DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Os administradores das sociedades anónimas podem ser destituídos por deliberação da assembleia geral.

II - A deliberação pode ser tomada com invocação de justa causa ou ad nutum.

III - Justa causa da destituição será aquela que tenha por fundamento a verificação de um motivo grave, de tal modo que não seja exigível à sociedade manter a relação de administração.

IV- A justa causa da destituição é matéria de excepção, pelo que incumbe á sociedade ré o respectivo ónus da prova.

V- Ao autor cabe provar a sua qualidade de administrador, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade.

VI- Sendo a destituição ad nutum dá lugar a indemnização pelos prejuízos causados, valendo, quanto aos danos patrimoniais, a teoria da diferença.

VII -Trata-se de um caso de responsabilidade por facto lícito.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 10-5-01, AA instaurou a presente acção ordinária contra a ré Empresa-A, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 112.804.098$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, deste a citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que fora destituído do cargo de vogal do Conselho de Administração, para o qual havia sido previamente eleito, sem que tal destituição procedesse de justa causa, pelo que tinha direito a ser indemnizado pelo valor correspondente às retribuições mensais que deveria ter auferido até final do período para que foi eleito, ou seja, desde Dezembro de 1999, inclusive, até 31 de Março de 2003, computando-se essas retribuições no montante pedido.
A ré contestou, dizendo que, em Novembro de 1999, o autor tinha acordado com aquela a cessação imediata do mandato que anteriormente lhe havia sido concedido como vogal do Conselho de Administração da mesma ré.
Todavia, desrespeitando esse acordo, o autor manifestou vontade de ocupar novamente o cargo em Maio de 2000, pelo que a accionista maioritária da ré, Empresa-B, propôs a destituição do autor, com justa causa, do seu cargo de administrador, cargo que apenas ocupava formalmente, pois o vínculo entre o autor e a ré tinha cessado em Novembro de 1999.
Houve réplica.

A ré requereu o audição do seu administrador, Eng. BB, mas tal requerimento foi indeferido por despacho de fls 128 e 129, de que mesma ré recorreu, sendo tal agravo admitido com subida diferida.

Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

Apelou o autor e a Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 15-12-05, decidiu:
1- Negar provimento ao recurso de agravo;
2- Conceder provimento ao recurso de apelação, revogar a sentença recorrida e, julgando a acção procedente, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 515.795,92 euros, acrescida da quantia que vier a ser liquidada em execução, como devida ao autor, a título de combustível para o automóvel cuja utilização lhe estava atribuído, e deduzida das quantias que o autor auferiu na Empresa-C, no período de 7-12-999 a 7-4-00, a apurar igualmente em execução de sentença, acrescida dos juros de mora, à taxa de 7%, desde a data da citação até 30-4-03, e de 4% , desde 1-5-03 até efectivo pagamento.

Agora é a ré que pede revista, produzindo extensas e complexas alegações e conclusões, suscitando nestas as seguintes questões:
1- A Relação não podia proceder à alteração das respostas aos quesitos 4º e 13º a que procedeu.
2 - O comportamento seguido pelo autor desde finais de Novembro de 1999, em que aceitou renunciar ao cargo de administrador da ré, até Maio de 2000, em que pretendeu reassumir o cargo de administrador, configura manifesto abuso do direito.
3 - A conduta adoptada pelo autor durante esse mesmo período também constitui justa causa de destituição.
4 - A lei não prevê direito a indemnização, em caso de afastamento de administrador sem justa causa.
5 - De qualquer modo, não há lugar a indemnização, por o autor não ter feito prova da existência de danos.

O autor contra-alegou em defesa do julgado.

A recorrente apresentou um douto Parecer de um ilustre Professor de Direito, em abono da sua posição.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

A Relação considerou provados os factos seguintes, que agora se alinham pela sua ordem lógica.:

1- Por deliberação da assembleia geral dos sócios da ré, no dia 21 de Julho de 1999, o autor foi eleito vogal do seu conselho de administração, "para um novo mandato de quatro anos.

2 - Nessa data, a sociedade "Empresa-B " detinha 12.372.497 acções, no valor nominal de 1.000$00 cada uma, do capital da ré, que era então de 13.162.001.000$00.

3 - Essa sociedade estava subordinada ao controle do "Empresa-D ".

4 - Foi ela quem, por indicação deste "Empresa-D", fundada numa relação de confiança pessoal tida no autor, o propôs naquela assembleia para o referido cargo.

5 - A referida designação do órgãos sociais para o quadriénio 1999-2002, em 21 de Julho de 1999, foi inscrita no registo comercial por apresentação de 7-9-99.

6 - Em contrapartida do exercício do cargo de vogal do conselho de administração da ré., foi ajustado atribuir ao autor prestação remuneratória anual, com vencimento base mensal de 1.850.000$00 (14 meses), subsídio mensal de almoço de 19.800$00 (11 meses), utilização de viatura automóvel (239.489$00 x 12 meses), seguro de saúde, no valor mensal de 3.833$00, e ainda um prémio anual fixo de 4.500.000$00.

7 - As cláusulas remuneratórias foram ajustadas para valer desde 8-3-99, por ser esse o dia em que, de facto, o autor iniciou o exercício das suas funções como administrador da ré.
8 - Durante o mês de Novembro de 1999, houve negociações entre o "Empresa-D" e o "Empresa-E" tendentes à transmissão, por aquele a este, da propriedade das acções da ré que a Empresa-B detinha.

9 - Dessas negociações fazia parte o acordo sobre a composição do conselho de administração, não querendo o "Empresa-E " que naquele continuasse a haver pessoas indicadas, por confiança pessoal, pelo "Empresa-D ".

10 - A transmissão das acções veio a ter lugar, ainda em Novembro de 1999 e a " Empresa-E" veio a tomar, para si, a negociada posição accionista.

11 - Na sequência da aquisição pelo Empresa-E, e ainda em Novembro de 1999, o autor ficou a saber que aquele Grupo queria que ele se afastasse do exercício das suas funções, como vogal do conselho de administração, facto que lhe veio a ser logo imposto pela ré (a parte a negrito resultou de alteração, introduzida pela Relação, nas respostas aos quesitos 4º e 13º).

12 - Em assembleia geral da ré de 29 de Novembro de 1999, foi aprovada a "eleição de um novo conselho de administração, tendo em conta recentes alterações, a nível da estrutura accionista "

13- Na sequência daquela transmissão, em Novembro de 1999, o autor afastou-se do exercício das suas funções, junto da ré, deixando a partir dessa data de ir correntemente à empresa.

14 - A derradeira remuneração que a ré pagou ao autor foi a respeitante ao mês de Novembro de 1999.

15 - Em 6 de Dezembro de 1999, foi-lhe também pago, por inteiro, o subsídio de Natal desse ano, como contrapartida pelo facto do autor continuar a assinar os cheques ou outros documentos urgentes, até á alteração das fichas, o que o autor aceitou.

16 -Em Dezembro de 1999, nas fichas bancárias da ré ainda constava apenas a assinatura do autor e a do Director Financeiro, Dr. CC.

17 - Em Dezembro de 1999, o autor ainda se deslocou, ocasionalmente, às instalações da ré para assinar documentos e os funcionários desta deslocaram-se à "Empresa-C" para recolher a sua assinatura.

18 - Desde Dezembro de 1999 e até 8 de Junho de 2000, o autor não mais voltou à empresa ré.

19 - A designação dos novos membros do conselho de administração da ré de 29 de Novembro de 1999 foi inscrita no registo comercial, por apresentação de 17-12-99.

20 - Por sugestão da ré, o autor anuiu a subscrever uma "carta de renúncia" ao cargo que exercia no conselho de administração da mesma ré.

21 - Em 29-11-99, por indicação directa do autor, foi minutada pelos serviços jurídicos da ré a referida "carta de renúncia ".

22 - Quando pretenderam proceder à inscrição no registo comercial das eleições de 29 de Novembro de 1999, os serviços da ré constataram que lhes faltava a "carta de renúncia" do autor.

23 - A ré contactou o autor, tendo ele afirmado que deixara essa carta na sua secretária e ainda no último expediente processado.

24 - Mas a ré jamais a encontrou em qualquer lugar.

25 - Ao constatar que a carta não era encontrada, a ré voltou a contactar o autor, a pedir-lhe a entrega da carta assinada ou, ao menos, uma segunda via da mesma.

26 - A ré ainda enviou ao autor dois faxes, com datas de 14-3-00 e de 6-4-00, a pedir-lhe a feitura e envio de uma nova "carta de renúncia" ao cargo de administrador da Empresa-A.

27 - A todas as solicitações, o autor foi sempre dizendo telefonicamente que a carta se encontrava já devidamente assinada, no seu antigo gabinete, nas instalações da ré.

28 - Face a tal insistência, a ré procedeu a nova busca exaustiva, mas que se revelou infrutífera.

29 - Ainda em Dezembro de 1999, o autor começou a exercer tarefas na "Empresa-C ", subordinada ao controle do Empresa-D.

30 - Este facto foi dado a saber pelo autor à ré.

31 - As tarefas que o autor executou na Empresa-C foram prestadas ao abrigo de um acordo escrito, revogável a todo o tempo, mediante pré-aviso, e que durou até 7 de Abril de 2000.

32- Tal acordo escrito para a colocação do autor na Empresa-C foi ajustado em 7-12-99.
33 - A execução das tarefas do autor na Empresa-C foi a concretização dessa colocação, assim acordada.

34 - A partir de Dezembro de 1999 e enquanto durou o acordo firmado, o autor recebeu a remuneração ajustada com a Empresa-C.

35 - Até Maio de 2000, a ré não fez ao autor qualquer proposta de contrapartida pela cessação do cargo na Empresa-A.

36 - Por carta de 16-5-00, que a ré recebeu em 17 do mesmo mês, foi comunicado a esta não ter o autor visto satisfeitas " as condições que entende mínimas para abrir mão do mandato" e que se reserva o direito de ocupar efectivamente o seu lugar no conselho de administração, na ausência de solução adequada até ao final do mês em curso.

37 - Por carta de 22-5-99, a ré informou o autor da necessidade de esclarecimentos quanto ao conteúdo da anterior carta de 16-5-00.

38 - Em conversa telefónica, mantida entre o autor e a ré , em 23-5-00, aquele referiu que "caso o assunto não fosse resolvido até ao fim daquele mês", assumiria s suas funções, nem que fosse numa "cadeira com vista para a parede".

39 - Por carta de 2-6-00, que a ré recebeu, o autor comunicou-lhe que ia retomar o exercício efectivo das suas funções de vogal do conselho de administração da Empresa-A, no dia 8 de Junho de 2000.

40 - O autor agiu sempre na convicção de jamais ter entregue ou deixado à ré a carta de renúncia às funções que exercia no conselho de administração da Empresa-A.

41 - Essa sua actuação gerou instabilidade e impasse na ré.

42 - Foi para fazer cessar esse impasse que a ré decidiu deliberar, em 5-6-00, a destituição do autor do cargo de seu administrador.

43- Em assembleia geral da ré, realizada em 5 de Junho de 2000, foi deliberada a "destituição com justa causa " do autor do cargo de administrador.

44 - Da acta dessa assembleia geral consta que a accionista Empresa-B, propôs a "destituição com justa causa" do autor, após ter enunciado:
- que o autor afirmara, em Novembro de 1999, a sua intenção de renunciar ao exercício das suas funções de administração da Empresa-A, "tendo-se despedido formalmente dos seus mais directos colaboradores em meados de Dezembro do ano transacto";
- que nunca mais comparecera na empresa;
- que afirmara ter deixado uma carta de renúncia que lhe fora preparada pelos serviços jurídicos da Empresa-A;
- que fizera as contas com o departamento de pessoal da empresa;
- tudo em termos que revelam uma concludente aparência de termo voluntário de funções;
- e que, após isso, viera reclamar a retomada de posse de administrador, que afirma pertencer-lhe ainda, estribado no facto de não ter entregue a carta de renúncia que lhe foi minutada;
- e alegar factos que, no entender da dita accionista da ré, "são extremamente graves, pois não só denotam uma total falta de interesse, por parte do autor pela execução do mandato de administrador para que foi eleito, como configuram actos de grave deslealdade para com a empresa, susceptíveis de justificar a quebra da relação de confiança pessoal que, para além da confiança estratégica, devem merecer os titulares dos órgãos sociais de uma empresa com o prestígio e a visibilidade externa que tem a Empresa-A:

45 - Dessa acta consta ainda que a dita proposta foi aprovada por unanimidade dos accionistas presentes.

46 - A cessação de funções do autor, pela destituição aprovada em 5-6-00, foi inscrita no registo comercial pela apresentação nº 26, de 7-6-00.

47 - No dia 8 de Junho de 2000, o autor compareceu na sede da ré.

48 - Nesse dia, o autor foi recebido, na recepção, pelo secretário da empresa, Dr. DD, que lhe comunicou que não fazia sentido a sua permanência nas instalações da ré.

49 - Naquele dia 8 de Junho de 2000 foi dito ao autor que a sua entrada nas instalações da ré e a sua retoma de funções não eram possíveis, pois fora destituído em assembleia realizada em 5 de Junho.

50 - Na sequência destes acontecimentos, o autor abandonou as instalações da ré.

51 - O autor é um gestor profissional, com mais de 25 anos de experiência e com reconhecidos méritos.

Vejamos agora as questões postas no recurso.

1.

Alteração da matéria de facto:

O tribunal da Relação alterou as respostas aos quesitos 4º e 13º da base instrutória, com o aditamento assinalado no nº 13 do anterior elenco dos factos provados deste Acórdão, fazendo-o ao abrigo do disposto no art. 712, nº1, al. a) e nº2, do C.P.C. na sua actual redacção.
Ora, o art. 712, nº6, do C.P.C., na redacção do dec-lei 375-A/99, de 20 de Setembro (aqui aplicável ) estabelece que das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, das disposições conjugadas dos arts. 712, nº6 e 722, nº2 e 729 , nº2, do C.P.C., resulta hoje, com clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a decisão sobre a matéria de facto proferida pela Relação nos casos em que tenha havido ofensa de disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.
Fora destas situações excepcionais, está hoje vedado ao Supremo Tribunal de Justiça exercer censura sobre a decisão da Relação, relativamente á matéria de facto (Prof. Lebre de Freitas,; Cód. Proc. Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 99, nota 6, e pág. 119, nota 5); Conselheiro Rodrigues Bastos, Notas ao Código do Processo Civil, Vol., 3ª ed., pág. 267/268 ).
No caso dos autos, por que não se verificar nenhuma daquelas duas situações excepcionais previstas no art. 722, nº2, 2ª parte, a resposta alterada pela Relação aos quesitos 4º e 6º ficou definitivamente fixada, sem possibilidade de recurso para este Supremo.

2.

A destituição; a justa causa; o abuso do direito:

Os administradores das sociedades anónimas, como é o caso, podem ser destituídos, em quaisquer circunstâncias, por deliberação da assembleia geral - art. 403, nº1, do Código das Sociedades Comerciais.
A deliberação pode ser tomada com invocação de justa causa ou ad nutum, quer dizer, sem invocação de qualquer fundamento.
Sendo a destituição ad nutum dá lugar a indemnização, como é entendimento geral da doutrina e da jurisprudência e se deduz dos lugares paralelos dos arts 257, nº7 (destituição dos gerentes das sociedades por quotas) e 430, nº3 ( directores das sociedades anónimas), ambos do C. S. C.
É este o entendimento da doutrina e da jurisprudência ( Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. III, pág. 118; Luís Brito Correia, Os Administradores das Sociedades Anónimas, págs. 705 e segs; João Labareda, A Cessação da Relação de Administração, Direito Societário Português, págs. 72 e segs; A. Caeiro, Revista de Direito e Economia, Ano VIII ( 1982), nº2, pág. 403; A. Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais , pág. 122/123; Ac. S.T.J. de 15-2-00, Col. Ac. S.T.J., VIII, 1º, 101).
A destituição é a cessação da relação de administração, por decisão unilateral da sociedade.
A razão do amplo poder que os mencionados arts 257, 403 e 430 conferem às sociedades de destituir os seus órgãos de gestão reside em que lei, na ponderação dos interesses em jogo, pretende deixar à sociedade, em cada momento, a faculdade de definir quem quer que conduza os seu destinos e vele pelos seus interesses.
Como escreve Raúl Ventura, a propósito da destituição dos gerentes (Sociedades por Quotas, Vol. III, pág. 118):
"A destituição do gerente satisfaz o interesse da sociedade, permitindo que esta seja gerida por quem mereça confiança aos sócios detentores da maioria dos votos; isto, porém, não implica o completo sacrifício dos interesses pessoais do gerente.
O gerente abdica dos seus interesses pessoais quando assume a gerência, não se entrega à função de gerência pela honra de a exercer ou por cumprimento de qualquer dever público; a sociedade pode destituí-lo sem invocar causa justificativa e assim extinguir a relação entre ambos existente, mas não pode, sem grave injustiça, deixar de o indemnizar, quando ele não tenha dado causa à destituição ".
Pode parecer estranho que, afirmando-se a licitude da destituição dos administradores das sociedade anónimas sem justa causa, apesar disso se lhes atribua direito a indemnização.
Mas o caso não é o único previsto na lei de responsabilidade por factos lícitos: vejam-se, por exemplo, para o contrato de mandato civil, o art. 1172, al. c), do Cód. Civil ( aplicável a todos os contratos de prestação de serviços pelo art. 1156); para o contrato de mandato comercial, o art. 245 do Cód. Com.; para o contrato de empreitada, o art. 1129 do Cód. Civil.
Daí que, desde há muito, se venha entendendo que, embora a destituição unilateral pela sociedade dos administradores seja um acto lícito, não é um acto isento de responsabilidade civil, fazendo antes nascer o direito de indemnização para os destituídos pelos danos que tiverem sofrido.
Só assim fica restabelecido o equilíbrio patrimonial no âmbito do contrato de administração celebrado.
O dever de indemnizar é a consequência natural da destituição ad nutum, pelo que cumpre à sociedade invocar e provar a justa causa da destituição, como matéria de excepção que é, nos termos do art. 342, nº2, do C.C. ( Ac. S.T.J. de 9-7-98, Bol. 479-634; Ac. S.T.J. de 20-1-99, Bol. 483-176; Ac. S.T.J. de 15-2-00, Bol. 494- 358; Ac. S-T-J- de 10-2-00, Col. Ac. S.T.J., VIII, 1º, 101).

O Código das Sociedades Comerciais não dá uma definição concreta da justa causa de destituição, mas delineou os contornos deste conceito, ao enumerar, exemplificativamente, certas circunstância que a podem constituir.
Para os gerentes, " constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres de gerente e a sua incapacidade para o exercício normal da s respectivas funções - art. 257, nº6, do C.S.C.
Para os directores "constituem justa causa de destituição, a violação grave dos deveres de director, a sua incapacidade para o exercício normal da suas funções e a retirada de confiança pela assembleia geral " - art. 430, nº2, do C.S.C.
Também o exercício, por conta própria ou alheia, sem o consentimento do órgão social competente, de actividade concorrente com a da sociedade constitui justa causa de destituição - arts 254, nº5 e 398, nº4, do C.S.C.
Por isso, é lícito concluir que a justa causa de destituição será aquela que tenha por fundamento a verificação de um comportamento culposo do administrador, que, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível à sociedade manter a relação de administração.
A transmissão da maioria das acções não constitui, só por si, justa causa de destituição.

Pois bem.

No nosso caso concreto, para apreciação da existência ou inexistência de justa causa para a destituição do autor, importa recordar que se apurou, designadamente, o seguinte:
- Foi por indicação do "Empresa-D", fundada numa relação de confiança pessoal tida no autor, que este grupo o propôs para o cargo de administrador da ré, para que o mesmo foi eleito na assembleia geral de 21 de Julho de 1999.
- Durante o mês de Novembro de 1999, houve negociações entre o "Empresa-D" e o "Empresa-E", tendentes à transmissão por aquele Grupo a este, da propriedade das acções da ré que a Empresa-B detinha;
- Dessas negociações fazia parte o acordo sobre a composição do conselho de administração, não querendo o Empresa-E que naquele continuasse a haver pessoas indicadas, por confiança pessoal, pelo "Empresa-D ";
- A transmissão das acções veio a ter lugar tem Novembro de 1999 e o Empresa-E tomou, para si, a negociada posição accionista.
- Na sequência da aquisição pelo Empresa-E e ainda em Novembro de 1999, o autor ficou a saber que aquele Grupo queria que ele se afastasse do exercício das suas funções, como vogal do conselho de administração, facto que lhe veio a ser logo imposto pela ré.
- No seguimento dessa transmissão, houve uma assembleia geral, em 29 de Novembro de 1999, onde foi aprovada a eleição de um novo conselho de administração, tendo em conta as recentes alterações ao nível accionista.
- A derradeira remuneração que a ré pagou ao autor respeitou ao mês de Novembro de 1999 e ao subsídio de Natal desse ano.
- Por sugestão da ré, o autor anuiu a subscrever uma carta de renúncia ao cargo que exercia no conselho de administração daquela, carta essa que nunca chegou a entregar à ré.
- Na sequência daquela transmissão das acções, em Novembro de 1999, e da imposição da saída do conselho de administração, o autor afastou-se do exercício das suas funções.
- Até Maio de 2000, a ré não fez ao autor qualquer proposta de contrapartida pela cessação do seu cargo na Empresa-A.

Conjugando esta factualidade com a demais que ficou provada, é bom de ver que, de facto, foi em Novembro de 1999 que cessou o vínculo de administração entre o autor e ré , por imposição desta.
E sendo por imposição, como ficou provado, não pode considerar-se que a relação de administração terminou por mútuo acordo das partes.
O mútuo acordo pressupõe o encontro e fusão das manifestações de vontade das partes.
É preciso, em última análise, que os sujeitos queiram celebrar o acordo com certo conteúdo, pois esta vontade terá de existir ( Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, págs 74/75).
No caso concreto, não se apurou que o autor quisesse, abandonar o cargo de administrador da ré, livremente e sem direito a indemnização ou a negociação das condições em que deixaria de exercer aquela função.
Só assim se compreende que nunca tivesse entregue a "carta de renúncia".
Ao invés, a imposição pelo Empresa-E do afastamento do autor equivale a uma destituição, sem justa causa.
Aquando da referida mudança de accionista na Empresa-A, a ré pretendeu que o autor fosse afastado do seu lugar de administrador, por não desejar manter administradores da confiança pessoal do Empresa-D, e impôs-lhe imediatamente tal afastamento, de modo unilateral e definitivo das funções de vogal do conselho de administração que vinha exercendo, sem negociar a respectiva indemnização e sem resultar dos factos provados que o autor tivesse intenção de renunciar a ela.
Esse é o momento decisivo para ser apreciada a justa causa da destituição.
Até finais de Novembro de 1999, o autor nada fez que pudesse constituir motivo válido susceptível de configurar justa causa de destituição.
O autor foi afastado apenas porque mudou a maioria do capital social e a nova maioria não o queria lá, impondo à ré que o autor fosse afastado, logo que fosse concluído o negócio que conduziu ao seu domínio.
A atitude tomada pela ré é lícita, mas obriga a que o autor, porque afastado sem justa causa, seja indemnizado.
Tal significa que a destituição do autor, operada pela deliberação da assembleia geral de 5-6-00, se limitou apenas a dar aparência de legalidade formal a uma destituição do autor, já anteriormente consumada, de facto.
As condutas do autor, posteriores a finais Novembro de 1999, são irrelevantes para a caracterização da justa causa, dado que a ruptura unilateral e definitiva, imposta pela ré, já tinha ocorrido, anteriormente, em Novembro de 1999.
Os motivos invocados na deliberação de destituição de 5-6-00 constituem, todos eles, mero e indevido aproveitamento de uma situação criada pela própria maioria que votou a deliberação.
O recorrente não estava obrigado a renunciar ao cargo de administrador e, muito menos, tal renúncia lhe podia ser imposta sem o pagamento da competente indemnização pelos danos causados.
De resto, a lei exige, inequivocamente, que a renúncia seja comunicada mediante carta dirigida ao presidente do conselho de administração ou ao presidente do conselho fiscal - art. 404, nº1, do C.S.C.
Faltando a "carta de renúncia", não pode reconhecer-se que esta se verificou validamente, por falta de forma legal - art. 220 do C.C.
Por isso, é manifesto que não pode configurar "justa causa" o invocado fundamento da destituição, baseado na circunstância do autor não ter apresentado a renúncia ao cargo ou de ter deixado de comparecer na empresa, a partir de Dezembro de 1999, quando tal afastamento lhe tinha sido imposto desde finais de Novembro anterior.
Nem a conduta do autor, posterior a finais de Novembro 1999, constitui manifestação relevante de pretenso abuso do direito (art. 334 do C.C.), pois o autor sempre agiu na convicção de jamais ter entregue ou deixado à ré a carta de renúncia às funções de administrador que exercia no seu conselho de administração, sendo certo que pretendeu reassumir o seu lugar em 8-6-00, por não ter visto satisfeitas as condições indemnizatórias mínimas para abrir mão do seu cargo.
Consequentemente, a destituição operada pela deliberação de 5-6-00 não é suportada por justa causa, sendo antes uma destituição ad nutum, que confere ao autor o direito a indemnização pelos respectivos prejuízos.

3.

A indemnização:

Para o cálculo da indemnização pela destituição sem justa causa, haverá que ter em conta, em primeiro lugar, a indemnização convencionada, se for o caso.
Na falta de convenção, a indemnização deverá ser calculada nos termos gerais de direito, tendo como limite o valor das remunerações que o destituído receberia até perfazer o prazo para que foi nomeado - arts. 257, nº7 e 430, nº3, do C.S.C.
Cabe ao autor provar a sua qualidade de administrador, a destituição, os prejuízos e o nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art. 342, nº1, do C.C..
Assente que o autor foi destituído sem justa causa e que não foi estipulada indemnização para o caso de tal destituição, a Relação considerou que a indemnização a pagar pela recorrida deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido por aquele (art. 1172 do C.C.), determinado nos termos gerais, isto é, em função do prejuízo (dano emergente e (lucros cessantes) efectivamente provado pelo mesmo autorarts 562 a 564 do C.C.).
Por isso, decidiu que a indemnização a pagar ao autor há-de incluir o montante equivalente a todas as quantias que o ora recorrido iria receber pelo exercício do seu cargo na Empresa-A, desde Dezembro de 1999 até Dezembro de 2002, deduzido do valor das remunerações que o autor auferiu entre 7-12-99 e 7-4-00, ao abrigo do acordo celebrado entre ele e a Empresa-C, por ser esse o valor do prejuízo que foi sofrido pelo autor.
Daí que tenha condenado a ré a pagar ao autor a quantia de 515.795,92 euros, acrescida da quantia que vier a ser liquidada em execução, como devida ao autor a título de combustível para o automóvel cuja utilização lhe estava atribuído e deduzida das quantias que o autor auferiu na Empresa-C, no período de 7-12-99 a 7-4-00, a apurar igualmente em execução, acrescida dos juros de mora, à taxa 7% ao ano desde a data da citação até 30-4-03, e de 4% ao ano desde 1-5-03 até ao pagamento.
Que dizer?
O direito de indemnização pressupõe a existência de danos e, quanto aos danos patrimoniais, vale a teoria da diferença, sendo por isso necessária a alegação e prova de factos demonstrativos de que a situação real do autor, após a destituição, é mais gravosa do que aquela em que o lesado se encontraria se não tivesse ocorrido a destituição.
O montante das remunerações que o autor presumivelmente receberia até ao fim do período para que foi eleito constitui um limite máximo, mas não quer dizer que a indemnização seja de tal quantitativo, pelo que os danos causados podem ser inferiores a esse limite.
De qualquer modo, não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da administração, pois os prejuízos para o autor só se verificam se ele não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.
É que não se afigura justo que seja indemnizado o administrador destituído que, por culpa sua, não obteve novo emprego de nível idêntico, em prazo razoável.
E havendo que deduzir, da remuneração perdida, os montantes que o autor, desde Dezembro de 1999 até Dezembro de 2002, tenha conseguido de outra ou outras colocações remuneradas, não pode, desde já, ser liquidado o valor da indemnização, devendo antes ser relegada a fixação desse montante para liquidação em execução de sentença, nos termos do art. 661, nº2, do C.P.C.

Termos em que, concedendo parcialmente a revista, revogam em parte o acórdão recorrido, mas só no âmbito em que liquidou o valor da indemnização a pagar ao autor, cuja fixação agora acordam em relegar para liquidação em execução de sentença, nos termos do art. 661, nº2, do C.P.C., tudo até ao limite do valor global do pedido (que foi reduzido para 558.953,96 euros, em conformidade com o que consta de fls 279 e 322), acrescido de juros de mora, nos termos decididos.
Em tudo o mais, mantêm-se o decidido no Acórdão impugnado.
As custas ficam, provisoriamente, a cargo da ré , sem prejuízo da divisão que vier a ter lugar, entre o autor e a ré, em resultado da liquidação a operar em execução de sentença.


Lisboa, 11 de Julho de 2006
Azevedo Ramos
Silva Salazar
Afonso Correia