CRIME DE PERTURBAÇÃO DA PAZ E DO SOSSEGO
TELEMÓVEL
Sumário

O artº190º/2 C. Penal ao criminalizar a perturbação da paz e do sossego traduzida no acto de, com essa, específica intenção, telefonar para a habitação ou para o telemóvel de outra pessoa, quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de tais aparelhos, incluindo a palavra escrita (SMS) para os telefones móveis que, com a sua recepção, emitem um som de aviso.

Texto Integral

Recurso Penal
no processo nº 765/08.1PRPRT.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1 – Relatório

No processo nº 765/08.1PRPRT do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, requerida a instrução pelo assistente B…, foi em 6/12/2010, proferida decisão instrutória que decidiu pronunciar o arguido C… pela prática de um crime de perturbação da paz e sossego p. p. pelo art. 190 nº 2 do C.Penal.
Inconformados com esta decisão dela vieram interpor recurso o M. Público e o arguido. Das conclusões de recurso elaboradas pelo M. Público a fls. 487 extraem-se, em síntese, os seguintes argumentos:
O Ministério Público, findo o inquérito, proferiu despacho de arquivamento.
Por entender que os factos denunciados pelo assistente B…, imputados ao arguido C… não eram susceptíveis de integrarem os crimes de ameaça ou de coacção.
O assistente B… não se conformou com o despacho de arquivamento, e requereu a abertura de instrução.
Entendendo que os factos por si denunciados eram susceptíveis de integrar o crime de perturbação da vida privada, p.p. pelo art. 190, nº2, do CP.
Tal requerimento foi aceite, pelo que decorreu a fase de instrução, no âmbito da qual se realizaram diligências.
A “D…” carreou para os autos informação das chamadas efectuadas do telemóvel do arguido para o telemóvel do assistente.
Por seis vezes, em 5 dias diferentes, em espaço temporal alargado, por 1 ou 2 segundos e num caso 14 segundos.
A Juíza de Instrução proferiu despacho pronunciando o arguido pela prática do crime de perturbação da vida privada p.p. pelo art. 190 nº2 do Código Penal.
Por entender que na sua previsão cabem todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de telefone e telemóvel, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis, que com a sua recepção emitem um som de aviso.
Entendimento com que não concordamos, porque telefonar é uma acção totalmente distinta de enviar mensagem.
Pelo que o legislador quando manteve o termo telefonar e aditou “ou para o seu telemóvel” quis excluir as mensagens.
Tal era o entendimento sufragado antes de tal aditamento, pelo que se quis mantê-lo.
Assim, não se verifica "in casu" o crime de perturbação da vida privada, p.p. pelo art. 190 nº 2 do C.Penal.
Foram, pois, violados os artigos 1° e 190 nº 2, do Código Penal.
Pede que o despacho de pronúncia seja revogado e substituído por despacho de não pronúncia.
Das conclusões do recurso elaboradas pelo arguido C…, constantes de fls. 499, extraem-se, em síntese, os seguintes argumentos:
Da factualidade existente nos autos, resultam, inequivocamente, dúvidas de que a conduta do arguido preencha, os elementos objectivos do tipo de crime de que vem pronunciado, pois, a sua conduta nele não se subsume, pelo que se impõe a conclusão de que o cometimento do crime em causa não se encontra suficientemente indiciado.
Com a eliminação do novo texto legal da expressão: " através de mensagens" anteriormente abrangida como forma de perturbação da paz e do sossego de outra pessoa, em face ao novo texto legal, deixou de ser criminalmente punível de acordo com o princípio da legalidade penal previsto no art. 29 nº 1 da CRP e art.1º do C. Penal.
De acordo com o novo texto da norma incriminadora, a palavra falada, circunscrita à mera troca directa de palavras entre chamador e receptor ou a tentativa de o fazer, através do som de chamamento emitido pelo aparelho fixo/ móvel de comunicação à distância, é a única forma susceptível de perturbar a paz e o sossego de uma pessoa.
Caso assim não se entendesse, manter-se-ia a expressão através de mensagens escritas, conforme era previamente consagrado numa altura em que nem sequer telemóveis móveis existiam.
Conclui pela inexistência de indícios para pronunciar o arguido como autor material do crime de perturbação da paz e sossego p.p. pelo art. 190 nº 2 do C. Penal.
Pede que se dê provimento ao recurso proferindo decisão de não pronúncia do arguido/recorrente.
Ao recurso do M. Público respondeu o assistente em primeira instância considerando que telefonar significa falar pelo telefone ou comunicar pelo telefone e comunicar engloba significados como trocar mensagens, estabelecer contacto ou fazer saber alguma coisa a alguém, quer oralmente, quer por escrito.
Alerta para o facto de que as mensagens através do telemóvel são mais invasivas e preenchem melhor o propósito de perturbar o sossego do ofendido, porquanto, as chamadas de voz podem ser recusadas e as mensagens não.
Conclui pelo acerto da decisão recorrida e pugna pela manutenção do despacho que pronunciou o arguido.
Os recursos foram admitidos por despacho proferido a fls. 552.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto limitou-se a apor o seu visto.
Cumpre decidir!

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

2. Fundamentação
A – Circunstâncias com interesse para a decisão.
São os seguintes os fundamentos do despacho de pronúncia:
«Com interesse para a decisão a proferir, este Tribunal considera suficientemente indiciados os seguintes factos:
……………………………………….
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……………………………………….
De acordo com o disposto no art. 190º nº 2 do Cód. Penal, comete o crime de perturbação da paz e do sossego “(…) quem, com intenção de perturbar a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel”.
O bem jurídico protegido pela norma citada é a paz e o sossego, o qual só é violado com uma particular forma de conduta: telefonar para a habitação ou para o telemóvel, com essa específica intenção. É que resulta do teor literal do nº 2 do art. 190º do C.P.
O Prof. M. da Costa Andrade, diz que tal norma não incrimina outras formas alternativas de atentado contra a paz e o sossego, como enviar mensagens ou apresentar-se diante do domicílio, ao contrário do que sucedia no domínio da Lei nº 3/73 de 5 de Abril (que veio a ser revogada pelo art. 6º do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro), que prescrevia na Base III que: “Será punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, ou através de mensagens ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado”, numa época em que ainda não existiam telefones móveis (quereria o legislador referir-se às mensagens de voz, deixadas na caixa do correio do telefone fixo?).
O novo texto, excluiu da sua redacção a expressão «através de mensagens».
Será que com tal eliminação, haverá necessariamente que se concluir que a conduta do agente que com a intenção de perturbar a paz e o sossego de outra pessoa, lhe enxamear o telemóvel de mensagens de voz ou escritas, não é criminalmente punível, de acordo com o princípio da legalidade penal consagrado no art. 29º nº 1 da C.R.P. e prescrito no art. 1º do Cód. Penal?
Ou seja, apenas a palavra falada, circunscrita à troca directa de palavras entre chamador e receptor, ou a tentativa de o fazer, através do som de chamamento emitido pelo aparelho fixo ou móvel de comunicação à distância, é susceptível de perturbar a paz e o sossego de uma pessoa?
A perfilhar-se esta interpretação, está a restringir-se o significado de «telefonar» à comunicação directa e imediata entre o chamador e o receptor, através da troca de palavras faladas, ou ao sinal de chamamento emitido pelo aparelho fixo ou móvel.
Deverá então excluir-se do conceito de «telefonar», a mensagem de voz deixada na caixa do correio do telefone fixo ou móvel, quando o receptor não atende ao sinal de chamamento?
Com todo o respeito que nos merece aquela insigne opinião, parece-nos que uma tal interpretação permite “entrar pela janela o que se proibiu de entrar pela porta”.
O art. 190º do C.P. insere-se no Capitulo VII, que tem por epígrafe «Dos crimes contra a reserva da vida privada».
No preâmbulo do D.L. 400/82 de 23/9 diz-se a propósito que “Outra questão que suscitou particular interesse foi a da protecção da vida privada (…). É de todos sabido que a massificação no acesso a meios e instrumentos electrónicos veio a favorecer a intromissão na vida alheia e ilegítima na esfera da vida privada das pessoas. A isto há que atalhar, para protecção dos últimos redutos da privacidade a que todos têm direito, pela definição de específicos tipos legais de crime que protejam aquele bem jurídico. (…)”.
Apesar da anunciada intenção, nem no art. 176º nem no art. 180º, o legislador de 1982 cuidou de eleger como específico bem jurídico a paz e o sossego e tipificar os ataques ao mesmo através dos meios electrónicos existentes na altura.
Maia Gonçalves( ), em anotação art. 178º do C.P. na redacção dada pelo D.L. 400/82, diz que “Este artigo mostra-se de algum modo incompleto e desactualizado, ao não contemplar o caso, muito frequente, do uso do telefone ou do envio de mensagens, ou ainda da apresentação diante do domicílio de outrem ou em lugar privado, sem justa causa e com o propósito de importunar as pessoas, que já constava da Lei nº 3/73 de 5 de Abril”.
Todavia, na revisão do Código levada a cabo pelo D.L. nº 48/95 de 15 de Março e por último, pela Lei nº 59/2007 de 4/9, introduziu-se o nº 2 ao art. 190º, punindo-se as condutas traduzidas «em telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel», com o específico propósito de incomodar.
Há então que se recorrer ao significado de «telefonar».
«Têle» vem do grego e exprime a ideia de longe, ao longe, à distância.
Telefone é o aparelho que permite transmitir a palavra ou o som à distância.
«Telefonar» significa falar pelo telefone ou comunicar pelo telefone.
O dicionário da língua portuguesa, distingue as duas situações que atribui ao significado «telefonar»: 1) falar pelo telefone; 2) comunicar pelo telefone.
A comunicação pelo telefone fixo faz-se apenas através da troca directa da palavra falada entre os interlocutores, ou através de mensagem de voz deixada na caixa do correio do destinatário, se este não atende ao som de chamamento.
Ainda que o receptor da tentativa de comunicação de outrem no telefone fixo, não atenda a chamada, o crime p. e p. pelo art. 190º nº 2 do C.P. fica preenchido, se o agente se limita a dar toques para o telefone fixo instalado na habitação de outra pessoa, sem pretender com ela estabelecer qualquer conversa, apenas com a intenção de a incomodar.
Com o avanço da tecnologia a comunicação à distância pode fazer-se onde quer que se encontre o destinatário da notícia, através do telefone móvel, vulgo, telemóvel, que normalmente acompanha o portador.
A comunicação entre duas pessoas pode ser feita através da palavra falada ou escrita; o telefone móvel acrescenta ao aparelho fixo a particularidade de permitir conversar ou apenas transmitir uma qualquer notícia, através da palavra escrita, seja no espaço fechado da habitação, seja em qualquer outro local onde se encontre o seu portador.
Quando alguém pretende comunicar com outrem, seja pelo telefone fixo, seja pelo telefone móvel, estes aparelhos emitem um som de aviso, que também é accionado com a recepção da palavra falada em mensagem, no fixo e no móvel, e ainda com a recepção da palavra escrita/mensagem no telefone móvel.
É certo, que o telefone fixo, quando emite o som de aviso de que alguém quer comunicar ou comunicou através de mensagem de voz, retira a atenção do destinatário da tarefa que no momento o ocupa, ou do momento de lazer ou de descanso em que se encontra, para o colocar na disponibilidade imediata do chamador; tal já não sucede através da palavra escrita/mensagem, uma vez que o destinatário poderá deixar para momento posterior o acto de dela tomar conhecimento.
Ao telefone móvel, é possível retirar o som (como sucede com o telefone fixo) para que o seu portador não seja importunado; contudo, já não lhe é possível, nem que o queira, deixar de tomar conhecimento, pelo menos da recepção de uma qualquer comunicação escrita/mensagem ou mensagem de voz, enviada por outrem ainda que decida não tomar conhecimento do seu conteúdo.
Se ocorrer esta última situação, o certo é que a dita mensagem, sobretudo se for insistente, persistente e em número incontável, não deixa de perturbar a paz e sossego do respectivo destinatário, maxime, se ocorrer em dias festivos, em momentos de reunião familiar ou de repouso e durante o gozo de férias.
Não é exigível a ninguém que retire o som de aviso da tentativa de comunicação através da palavra falada ou da palavra escrita do seu aparelho de telefone fixo ou móvel, respectivamente; e mesmo que tal aconteça, a comunicação escrita ou mensagem de voz, em número excessivo, pode ocasionar a impossibilidade de o aparelho receptor receber outras comunicações escritas ou de voz, enquanto as anteriores não forem eliminadas. E essa tarefa não deixa de interferir com a paz e o sossego do respectivo destinatário.
Por isso mesmo, se nos afigura que o legislador elegeu «a paz e o sossego» a bem jurídico essencial à sã convivência dos homens numa comunidade organizada, reprovando normativamente e punindo, no art. 190º nº 2 do C.P., as condutas contra eles dirigidas.
Versando indirectamente a questão, decidiu o Ac. da R.C. de 28/4/2009( ) que “A circunstância de a queixosa ter denunciado contra desconhecidos factos susceptíveis de integrarem, além do mais, um crime de perturbação da vida privada p. e p. pelo art. 190º nº 2 do Código Penal e ter elaborado, por sua iniciativa, listagens das chamadas e mensagens recebidas no seu telemóvel – aquelas que entendeu revelar – não consente que se presuma que quis consentir na prestação de informações sobre todas e quaisquer chamadas e mensagens por si recebidas num determinado período” – realce nosso.
Concluindo, somos de entender que o art. 190º nº 2 do C.P., ao criminalizar a perturbação da paz e do sossego traduzida no acto de, com essa específica intenção, telefonar para a habitação ou para o telemóvel de outra pessoa, quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de tais aparelhos, incluindo a palavra escrita para os telefones móveis, que com a sua recepção emitem um som de aviso.
No caso dos autos, a específica intenção por parte do arguido de perturbar a paz e o sossego do assistente, retira-se do facto de muitas das mensagens enviadas pelo arguido não terem qualquer texto.
Dispõe o art. 308º nº 1 do C.P.P. que “Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia “.
De acordo com o nº 2 do art. 283º do C.P.P. “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança".
Na lição de Luís Osório( ), «devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado».
Pelo exposto, nos termos da primeira parte do nº 1 do art. 308º do C.P.P., este Tribunal decide, para julgamento em processo comum e com a intervenção do Tribunal singular, Pronunciar o arguido…»

B – Fundamentação de direito

O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas conclusões dos recorrentes, que não atacam a matéria de facto indiciada, resume-se à questão de saber se os factos que foram considerados indiciados pela senhora Juiz de Instrução Criminal são susceptíveis de integrar o crime previsto no art. 190 nº2 do C.Penal, pelo qual o arguido, também recorrente, foi pronunciado; designadamente, se as mensagens escritas, denominadas SMS devem ser tidas em conta para o preenchimento do conceito jurídico "telefonar para o seu telemóvel"
Passamos a apreciar a questão.

A lei nº 3/73 de 5 de Abril que foi revogada pelo art. 6º do DL 400/92 de 23 de Setembro, contemplava na sua Base III a tutela da paz e sossego dos indivíduos, com a seguinte redacção:
«Será punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, ou através de mensagens ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado.»
Com a entrada em vigor do C.Penal considerou-se que tais comportamentos como o envio de mensagens e o apresentar-se perante a porta de alguém seriam, de acordo com a respectiva gravidade, punidos no âmbito dos crimes contra a honra ou integrados nos tipos legais de coacção ou ameaça, raciocínio que se aplicou inclusivamente aos telefonemas, passando o C.Penal a tutelar apenas a privacidade do domicílio, no tipo legal de introdução em casa alheia previsto no art. 176 da redacção aprovada pelo DL 400/82.
Apenas com a Reforma penal de 1995, aprovada pelo DL 48/95 de 15 de Março o tipo legal, - agora art. 190 -, sob a epígrafe de Violação de domicílio voltou a tutelar o bem jurídico paz e sossego no nº2 com a seguinte redacção:
«Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação.»
Esta inovação foi apresentada no preâmbulo como neocriminalização.
Finalmente a Reforma penal de 2007, efectuada pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro aditou à epígrafe do artigo a expressão perturbação da vida privada passando a constar: Violação de domicílio ou perturbação da vida privada, e acrescentou ao texto legal o termo: «ou para o seu telemóvel.»
Perante esta evolução legislativa será que se pode dizer que o legislador claramente quis excluir da incriminação as mensagens por SMS, (Short Message Service) trocadas entre telemóveis para curtos textos, que permitem uma comunicação rápida e breve?
Entendemos que não, porquanto, as mensagens a que se refere a lei nº3 de 1973, atenta a data deste diploma, e o estádio de desenvolvimento das comunicações na época, só podem ser mensagens escritas enviadas por carta, postas na caixa de correio ou enviadas mesmo pelo correio. Tais mensagens só podem perturbar pelo seu conteúdo, já que o receptor só vai retirá-las do receptáculo destinado ao correio quando entender que tal lhe convém; nenhuma semelhança estabelecendo com os referidos SMS que emitem sinal auditivo, em tudo igual ao telefonema, e compelem a pessoa a manusear o aparelho e a desligar ruído que emite, mesmo que decida não tomar conhecimento imediato do teor da comunicação.
Todos estão de acordo, inclusive o arguido, - referindo-o nas suas conclusões de recurso -, que para integrar o conceito penal de telefonar para efeitos do tipo previsto no art.190 nº2, basta ligar para o telefone do ofendido, ainda que não logre falar, bastando o som de chamada com a intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego da outra pessoa para o preenchimento do tipo legal.
Então qual a diferença entre a conduta do arguido levada a efeito por meio dos vários SMS, sem qualquer texto, enviados ao assistente em dias festivos e a várias horas, numa acção desenvolvida ao longo do tempo e traduzida na matéria de facto indiciada?
De acordo com o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, telefonar é comunicar ou fazer comunicação pelo telefone, fazer uso do telefone.
Temos, pois, de concordar com o despacho recorrido e considerar que os inúmeros SMS enviados pelo arguido ao ofendido através de telemóvel se subsumem no conceito de telefonar, para preenchimento dos elementos típicos do crime previsto no art. 190 nº2 do C.Penal.
Bem andou, pelo exposto, a senhora Juiz de Instrução Criminal em pronunciar o arguido.
Atentos os argumentos enunciados improcedem os argumentos dos recursos.

3. Decisão:
Tudo visto e ponderado, acordam os juízes neste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos do M. Público e do arguido, confirmando o despacho recorrido.
Custas, pelo decaimento do recurso, a cargo do recorrente C…, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

Porto, 22/06/2011
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro
Eduarda Maria de Pinto e Lobo