BENFEITORIA
INDEMNIZAÇÃO
ARRENDATÁRIO
POSSE
Sumário

I. Concluindo na petição inicial, o autor que é inquilino de um imóvel, mas não resultando tal qualidade dos factos alegados, não pode aquele ser qualificado como possuidor, para efeitos de benfeitorias, pois o possuidor tem de agir como titular do direito real a que se referem os actos materiais de fruição enquanto o arrendatário detém a coisa locada em nome do respectivo locador.
II. O mero possuidor em nome alheio não goza da protecção prevista no art. 1273º do Cód. Civil, de ser ressarcido pelas benfeitorias realizadas na coisa detida. *

* Sumário elaborado pelo Relator.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA", veio instaurar contra Empresa-A, no 1º Juízo Cível do Barreiro, acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária, pelos factos e com os seguintes fundamentos:
- O Autor é casado com BB, neta de CC, já falecido, o qual era arrendatário do imóvel sub judice, sito na Rua José Relvas, n..., no Barreiro;
- O contrato de arrendamento foi celebrado verbalmente e teve início no ano de 1946, tendo a esposa do Autor, após o falecimento dos seus avós continuado a pagar a renda do imóvel em nome daquele;
- Em finais de 1997 o Autor e a esposa acordaram em instalar no imóvel uma galeria de Arte, pelo que requereram à Câmara Municipal do Barreiro que emitisse uma licença de Obras, que teve o numero CC/770/97 para o local;
- O Autor gastou na realização das obras a quantia de € 17 457,93, tendo substituído as portas e janelas, decorou os interiores, pintou os interiores e fachada do prédio, reparou as redes de água e esgotos bem como substituiu o quadro da luz eléctrica, colocou projectores e calhas rotativas para iluminação e colocação de telas e adquiriu várias plantas naturais;
- O autor requereu o licenciamento do imóvel junto Departamento de Actividades Económicas para funcionar como Bar e Galeria de Arte;
- A Galeria foi inaugurada em 23 de Dezembro de 1997;
- Entretanto o Autor teve conhecimento que o imóvel onde tinha instalado a Galeria de Arte fazia parte da massa falida de DD no Procº de Falência nº 3/73 que correu termos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial do Barreiro;
- O gestor Judicial da Massa Falida com quem o Autor se reuniu informou-o que em finais de 1999 iria proceder à venda dos 14 imóveis que tinham pertencido ao falecido EE, marido da referida DD;
- Mais informou o Autor que o imóvel tinha sido apreendido a favor da referida massa falida, como devoluto, sendo que o Autor não possuía qualquer título que legitimasse a sua utilização;
- O Presidente da CMB ratificou a decisão de renunciar à compra dos 14 imóveis da zona velha do Barreiro alegando ausência de valor patrimonial, tendo o Sr. Administrador da Massa Falida vendido os bens à Ré;
- O Autor no seu entender actuou a coberto de "incentivo camarário" já que o seu Presidente da Assembleia Geral acompanhou as obras e a abertura da Galeria,
- Todavia, o Autor acabou por ser despejado do imóvel o que lhe deu grande prejuízo.

Peticiona o Autor, a final, que a Ré seja condenada a indemnizá-lo pelos prejuízos causados pagando-lhe uma indemnização pelas benfeitorias efectuadas, no montante de € 18 500,00 acrescida dos juros legais desde a citação e até integral pagamento.

Contestou a ré deduzindo reconvenção, defendendo-se por excepção, alegando a ilegitimidade do Autor - por nenhum direito à ocupação do imóvel - e da Ré - por as obras alegadas pelo autor terem sido realizadas antes da aquisição do mesmo pela ré e ter esta já procedido à venda a terceiros do imóvel em causa - e bem assim por impugnação, pugnando a final pela procedência de ilegitimidade da Ré e do Autor e a consequente absolvição da Ré da Instância ou a absolvição da Ré do pedido, bem como a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Mais peticiona a Ré que a Reconvenção seja considerada procedente por provada e, em consequência, o Autor seja condenado a pagar o montante de € 5 800,00 acrescido dos juros legais de mora até efectivo pagamento decorrente das despesas que fez com a tapagem do imóvel após o autor ter dele retirado as portas e janelas, e do valor das despesas para repor o imóvel como prédio destinado à habitação para que estava licenciado, que teve de descontar na venda do imóvel que efectuou.
Replicou o autor rebatendo as excepções alegadas e deduziu o pedido de intervenção principal provocada de GG e mulher HH - por serem os sucessores da ré na titularidade do imóvel - e da Massa Falida de DD na pessoa do seu Liquidatário Judicial, II, os quais admitidos, apenas os primeiros chamados apresentaram contestação em que, em síntese, alegaram desconhecer os factos alegados pelo autor.
Após audiência preliminar, foi proferido saneador em que se absolveu os ré e intervenientes do pedido.
Desta decisão apelou o autor tendo na Relação de Lisboa sido julgada improcedente o recurso.
Mais uma vez irresignado, veio o autor interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado as conclusões seguintes:
1. O Recorrente instaurou acção declarativa de condenação com processo comum e sob a forma de processo ordinário, contra a recorrida Empresa-A.
2. O Recorrente é casado com BB, neta de CC, já falecido, o qual era arrendatário do imóvel sub júdice, sito na Rua José Relvas, n...., no Barreiro.
3. O contrato de arrendamento foi celebrado verbalmente e teve início no ano de 1946, tendo a esposa do Recorrente, após o falecimento dos seus avós continuando a pagar a renda do imóvel em nome daquele.
4. Em finais de 1997 o Recorrente e a esposa acordaram em instalar no imóvel uma galeria de Arte, pelo que requereram à Câmara Municipal do Barreiro que emitisse uma licença de Obras, que teve o número CC/770/97 para o local.
5. O Recorrente gastou na realização das obras a quantia de € 17.457, 93.
6. Substituiu as portas e janelas, decorou os interiores, pintou os interiores e fachada do prédio, reparou as redes de água e esgotos, substituiu o quadro da luz eléctrica, colocou projectores e calhas rotativas para iluminação e colocação de telas e adquiriu várias plantas naturais.
7. O Recorrente requereu o licenciamento do imóvel junto do Departamento de Actividades Económicas para funcionar como Bar e Galeria de Arte.
8. A Galeria foi inaugurada em 23 de Dezembro de 1997.
9. O Recorrente teve conhecimento que o imóvel onde tinha instalado a Galeria de Arte fazia parte da massa falida de DD no Processo de Falência n.º 3/73 que correu termos pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial do Barreiro.
10. O gestor judicial da Massa Falida com quem o Recorrente se reuniu informou-o que em finais de 1999 iria proceder à venda dos 14 imóveis que tinham pertencido ao falecido EE, marido da referida DD.
11. Mais informou o Recorrente que o imóvel tinha sido apreendido a favor da referida massa falida, como devoluto, sendo que o Recorrente não possuía qualquer título que legitimasse a sua utilização.
12. O Presidente da Câmara Municipal do Barreiro ratificou a decisão de renunciar à compra dos 14 imóveis da zona velha do Barreiro, alegando ausência de valor patrimonial, tendo o Sr. Administrador da Massa Falida vendido os bens à Recorrida Empresa-A.
13. O Recorrente actuou a coberto de "incentivo camarário" já que o seu Presidente da Assembleia Geral acompanhou as obras e a abertura da Galeria.
14. Não obstante foi forçado a abandonar o imóvel pela Recorrida Empresa-A, tendo sofrido um grande prejuízo.
15. Peticionou o Recorrente que a Recorrida Empresa-A, fosse condenada a indemnizá-lo pelos prejuízos causados, pagando-lhe uma indemnização pelas benfeitorias efectuadas, no montante de € 18.500,00 acrescida dos juros legais desde a citação e até integral pagamento.
16. Realizada a Tentativa de Conciliação, nos termos do disposto no art. 509.º, n.º 1 do C.P.C., entendeu o Tribunal recorrido estar em posição de decidir do mérito, e consequentemente passar a conhecer da acção.
17. Entendeu o Tribunal recorrido considerar provado que o imóvel encontrava-se degradado, tendo o Autor e sua mulher decidido fazer obras para nele instaurarem um Bar e Galeria de Arte - doc. n.º 5 a 12. e que na feitura das obras o Autor gastou cerca de € 17.457,93, tudo conforme docs. juntos sob os n.ºs 14 a 38 (vide factos provados osb os n.ºs 6 e 8, entre outros)
18. O Tribunal de Primeira Instância decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, tendo a R. e os Intervenientes sido absolvidos.
19. Entendeu o Tribunal de Primeira Instância que o Recorrente carece de legitimidade, por não fundamentar a sua posição como inquilino, nem apresentar qualquer contrato, nem recibos de renda em seu nome, uma vez que os recibos juntos aos autos foram liquidados em nome do primitivo arrendatário, CC, sendo que este era o avô paterno da mulher do Recorrente, que veio a falecer em data não concretamente apurada.
20. Referiu a Primeira Instância que o Recorrente, na acção proposta, apenas refere e prova que casou com a neta do falecido CC em 27/6/1998, não sabendo por isso o Tribunal a quo, como e porquê, o imóvel objecto dos autos veio a chegar à posse do Recorrente, sendo certo que os herdeiros do falecido CC não invocaram, nos termos legais a transmissão do arrendamento.
21. A Primeira Instância não sabe se o falecido CC tinha instalado no imóvel a sua habitação permanente ou qualquer negócio, ficando todavia demonstrado que o Recorrente pretendia instalar no imóvel e instalou um bar e uma galeria de arte.
22. Por entender existir manifesta falta de legitimidade por parte do Recorrente, decidiu o Tribunal de Primeira Instância que este não pode demandar, sendo que por ser parte ilegítima, inexistindo qualquer fundamento legal para a pretensão que pretende fazer valer, deve a acção improceder.
23. Por discordar da decisão proferida o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
24. Também o Tribunal da Relação de Lisboa, concluiu pela ilegitimidade do Autor, aqui Recorrente, entendendo por conseguinte, ficarem prejudicadas as outras questões por este invocadas.
25. Com a propositura da acção o Recorrente pretende ser ressarcido pelas benfeitorias efectuadas no imóvel, em valor que se cifra em € 17.457,93 - conforme resulta do facto provado sob o n.º 8.
26. Ao ter efectuado obras no referido imóvel, a fim de aí ser instalado um bar e uma galeria de arte, sendo que esse imóvel inicialmente se encontrava degradado, não restam quaisquer dúvidas que o Recorrente efectuou benfeitorias no imóvel.
27. No imóvel em causa foram efectuadas benfeitorias; as quais podem ser classificadas como benfeitorias necessárias e úteis (vide, factos provados n.ºs 6 a 10)
28. As obras em causa visaram a transformação do imóvel num espaço comercial e cultural, tendo aumentado o valor do imóvel, ainda que indirectamente possam ter visado, em simultâneo, a conservação do imóvel.
29. Sempre foi convicção do Recorrente ser inquilino do respectivo imóvel, na medida em que continuou a efectuar o pagamento das rendas exactamente nas mesmas condições, sendo que o senhorio teve conhecimento do falecimento do primitivo inquilino.
30. Caso assim não se entenda, o Recorrente é seguramente e sem qualquer dúvida, possuidor do imóvel, de boa fé.
31. A matéria de facto fixada em sede de Primeira Instância {O Recorrente é casado com BB, sendo que a esposa do Autor é filha de JJ e de BB e neta de CC e de KK; o facto de o avô paterno da esposa do Autor ser arrendatário do imóvel sito na Rua José Relvas, n.../ch, Local-D, no Barreiro, pelo menos desde Maio de 1946, sendo que após o falecimento dos avós a esposa do Autor continuou a pagar a renda do imóvel em nome deste, tendo o Autor e sua mulher decidido fazer obras, por o imóvel se encontrar degradado, para nele instaurarem um Bar e Galeria de Arte, tendo o Recorrente requerido à Câmara Municipal do Barreiro que emitisse uma licença para obras de reparação e melhoramento; tendo sido o contrato de fornecimento de água efectuado em nome da esposa do Recorrente e o contrato de fornecimento de energia eléctrica foi emitido em nome da esposa do Recorrente}, acrescida da convicção do Recorrente de ser inquilino do respectivo imóvel, por ter continuado a efectuar o pagamento das rendas exactamente nessas mesmas condições, tendo o senhorio tido conhecimento do falecimento do primitivo inquilino, ao que acresce o facto alegado pelo Recorrente, relativamente a ter efectuado as obras que fez, a coberto de incentivo camarário (até porque o Presidente da Assembleia Geral da C.M.B. acompanhou as obras e abertura da Galeria de Arte) permite precisar que o Recorrente estava convencidíssimo que o direito ao arrendamento lhe havia sido transmitido pelo senhorio, e por conseguinte, no convencimento de que ao adquirir a posse do respectivo bem não estaria de forma alguma a lesar direitos de outrem.
32. Ainda que não se tratando de uma posse titulada, a posse do Recorrente consubstancia uma posse de boa fé, pacífica e pública, nos termos do disposto no art. 1258.º e segs. do Código Civil.
33. O próprio saneador-sentença constante dos autos a fls.219 e segs., na parte referente à apreciação de eventual litigância de má fé, reconhece que "de facto, o Autor (aqui Recorrente), no pressuposto da feitura de obras e do pedido de licença de obras que solicitou à Câmara Municipal do Barreiro, da eventual existência de "promessas" de licenciamento que nunca lhe chegou a ser concedido poderá ter ficado na sua mente que lhe assistia algum direito sobre o imóvel".
34. O que por si só é bastante para concluir que o Recorrente é possuidor de boa fé.
35. As obras feitas pelo Recorrente no bem imóvel qualificam-se como benfeitorias úteis e necessárias.
36. Com as obras efectuadas o Recorrente visou apenas melhorar o imóvel e permitir o seu bom estado e conservação.
37. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela - vide art. 1273.º, n.º 1 do Código Civil
38. Quando, para evitar o deterioramento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa - vide art. 1273.º, n.º 2 do Código Civil
39. É apenas e tão só o que o Recorrente pretende!
40. Tendo o direito a ser ressarcido pelas benfeitorias efectuadas no imóvel, nos termos do disposto nos arts. 1260.º e 1273.º do Código Civil - vide Acórdão do S.T.J. de 26/04/95, in www.dgsi.pt (Processo 086666; N.º Convencional:JSTJ00027259; N.º do Documento:SJ199504260866662).
41. Mesmo que a Recorrente Empresa-A tenha adquirido o imóvel por escritura pública exarada em 30 de Junho de 1999, revendendo-o posteriormente aos Intervenientes Acidentais, também Recorridos, não há dúvidas que adquiriu o imóvel melhorado em função das benfeitorias que o Recorrente aí efectuou.
42. Nem o Recorrente, nem os Recorridos podem ser considerados partes ilegítimas na acção.
43. O Recorrente tem interesse directo em demandar, - o que se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, pelo que não é parte ilegítima nos autos.
44. Por não ocorrer a falta do pressuposto processual, no que concerne à legitimidade do Recorrente em demandar, deve o mesmo ser ressarcido pelas benfeitorias efectuadas no imóvel.
45. Devem os presentes autos serem remetidos ao Tribunal recorrido, a fim de que se possa pronunciar acerca das restantes questões invocadas pelo Recorrido e que por decorrência da alegada falta de legitimidade do Recorrente, não foram apreciadas.
46. Deve a acção objecto deste recurso ser julgada procedente e o Recorrente indemnizado pelas benfeitorias que efectuou no imóvel.
47. Foram violadas as normas constantes dos arts. 216.º, n.º 1 e 3; 1258.º, 1260.º, 1273.º, n.º 1 e 2 - todos do Código Civil e art. 26.º do C.P.C..
Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a acção e condene os Recorridos a pagarem ao Recorrente o valor peticionado a título de benfeitorias efectuadas, por ser de elementar JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Poc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a cita sem indicação de origem -, o âmbito dos recurso é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das pouco concisas conclusões do aqui recorrente se vê que o mesmo para conhecer neste recurso levanta as seguintes questões:
a) Atendendo aos facto alegados pelo autor, este tem legitimidade para ao abrigo do disposto no art. 1273º do Cód. Civil, como possuidor, pedir o valor das benfeitorias realizadas no prédio em causa ?
b) Consequentemente deve o processo ser remetido ao tribunal recorrido, a fim de se pronunciar sobre as restantes questões levantadas na apelação e que não foram objecto de decisão?

Mas antes vejamos os factos que as instâncias deram por provados e que são os seguintes:
1- O Autor é casado com BB.- doc.1, junto com a p.i.
2- A esposa do Autor é filha de JJ e de BB - doc. 2 junto com a p.i.
3- E neta de CC e de KK- doc.2
4- O avô paterno da esposa do Autor era arrendatário do imóvel sito na Rua José Relvas, n..., nº57, r/ch, Local-D, no Barreiro, pelo menos desde Maio de 1946.- doc. 3-A a 3-F
5- Após o falecimento dos avós, a esposa do Autor continuou a pagar a renda do imóvel em nome deste - doc. 4-A a 4-N
6- O imóvel encontrava-se degradado, tendo o Autor e sua mulher decidido fazer obras para nele instalarem um Bar e Galeria de Arte. - doc. 5 a 12
7- O Autor requereu à CMB que emitisse uma licença para obras de reparação e melhoramento a qual teve o nº CC/770/97- doc. 13
8- Na feitura das obras o Autor gastou cerca de € 17 457,93 tudo conforme doc. Juntos sob os nºs.14 a 38
9- O contrato de fornecimento de água foi efectuado em nome da esposa do Autor.- doc.39
10- O contrato de fornecimento de energia eléctrica foi emitido em nome da esposa do Autor- doc.40 e 42, 43, 44 e paga pelo Autor- docts. 45 a 45 T.
11- Em 27 de Março de 1998 a CMB escreveu ao Autor a carta constante do Doc. Sob o nº 53- cujo teor se dá por reproduzido - onde a Câmara Municipal do Barreiro solicita ao autor que comprove documentalmente a posse do imóvel em causa.
12- Em data não apurada do ano de 1998, a CMB voltou a escrever ao Autor a carta junta como doc. Nº54, cujo teor se dá por reproduzido, onde aquela autarquia informa que o imóvel em causa carece de obras para a licença de utilização como café de apoio a Galeria de Arte, cuja execução está vedado ao autor por não possuir titularidade sobre a propriedade do mesmo imóvel.
13- Em 30 de Novembro de 1998 o Liquidatário Judicial no Processo de Falência nº 3/73 do 3º Juízo Cível - 1ª secção escreveu ao Autor a carta junta sob o nº55 cujo teor se dá por reproduzido e telefax de fls. 2 da contestação.
14- Por Escritura de Compra e Venda celebrada no 15º Cartório Notarial de Lisboa no dia 10 de Setembro de 2002 a Ré Empresa-A vendeu a GG , casado no regime de comunhão geral de bens com HH, o imóvel constante dos autos o qual foi registado a seu favor. Cfr.doc. 1 junto com a contestação.
15- Em 21-10-98 foi o Autor notificado do levantamento de uma Contra-Ordenação pela CMB, com fundamento em Participação por infracção prevista no artº 54º, nº 1 c) do DL 445/91 de 20 /10 na redacção posteriormente alterada e dada pelo DL 168/97 de 4/7 no seu artº 38º nº5- cfr. doc. Nº6 junto com a contestação.
16- Em 20 de Janeiro de 2000, 10 de Maio de 2000 e 26 de Maio de 2000 a Empresa-B escreveram ao Autor em representação da Ré, Empresa-A, para que este lhe entregasse o imóvel que ocupava.

Vejamos agora cada uma das concretas questões acima referidas como objecto deste recurso.
a) Nesta primeira questão pretende o recorrente que nos termos do art. 1273º do Cód. Civil, tem legitimidade substantiva para a dedução do presente pedido, atendendo ao que alegou na petição inicial.
Liminarmente diremos que não tem o recorrente qualquer fundamento para esta pretensão.
Quer a 1ª instância quer a Relação entenderam que não resulta dos factos alegados que o autor tenha qualquer direito de arrendatário sobre o imóvel em causa e como tal carece de legitimidade substantiva para o pedido de ressarcimento das benfeitorias em causa.
Também acrescenta a segunda instância que não resulta dos factos alegados que o autor possa prevalecer-se da qualidade de possuidor para peticionar as benfeitorias ao abrigo do disposto no art. 1273º do Cód. Civil.
Analisando a petição inicial vemos que o autor alega que o imóvel em causa havia sido dado de arrendamento ao avô da sua mulher - embora dos documentos que juntou se visse que o mesmo autor quando casou com aquele senhora já havia realizado as obras a que se referem as benfeitorias aqui em causa. Mais alegou que após a morte dos avós daquela, a mesma continuou a pagar a renda do imóvel embora em nome do referido avô. Com estes factos, o autor concluiu que era inquilino do imóvel - cfr. art. 44º da petição inicial.
Ora daqui temos que discordar desta qualificação jurídica.
Do que foi alegado nunca o autor podia gozar daquela qualidade jurídica.
Por um lado, a morte do arrendatário, nos termos gerais do art. 1051º, nº 1 al. d) do Cód. Civil, faz caducar o arrendamento.
Por outro lado, nada foi alegado de onde resultasse que fosse atribuído à mulher do autor o direito a suceder na posição do arrendatário, nomeadamente nos termos do art. 85º do RAU.
Finalmente, mesmo que a referida mulher do autor tivesse a posição de arrendatária, nos termos do art. 83º do RAU, essa qualidade se não transmitia ao autor.
Desta forma e tal como o autor parece já admitir nas suas alegações de recurso - ao reafirmar apenas que sempre foi sua convicção ser inquilino do imóvel na conclusão 29º -, não beneficia da posição de arrendatário do imóvel em causa.
Por isso, o recorrente socorre-se nas suas alegações de recurso da sua qualidade de possuidor para nos termos do art. 1273º do Cód. Civil defender o seu direito às benfeitorias.
Ora, o art. 1273º do Cód. Civil, fixa como efeito da posse o direito do possuidor a ser indemnizado das benfeitorias que haja feito, em termos e condições ali fixadas.
Porém, o autor não pode ser considerado possuidor, mas mero detentor de facto.
Com efeito, a posse, nos termos do art. 1251º do Cód. Civil consiste, no domínio de facto sobre uma coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício com intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto.
Daqui decorre que a posse é constituída por dois elementos.
O "corpus", ou elemento material, que consiste no poder de facto identificado com os actos materiais de detenção e fruição ou ambos em conjunto, praticados sobre a coisa com o exercício de certos poderes sobre ela.
Por seu lado, o "animus" traduz-se na intenção, por parte do agente de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.
Ora o autor ao alegar que agiu convencido que era inquilino estava a reconhecer que não gozava ou usufruía o imóvel como coisa própria, mas como mero detentor em nome de outrem, ou seja, do proprietário.
Daí que, nos termos do art. 1253º do Cód. Civil, não pode ser considerado como possuidor, mas apenas como mero detentor.
Não tendo alegado factos bastantes para poder ser qualificar como arrendatário, não pode aquele beneficiar da equiparação que o art. 1046º, nº 1 do Cód. Civil faz do arrendatário ao possuidor, para efeitos de ressarcimento de benfeitorias.
Por outro lado, segundo pensamos, é pacífica a doutrina no sentido de que a protecção jurídica dado pelo arts. 1268º e segs. do Cód. Civil se não aplica aos meros detentores precários - cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 6-05-2003, proferido no recurso nº 2365/01; de 27/11/97 proferido no recurso nº 597/97 e de 03-05-2000, proferido no recurso nº 170/00.
Por isso, temos que concluir que pelos factos alegados na petição inicial, o autor não tem legitimidade substantiva para formular o pedido que deduziu.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.

b) A segunda questão levantada pelo recorrente e que consistia em como consequência da procedência da primeira se dever ordenar a remessa dos autos ao tribunal recorrido para o conhecimento das demais questões levantadas na apelação e que não chegaram a ser ali conhecidas, ficou prejudicada pela improcedência daquela.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida e se confirma a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Setembro de 2006

João Camilo ( Relator )
Fernandes Magalhães
Azevedo Ramos