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CONTRATO DE CONCESSÃO
DENÚNCIA DE CONTRATO
RETOMA DE STOCKS
INDEMNIZAÇÃO DE CLIENTELA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
I - O contrato de concessão comercial, apesar da variabilidade de grau ou de intensidade de alguns dos seus elementos caracterizadores, na sua apreciação global, deve apresentar como elementos tipificadores, sempre necessários, o seu carácter duradouro, a compra para revenda e o objecto mediato. II - Sendo um contrato legalmente atípico, são-lhe aplicáveis as cláusulas estipuladas pelas partes, as regras legais gerais sobre o negócio jurídico, o regime das cláusulas contratuais gerais e, por analogia, o regime legal do contrato de agência. III - Não tendo sido convencionado pré-aviso, para a denúncia do contrato deve ser exigida uma antecedência mínima razoável, apurada face às circunstâncias do caso concreto, considerando especialmente a necessidade de amortização do investimento realizado pelo concessionário. IV - Cessado o contrato por facto imputável ao concedente, se as existências se situarem em nível razoável, fruto de uma gestão equilibrada e prudente, no pressuposto da continuação da relação contratual, justifica-se que recaia sobre aquele a obrigação de retoma dos bens, pelo preço por que foram adquiridos pelo concessionário. V - É devida indemnização de clientela, por aplicação analógica do contrato de agência, desde que se verifique a existência de uma clientela especialmente ligada à pessoa ou aos serviços do concessionário, a mesma se transfira para o concedente, este adquira benefícios dessa transmissão e o contrato não tenha cessado por razões imputáveis ao concessionário. VI - Litiga de má fé a parte que impugna factos que não podia desconhecer, por serem imprescindíveis à qualificação jurídica e à decisão de mérito.
Texto Integral
Proc. nº 3977/04.3TBMTS.P1 – 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos
Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1301)
Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B..., S.A. instaurou apresente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C…, S.P.A..
Pediu que a ré seja condenada a pagar-lhe:
a) A quantia de 136.518,36 € a título de indemnização de clientela;
b) A quantia de 40.155,95 €, pela retoma dos stocks dos seus produtos que se encontram no armazém da Autora;
c) A quantia de 59.129,74 €, a titulo de indemnização por falta de aviso prévio, bem como na quantia de 600,00 €, valor correspondente ao dispêndio de equipamento por falta de assistência por parte da Ré e ainda no valor que se vier a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos causados pela falta de assistência e reparação dos seus produtos vendidos pela Autora.
d) Os juros moratórios sobre o valor total das quantias peticionadas, à taxa anual de 12 %, a contar da data da citação, até efectivo e integral pagamento.
Como fundamento, alegou ter iniciado, em 1995, com a sociedade D…, SPA, sociedade de direito italiano (à qual, após fusão, sucedeu a Ré), um contrato de distribuição comercial, concretamente de concessão comercial exclusiva, através do qual a Autora ficou representante e distribuidora dos produtos daquela em todo o território nacional (consistentes em equipamentos/veículos de lava-ruas e lava-contentores) e que, sem qualquer aviso, a sociedade concedente, por carta de 14-3-03, denunciou.
A Ré contestou, impugnando os factos alegados, designadamente, a celebração de qualquer contrato de concessão comercial, admitindo, apenas, ter celebrado com a Autora vários contratos de compra e venda de equipamentos por si fabricados.
Em reconvenção, pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 23.716,59, também acrescida de juros de mora, invocando o não pagamento de parte do preço de um equipamento que lhe vendeu, a que corresponde a factura nº …….
A Autora replicou, pedindo a condenação da Ré, como litigante de má fé, em multa e indemnização cujo montante não é possível apurar com exactidão mas que nunca será inferior a 5.000,00 €.
A Ré respondeu.
Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença, de que foi interposto recurso, tendo esta Relação anulado a decisão sobre a matéria de facto para ampliação desta.
Repetido o julgamento, para prova dos factos aditados, foi proferida nova sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nestes termos:
Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €100.000,00, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros de mora desde a citação, às taxas supletivas legais para os juros comerciais (12% ao ano até 30/09/2004 e a taxa de juro resultante da aplicação da Portaria Nº 597/2005, de 19/7, a partir de 1/10/2004).
Condeno a Ré a pagar à Autora os danos causados pela falta de aviso prévio da denúncia do contrato consubstanciados pelos factos das alíneas FF) e GG) dos factos provados (indemnização prevista no Artigo 29º, nº 1, do D.L. Nº 178/86, de 3 de Julho, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo D.L. Nº 118/93, de 13 de Abril), a liquidar em execução de sentença.
Condeno a Ré a retomar os produtos que a Autora lhe adquiriu e se encontram no armazém desta, pagando-lhe o respectivo valor de custo, que ascende a €40.155,95, acrescido de juros de mora desde a citação, às taxas acima referidas.
Condeno a Ré como litigante de má fé na multa de 10 UC e no pagamento à Autora de indemnização a fixar oportunamente, nos termos do disposto no Artigo 457º, nº 2, do C.P.C..
Absolvo a Ré do mais peticionado.
Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a ré, de apelação, tendo apresentado as seguintes
Conclusões:
A) Cumpre, a título prévio, salientar que o presente recurso tem por objecto, não só a matéria aditada à Base Instrutória por ordem deste Tribunal, como também a matéria já anteriormente objecto de recurso, que ficou prejudicada, não tendo sido apreciada em segunda instância;
B) Importa, em primeiro lugar, notar que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo está ferida de nulidade, já que a Apelante foi condenada a pagar uma indemnização pela alegada litigância de má fé processual, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 457.º do CPC, não se vislumbrando, todavia, as razões que terão conduzido a tal decisão;
C) Na verdade, não é invocado um único fundamento de facto para que o Tribunal a quo tenha entendido condenar a Apelante em tal indemnização pela suposta má fé processual;
D) A mera afirmação de que deverá a Apelante ser condenada no pagamento de uma indemnização nos termos do artigo 457.º, n.º 2 do CPC, sem qualquer aplicação à factualidade relevante, não poderá qualificar-se como fundamentação idónea de uma decisão judicial, nem mesmo como uma mera fundamentação incipiente ou incompleta, sendo forçoso concluir pela total ausência de fundamentação;
E) Destarte, será mister concluir pela total falta de fundamentação do decidido pelo Tribunal a quo, suscitando-se, desde já, a aplicabilidade do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, o que consubstancia a imputação de uma invalidade (nulidade) à Sentença ora em crise, o que se deixa alegado para todos os efeitos legais;
F) Já no que respeita à matéria de facto, o Tribunal a quo procedeu a uma apreciação errónea das provas produzidas nos autos, sendo mister concluir pela alteração da decisão sobre a matéria constante nos quesitos 2.º, 7.º, 8.º, 11.º, 24.º, 32.º e 34.º da Base Instrutória, quer em face da prova documental (em especial, os documentos de fls. 773 a 789 e de fls. 781 a 788) quer da prova testemunhal (em particular, os depoimentos das Testemunhas Sr. E…, Sr. F…, Sr. Eng. G…, Sra. Eng. H… e Dr. I…);
G) Apreciemos o aspecto jurídico da causa: a Douta decisão considerou existir um contrato de concessão comercial, não obstante nunca em qualquer momento processual ter sido produzida prova (documental ou testemunhal) nesse sentido;
H) Ademais os aspectos típicos do contrato de concessão comercial não se encontram presentes no âmbito das relações comerciais estabelecidas ao longo dos anos entre Apelante e Apelada;
I) Portanto, mesmo atendendo à matéria de facto alegadamente dada como provada não é possível identificar na relação comercial em causa os elementos essenciais do contrato de concessão comercial;
J) Acresce que as partes nunca celebraram qualquer contrato escrito ou verbal para além dos sucessivos contratos de compra e venda conhecidos do tribunal; nunca existiu um circuito estável de “produção – comercialização”, nem tão-pouco qualquer acordo verbal ou escrito que se desenvolvesse no sentido de uma concertação ou colaboração duradoura entre as Partes; nunca, nem tão-pouco verbalmente, se fez representar pela Apelada, nem nunca lhe conferiu qualquer estatuto nesse sentido; nunca garantiu, nem nunca teve intuito de atribuir, qualquer tipo de exclusividade à Apelada, nem o inverso (exclusividade da Apelante) se verificou; nunca existiu qualquer tipo de controlo por parte da Apelante, nem expresso nem tácito, sobre a actividade comercial da Apelada, nem nunca a Apelante impôs qualquer tipo de política comercial na actividade da Apelada;
K) Pelo que a qualificação jurídica das relações comerciais entre Apelante e Apelada não pode ser outra que a sempre defendida pela Apelante, ou seja, sucessivos contratos de compra e venda;
L) O contrato existente entre as partes não foi denunciado, mas resolvido. Com efeito, ficou provado que a Apelada num dos contratos de compra e venda celebrados com a Apelante, incumpriu a sua obrigação principal, ou seja, o pagamento da totalidade do preço dos bens adquiridos;
M) O seu comportamento, materializado no incumprimento de uma obrigação contratual característica, e portanto essencial, constitui justa causa de resolução;
N) Assim sendo, dúvidas não restam de que se preencheram todos os requisitos legais da resolução, pelo que não há lugar a qualquer indemnização baseada na falta de pré-aviso da denúncia a receber pela Apelada, figura que não tem aplicação à presente situação;
O) Quanto ao valor da condenação pela e na retoma do stock da Apelada, aquando da compra, houve transferência da propriedade e do risco, sendo que a Apelada pode vender os produtos adquiridos a quem e quando quiser;
P) E mesmo que, admitindo mais uma vez, apenas por cautela de patrocínio, que existiria um contrato de distribuição, terá havido justa causa de resolução, por um lado e, por outro, nada se convencionou relativamente a uma eventual retoma do stock de bens em caso de resolução contratual;
Q) Pelo que a Apelada não também tem direito a que lhe sejam retomados e pagos os stocks de que dispõe;
R) Sendo certo que, a inobservância, atento os prazos de alegada resolução/denúncia contratual, sempre implicariam a caducidade do referido direito que se invoca e que o Tribunal devia ter conhecido;
S) A Apelante foi condenada a pagar indemnização clientela à Apelada. Sucede que, a indemnização de clientela é uma figura típica do contrato de agência, que tem sido aplicada analogicamente a outros contratos de distribuição, pela doutrina e jurisprudência portuguesas;
T) Para ser reconhecido este direito ao agente, terá o mesmo de provar diversos requisitos cumulativos, nomeadamente, que angariou novos clientes para a outra parte ou aumentou substancialmente o volume de negócios com a clientela já existentes, o que a Apelada não fez;
U) O principal comprador da Apelada eram Câmaras Municipais, perante as quais a acção humana se mostrava totalmente irrelevante para a potencialização do negócio, já que o mecanismo operado era o do concurso público, com valorização exclusiva do produto, sendo que, no que aos privados diz respeito, foi indicado pelas testemunhas da Apelada (clientes) continuarem a ser clientes da apelada, ou não mais terem adquirido bens da marca da Apelante;
V) É evidente que o pressuposto constante da alínea c) do citado artigo não pode igualmente verificar-se – tal exigiria o preenchimento do previsto na alínea a), o qual já se ficou afastado;
X) Mesmo fazendo uma leitura diversa e, consequentemente, considerando todos os pressupostos preenchidos face às relações entre Apelante e Apelada, permaneceriam três obstáculos inultrapassáveis ao reconhecimento do direito de indemnização a favor da Apelada, nomeadamente:
Y) Havendo um contrato de distribuição, a aplicação do artigo 33.º nunca seria automática, dependendo de se verificar analogia entre o contrato em causa e o contrato de agência.
Z) Nunca existiu nem integração da Apelada na rede da Apelante, nem obrigações da Apelada, muito menos extensas ou intensas, relativamente à prossecução e defesa dos interesses da Apelante. Logo, a exclusão de tal aplicação faz-se de imediato.
AA) Portanto, ainda que se tratasse de um agente – o que nunca foi objecto de hipótese – ele não preencheria nenhum dos requisitos legais para beneficiar de indemnização de clientela, sendo que os seus requisitos são cumulativos;
BB) Pois, nos termos do n.º 3 do artigo 33.º do Dec.-Lei 178/86, “Não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente...”. Houve justa causa para a cessação das relações comerciais entre Apelante e Apelada, consubstanciada no grave incumprimento da obrigação contratual da Apelada, que se negou a realizar o pagamento de € 23.716,59 obrigação essencial do contrato de compra e venda, ou do contrato de distribuição, de acordo com o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo;
CC) O seu comportamento, materializado no incumprimento da obrigação contratual característica, e portanto essencial, constitui justa causa de resolução;
DD) Se dúvidas ainda houvesse quanto à existência de um direito a indemnização de clientela, as mesmas seriam completamente afastadas pelo facto de o mesmo se ter extinguido.
EE) Como se referiu supra, cumpre ao titular alegar e provar os requisitos dos quais depende a indemnização de clientela.
FF) Um desses requisitos, nos termos do n.º 4 do artigo 33.º, é a comunicação ao Apelante, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, de que pretende receber indemnização de clientela, devendo a acção judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta comunicação.
GG) Todavia, e diversamente do entendimento do Tribunal a quo, a Apelada não logrou demonstrar tal facto, já que, para o efeito, apenas juntou documentos que por si só, e quando analisados autonomamente, não permitem concluir que a comunicação foi efectivamente realizada.
HH) De facto, foi a Apelada que juntou aos autos documento alegadamente comprovativo da recepção pela Apelante da comunicação supostamente peticionando indemnização de clientela (já que a mesma não é expressamente referida) apenas em 16.03.2004, ou seja, um ano e dois dias depois da também alegada cessação do contrato (!).
II) Mais, a comunicação deveria ter tido lugar até 14.03.2004, o que não aconteceu, sendo assim a presente acção completamente extemporânea.
JJ) Acresce que, ao contrário da opinião do Tribunal a quo (trata-se apenas de uma opinião, já que é inclusivamente utilizado o termo “Propendemos para considerar que”), estamos perante um direito verdadeiramente indisponível, uma vez que “é nula qualquer renúncia antecipada à indemnização de clientela (neste sentido, desde logo, o art. 809.º do Código Civil, tal como o artigo 19.º da Directiva)” [António Pinto Monteiro, “Contratos de Distribuição Comercial"],
KK) Sendo, nessa medida, a caducidade do direito à indemnização de clientela de conhecimento oficioso (artigo 333.º, n.º 3 do Código Civil);
LL) Em face do exposto, resta concluir que nenhuma obrigação de indemnização de clientela poderá recair sobre a Apelante, porquanto i) não foi celebrado qualquer contrato de distribuição, mais concretamente, de concessão comercial entre as partes, ii) a Apelante não recebeu qualquer comunicação em que fosse realmente requerida tal indemnização e, ainda que assim fosse, iii) sempre teria a mesmo sido efectuada extemporaneamente, encontrando-se, assim, caducado qualquer direito à mesma a que a Apelada pudesse arrogar-se.
MM) Foi a Apelante ainda condenada ao pagamento de juros de mora sobre o montante de tal indemnização;
NN) Como é sabido, o pagamento de uma indemnização de clientela não consubstancia o cumprimento de uma obrigação certa, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil,
OO) Não consistindo, igualmente, no cumprimento de uma obrigação proveniente de facto ilícito ou pelo risco, conforme estipulado na alínea b) do n.º 2 e no n.º 3 do mesmo artigo.
PP) Acresce que, havendo necessidade de recorrer à equidade para fixar o montante devido a título de indemnização de clientela, é forçoso concluir-se pela iliquidez do “crédito” da Autora,
QQ) Impondo-se, igualmente, reconhecer que tal iliquidez não é, de modo algum, imputável à Ré, o que equivale a concluir que apenas são devidos juros de mora a partir da data da eventual decisão final condenatória, pelo que, nesta fase do processo, nada é devido pela Ré naquele âmbito (n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil).
RR) Foi ainda a Apelante condenada no pagamento de uma multa no valor de 10 UC por ter alegadamente usado de má-fé processual.
SS) Não é verdade que a Apelante tenha alterado conscientemente a verdade dos factos, a Apelante simplesmente não aceita – nem pode aceitar por tal não corresponder à verdade dos factos (embora tenham sido incorrectamente considerados provados) – que entre si e a Apelada exista um contrato de concessão comercial, mediante o qual aquela nomeou esta como “representante e distribuidora exclusiva dos seus produtos/equipamentos para todo o território nacional”.
TT) Ora, é por discordar de tal qualificação jurídica que o Tribunal a quo entendeu que a Apelante deveria ser condenada em 10 UC.
UU) Entendeu, ainda, o Tribunal a quo que, como a Apelada “pediu a condenação da Ré como litigante de má fé, no pagamento de uma indemnização a seu favor” mas “não há elementos para se fixar de imediato a importância respectiva, proceder-se-á, oportunamente, em conformidade com o disposto no Art. 457º, nº2, do C.P.C.”.
VV) A Apelada não alegou quaisquer danos que, em termos de nexo de causalidade, possam ser decorrentes da suposta má-fé da Apelante. O Tribunal a quo não poderia, pois, ter-se bastado com a alegação de tais danos e com o correspondente pedido a uma indemnização.
XX) Mais, e como bem salientou o Tribunal a quo na primeira Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, “nem se vislumbra outros [danos] que não sejam os decorrentes da própria acção e a acção sempre poderia ter de ser intentada independentemente da má-fé, se não houvesse [como não havia e não iria haver] acordo das partes quanto aos montantes da indemnização”.
YY) Por tudo o que ficou dito, entende a Apelante ser absolutamente infundada a sua condenação em litigância de má fé, razão pela qual mal andou o Tribunal a quo ao julgar procedente tal pedido.
Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a Douta Sentença recorrida.
A autora contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a resolver:
- Nulidade da sentença por falta de fundamentação;
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Qualificação do contrato;
- Denúncia do contrato;
- Retoma de stocks;
- Indemnização de clientela:
- Direito à indemnização;
- Caducidade;
- Juros de mora;
- Litigância de má fé.
III.
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) A Ré é uma empresa italiana que se dedica ao fabrico e comercialização de equipamentos/veículos de lava-ruas e equipamentos/veículos lava-contentores.
B) A 3 de Dezembro de 1998 foi remetida à Autora a comunicação da fusão da sociedade D… com a empresa J…, S.P.A., passando a sociedade a designar-se por K…, SPA.
C) A 8 de Janeiro de 2002, foi remetida à A a comunicação da fusão da K…, S.P.A. na sociedade C…, SPA, incorporando todo o seu activo e passivo.
D) Por carta datada de 14/3/2003, a Ré comunicou à A que, a partir daquela data, qualquer pedido de máquinas e acessórios, bem como a compra de peças e equipamentos, deveria ser realizado por intermédio da sociedade L…, Lda., com sede na …, …, Portugal.
E) A A adquiriu à Ré, em 31/07/2002, um veículo lava-contentores, marca …, no valor de 66.661,53 €, conforme consta da factura nº …… emitida pela Ré, factura essa com data de vencimento para o dia 31 de Outubro de 2002.
F) Desse valor a A pagou apenas a quantia de 42.944,94 €.
G) A A emitiu duas notas de débito no valor de 3.740,98 € e de 19.975,61 €, a 30/10/02 e a 14/10/02, correspondentes às penalidades aplicadas pelos seus clientes – Câmara Municipal … e M… – , pelo atraso na entrega de equipamentos.
H) A Ré interpelou a A para pagar a quantia de 23.716,59 €, mediante carta datada de 17 de Março de 2003.
I) A A remeteu à Ré um fax, datado de 4/2/2004, comunicando-lhe a existência de uma avaria no lava-contentores adquirido através da factura nº ……, e solicitando-lhe o fornecimento urgente da peça danificada.
J) A Ré respondeu à A que não fornecia nem reparava a bomba, dispondo-se apenas a vender uma nova.
K) A A é uma sociedade anónima que se dedica à comercialização por grosso e retalho e distribuição de equipamentos de limpeza industrial e urbana, viaturas para limpeza de ruas, gestão de oficinas para apoio das vendas de bens e serviços prestados
L) No início do ano de 1995, entre a A e a D…, S.P.A. foi iniciado um acordo e um relacionamento comercial, através do qual a autora passou a ser a representante e distribuidora exclusiva dos produtos/equipamentos daquela sociedade para todo o território nacional.
M) Acordo esse que se manteve após a fusão da K… na sociedade ré C…, SPA.
N) Até aquela data a Ré nunca tinha tido qualquer representação em Portugal.
O) Nem os seus produtos, com a marca …, estavam divulgados no mercado português, não fazendo parte dos cadernos de encargos do sector, sendo totalmente desconhecidos no mercado.
P) A A passou a promover e comercializar os produtos da Ré em todo o território nacional, correndo as despesas de distribuição sempre e exclusivamente por conta da A.
Q) A e Ré definiam, anualmente, os produtos que seriam objecto de distribuição, os preços de aquisição, descontos especiais, bem como condições de pagamento.
R) A A sempre respeitou as instruções da Ré, sempre a informou e esclareceu sobre as condições e evolução do mercado, nomeadamente da concorrência.
S) A A afectou pessoal, veículos, armazéns e demais equipamentos à actividade específica de importação, armazenamento, informatização, divulgação, distribuição e venda dos equipamentos fabricados pela Ré.
T) A A adquiriu equipamento e passou a dispor de instalações apropriadas para fornecimento e prestação de assistência dos equipamentos/veículos fabricados pela ré, nomeadamente num armazém e oficina em Lisboa.
U) A A angariou clientes que antes adquiriam produtos concorrentes aos da Ré.
V) Entre 1995 e 2002, a A gastou elevados montantes não apurados, em publicidade e promoção, designadamente com a presença em feiras nacionais.
W) Os clientes da A são, maioritariamente, as Câmaras Municipais e empresas prestadoras de serviços e fornecimentos àquelas entidades públicas.
X) A carteira de clientes para colocação regular dos produtos da Ré foi crescendo anualmente.
Y) Outras marcas sentiram dificuldade em penetrar no mercado devido à estrutura montada pela A.
Z) Tendo a Ré reconhecido a A como o seu melhor representante e distribuidor.
AA) Entre 1995 e 2002, a A fez compras à Ré nos seguintes valores:
a) Em 1995, no valor 49.326,00 €;
b) Em 1996, no valor 116.015,00 €;
c) Em 1997, no valor 325.281,00 €;
d) Em 1998, no valor 636.624,25 €;
e) Em 1999, no valor de 587.120,00 €;
f) Em 2000, no valor de 444.638,00 €;
g) Em 2001, no valor de 140.003,00 €;
h) Em 2002, no valor de 214.333,57 €.
BB) A margem média de comercialização dos produtos da Ré, nos últimos cinco anos, foi de 33% nos equipamentos e de 100% nas peças e acessórios, sendo que estas últimas ascendem a 7% das vendas totais.
CC) O que proporcionou à A uma margem média anual de comercialização de 30% sobre o preço de custo do equipamento e de 100% sobre o preço de custo de peças e acessórios.
DD) A A possui nos seus armazéns produtos da ré que, a preço de aquisição, ascendem a 40.155,95 €.
EE) Até ao dia em que recebeu a carta que lhe comunicava que qualquer pedido de máquinas e acessórios, bem como a compra de peças e equipamentos, deveria ser realizado por intermédio da sociedade L…, Lda., com sede na …, …, Portugal, a A continuou a exercer a sua actividade de venda e assistência dos produtos da Ré.
FF) Face à referida comunicação, a A não teve oportunidade de avisar os seus clientes da cessação da representação.
GG) Os clientes da A solicitaram-lhe explicações e foi posta em causa a sua continuidade no mercado.
HH) A Ré continuou e continuará a vender os seus produtos para os clientes angariados pela A.
II) O veículo lava-contentores da marca …, adquirido pela factura nº …… emitida pela Ré, sofreu uma avaria na bomba de água.
JJ) A compra de uma bomba nova implica o dispêndio de 600,00 euros.
KK) A cliente da A (M…, S. A., que adquiriu o veículo) já comunicou à A que irá exigir o ressarcimento dos danos causados pela paralisação do veículo por falta de assistência.
LL) Entre A e Ré estavam acordados prazos certos para a entrega dos equipamentos que aquela ia comprando a esta.
MM) A Ré reconheceu, perante a A, o seu atraso na entrega de equipamento encomendado, aceitando as notas de débito emitidas pela A no valor de 3.740,98 € e de 19.975,61 €, a 30/10/02 e a 14/10/02, correspondentes às penalidades aplicadas pelos seus clientes – Câmara Municipal … e M… –, pelo atraso na entrega de equipamentos; e que o mesmo foi da sua responsabilidade.
NN) A Autora deixou de ter condições para promover ou vender os produtos referidos em 20º da Base Instrutória.
OO) Sendo que tal mercadoria deixou de ter qualquer valor comercial para a Autora.
PP) Nos termos da garantia prestada pela Ré, a mesma não é eficaz em caso de existirem pagamentos em atraso.
IV.
Cumpre apreciar as questões acima indicadas.
1. Nulidade da sentença por falta de fundamentação
Sustenta a Recorrente que a sentença é nula, nos termos do art. 668º nº 1 b) do CPC, uma vez que foi condenada em indemnização à parte contrária, nos termos do art. 457º nº 2 do referido diploma, por se ter considerado que litigou com má fé, não sendo indicado, contudo, um único fundamento de facto a justificar tal decisão.
É verdade que na sentença recorrida, a referida condenação não é apoiada em qualquer facto, designadamente referente a danos sofridos pela autora em consequência da conduta processual da ré, que foi censurada e motivou a aplicação de uma multa (art. 456º nº 2 b) do CPC).
Nessa parte, afirma-se apenas o seguinte: A Autora pediu a condenação da Ré como litigante de má fé, no pagamento de uma indemnização a seu favor. Porém, uma vez que não há elementos para se fixar de imediato a importância respectiva, proceder-se-á, oportunamente, em conformidade com o disposto no Art. 457º, nº 2, do C.P.C..
Diferente foi a decisão a este respeito proferida na sentença que veio a ser anulada pelo anterior acórdão desta Relação, tendo-se concluído aí deste modo:
A A. pede também que a ré seja condenada a indemnizar os prejuízos resultantes da má fé e liquidar em execução de sentença. Porém, não alega quaisquer danos que, em termos de nexo de causalidade, possam ser decorrentes da má fé; nem se vislumbram outros, que não sejam os decorrentes da própria acção e a acção sempre poderia ter de ser intentada independentemente da má fé, se não houvesse acordo das partes quanto aos montantes da indemnização.
Assim, e face ao que ficou dito, não assiste à A. direito a ser indemnizada pelo facto de a ré ter agido com má fé processual, já que daí não emergiram, em nossa opinião, quaisquer danos.
Coerentemente, a ré foi condenada apenas em multa como litigante de má fé.
Pois bem, considerando o teor desta decisão e o facto de dela ter sido interposto recurso apenas pela ré, parece-nos evidente que a questão agora suscitada no recurso, respeitante à falta de fundamentação, fica prejudicada.
Com efeito, dispõe o art. 684º nº 4 do CPC que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processado.
Estabelece-se aí o princípio da proibição da reformatio in pejus: "o julgamento do recurso não pode agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que seria se ele não tivesse recorrido"[1]; "a parte não recorrida de uma decisão transita em julgado e os efeitos do julgado não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo"[2].
No caso, como se viu, a ré foi apenas condenada em multa pela litigância de má fé, tendo sido absolvida do respectivo pedido de indemnização.
A autora não interpôs recurso dessa decisão, aceitando-a portanto.
No recurso interposto pela ré, a sentença foi anulada pelo anterior acórdão desta Relação, mas esta anulação, tendo em conta o disposto no citado art. 684º nº 4, não atingiu a parte da decisão não recorrida que absolveu a ré do pedido de indemnização por litigância de má fé[3].
Nesta parte, a anterior decisão transitou em julgado – art. 672º do CPC.
Daí que, tendo, na sentença depois proferida, agora objecto do presente recurso, a ré sido condenada em tal indemnização, haja violação do caso julgado; esta condenação não pode, por isso, subsistir, devendo ser revogada.
Fica, consequentemente, prejudicada, a questão da falta de fundamentação de tal condenação.
2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A Recorrente discorda das respostas dadas aos quesitos 2º, 7º, 8º, 11º, 24º, 32º e 34º.
Vejamos, seguindo a sistematização do recurso.
O quesito 2º era deste teor:
No início do ano de 1995, entre a autora e a sociedade D…, SPA, foi iniciado um acordo, através do qual esta nomeou aquela como representante e distribuidora exclusiva dos seus produtos/equipamentos para todo o território nacional?
Resposta: Provado apenas que no início do ano de 1995, entre a A e a Sociedade D…, S.P.A. foi iniciado um acordo e um relacionamento comercial, através do qual a autora passou a ser a representante e distribuidora exclusiva dos produtos/equipamentos daquela sociedade para todo o território nacional.
Defende a Recorrente que a resposta deveria ser negativa, uma vez que, ao longo de todos os depoimentos prestados pelas testemunhas, mesmo das arroladas pela autora, jamais foi afirmado que esta era representante da ré, limitando-se a referir que a autora distribuía os produtos da ré em Portugal.
Acrescenta que as próprias testemunhas da autora não configuram o acordo celebrado como uma relação de representação, ilustrando a afirmação com excertos do depoimento de E…; e que as testemunhas da ré foram peremptórias quanto à inexistência de representação, transcrevendo aqui em parte o depoimento de F….
Não tem razão, tendo em conta o que foi afirmado por essas testemunhas, que não se circunscreve aos curtos excertos transcritos pela Recorrente, e, bem assim, o que foi também referido pelas testemunhas N…, I… e P….
O que decorre claramente de todos esses depoimentos é que a autora estabeleceu uma relação comercial com a ré (na altura "D…"), para passar a ser distribuidora exclusiva para Portugal dos lava-contentores produzidos por esta.
Como referiu a testemunha E…, "estabelecemos contactos em 1995 e iniciamos uma relação comercial para passarmos a ser distribuidores dos lava-contentores em Portugal; antes disso, a D… não vendia em Portugal; só a B… vendia … em Portugal; éramos distribuidores exclusivos; nunca vendemos outras marcas de lava-contentores". Isto mesmo reafirmou depois, a perguntas do douto mandatário da ré, esclarecendo que "não foi celebrado nenhum contrato escrito; houve negociações e um acordo de cavalheiros".
Essa e as demais testemunhas da autora confirmaram que, no âmbito desse relacionamento, o Dr. Q…, considerado dono da "D…", se deslocava regularmente a Portugal, para contactar com a autora (sendo certo que mantinha uma óptima relação pessoal com o Dr. S…, administrador da autora), chegando a visitar clientes; o mesmo acontecia com o Dr. S…, que se deslocava com frequência à sede da "D…", chegando a levar com ele responsáveis de municípios, pelo menos do … e de … (estes contactos frequentes foram também confirmados pela testemunha P…). Realizavam-se reuniões anuais entre as duas empresas, sendo igualmente frequentes os contactos em feiras. Nessas reuniões, faziam-se "previsões de vendas para esse ano", definiam-se preços e analisavam-se "sinais de concorrência".
Em consequência da relação estabelecida com a "D…", a autora "alargou o quadro de pessoal, comercial e técnico" e oficinas, "sendo ampliada a estrutura da oficina do Porto e criada a de Lisboa" (N…). A "D…" deu formação a técnicos da autora; a autora publicitava o produto da ré através de catálogos e nas feiras, tendo chegado a alugar um espaço exterior na … para demonstração do produto (só da "D…"); a "D…" dava uma tabela de preços para nós trabalharmos; nos concursos havia um ajustamento de prazos e preços com a "D…" (E…).
Na motivação de ambas as decisões de facto não foi atribuído relevo aos depoimentos das testemunhas arroladas pela ré, em razão, sobretudo, da preocupação por parte destas de deixar bem vincado que a autora era mera cliente, por não haver nenhum contrato escrito. Porém, podem retirar-se desses depoimentos elementos significativos, mormente no que respeita à relação agora mantida com o novo "representante", a "L…": esta também "não tem contrato escrito"; "é a única empresa que vende os equipamentos em Portugal" (P…); (a D…) "não vendia para outras empresas em Portugal"; "agora há uma colaboração com a L…" (F…).
Neste aspecto, mesmo que se relativize a importância dos documentos de fls. 300 e 301, face à explicação dada na resposta da ré (fls. 325), não demonstrada, aliás, quanto a esse segundo documento, deve reconhecer-se que nada obrigava a ré a declarar o que aí consta (de a autora ser a distribuidora exclusiva para Portugal dos produtos fabricados pela ré), o que de alguma forma é confirmado pelas comunicações enviadas pela ré em 14.03.2003 e 20.10.2003, ao informar, no fundo, que a autora era substituída, naquela função de distribuição, pela "L…", o que corrobora o que resulta da prova testemunhal.
Não se justifica, por conseguinte, a alteração da resposta dada ao quesito 2º.
Quesito 7º
A e Ré definiam, anualmente, os produtos que seriam objecto de distribuição, os preços de aquisição, descontos especiais, bem como condições de pagamento?
Resposta: Provado.
Quesito 8º
A A sempre respeitou as instruções da Ré, sempre a informou e esclareceu sobre as condições e evolução do mercado, nomeadamente da concorrência?
Resposta: Provado.
A Recorrente sustenta que estas respostas devem ser alteradas para "não provado", uma vez que os respectivos factos não foram confirmados pela prova produzida, pretendendo demonstrar esta afirmação com a transcrição de parte do depoimento de E….
Não tem razão, parece-nos, desde logo tendo em conta o que já acima foi referido.
Os contactos entre as duas empresas eram frequentes, como foi afirmado pela referida testemunha, por N… e I… e até pelas testemunhas arroladas pela ré.
Sobre as reuniões anuais estas duas testemunhas afirmaram não se recordar (P…) ou não saber da sua realização (F…), apesar de a primeira confirmar os encontros entre o Sr. Q… e o Sr. S…, quer em Portugal, quer em Itália.
Como foi referido, realizavam-se reuniões anuais para debater previsões de vendas, preços e concorrência; e como decorre da documentação junta aos autos a relação entre as duas empresas era muito cordial e decorreu sem qualquer problema ou percalço até à questão suscitada com o atraso de um dos fornecimentos destinados à empresa "M…" no ano de 2002.
Apesar desse bom relacionamento e das referidas reuniões, era naturalmente ao produtor que cabia um papel determinante na fixação dos preços e das condições de venda que o distribuidor do produto em Portugal teria de acatar. Daí que possa concluir-se também – o que se infere igualmente do aludido bom relacionamento, mantido durante o referido período de tempo – que as directrizes e instruções traçadas pela ré tenham sido aceites e seguidas pela autora.
Não vemos, por isso, justificação plausível para alteração destas respostas.
Quesito 11º
A A angariou clientes que antes adquiriam produtos concorrentes aos da Ré?
Resposta: Provado.
Quesito 24º
A Ré continuou e continuará a vender os seus produtos para os clientes angariados pela A?
Resposta: Provado.
A Recorrente defende que estas respostas são contrárias à prova que foi efectivamente produzida, transcrevendo parte dos depoimentos das testemunhas G… e H….
À parte os excertos transcritos, o que de essencial se retira desses depoimentos é precisamente o contrário do que a Recorrente pretende.
Na verdade, a primeira testemunha afirmou que a empresa que representa – a "M…" – "comprou à autora meia dúzia de lava-contentores «…» a partir de 1999"; "recentemente, o ano passado, adquiriu mais lava-contentores (da marca da ré) à «L…» por ser esta empresa que representa agora aquela marca"; "já era cliente da «L…»" (de outros equipamentos); agora passou a ser cliente também deste tipo de produto". Portanto, um exemplo de cliente da autora que continua a adquirir o produto da ré que era vendido pela autora.
A segunda testemunha declarou que "é a «L…» que representa agora a marca" (da ré); "é lá que nos dirigimos agora para assistência". Aqui também um exemplo de cliente da autora que continua a adquirir produtos da ré no âmbito da assistência do produto adquirido à autora.
Foi dito também pelas testemunhas que "a «D…» tinha conhecimento dos clientes da «B…» porque o pedido de fornecimento do equipamento era feito com indicação do nome do cliente"; e que, "depois da «ruptura do contrato», os clientes disseram que receberam comunicação da «L…» a informar que eram os novos representantes" (da ré) – E… e I…. A testemunha P… confirmou que "conheciam os clientes porque tinham um registo deles".
Será de recordar ainda que antes de se relacionar com a autora, "a «D…» não vendia em Portugal"; foi a autora que o passou a fazer, de modo exclusivo, de 1995 a 2003, tendo sido ela, portanto, quem angariou todos os clientes nesse período, de que a ré pode beneficiar e tem beneficiado efectivamente como ocorreu nos exemplos acima referidos.
Não existe, por isso, fundamento para alteração destas respostas.
Quesito 32º
A autora não reclamou à ré uma indemnização de clientela?
Resposta: Não provado.
A Recorrente sustenta que este facto deveria ter sido considerado provado, face à prova documental junta aos autos e uma vez que as testemunhas que arrolou confirmaram, de forma expressa e inequívoca, que tal carta não foi recebida.
No que respeita à prova testemunhal, é indiscutível que, como se afirma na motivação da decisão de facto (a segunda), é irrelevante o que foi referido por essas testemunhas, no sentido de não terem conhecimento de qualquer carta da autora a reclamar o pagamento de uma indemnização, tendo em conta que exerciam funções em local diferente daquele para onde foi enviada a carta. Por outro lado, do facto de não terem esse conhecimento não decorre necessariamente que a carta não tenha sido enviada e recebida pela ré.
Os elementos de prova apontam no sentido de que a carta foi mesmo enviada – cfr. documento de fls. 774, o registo interno da autora de fls. 777 e o talão do registo postal de fls. 778. Também a testemunha I… confirmou o envio de tal carta a reclamar a indemnização.
Porém, não está em causa saber se a carta foi enviada; o que se pergunta é se a mesma não foi enviada (conforme ampliação ordenada no anterior acórdão desta Relação em relação à qual não tem aqui cabimento qualquer consideração crítica).
Ora, tendo em conta os elementos referidos, parece-nos evidente que a resposta teria de ser negativa.
A Recorrente argumenta ainda com o facto de, na carta, "em momento algum se fazer expressa referência a uma verdadeira indemnização de clientela, apenas se referindo uma suposta compensação junto de clientes".
O argumento parte, parece-nos, de uma deficiente tradução da carta de fls. 774. Alude-se nesta a uma customers compensation, que foi traduzida por compensação junto dos clientes (fls. 775), em vez de compensação de clientes, que seria mais correcto e que, numa terminologia corrente, aponta claramente para a pretensão de ré de obter uma indemnização de clientela (compensation for goodwill).
Quesito 34º:
Sendo que tal mercadoria (quesito 20º) deixou de ter qualquer valor comercial para a Autora?
Resposta: Provado.
Insurge-se a Recorrente contra esta resposta, invocando o depoimento da testemunha I…, "clara ao reconhecer que nem toda a mercadoria deixou de ter valor comercial e que várias reparações foram ainda prestadas após o termo das relações comerciais das partes".
Porém, essas declarações desta testemunha apenas terão esse sentido se forem consideradas autonomamente, desinseridas do contexto do seu depoimento, já que, claramente, não é esse o sentido que resulta deste.
Este sentido apreendeu-o o Sr. Juiz, como deixou consignado na motivação da decisão, que se subscreve inteiramente: (…) Com a cessação das relações comerciais entre autora e ré esses serviços (de reparação e assistência) deixaram de ser efectuados, pois o respectivo mercado nacional de produtos dessa marca (…) passou a ser dominado por empresa diversa da autora (a L…). Como tal, o stock daquelas peças deixou, na prática, em termos comerciais, de poder ser escoado pela autora: quer porque esta não tem as vantagens comerciais do novo distribuidor nomeado pela ré, quer porque não se trata de produtos destinados à venda directa aos clientes (por se tratar de peças de substituição, que são usadas em reparações ou assistência). Por tais razões, não é viável a exploração comercial do escoamento desses produtos pela autora, os quais, por isso, deixaram de ter para si qualquer valor comercial (…).
A testemunha explicou bem a sua ideia ao referir que, mesmo para efectuarem as reparações, ficaram limitados por não terem todas as peças em stock; tiveram de fazer umas 4 ou 5 reparações em casos que estavam ainda dentro da garantia, chegando a adquirir peças à "L…" para concluírem o trabalho (como um cliente normal, como foi também salientado pela testemunha E…; cfr. ainda a comunicação de 20.10.2003, a fls. 302 e 728). As peças que se mantiveram em stock ficaram desprovidas de valor comercial por não poderem ser utilizadas. Eram estas que, numa avaliação efectuada em 2004, rondavam o valor de 40.000,00€.
Assim, não há também razão para alterar esta resposta.
Do que fica dito decorre que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve improceder.
3. Qualificação do contrato
Na sentença recorrida a relação comercial estabelecida entre a autora e a ré foi qualificada como um contrato de concessão comercial.
A Recorrente discorda, sustentando que os aspectos típicos deste contrato não se encontram presentes nessa relação, caracterizando-se esta, simplesmente, pela celebração de sucessivos contratos de compra e venda.
Vejamos.
Tem sido entendido que o contrato de concessão é um "contrato-quadro que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações e sujeitando-se a um certo controle e fiscalização do concedente.
Como contrato-quadro, o contrato de concessão funda uma relação de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente estabelecidos, os bens que este se obrigou a distribuir"[4].
Este contrato é assim caracterizado por três elementos essenciais:
- "alguém assume a obrigação de compra para revenda, estabelecendo-se desde logo os termos em que esses futuros negócios serão feitos" (os chamados "contratos de execução, que se inserem no quadro definido pelo primeiro e o complementam");
- "o concessionário age em seu nome e por sua conta própria, assumindo os riscos da comercialização";
- "as partes vinculam-se a outro tipo de obrigações, sendo através delas que se efectua a verdadeira integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente" – designadamente, "regras sobre a organização e instalações do cessionário, métodos de venda, publicidade, assistência a clientes, etc."[5].
Como afirma M. Helena Brito[6], "pelo contrato de concessão comercial é instituída uma relação contratual duradoura para a distribuição por uma das partes (o concessionário) de produtos adquiridos à outra parte (o concedente); as partes obrigam-se a celebrar entre si, no futuro, sucessivos contratos de compra e venda, sendo as condições de formação e o conteúdo desses contratos pré-determinados: o concedente obriga-se a vender, em determinada zona, ao concessionário e este obriga-se a comprar bens produzidos ou distribuídos pelo primeiro; o concessionário obriga-se a promover a respectiva revenda, em nome próprio, na zona e segundo as condições fixadas e deve orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato; o concedente obriga-se a fornecer ao concessionário todos os meios necessários ao exercício da sua actividade".
Acrescenta a mesma Autora que existe "uma variabilidade de grau ou de intensidade de alguns elementos caracterizadores do contrato de concessão comercial (…). Pode, de resto, algum destes elementos faltar no caso concreto, sem que o contrato em causa deixe de poder ser reconduzido ao tipo. O que interessa considerar é o contrato como um todo, na sua imagem global"[7].
Todavia, conclui, "alguns dos elementos tipificadores do contrato de concessão comercial são sempre necessários, embora não suficientes; em relação a eles não é possível considerar a maior ou menor intensidade com que se apresentam no caso concreto: (…) são eles o carácter duradouro do contrato; a compra para revenda; o objecto mediato do contrato (produtos)".
No caso, ficou provado que:
- No início de 1995, mediante acordo entre a autora e a sociedade "D…" foi iniciado um relacionamento comercial, através do qual a autora passou a ser a representante e distribuidora exclusiva dos equipamentos daquela sociedade para todo o território nacional; esse acordo manteve-se após a fusão da "D…" na sociedade ré C…, S.P.A..
- A autora passou a promover e comercializar os produtos da Ré em todo o território nacional, actuando em seu nome e por conta própria;
- Autora e ré definiam, anualmente, os produtos que seriam objecto de distribuição, os preços de aquisição, descontos especiais, bem como condições de pagamento;
- A autora sempre respeitou as instruções da ré, sempre a informou e esclareceu sobre as condições e evolução do mercado e concorrência;
- Afectou pessoal, veículos, armazéns e demais equipamentos à actividade específica de importação, armazenamento, informatização, divulgação, distribuição e venda dos equipamentos fabricados pela ré;
- Adquiriu equipamento e passou a dispor de instalações apropriadas para fornecimento e prestação de assistência dos equipamentos fabricados pela ré, nomeadamente num armazém e oficina em Lisboa;
- Gastou elevados montantes em publicidade e promoção;
- A autora continuou a exercer a sua actividade de venda e assistência dos produtos da ré até ao dia em que recebeu a carta, de 14.03.2003, que lhe comunicava que qualquer pedido de máquinas e acessórios, bem como a compra de peças e equipamentos, deveria ser realizado por intermédio da sociedade "L…".
Perante esta factualidade não parece que possam suscitar-se dúvidas de que entre a autora e a ré foi celebrado e mantido em execução, durante cerca de oito anos, um contrato de concessão comercial.
A autora, actuando como comerciante independente e autónomo, em seu nome e por conta própria, passou a promover e comercializar os produtos da ré em Portugal, com exclusividade, estando assim presentes os elementos essenciais tipificadores desse contrato: uma relação de colaboração estável e duradoura que se traduziu na celebração de sucessivos contratos de compra e venda, mediante os quais a autora adquiria à ré, para revenda, produtos fabricados por esta.
Para além desses elementos essenciais, os factos revelam também que a relação estabelecida não se cingia à celebração de simples contratos de compra e venda, como pretende a Recorrente.
Autora e ré trocavam regularmente informações sobre as condições do mercado e concorrência, acordavam para cada ano sobre preços de venda e condições de pagamento; a autora acatava as instruções da ré. A autora teve de adaptar a sua organização, afectando pessoal, equipamento e instalações (incluindo armazém e oficinas em Lisboa), quer à actividade de importação e venda dos equipamentos da ré, quer à prestação de assistência pós-venda a esses equipamentos. Saliente-se que esta assistência implicava a aquisição à ré de peças e componentes dos equipamentos e era imprescindível para o sucesso das vendas desses equipamentos.
Estes elementos reflectem, parece-nos, a integração da autora na rede de distribuição da ré: a colaboração regular entre as duas empresas no que toca a aspectos essenciais respeitantes à actividade de distribuição dos equipamentos (preços, condições de venda, situação do mercado, etc), a promoção e publicidade desses equipamentos levada a cabo pela autora, a afectação de quadros da autora àquela actividade e a criação por esta de instalações específicas para essa mesma actividade[8].
A integração na rede de distribuição da ré significa uma ligação funcional aos serviços desta tendo em vista a distribuição dos bens por esta produzidos; neste sentido, a integração parece clara.
Os factos referidos não evidenciam que fosse exercido pela ré qualquer controlo sobre a actividade da autora (sobre a actividade em si, o que não impede, pelo resultado desta, que pudesse existir controlo da fase de distribuição). Todavia, mesmo a admitir-se essa falta, ela não será determinante, uma vez que, como se afirmou, pode ocorrer uma variabilidade de grau, de intensidade ou mesmo a falta, de algum dos elementos do contrato. Interessa é a imagem global que resulta do contrato e ela é, parece-nos indiscutivelmente, pelos demais elementos, estrutura e objecto, a de concessão comercial.
4. Regime jurídico
Antes de abordarmos as demais questões suscitadas no recurso, importa fazer referência ao regime jurídico aplicável ao contrato de concessão comercial.
Este contrato não beneficia de um regime jurídico próprio, sendo assim um contrato legalmente atípico.
Dos contratos de distribuição apenas o contrato de agência tem regulamentação própria, estabelecida no DL 178/86, de 3/7, alterado pelo DL 118/93, de 13/4[9].
Mas, logo no preâmbulo daquele diploma, depois de se aludir à distinção de outras figuras, afirma-se que "relativamente a este último (concessão), detecta-se no direito comparado uma certa tendência para o manter como contrato atípico, ao mesmo tempo que se vem pondo em relevo a necessidade de se lhe aplicar, por analogia – quando e na medida em que ela se verifique – o regime da agência, sobretudo em matéria de cessação do contrato".
Neste sentido, A. Menezes Cordeiro sublinha que a agência pode ser considerada como a "figura-matriz dos contratos de distribuição", isto é, como "figura exemplar"; "muitas das suas regras são princípios gerais que enformam todos os contratos de distribuição"[10].
Porém, a aplicação das normas do contrato de agência ao contrato de concessão não é, como adverte A. Pinto Monteiro[11], automática: "será necessário averiguar, em cada caso, se a norma que se pretende aplicar permite uma aplicabilidade analógica, o que implica ponderar se a sua ratio se adequa a um concessionário".
Assim, perante um contrato de concessão, haverá que atender, em primeiro lugar, às cláusulas livremente estipuladas pelas partes. Trata-se, com efeito, de um contrato assente na autonomia privada, resultando o seu regime, desde logo, da disciplina fixada pelos próprios contraentes, nas cláusulas estipuladas, desde que lícitas (art. 405º nº 1 do CC).
Serão também atendíveis, evidentemente, as regras legais gerais pertinentes sobre o negócio jurídico (formação, capacidade, objecto, etc.) e regime das cláusulas contratuais gerais[12]; também as regras de defesa da concorrência.
Relativamente às questões que as partes não tenham previsto, deve admitir-se, nos termos acima referidos, o recurso à analogia com o regime legal do contrato de agência[13].
5. Denúncia do contrato
A denúncia constitui "uma forma típica de fazer cessar relações duradouras por tempo indeterminado. Qualquer das partes, livre e discricionariamente – ad libitum ou ad nutum – através de uma declaração unilateral receptícia dirigida à outra parte, pode fazer cessar o contrato. É um direito potestativo de que goza"[14].
"É aqui entendida como forma de cessação privativa dos contratos celebrados por tempo indeterminado e não como meio de impedir a prorrogação ou renovação de um contrato celebrado por tempo determinado"[15].
A denúncia encontra-se prevista no art. 28º (aplicável, em princípio, nos termos acima indicados), que a sujeita, porém, a uma condição: tem de ser respeitado um período de pré-aviso, devendo ser comunicada à outra parte com determinada antecedência mínima.
Importa notar, porém, que nesse preceito legal se fixam períodos mínimos de pré-aviso que não devem ser aplicados ao contrato de concessão[16]: por serem demasiado curtos, tendo em conta que o concessionário faz investimentos consideráveis (muito superiores àqueles que são exigidos ao agente) e adquire a propriedade das mercadorias vendidas. Portanto, quanto menor for a duração do contrato, menos possibilidade tem de recuperar o seu investimento e de escoar as mercadorias.
Assim, no contrato de concessão, não tendo sido convencionado pré-aviso, deve ser exigida para a denúncia uma antecedência mínima razoável, apurada face às circunstâncias do caso, considerando especialmente a necessidade de amortização do investimento realizado pelo concessionário.
Não sendo respeitado o pré-aviso, a denúncia é ilícita, incorrendo o denunciante em responsabilidade contratual, ficando obrigado a indemnizar a outra parte pelos danos que resultarem da falta ou insuficiência de pré-aviso.
No caso, com fundamento na carta enviada pela ré em 14.03.2003, considerou-se na sentença recorrida que foi efectuada pela ré a denúncia do contrato de concessão celerado com a autora.
Nessa carta, a ré comunicou à A que, a partir daquela data, qualquer pedido de máquinas e acessórios, bem como a compra de peças e equipamentos, deveria ser realizado por intermédio da sociedade L…, Lda., com sede na …, …, Portugal (supra al. D)).
Tendo em atenção o teor desta comunicação, a conclusão da sentença parece, na verdade, indiscutível, uma vez que aquela tem implícita uma ruptura unilateral da relação contratual, estabelecida por tempo indeterminado, sem indicação de qualquer fundamento, obstando a que a autora, a partir daí, adquirisse equipamentos à ré para revenda e, bem assim, peças indispensáveis à prestação de assistência aos clientes; daí decorre também que, por decisão da ré, a autora havia sido substituída por outra empresa nas funções de distribuição em Portugal dos produtos da ré.
A ré discorda do assim decidido, sustentando que o contrato existente não foi denunciado, mas antes resolvido, dado o incumprimento pela autora de um dos contratos de compra e venda celebrado com a ré.
Não tem razão.
A resolução consiste na "destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato"[17].
Carece, pois, de um fundamento[18]; pode ser feita por declaração à outra parte (art. 436º do CC) e, assim, extrajudicialmente; opera imediatamente, logo que recebida a declaração resolutiva.
O art. 30º estabelece dois fundamentos de resolução:
a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.
b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
Ora, na comunicação feita pela ré não foi indicado qualquer fundamento de resolução.
Invoca agora, apenas no recurso[19], como fundamento de resolução, o incumprimento pela autora de um contrato de compra e venda celebrado em 2002, por não ter sido pago parte do preço dos bens fornecidos pela ré.
Decorre dos factos das als. E) e F) que de um total de € 66.661,53, a autora apenas pagou efectivamente a quantia de € 42.944,94.
Todavia, também se provou que a autora emitiu duas notas de débito no valor de € 3.740,98 e € 19.975,61, correspondentes a penalidades aplicadas pelos clientes (Câmara Municipal … e M…) pelo atraso na entrega dos equipamentos – facto da al. G).
Apurou-se ainda que a ré reconheceu, perante a A, o seu atraso na entrega de equipamento encomendado, aceitando essas notas de débito emitidas pela A., correspondentes às penalidades aplicadas pelos seus clientes pelo atraso na entrega de equipamentos; e que o mesmo foi da sua responsabilidade – supra al. MM).
Não se vê, por isso, que haja incumprimento da autora no que toca ao aludido contrato, por virtude da compensação dos recíprocos débitos (parte do preço e montante das notas de débito).
Aliás, isso mesmo foi reconhecido na sentença recorrida ao julgar improcedente a excepção de compensação (inicialmente sob a forma de reconvenção) do aludido crédito da ré com o montante peticionado na acção, por se considerar que esse crédito já se encontrava extinto (por compensação, nos termos referidos, com os montantes das notas de débito). Decisão que não mereceu qualquer impugnação da ré.
A resolução invocada careceria, pois, de fundamento.
Diga-se, de resto, que a interpelação feita pela ré para que a autora pagasse a parte do preço em falta, faria duvidar que o alegado incumprimento parcial fosse o fundamento da pretendida resolução. É que essa interpelação é posterior à carta de 14/03/2003 – cfr. al. H) – contrariando a ordem que seria lógica e normal (interpelação para pagamento e posterior resolução).
Por outro lado, mesmo que se entendesse que a aludida comunicação constituía uma declaração de resolução, a falta de fundamento para esta, levaria a equipará-la a uma denúncia sem aviso prévio[20].
Assim, por esta via ou de modo directo, como se decidiu na sentença e parece mais correcto, estamos perante uma denúncia do contrato de concessão comercial celebrado entre a autora e a ré, sem qualquer pré-aviso.
Na sentença foi considerado que a denúncia efectuada pela ré deveria ter respeitado uma antecedência mínima de três meses, nos termos do art. 28º nº 1 al. c), tendo a ré sido condenada a indemnizar os danos sofridos pela autora com a falta de aviso prévio.
Aquele prazo é, em princípio, excessivamente curto, pelas razões que acima se expuseram: por se tratar de um contrato de concessão comercial, que exige normalmente ao concessionário investimentos consideráveis, como se provou no caso (instalações, equipamentos, stocks, etc.).
Neste ponto, porém, a sentença não sofreu impugnação, designadamente da autora (que havia, aliás, invocado na p.i. a falta desse aviso prévio de três meses), nada havendo, por isso, a acrescentar.
6. Retoma de stocks
Cessado o contrato de concessão comercial põe-se frequentemente este problema do destino a dar aos bens que o concessionário adquiriu ao concedente e que ainda não revendeu.
À partida, nada estando previsto no contrato, o concessionário deveria assumir esse prejuízo por ser seu o risco da comercialização. Porém, essa solução não parece aceitável, designadamente, se a cessação do contrato ocorreu por facto imputável ao concedente, não permitindo o escoamento normal das existências.
Na verdade, se estas se situarem em nível razoável, fruto de uma gestão equilibrada e prudente, no pressuposto da continuação da relação contratual, parece justificar-se que recaia sobre o concedente a obrigação de retoma dos bens, pelo preço por que foram adquiridos pelo concessionário[21].
Na falta de estipulação das partes, o suporte jurídico desta solução pode assentar quer no disposto no art. 239º do CC, quer na existência de um dever pós-contratual resultante da cláusula geral da boa fé consagrada no art. 762º nº 2 do mesmo diploma[22].
No primeiro caso, a declaração negocial deveria ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, corrigida segundo os ditames da boa fé, no sentido daquilo que "devem querer agora e não o que deveriam ter querido".
A segunda solução decorre da existência de "deveres acessórios de conduta que, sendo impostos pela lei no decurso do contrato (art. 762º) e mesmo antes dele (art. 227º), podem igualmente, em virtude das razões de materialidade e confiança que lhes subjazem, ser impostos após a extinção da prestação principal"[23]. Interessa então "apurar se, à luz de critérios de moralidade e colaboração, na consideração da situação das partes, o dever se impõe ou não, depois da extinção do dever principal e tendo em conta o tipo de contrato em causa"[24].
Pois bem, no caso, ficou provado que:
- A autora prestava assistência aos equipamentos por ela revendidos fabricados pela ré;
- Continuou a exercer essa actividade até ao dia em que recebeu a carta enviada pela ré em 14.03.2003;
- Possui nos seus armazéns produtos da ré que, a preço de aquisição, ascendem a 40.155,95 €;
- A autora deixou de ter condições para promover ou vender os produtos referidos, que deixaram de ter qualquer valor comercial para si.
Os referidos bens que a autora tem em stock destinavam-se, pois, à referida actividade de assistência pós-venda aos equipamentos adquiridos à ré e revendidos pela autora. No fundo, como foi referido em julgamento, trata-se de peças de desgaste frequente e que seria impensável que a autora não "tivesse à mão" para proceder, com a brevidade exigível, a reparações solicitadas por clientes. Peças que deixaram de ter utilidade para a autora quando esta cessou a sua actividade de distribuidora dos bens da ré e viu os seus clientes encaminhados para a nova representante.
É óbvio que a aquisição dessas peças foi feita no pressuposto da continuação da relação contratual mantida com a ré; e que a falta de valor e de utilidade que esses bens têm para a autora se ficou a dever exclusivamente à cessação unilateral dessa relação.
O contrato que unia a autora e a ré foi celebrado por tempo indeterminado e perdurava já há substancial lapso de tempo. A relação assim mantida, como é próprio da natureza destes contratos, caracterizava-se por uma colaboração permanente e estável assente numa base de lealdade e confiança recíprocas. Era, pois, natural e legítimo que a autora gizasse a sua actuação e estratégia comercial no pressuposto de que essa relação se iria manter.
Todavia, essa situação estável de colaboração e cooperação foi interrompida abrupta e unilateralmente pela ré sem qualquer informação ou aviso prévios, impedindo a autora de se ajustar e de gerir eficazmente as existências em stock.
Neste condicionalismo, a solução a adoptar, por qualquer das vias apontadas, não pode deixar de ser a de impor ao concedente a obrigação de retoma dos referidos bens, readquirindo-os ao concessionário pelo preço que lhos vendeu. Por ser esse o caminho a que, face às referidas circunstâncias, conduz a vontade hipotética quer da autora, quer da ré (a desta, corrigida segundo a boa fé, nos termos acima indicados); por essa obrigação se impor à concedente, tendo em atenção a natureza da relação mantida entre as partes, o seu carácter duradouro, a colaboração e confiança em que assentava, com os inerentes deveres de cooperação, de aviso e de informação que a ré claramente postergou ao denunciar o contrato nos termos em que o fez.
O decidido não merece, pois, neste ponto, qualquer censura.
7. Indemnização de clientela
7.1. Esta indemnização é devida ao agente, após a cessação do contrato, como se prevê no art. 33º.
Não se trata de uma verdadeira indemnização, desde logo porque não visa reparar danos, mas antes de uma compensação devida ao agente, após ter cessado o contrato – seja por que forma for, desde que não imputável ao agente (art. 33º nº 3) – como contrapartida dos benefícios que o principal vai auferir com a clientela angariada (ou aumentada) por aquele.
"É como que uma compensação pela «mais-valia» que o agente proporciona ao principal, graças à actividade desenvolvida pelo primeiro, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência. (…) O que conta são os benefícios proporcionados pelo agente à outra parte, benefícios esses que, na vigência do contrato, eram de proveito comum e que, após o seu termo, irão aproveitar apenas, unilateralmente, ao principal"[25].
Questão controvertida é a possibilidade de aplicação, por analogia, da indemnização de clientela ao contrato de concessão.
A doutrina é francamente favorável a essa aplicação.
Desde logo, com uma posição mais aberta, afirma A. Menezes Cordeiro ser segura a aplicação da norma atinente a tal indemnização ao contrato de concessão[26].
Por seu turno, L. Menezes Leitão defende que a situação do concessionário no momento da denúncia do contrato é tão merecedora da atribuição da indemnização de clientela como a do agente, desde que se verifique o pressuposto da obrigação de transmissão do círculo de clientes ao concedente e este adquira benefícios dessa transmissão[27].
A. Pinto Monteiro[28] pronuncia-se nos termos a que já acima fizemos referência, ao abordarmos o regime jurídico do contrato de concessão: a indemnização de clientela será aplicável também aos concessionários sempre que a analogia com o contrato de agência se verifique.
O que importa começar por averiguar é se, "em cada caso concreto, o concessionário, pese embora juridicamente actue por conta própria, desempenhou funções, cumpriu tarefas e prestou serviços semelhantes aos de um agente, em termos de ele próprio dever considerar-se, pela actividade que exerceu, como um relevante factor de atracção de clientela".
A realidade pode demonstrar, com efeito, a existência de uma clientela especialmente ligada à pessoa ou aos serviços do concessionário, dependendo o sucesso da empresa em grande medida da sua atitude empenhada e capaz, que pode desempenhar papel essencial na angariação da clientela.
Depois, será necessário que, cessado o contrato, o concedente venha a beneficiar dessa clientela, que esta seja transferida efectivamente para ele ou para outro concessionário dele[29].
No que respeita ao regime:
A indemnização de clientela depende de um facto essencial: a cessação do contrato – art. 33º nº 1.
O franquiado tem o prazo de um ano para comunicar que pretende receber essa indemnização, devendo a acção judicial ser proposta no prazo de um ano a contar dessa comunicação – art. 33º nº 4[30].
A indemnização depende ainda de requisitos positivos cumulativos a provar pelo agente (concessionário) – nº 1 a), b) e c).
Assim é necessário que:
a) O agente (concessionário) tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela existente.
b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente (concessionário).
Aqui importa que, no momento da cessação do contrato, seja provável e previsível que o concedente venha a beneficiar da actividade e que continue a poder usufruir dela (não cessando a actividade por. ex.)[31].
c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).
A formulação deste requisito, ao aludir a retribuição, apenas se ajusta directamente à agência. O concessionário não perde uma remuneração específica em relação aos seus clientes, às plúrimas vendas que realize, mas antes a margem de lucro obtida nesta actividade. Lucro que deixa de ser auferido pelo concessionário se transferir a clientela para o concedente.
Como requisito negativo, que obsta ao pagamento da indemnização e cuja prova incumbe ao concedente, prevê-se no art. 33º nº 3, primeira parte:
- Se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao franquiado.
Estão aqui compreendidos os casos de resolução do contrato por incumprimento do concessionário e de denúncia ou oposição à prorrogação do contrato pelo concessionário.
No que respeita à quantificação da indemnização, estabelece o art. 34º que esta é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual da remunerações recebidas pelo agente durante os últimos cinco anos.
Já há pouco referimos que o concessionário não aufere uma retribuição específica, mas antes uma margem de lucro com as vendas.
Uma via possível será equiparar as comissões do agente aos lucros do concessionário. Portanto, para efeito de cálculo da indemnização de clientela, deve ser atendida a margem de lucro obtida pelo concessionário na revenda dos produtos[32]. Temperada pela equidade se se verificar que os lucros do concessionário são demasiado elevados[33].
7.2. Visto o regime jurídico aplicável, é altura de analisarmos as questões postas no recurso.
Recorde-se que a Recorrente sustenta que a autora não tem direito a indemnização de clientela, por estas razões:
- Não existe analogia com o contrato de agência;
- Não se verificam os requisitos positivos (cumulativos) previstos no art. 33º nº 1 a), b) e c);
- Verifica-se, pelo contrário, o requisito negativo, previsto no art. 33º nº 3, por a cessação do contrato ser imputável à autora;
- Caducidade do direito peticionado, que é de conhecimento oficioso;
- Não são devidos juros de mora.
a) No que respeita à analogia e requisitos da indemnização de clientela:
Para além de afirmar que entre as partes não foi celebrado um contrato de concessão comercial – questão já acima decidida – a Recorrente defende que não existe fundamento para aplicação analógica do regime da agência, por não se verificar a integração da autora na rede de distribuição da ré e por esta não ter efectivo acesso à clientela angariada pela autora.
Vejamos.
No contrato de agência, constitui obrigação fundamental do agente promover a celebração de contratos (art. 1º), prosseguindo os interesses do principal e zelando pela defesa dos interesses deste (art. 6º); entre as obrigações típicas do agente contam-se, designadamente, as de respeitar as instruções do principal, fornecer-lhe as informações que este lhe pedir e esclarecer o principal sobre a situação do mercado (art. 6º). Tudo isto no âmbito de uma relação estável de colaboração entre as partes.
Ora, no caso, como acima se afirmou, a relação estabelecida entre a autora e a ré caracterizava-se por uma colaboração regular entre as duas empresas no que toca a aspectos essenciais respeitantes à actividade de distribuição dos equipamentos (preços, condições de venda, situação do mercado, etc); a autora sempre respeitou as instruções da ré, fornecendo-lhe informações sobre as condições e evolução do mercado; publicitava e promovia a venda dos equipamentos, afectou quadros àquela actividade e apetrechou-se de instalações específicas para tal actividade.
É certo que a autora actuava como comerciante independente e por conta própria, mas não há dúvida de que, ao fazê-lo, prosseguia interesses também da ré.
Pode, pois, dizer-se que "no plano interno, do plano das suas relações com a ré, a autora actuou de modo semelhante ao de um agente e cumpriu a mesma função económico-social deste"[34].
Por outro lado, importa notar que:
- Até à data em que se iniciou a relação comercial entre a autora e a ré, nunca esta tinha tido qualquer representação em Portugal, nem os seus produtos estavam divulgados no mercado português – als N) e O);
- Foi a autora quem passou a promover os produtos da ré, angariando clientes que antes adquiriam produtos concorrentes, gastando elevados montantes em promoção e publicidade – als. P), U) e V);
- A carteira de clientes foi crescendo anualmente, a ponto de a ré reconhecer a autora como a sua melhor representante e distribuidora – als. X) e Z);
- A ré continuou e continuará a vender os seus produtos aos clientes angariados pela autora – al. HH)
Estes factos revelam que a autora, com a sua referida actuação, se constituiu como importante factor de atracção de clientela; aliás, durante o período por que perdurou a relação comercial com a ré, tem de considerar-se que foi o único factor de atracção de clientela, por ser a autora quem, naquele período, de modo exclusivo, iniciou, divulgou e promoveu a venda em Portugal dos equipamentos produzidos pela ré.
Assim, face à actividade prosseguida pela autora, não temos dúvidas em equipará-la a um agente para o efeito de ser aplicado analogicamente o regime do contrato de agência, no que respeita à indemnização de clientela.
Por outro lado, os factos referidos revelam claramente a verificação dos requisitos positivos, cumulativos, de que depende a atribuição da referida indemnização. O caso assemelha-se, aliás, à hipótese referida por L. Menezes Leitão, "de muitas vezes, ser o concessionário que procede à angariação da clientela desde o início e, após a extinção do contrato, o concedente mantém normalmente essa clientela, que é assim perdida por aquele concessionário, que se vê forçado a reconverter o seu negócio, obtendo novas concessões ou a modificar a sua actividade"[35].
Já se disse que foi a autora quem angariou toda a clientela dos produtos da ré em Portugal, até ao termo do contrato, clientela de que a ré beneficiou e vai continuar a beneficiar, vendendo os seus produtos, através de outro distribuidor.
Parece evidente, por outro lado, o benefício considerável que daí advém para a ré: esta não recomeçou do nada, aproveitando a rede de clientes angariada e montada pela autora.
É certo também que, com a cessação do contrato, a autora deixou de revender os referidos produtos, não podendo sequer, como acima se salientou, aproveitar as existências de peças que tinha em stock.
Como obstáculo à atribuição de indemnização de clientela à autora, alega a Recorrente que houve justa causa de resolução do contrato, consubstanciada no grave incumprimento da obrigação contratual por parte daquela. A cessação do contrato seria assim imputável à autora, pelo que aquela indemnização não seria devida – art. 33º nº 3.
Importa, porém, recordar o que acima foi referido sobre a causa da cessação do contrato, tendo-se concluído que não havia fundamento para a resolução invocada pela ré; do que tratou foi de denúncia por esta do contrato que havia celebrado com a autora.
Não ocorre, por isso, o obstáculo invocado a que seja concedida à autora a indemnização de clientela.
b) Caducidade
Para este efeito, alegou a Recorrente que a autora não comunicou à ré, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, a pretensão de receber a indemnização de clientela, acrescentando que esta questão é de conhecimento oficioso, por estar em causa um direito indisponível.
Não tem razão.
Na primeira sentença proferida nestes autos afirmou-se que o facto alegado no art. 59º da p.i. (a autora reclamou à ré, mediante comunicação escrita, uma indemnização de clientela) não foi impugnado, tendo de se ter por assente, não relevando a circunstância de não ter sido indicada data para tal reclamação, tendo em conta o disposto no art. 343º nº 2 do CC.
No anterior Acórdão desta Relação entendeu-se que o referido facto tinha sido impugnado pela ré, pelo que deveria ter sido considerado controvertido.
No art. 65º da contestação, a ré alegou que "No que se refere aos arts. arts 41º a 93º da p.i. são totalmente incompreensíveis e, neste sentido, são aqui impugnados". (sublinhado nosso). Em nenhum outro ponto a ré se referiu à comunicação alegada pela autora.
Ora, a alegação da ré não parece pôr verdadeiramente em causa o mencionado facto alegado pela autora, uma vez que, ao invés do que a ré afirma, esse facto é perfeitamente claro e compreensível.
Daí que se pudesse entender que o facto deveria ser considerado provado na sentença (art. 659º nº 3 do CPC).
Reservas merece também a conclusão a que se chegou sobre o ónus da prova, afigurando-se-nos correcto o raciocínio que decorre da sentença (incumbiria à ré a demonstração de que a comunicação foi feita para além do prazo respectivo).
A este respeito, a Recorrente argumenta com as datas das comunicações remetidas pelas partes, concluindo que não foi observado o prazo de um ano naquela em que a autora peticiona a indemnização. Curioso é que atende à data da recepção da comunicação da autora (que alega ser 16.03.2004) e à data de expedição da carta em que ela comunicou a denúncia (14.03.2003).
Todavia, como acima referimos, a declaração de denúncia constitui também uma declaração receptícia, que se tornou eficaz com o recebimento pela autora, não estando provada a data em que este facto ocorreu (apesar de, perante os documentos juntos, a data poder ser posterior a 16/3 – cfr. fls. 779 e 780).
Prova que, como se disse, incumbiria à ré efectuar para demonstrar a excepção.
Como quer que seja, o certo é que a ré não invocou na contestação a excepção de caducidade, tendo ficado precludida a possibilidade de o fazer posteriormente – art. 489º nº 1 do CPC.
Só assim não seria se se tratasse de questão de conhecimento oficioso (nº 2 do mesmo preceito legal), o que não é o caso.
Com efeito, uma vez adquirido, com a cessação do contrato, o direito de indemnização de clientela é um direito disponível, pelo que, nos termos do art. 333º nº 2 do CC, a caducidade não é de conhecimento oficioso[36].
A Recorrente sustenta o contrário, afirmando que estamos perante um direito verdadeiramente indisponível, uma vez que é nula qualquer renúncia antecipada à indemnização de clientela.
É realmente assim; só que, no caso, não estamos perante uma renúncia antecipada da indemnização de clientela.
Na verdade, o art. 19º da Directiva do Conselho nº 86/653/CEE, de 18.12.86, dispõe que as partes não podem, antes da cessação do contrato, derrogar o disposto nos artigos 17º e 18º em prejuízo do agente comercial (no art. 17º encontra-se prevista a indemnização de clientela). É esse também o regime que decorre do disposto no art. 809º do CC[37].
Porém, como afirma Carolina Cunha[38], "o carácter de ius cogens dos preceitos referidos (arts. 33º e 34º) só impõe a impossibilidade de uma renúncia antecipada, ou seja, de uma renúncia anterior à cessação do contrato, que marca o momento da aquisição do direito de clientela. É apenas até esse instante que se poderá fazer sentir sobre a decisão abdicativa do agente o efeito negativo da assimetria ou disparidade pressuposta e combatida através da imperatividade da norma. Uma vez cessado o contrato, o agente «retoma» a plena autodeterminação que lhe havia sido preventivamente subtraída: poderá não só deixar escoar o prazo imposto pelo art. 33º nº 4, para o exercício do direito à indemnização de clientela (o que determina a sua extinção por caducidade) como poderá acordar livremente com o principal o montante a receber a título de indemnização de clientela"[39].
Por conseguinte, não se tratando de uma renúncia antecipada, o direito peticionado de indemnização não é indisponível, não sendo a caducidade de conhecimento oficioso.
A decisão recorrida não merece, pois, censura também nesta parte.
c) Juros de mora
No que toca à indemnização de clientela, a última questão posta no recurso respeita a juros de mora, defendendo a Recorrente que estes só são devidos a partir da data da eventual decisão final condenatória. Nas alegações esclarece que se trata da data do trânsito dessa decisão.
Aqui, parece-nos que a Recorrente tem razão, pelo menos em parte.
Nos termos do art. 805º nº 1 do CC, o devedor só fica constituído em mora, depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
Estamos no domínio da responsabilidade contratual, dispondo ainda o nº 3 do mesmo artigo que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
Poder-se-ia defender que a comunicação a que a autora estava obrigada (art. 33º nº 3) poderia valer como interpelação para pagamento, podendo aquela reclamar juros desde essa data[40].
Deve notar-se, porém, que o simples facto de o credor pedir uma quantia certa não significa que a dívida se torne líquida; sendo controvertido o montante, este só se tornará líquido com a decisão que o fixe.
No caso, a autora reclamou uma determinada quantia a título de indemnização de clientela, que a sentença fixou, por sinal em montante inferior. Nessa fixação, a lei impõe designadamente o recurso à analogia, pelo que não seria possível à autora a liquidação anterior, permitindo, ao mesmo tempo, afastar a possibilidade de imputar à ré a falta de liquidez.
Não estando em causa no recurso o montante da indemnização, os juros de mora são assim devidos desde a data da decisão que o liquidou e fixou, isto é, desde a data da decisão recorrida[41].
Neste ponto, a sentença recorrida deve ser alterada.
8. Litigância de má fé
A insurge-se contra a sua condenação como litigante de má fé, afirmando que não alterou conscientemente a verdade dos factos, limitando-se, no fundo, a discordar da qualificação jurídica acolhida na sentença recorrida.
Não tem razão.
Na sentença recorrida alude-se aos factos dos quesitos 2º e 16º, que a ré havia impugnado e que se vieram a provar; mas pode-se dizer que em idêntica situação se encontram todos os demais factos controvertidos que serviram para qualificar a relação estabelecida entre as partes (quesitos 4º a 11º e 14º).
Factos que contrariam patentemente a alegação da ré, sintetizada nestes termos: nunca houve representação da ré, nem promoção dos produtos da ré, nem angariação de clientes para a ré, nem concertação de estratégia entre as partes, nem descontos especiais, nem qualquer cessação do contrato – art. 54º da contestação.
Não se tratou obviamente de mera discordância de qualificação jurídica; mas de impugnação de factos, que a ré não podia desconhecer, imprescindíveis para essa qualificação e, assim, para a decisão de mérito.
Daí que, sem necessidade de outras considerações, se entenda que a situação é subsumível na previsão do art. 456º nº 2, b) do CPC, não merecendo a sentença, neste ponto, qualquer censura.
Por fim, a Recorrente refere-se, mais uma vez, à sua condenação como litigante de má fé no pagamento de uma indemnização à parte contrária.
Já nos referimos, no início da fundamentação da presente decisão, a esta questão, tendo concluído que a decisão não pode manter-se nesse ponto.
Daí que nada haja a acrescentar.
V
Em face do exposto, julga-se a apelação em parte procedente, revogando-se a sentença recorrida no que respeita ao início dos juros de mora sobre a indemnização de clientela, juros esses que devem ser contados apenas desde a data da sentença (15.09.2010) e quanto à indemnização por litigância de má fé, mantendo-se o mais decidido.
Custas nesta instância a cargo da autora e da ré, na proporção de 1/5 e 4/5, respectivamente.
Porto, 30 de Junho de 2011
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Leonel Gentil Marado Serôdio
__________________
[1] Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, 311.
[2] Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, 33; Acórdãos do STJ de 16.03.89, BMJ 385-552, de 13.03.97, BMJ 465-477, de 10.11.99, AD 464-1172, e de 09.10.2003, CJ STJ XI, 3, 93
[3] Nos Acórdãos citados de 10.11.99 e de 13.03.97 apreciaram-se casos idênticos, de anulação da decisão anterior.
[4] A. Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, 108; também, do mesmo Autor, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, 39 e segs e Contrato de Agência, 5ª ed., 56 e segs.; cfr. ainda M. Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 179 e segs e 197 e segs, J. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 446 e A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I, 509 e segs. Na jurisprudência, cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 4.5.93, BMJ 427-524, de 22.11.95, BMJ 451-445, de 5.6.97, BMJ 468-428, de 10.5.2001, CJ STJ IX, 2, 62 e de 21.04.2005, de 29.06.2006, de 10.10.2006, de 13.09.2007, de 10.12.2009, de 13.04.2010, de 04.11.2010 e de 12.05.2011, estes em www.dgsi.pt.
[5] A. Pinto Monteiro, Contratos cit, 109; também J. Engrácia Antunes, Ob. Cit., 448 e 449.
[6] Ob. Cit., 183 e 184.
[7] Neste sentido, também A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 73 e 111.
[8] Com interesse, nesta questão, o citado Acórdão do STJ de 13.09.2007.
[9] Serão deste diploma todos os preceitos legais adiante citados sem outra menção.
[10] Manual Cit., 494 e 496.
[11] Ob. Cit., 66; também em Contrato de Agência, 5ª ed., 59 e segs; no mesmo sentido, J. Engrácia Antunes, Ob. Cit., 450 e 457. Cfr. igualmente R. Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, 184 e segs.
[12] Cfr. Acórdãos da Rel. Évora de 13.12.2001, CJ XXVI, 5, 270 e da Rel. de Coimbra de 02.11.2004, CJ XXIX, 5, 7.
[13] Neste sentido, para o contrato de concessão, os citados Acórdãos do STJ de 15.04.2004, de 21.04.2005, de 13.09.2007. Cfr. também o estudo do ora relator sobre o Contrato de Franquia, em www.trp.pt.
[14] A. Pinto Monteiro, Contratos cit., 134. Cfr. também M. Helena Brito, Ob. Cit., 237.
[15] L. Pestana de Vasconcelos, O Contrato de Franquia, 2ª ed., 113.
[16] Cfr. A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 138 e o citado Acórdão do STJ de 21.04.2005.
[17] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 275.
[18] Como refere J. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, em Obra Dispersa, Vol. I, 130, "o direito de resolução é um direito potestativo extintivo, dependente de um fundamento".
[19] Na contestação – de forma mais coerente para quem afirma que não existia um contrato de distribuição, mas meros contratos de compra e venda sucessivos – a ré alegou que não houve cessação do contrato e que não fazia sentido falar de pré-aviso.
[20] Neste sentido, A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 147. Também o Acórdão da Rel. de Lisboa de 10.12.2009, em www.dgsi.pt. Para tal, será de considerar que, nos contratos por tempo indeterminado, a parte que resolveu o contrato, sempre poderia denunciá-lo, não carecendo para isso de fundamento; por outro lado, essa declaração de resolução pode ser equiparada a uma declaração peremptória de não cumprimento, que tem sido pacificamente entendida como equivalente a um não cumprimento definitivo (sobre este ponto, entre outros, Antunes Varela, Ob. Cit., 92 e L. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 228).
[21] Cfr. L. Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 142; A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 170; M. Helena Brito, Ob. Cit., 242 e os Acórdãos da Rel. do Porto de 09.12.2004 (www.dgsi.pt), da Rel. de Coimbra de 25.01.2005 (CJ XXX, 1, 11) e da Rel. de Lisboa de 07.03.2009 (CJ XXXIV, 2, 83).
[22] Cfr. L. Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 144. Pode sustentar-se que as compras feitas pelo concessionário foram concluídas sob condição resolutiva; "isto é, a cessação do contrato de distribuição seria o evento que determinaria a resolução dessa compra, com a consequência de cada parte ter de restituir o que recebeu" - A. Pinto Monteiro, Ibidem.
[23] L. Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 146 (nota 402)
[24] A. Menezes Cordeiro, Da pós-eficácia das obrigações, em Estudos de Direito Civil, I, 185.
[25] A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 150.; no mesmo sentido, L. Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 125.
[26] Ob. Cit., 514; também em Do contrato de concessão comercial, ROA, 2000, ano 60, Vol. II, 612. No citado Acórdão do STJ de 13.09.2007, não se faz depender a indemnização de clientela de outros pressupostos, que não os específicos da própria figura.
[27] A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência, 84 e 85.
[28] Ob. Cit., 163 e segs..
[29] Acolhem esta posição, entre outros, os Acórdãos do STJ de 21.04.2005, de 10.12.2009 e de 04.11.2010, em www.dgsi.pt. Também R. Pinto Duarte, Ob. Cit., 184 e segs., apesar de concluir que os pressupostos para aplicação da indemnização de clientela (explicitados por Pinto Monteiro), por regra não se verificarão nos casos de contratos de concessão.
[30] Cfr. o citado Acórdão do STJ de 21.04.2005.
[31] "Num juízo de prognose – mediante realização de uma projecção com suporte nos factos provados – sobre vantagens "consideráveis" susceptíveis de serem auferidas após a cessação do contrato" – Acórdão do STJ de 07.03.2006, em www.dgsi.pt.
[32] L. Menezes Leitão, Ob. Cit., 85 e o Acórdão do STJ de 15.11.2007, em www.dgsi.pt. Embora para o contrato de franquia, cfr. também Elsa V. Sequeira, Contrato de franquia e indemnização de clientela, em Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, 485.
[33] Neste sentido, Elsa V. Sequeira, Ibidem.
[34] A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 66.
[35] Ob. Cit., 85.
[36] Neste sentido, Carolina Cunha, A Indemnização de Clientela do Agente Comercial, 346.
[37] Cfr., neste sentido, Carolina Cunha, Ob. Cit., 347, A. Pinto Monteiro, Ob. Cit., 155 e os Acórdãos do STJ de 15.11.2007, de 05.03.2009 e de 12.05.2011, em www.dgsi.pt.
[38] Ob. Cit., 349.
[39] Neste último ponto, também A. Pinto Monteiro, Ibidem.
[40] Cfr. L. Menezes Leitão, Ob. Cit., 71.
[41] Pensa-se ser esta a jurisprudência predominante do STJ, como se vê pelos Acórdãos de 25.09.2003, 31.03.2004, 27.05.2004, 01.06.2004, 08.06.2006 e 15.03.2007, em www.dgsi.pt.