anos.

Aplicável às facturas de energia eléctrica, água, gás e telefone (2), trata-se de prescrição extintiva ou liberatória, desde logo se vê do art.312.º, que se reporta às prescrições presuntivas.

A prescrição extintiva tem como consequência a extinção do direito e faz, por isso mesmo, desaparecer todos os meios de tutela jurídica, subsistindo para o devedor uma mera obrigação natural.

Por seu turno, as prescrições presuntivas, destinadas, em último termo, a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo (3), baseiam-se numa presunção de pagamento fundada em que as prestações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não é costume exigir quitação do seu pagamento.

Por isso, enquanto a prescrição extintiva opera mesmo que o devedor confesse que não pagou, quando em causa prescrição presuntiva, se o devedor confessar que deve e não pagou, é condenado a satisfazer a obrigação (4).

Claramente indicada no seu art.1º, nº1º, a finalidade da Lei n.º 23/96, de 26/7, é a de proteger o utente ou utilizador de qualquer dos bens ou serviços públicos nela enumerados.

Com a entrada em vigor dessa Lei, os créditos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como é o serviço de telefone ( art.1º, n°2º, al. d) ), passaram a prescrever no prazo de 6 meses após a sua prestação - cfr. seu art.10º, nº1º.

Aí estabelecido que " o direito de exigir o pagamento do preço prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação ", os próprios termos literais desse normativo inculcam - dão, mesmo, claramente a entender - que o crédito e respectiva obrigação se extinguem ; e constituindo a prescrição extintiva a regra e a presuntiva a excepção, esta só funciona nos casos expressamente previstos, o que não é o caso daquele art.10º.

Atenta, ainda, a finalidade da Lei referida, indicada no seu art.1º, nº1º, tem-se concluído que no seu art.10º, nº1º, se consagrou uma prescrição extintiva ou liberatória, e não meramente presuntiva.

Foram depois publicados a Lei nº 91/97, de 1/8, que, consoante seu art.1º, define as bases gerais do estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações, e o DL 381-A/97, de 30/12, que, como adiantado no seu preâmbulo, visa desenvolver os princípios daquela Lei de Bases.

O nº4º do art.9° e o nº2º do art.16º deste último estabelecem que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de 6 meses após a sua prestação.

O nº5º daquele art.9º e o nº3º do art.16º aditam que, para efeitos do número anterior, o pagamento se tem por exigido com a apresentação de cada factura .

O número anterior desses artigos tem a redacção do nº1º do art.10.º da Lei n.º 23/96 : "o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação ". Isto posto :

Como notado pelas instâncias, no que respeita ao início do prazo da prescrição discutida, têm sido sustentados três entendimentos diversos

- segundo alguns, que seguem o parecer de Calvão da Silva (5) , o prazo de 6 meses conta-se da prestação dos serviços, mais precisamente, tratando-se de serviços reiterados ou periódicos, de cada um dos períodos de serviços, nomeadamente, desde a prestação mensal do serviço, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito, e tal assim tanto quanto à apresentação da factura, como no que se refere à invocação do direito em juízo ;

- entendem outros que, de 6 meses o prazo para a apresentação da factura, essa apresentação interrompe a prescrição, sendo igualmente de 6 meses o prazo consentido entre essa apresentação e a instauração da acção, sob pena de extinção do direito ao pagamento ;

- uma terceira posição, defendida por Menezes Cordeiro, restringe a aplicação do prazo de 6 meses à apresentação da factura, acolhendo, a partir daí, o prazo geral de 5 anos, do art.310º, al.g), C. Civ, até ser movida a acção.

A segunda orientação mencionada não se coaduna com o disposto no art.323º C.Civ., que exige, para interrupção da prescrição, acto de natureza judicial.

Dado que para evitar a prescrição é necessária a citação ou notificação judicial, ou qualquer outro meio judicial equiparado, como é designadamente o caso da notificação judicial avulsa do devedor (art.323º, nºs 1º e 4º C.Civ.), pelo qual, dentro do respectivo prazo, se exprima a intenção de exercício judicial do direito, o envio da factura ao consumidor funciona como interpelação para pagamento que, consoante art.805º, nº1º, C.Civ., constitui o devedor em mora, mas não importa ou determina interrupção do prazo prescricional (6).

A terceira orientação referida não tem obtido aceitação nesta Secção deste Tribunal, em que foi a primeira a adoptada em acórdãos de 6/2 e de 5/6/2003, e de 6/10/2005, respectivamente proferidos nos Procs.nºs 4580/02, 1032/03, e 2301/05, com sumário nos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, nºs 68, p.33, 1ª col., 72, p.25, 2ª col., e 94, 2ª col.-2º, respectivamente.

Em causa a interpretação e conjugação do preceituado nos arts.10º, nº1º, da Lei nº 23/96, de 26/ 7, e 9º, nºs 4º e 5º, ou 16º, nºs 2º e 3º, do DL 381-A/97, de 30/12, e 310º, al.g), C.Civ., nem por isso se deixará de proceder a apreciação, mesmo se modesta e breve, das primeira e terceira teses mencionadas.

Encurtando razões, relevar-se-á a especialidade da matéria regulada na Lei nº23/96 e no DL 381-A/97 em confronto com a previsão genérica da al.g) do art.310º C.Civ. - salientando, ao mesmo tempo, a intenção de defesa ou protecção do consumidor que com evidência inspira os normativos aludidos.

Tratava-se, na realidade, de, na denominada sociedade de consumo, atalhar, em área sensível, a um endividamento excessivo, obviando à necessidade de prevenir a acumulação de dívidas que o utente deve pagar periodicamente, mas terá dificuldade em solver se excessivamente prorrogada a exigência do seu pagamento. Daí o estabelecimento no nº1º do art.10.º da Lei nº 23/96 dum prazo novo, muito mais curto que o previsto na al.g) do art.310.º C.Civ., que veio a ser retomado nos arts.9º, nº3º, e 16º, nº2º, do DL 381-A/97 : um prazo único, especial, de 6 meses, a contar da prestação do serviço, que se sobrepõe à previsão genérica da al.g) do art.310º C.Civ., destarte arredada nesse âmbito.

Em causa serviços providos de tecnologia desenvolvida, não é de admitir que estejam muito tempo sem enviar a factura dos serviços prestados .

Estatuindo que, para efeitos do número anterior, segundo o qual o direito de exigir o pagamento prescreve no prazo de 6 meses, se considera exigível o pagamento com a apresentação de cada factura, o nº 5º do art. 9° da Lei nº 23/96 ( v. também o nº3º do art.16º do DL 381-A/97 ), impõe, não apenas um ónus, mas um dever correlativo a direito conferido para protecção dos consumidores.

O atraso ou eventual negligência no cumprimento desse dever não podem ter por consequência a dilatação de prazo de prescrição que necessariamente se pretendeu muito curto.

Não impressiona, por isso, por aí além o argumento de que a contagem do prazo de instauração da acção a partir da prestação dos serviços colide com o princípio de que a prescrição não corre enquanto o direito não puder ser exercido, conforme art.306º, nº1º, C.Civ.

Notório serem as empresas de telecomunicações grandes organizações, dotadas de sistemas informáticos desenvolvidos, e que necessariamente estimulam a eficiência dos seus serviços, muito pouco tempo lhes bastará para propor simples acções de dívida.

Subsiste, é certo, o risco de, curto o prazo de prescrição, a simples falta de pagamento de uma conta, por esquecimento, ausência do domicílio ou situação semelhante, levar a entidade prestadora de serviços a recorrer de imediato a juízo, sem prévias negociações, com, deste modo, prejuízo do utente. Mas nem o prazo é tão curto que as proscreva, nem o legislador terá deixado de ponderar esse risco.

O direito da A. de exigir o pagamento dos serviços telefónicos prestados ao R. ter-se-á, de facto. extinguido por prescrição, uma vez que desde a prestação dos serviços até à citação deste para a causa decorreram muito mais de 6 meses.

Tanto, de facto, bastava para que, pela procedência da excepção, a acção devesse improceder.

Com os preditos acórdãos desta Secção, conclui-se, pois, assim :

A prescrição prevista no art.10º, nº1º, da Lei n.º 23/96, de 26/7, aplicável ao serviço de telefone por força do seu art.1º, nº2º, al.d), é uma prescrição extintiva.

O prazo, de 6 meses, dessa prescrição inicia-se com a prestação do serviço.

Visto que se trata de serviços prestados continuamente, mas com, habitualmente, facturação mensal, o início desse prazo ocorre logo que termina cada período sujeito a facturação autónoma.

O art.310º, al.g), C.Civ. deixou de ser aplicável à prescrição dos denominados serviços públicos essenciais referidos no art.1º, nºs 1º e 2º, da Lei n.º 23/96, tendo a actividade de operador de redes públicas de telecomunicações e de prestador de serviço de telecomunicações regime específico no DL 381-A/97, de 30/12.

Na conformidade do exposto, chega-se à decisão que segue :

Concede-se a revista.

Revoga-se o acórdão recorrido, ficando a subsistir o decidido na 1ª instância.

Custas tanto da apelação, como da revista, pela ora recorrida.

Lisboa, 6 de Julho de 2006
Oliveira Barros - relator
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) Como observado no final do acórdão recorrido, no caso concreto, o R. não alegou, sequer, o pagamento efectivo das facturas em apreço, como conforme art.342º, nº 2º, C. Civil, seria seu ónus se de prescrição presuntiva se tratasse - v. acórdão destes mesmos juízes de 22/4/2004, CJSTJ, XII, 2º, 41. Como se verá, o caso é, porém, de prescrição extintiva.
(2) Constituía entendimento pacífico que o prazo de prescrição previsto no art. 310°, al. g), C.Civ. era aplicável às dívidas por utilização de telefones - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, " C.Civ. Anotado ", I, , 4ª. ed., 280, e Rodrigues Bastos, " Notas ao C.Civ.", II, 74. Como elucidado em Ac.STJ de 2/5/2002, no Proc.nº 1143/02, com sumário na Edição Anual respectiva dos Sumários de Acórdãos Cíveis deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, p.172, a fixação naquele artigo dum prazo de 5 anos para a prescrição das prestações periodicamente renováveis tem por finalidade evitar que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renovados, os deixe acumular, tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor ( I ). O prazo da prescrição começa, nesse caso, a contar-se da exigibilidade de cada prestação ( II ).

(3) V. Vaz Serra, RLJ,109º/246, e Antunes Varela, RLJ, 103º/254.

(4) V.. Manuel de Andrade, " Teoria Geral da Relação Jurídica ", II, 452, e Ac.STJ de 18/12/2003, no Proc.nº 3894/03, com sumário nos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, nº 76, p.46, 2ª col.-VI.

(5) V. Calvão da Silva, RLJ,132º/138 ss - v.156.

(6) Segundo Pessoa Jorge, " Obrigações ", I, 679, a interpelação extrajudicial feita pelo credor ao devedor, embora seja relevante e eficaz no que toca ao vencimento da dívida, não produz o efeito interruptivo da prescrição.