DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
PRÉDIO RÚSTICO
LOGRADOURO
RESERVA ECOLÓGICA NACIONAL
ABUSO DE DIREITO
Sumário

I - A lei, não definindo o que entende por logradouro, não estabelece limites para o mesmo nem qualquer proporção entre área rústica e área urbana de um mesmo prédio, pelo que o facto de ser tão extenso que integra terreno de prédio confinante com o transaccionado entre os réus e terreno da aludida parcela 15, não impede a classificação do prédio do autor como urbano, tanto mais que a falta de aproveitamento dos terrenos pelo autor mostra claramente que a edificação por este construída reveste, em relação a eles, autonomia económica para os fins do art. 204.º, n.º 2, do CC.
II - O fim a que se refere a al. a) do art. 1381.º do CC não se apura só objectivamente, mas também através da intervenção do elemento subjectivo que é a vontade do proprietário.
III - O que o art. 4.º do DL n.º 93/90, de 19-03, que revê o regime jurídico da REN, proíbe, mesmo com as alterações introduzidas pelos DL n.ºs 316/90, de 13-10, 213/92, de 12-10, e 79/95, de 20-04, são, nas áreas incluídas na REN, as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal, com as excepções que indica, entre as quais a realização de acções já previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 1 do seu art. 3.º, destinada a integrar áreas na REN ou a dela excluir áreas.
IV - Demonstrada a autorização de construção de uma moradia unifamiliar pelos réus no local da anterior construção já à data da resolução do Conselho de Ministros n.º 2/99, de 07-01, que integrou na REN a área em causa, nada os impedia da utilização para os fins de vilegiatura, que pode claramente ser feita com absoluto respeito pelo equilíbrio ecológico e pela protecção dos ecossistemas, por
não implicar mais que simples descanso e lazer.
V - Daí que tenha de se entender que, quer considerando o prédio do autor, quer considerando o prédio dos réus, se verifica a excepção ao direito de preferência de proprietários de terrenos confinantes consagrada no art. 1381.º, al. a), do CC.
VI - A ter o autor direito de preferência, o seu exercício representaria inegável abuso de direito, tanto mais que, visando esse direito concedido pelo legislador possibilitar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura a fim de obtenção de uma área minimamente rentável do ponto de vista agrícola, se mostra que o autor, proprietário do seu prédio confinante com o dos réus pelo menos desde 01-03-1994, manteve toda a parte rústica desse seu prédio sem cultivo, com silvas, mato e canavial, até princípios de 2004, ou seja, até à data para a qual foi marcada a audiência e discussão e julgamento nestes autos.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 2/7/01, AA instaurou contra BB e marido, CC, DD e mulher,EE, FF e marido, GG, HH, e II e mulher, JJ, acção com processo ordinário, pedindo que seja reconhecido, a ele autor, o direito de preferência na venda, efectuada pelos 1.ºs, 2.ºs, 3.ºs e 4º réus, aos 5.ºs réus, de um prédio rústico confrontante com um outro prédio rústico dele autor, ambos com área inferior à unidade de cultura e integrados em área da Reserva Ecológica Nacional, sendo que os ditos vendedores nunca lhe comunicaram o projecto de venda nem os elementos essenciais da alienação;
mais pede seja declarada a transacção efectuada a favor dele autor, sendo este colocado no lugar dos 5.ºs réus na dita compra e venda.
Juntou documento comprovativo da prestação de garantia bancária para pagamento do preço de 12.500.000$00 que seria devido a final em resultado da acção.
Em articulado superveniente, veio o autor acrescentar que a aquisição do prédio pelos 5.ºs réus, por força da escritura de compra e venda respectiva, fôra entretanto registada na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira em resultado da apresentação n.º......, alguns dias após a apresentação da petição inicial em Juízo, pelo que pede ainda se ordene o cancelamento desse registo a favor dos 5.ºs réus e o subsequente registo do imóvel em causa a favor dele autor.
Efectuadas as legais citações, contestaram os réus BB e marido, sustentando que os prédios em causa não eram rústicos, mas mistos, legalmente qualificáveis como prédios urbanos, tendo sempre as suas partes urbanas valor muito superior ao das partes rústicas, não sendo utilizados para exploração agrícola, e invocando desinteresse do autor, abuso de direito e caducidade.
Também os réus FF e marido,DD e mulher, HH, apresentaram contestação em que sustentaram que os prédios em causa eram prédios mistos, encontrando-se a parte rústica do prédio do autor abandonada há vários anos, e impugnaram.
Contestaram depois os réus II e mulher, invocando caducidade, impugnando, afirmando que os prédios em causa eram urbanos e não rústicos por a sua parte urbana ser de valor muito superior ao da parte rústica, que aliás não se encontra em uso agrícola, e, à cautela, deduzindo reconvenção em que pediram a condenação do autor a restituir-lhes as quantias de 12.500.000$00 (62.349,74 euros) relativa ao preço pago, 360.000$00 (1.795,67 euros) relativa à sisa, 160.750$00 (801,82 euros) relativa a emolumentos notariais com a escritura de compra e venda, 53.750$00 (268,10 euros) relativa a emolumentos com o registo, e 37.125,46 euros relativa a benfeitorias realizadas pelos mesmos réus no prédio que compraram, tudo acrescido dos respectivos juros legais de mora até efectivo pagamento.
Houve réplica, em que o autor rebateu a matéria de excepção e a da reconvenção.
Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e elaborada a base instrutória, embora sob as designações de especificação e questionário, dactilografados a fls. 335 e segs.
Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foi deferida reclamação dos réus compradores relativamente à matéria de facto assente e a instruir (fls. 436-437), tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução (fls. 513 a 519).
Após, foi proferida sentença (fls. 525 a 539) que julgou improcedente a excepção de caducidade mas a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido, e que, em consequência, não conheceu do pedido reconvencional.
Apelou o autor, tendo a Relação negado provimento ao recurso e confirmado a sentença ali recorrida, por acórdão (fls. 699 a 716) de que vem interposta a presente revista, de novo pelo autor, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - Os factos considerados provados na sentença da 1ª instância, mantidos pelo acórdão recorrido e que são deste fundamentação, são os que dá por reproduzidos;
2ª - Tais factos referem expressamente ou remetem para documentos juntos aos autos que também dá por reproduzidos, nomeadamente para plantas cadastrais, para a planta da casa do autor, para a planta da localização desta no terreno e, no que respeita à situação das parcelas 15, 2 e 1 em área de REN, para planta de ordenamento, também junta, emitida pela KK;
3ª - Resulta de tais plantas que apenas uma pequena parte da moradia do autor foi construída no prédio referido em 2.1, ou seja, na parcela 2 do autor, que confronta com o prédio dos réus, a parcela 1, a que se refere o ponto 2-2 dos factos provados;
4ª - A parte restante da dita moradia (no caso a sua maior área) encontra-se edificada na parcela 15, também propriedade do autor, e que não confina com a parcela 1, a preferir;
5ª - Sobre a parcela 2, acrescentada à moradia já edificada sobre a parcela 15, apenas foram construídos pelo autor, na parte urbana do prédio (foram eliminadas as antigas construções), um forno a lenha e arrumos ao nível do 2º piso (a construção nesta parcela vai só até este 2º piso) e ainda instalações para animais ao nível do 1º piso (acrescentadas às já construídas na parcela 15);
6ª - O 1º piso da moradia é térreo, tem acesso pelo interior e parte inferior do terreno e é composto por alojamentos ou estábulos para animais (coelhos, galinhas e patos, ou mesmo gado ovino) com anexos contíguos, no seu exterior e a céu aberto, destinados ao mesmo fim;
7ª - Trata-se de uma moradia com características claramente rurais, idêntica aos chamados “montes alentejanos” ou “quintas”, ainda que construída em altura ou na vertical;
8ª - Não é indiferente para a decisão da causa que a moradia tenha dois ou três pisos, destinados ou não a habitação, qual a área ou percentagem ocupada da mesma por instalações respeitantes a serviços, estábulo para animais ou habitação propriamente dita (salas, quartos de dormir, cozinha ou casas de banho), quando, como é o caso, tais características de construção e correspondentes utilidades ou facilidades de utilização são determinantes para classificar a moradia e terreno anexo como prédio rústico ou urbano;
9ª - Também não é indiferente a localização da moradia com a complexidade de construções a ela anexas, no terreno (situação que estranhamente o acórdão recorrido simplesmente ignorou), porquanto, a mesma se encontra na sua maior extensão, construída sobre a parcela 15 do autor;
10ª - Os prédios do autor que constituem as parcelas 15 e 2 e bem assim a parcela 1 dos réus que o autor pretende preferir por confinar com a sua parcela 2, encontram-se inseridos em área de REN, razão porque o destino ou fim dos prédios devem sempre obedecer aos fins prosseguidos com aquela sujeição à REN;
11ª - Os factos provados devem pois ser complementados com os documentos e demais prova junta aos autos ou ali produzida e que lhes servem de suporte ou para os quais remetem;
12ª - Os factos provados e referidos nos pontos 2-20 e 2-46, posto não ter sido entendido pelo Tribunal da Relação tratar-se de factos contraditórios, devem ser integrados e conjuntamente vistos ou interpretados, apenas deles se podendo retirar ou concluir que o autor, antes de 2004, apenas cultivava na parcela 2 árvores de fruto e uma pequena horta junto ao terreno dos réus, estando o demais terreno sem cultivo;
13ª - O acórdão recorrido considerou naufragada a pretensão do autor em virtude de:
a) - qualificar o seu prédio como urbano com componente rústica (logradouro), afastando assim o direito de preferência, ao abrigo do disposto no art.º 1.381º, al. a), primeira parte, do C.C., e
b) – entender que o terreno a preferir se destina a outro fim que não o da cultura ou fins agrícolas por os réusII e mulher o terem adquirido para fins de vilegiatura e para nele construírem uma moradia familiar e poderem explorar as potencialidades da parte rústica do prédio, esteando assim preenchidos os requisitos da excepção a que se refere a al. a), segunda parte, do art.º 1.381º do C.C.
14ª - Segundo a interpretação dos factos dada pelo acórdão recorrido estaríamos aqui, necessariamente, perante um prédio urbano de 500 m.2 (área que inclui pisos, pátios térreos, terraços e jardins) com uma componente rústica ou logradouro de 24.600 m.2 e não, como decerto por lapso ali se refere, uma área de 6.600 m.2;
15ª - É que:
a) – o autor é proprietário e habita uma casa composta por três pisos, sendo o primeiro térreo de instalações para animais com anexos (galinheiros e currais) a céu aberto, com pátios, jardins e terraços, tudo ocupando uma área de cerca de 500 m.2;
b)– a casa encontra-se edificada sobre duas parcelas contíguas de terreno, a parcela 2 e a parcela 15, de que o autor é também proprietário, com as respectivas áreas de 6.600 m.2 e 18.000 m.2.
16ª - A área rústica ou logradouro do prédio do autor seria assim de 24.600 m.2 e não de 6.600 m.2;
17ª - Encontrando-se as parcelas 2 e 15, ainda que parcialmente, em área de REN, o acórdão recorrido decidiu que uma simples vivenda familiar, a do autor, com claras e evidentes características rurais, era um prédio urbano com um logradouro de 24.600 m.2;
18ª - Uma área de cerca de 2,5 hectares, ainda por cima localizada em área de REN e zona de minifúndio (estamos na zona rural Norte do concelho de KK, onde a área média dos prédios rústicos é inferior a um hectare) é, neste caso, considerada pelo acórdão recorrido como mero logradouro de uma moradia unifamiliar, ainda por cima de características rurais. Não é de modo algum aceitável tal entendimento;
19ª - É sempre de excluir o entendimento de se dever apenas considerar como logradouro a parcela 2 do autor por ser o terreno que pretende preferir sobre o terreno dos réus;
20ª - Com efeito, caso se ignore, para a decisão da causa, a existência conjunta das duas parcelas do autor, cuja área contígua perfaz 24.600 m.2, apenas devendo atender-se ao prédio parcela 2 com a área de 6.600 m.2, por só este ser confinante com o prédio dos réus, então também teremos somente que atender à área da “moradia” efectivamente construída na parcela 2, e que corresponde apenas, no piso térreo, a instalações para animais e anexo a céu aberto e, no piso superior, o 2º piso (nesta parcela 2 nada foi construído ao nível do 3º piso), a arrumos, forno a lenha e terraço, ou pátio, com um pequeno canteiro em jardim;
21ª - As construções sobre a parcela 2, quando individualmente consideradas ou como integrando a dita parcela 2, não podem de forma alguma classificar-se como prédio urbano ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 204º do Cód. Civil, porquanto não têm qualquer autonomia económica, apenas podendo entender-se como construções de apoio à exploração silvo-pastoril que a dita parcela de terreno permite, enquanto integrada em área de REN;
22ª - Tendo as construções levadas a cabo na parcela 2 sido executadas pelo autor após a construção da sua moradia na parcela 15 e sendo aquelas desta inteiramente dependentes, até porque lhe estão fisicamente ligadas, pode entender-se que o prédio do autor, a parcela 2, que prefere sobre o prédio dos réus, a parcela 1, deixou já de individualmente conter uma parte urbana, a qual passou assim a integrar a parcela 15, por incorporação física das construções na moradia;
23ª - A parcela 2 deixaria assim, mesmo para efeitos fiscais, de ser um prédio misto, passando a tratar-se de mero prédio rústico para os efeitos do disposto no art.º 204º do Cód. Civil, pelo que, em todo o caso, sempre deveria ser considerada tal parcela como prédio preferindo na aquisição da parcela 1 dos réus;
24ª - Considerando agrupadas as duas parcelas 2 e 15, o que claramente domina é o solo, com cerca de 2,5 ha., pelo que, em face da sua situação em área REN, dimensão do terreno e características rurais da moradia unifamiliar, estamos sem dúvida perante um prédio rústico com parte urbana;
25ª - Se considerarmos a parcela 2 e a construção nela implantada independentemente da sua ligação à moradia edificada na parcela 15, verifica-se uma clara dependência dessa construção – instalação para animais, forno e arrumos – em relação à exploração agro-silvo-pastoril do terreno, pelo que estamos também perante um prédio rústico;
26ª - Se considerarmos a parcela 2 destituída da parte urbana (por esta ter passado a integrar a parte urbana da parcela 15) nem o problema se levanta. Estamos aqui, também, perante um prédio rústico;
27ª - Na hipótese absurda de considerarmos toda a moradia como parte urbana da parcela 2 (a parcela 15 deixaria assim de ter parte urbana, o que é de todo incompreensível), as características rurais da moradia e construção adequada à exploração agrícola e silvo pastoril da mesma; a ocupação pela moradia de apenas a décima terceira parte do terreno rural onde se situa; a inserção do terreno em área de REN de zona de minifúndio; a situação fora de aglomerado urbano e em local pejado de prédios rústicos como o que o autor pretende preferir, impedem a classificação do imóvel como urbano;
28ª - Predominam aqui, para além da sujeição à REN, a natureza rústica e razoável dimensão do solo e exploração agro-silvo-pastoril e a sua inserção em área de características absolutamente rurais;
29ª - Razões não existem, pois, para considerar a parcela 2 do autor como prédio urbano e a parcela 1 dos réus como prédio rústico;
30ª - Ambos os prédios têm idênticas áreas e uma parte urbana com uma moradia unifamiliar, não estabelecendo a lei que a qualificação de cada uma das parcelas como rústica ou urbana dependa do facto de as respectivas moradias unifamiliares terem mais ou menos quartos, salas, casas de banho ou arrumos;
31ª - Em virtude de a parcela 1 dos réus que o autor pretende preferir estar inserida em área REN – toda ela, de resto – não é legalmente possível afectá-la a outro fim que não seja o que decorre dessa sua submissão e que consta do documento da KK junto aos autos e que dá por reproduzido;
32ª - A aquisição pelos réus do prédio parcela 1 para fins de vilegiatura e (re)construção no local de uma moradia de dois pisos restringida à área já ocupada com a construção existente em conjugação com a exploração das potencialidades rústicas do prédio, significa indiscutivelmente manter o destino ou fim do prédio, que é rústico com parte urbana;
33ª - As finalidades de habitação e cultivo mantêm-se, não impondo ou obrigando a lei que a habitação seja permanente no local. No que respeita à exploração da parte rústica, não parece poder fazer-se mais do que os réus pretendem fazer, que é “explorar as potencialidades da parte rústica do prédio”;
34ª - “A exclusão do direito de preferência prevista na 2ª parte da al. a) do art.º 1.381º do Cód. Civil só se verifica quando o fim a que o terreno se destina seja incompatível com a cultura, em alguma das suas modalidades de exploração agrícola ou florestal” ou, acrescenta o recorrente para o presente caso, silvo-pastoril, posto tratar-se de terreno em área de REN (conforme ac. da Rel. do Porto de 7/7/87, in Col. Jur. – 1987, 4º, 201);
35ª - Segundo o acórdão recorrido, “o direito por quem mantém o seu prédio inculto, que não exerce agricultura, e que parece ter como único objectivo acrescentar mais terreno ao que possui, não pode deixar de ser visto como abusivo, por não estar em conformidade com as razões económicas que legitimam o direito”;
36ª - O acórdão recorrido esqueceu-se de que o autor, antes de 2004, apenas cultivava na parcela 2 árvores de fruto e uma pequena horta junto ao terreno dos réus, estando o demais terreno sem cultivo. O autor, não importando aqui as razões, passou desde 2004 a agricultar a área cultivável do prédio, parcelas 2 e 15, não sendo legítimo que o acórdão venha agora estabelecer previsões para futuro contrárias a essa realidade;
37ª - Não é, pois, verdade, nem o Tribunal o pode deduzir, que o autor tenha como único objectivo acrescentar mais terreno ao que possui;
38ª - As próprias características rurais da moradia do autor, que o próprio mandou construir, incluem infra-estruturas destinadas à criação e exploração de animais, incluindo a exploração de silvo pastorícia, sendo esta a verdadeira vocação de prédio enquanto integrado em área de REN;
39ª - O objectivo do autor é, assim, embora juntando terreno ao que já possui, permitir uma exploração agrícola e silvo-pastoril economicamente rentável, aproveitando plenamente as potencialidades do terreno e das infra-estruturas para animais já por si construídas;
40ª - Situando-se o terreno em área de REN, nunca o prédio pode ser dado ou afecto a outro fim que não seja agrícola, florestal ou de pastoreio;
41ª - De resto, a própria não intervenção, ainda que por largos períodos, em área rural de silvo pastorícia afecta à REN, cumpre plenamente os objectivos prosseguidos com tal afectação legal de manutenção de floresta arbustiva de regeneração natural, confundida pelo Tribunal como abandono do prédio;
42ª - Por último, o exercício do direito de preferência não é aqui motivo de abuso de direito, porquanto:
I - é certo que o autor não é agricultor de profissão, porém o mesmo sucede com os réus;
II – é contudo o autor, e não os réus, quem reside e pretende continuar a residir no local;
III - o autor pretende, com a aquisição do terreno a preferir, ver aumentada a sua área de exploração agrícola e silvo pastoril, podendo assim vir a fazer um completo e eficaz aproveitamento das instalações para animais que já possui;
IV - o autor pretende, com a aquisição do terreno, obter melhores condições de habitabilidade, rentabilidade, viabilidade económica e independência do seu agregado familiar;
V - os réus, ao contrário do autor, que ali reside e assim melhor pode tratar do terreno, podem procurar e encontrar em qualquer outro local dos arredores de Lisboa, onde residem e trabalham, uma casa com terreno com as características do presente, onde exploram horta e árvores de fruto e passem com os amigos o fim de semana;
VI - o facto de o autor, eventualmente, não vir fazer uma completa exploração do seu terreno rústico, não constitui motivo socialmente reprovável ou mesmo situação anormal ou excepcional dado, infelizmente, o generalizado estado de abandono do campo em Portugal e atento ainda o facto de, no caso presente, se tratar de terreno inserido em área de REN, não necessariamente agricultado mas, ainda assim, respeitado o seu fim florestal por regeneração natural;
VII - o autor, que trabalha em Lisboa, ao invés de abandonar as suas raízes, indo como os demais morar para Lisboa, optou por obter melhores condições de habitabilidade no campo, construindo a sua moradia de molde a fazer o melhor aproveitamento possível das condições rurais de que dispunha;
VIII - dizer que a actuação do autor constitui abuso de direito é equivalente a dizer que a criação de melhores condições de habitabilidade em zona rural e rentabilidade económica de uma exploração agrária é socialmente reprovável;
IX - o autor pretende assim potenciar condições de melhor habitabilidade e rentabilidade económica do terreno que possui, aumentando-o, o que desde logo afasta uma utilização abusiva do seu direito.
Termina afirmando que a Relação fez uma incorrecta aplicação da lei aos factos provados, violando o disposto nos art.ºs 659º do Cód. Proc. Civil, 204º e 1.381º, al. a), do Cód. Civil, não se encontrando preenchidos os requisitos da excepção do direito de preferência do autor, pelo que lhe deve ser reconhecido o direito de preferir sobre a venda do prédio dos réus por se encontrarem preenchidos os requisitos do art.º 1.380º do Cód. Civil e não ter ele autor agido com abuso de direito, revogando-se em conformidade o acórdão recorrido, condenando-se os réus no pedido e absolvendo-se o autor do pedido reconvencional.
Em contra alegações, os réusDD e outros, depois os réus BB e marido, e finalmente os réus II e mulher, pugnaram pela confirmação do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os como tais declarados no acórdão recorrido, para o qual nessa parte se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil.
Suscita o recorrente, nas conclusões das suas alegações, as seguintes questões, sendo delas que há que conhecer face ao disposto nos art.ºs 660º, n.º 2, 684º, n.º 3, e 690º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil:
I – Qualificação dos prédios como urbanos;
II - Exclusão do direito de preferência em virtude de o prédio vendido se destinar a fim diferente da cultura;
III - Abuso de direito.
Ora, tendo em atenção os factos assentes, e só eles por só eles poderem ser atendidos à luz do disposto nos art.ºs 722º, n.º 2, e 729º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, todas essas questões se mostram pormenorizadamente apreciadas no acórdão recorrido, que, após fixar e analisar adequadamente os factos provados, fez correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais a ter em conta para a decisão, pelo que com ele inteiramente se concorda, quer no que respeita ao nele decidido, quer no tocante aos respectivos fundamentos, a que se adere e para que se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 5, do mesmo Código.
De notar, nomeadamente, que, para além de nada ter ficado a constar dos autos quanto à natureza, destino e composição da aludida parcela 15 do autor, a lei, não definindo o que entende por logradouro, não estabelece limites para o mesmo nem qualquer proporção entre área rústica e área urbana de um mesmo prédio, pelo que o facto de, na hipótese dos autos, ser tão extenso que integra terreno do prédio confinante com o transaccionado entre os réus e terreno da aludida parcela 15 – ignorando-se quanto a esta se na totalidade por se desconhecer se algo mais, nomeadamente alguma outra construção, existe nesta última parcela - não impede a classificação do prédio do autor como urbano, tanto mais que a falta de aproveitamento dos terrenos pelo autor mostra claramente que a edificação por este construída reveste, em relação a eles, autonomia económica para os fins do art.º 204º, n.º 2, do Cód. Civil.
Depois, o fim a que se refere a al. a) do art.º 1381º do Cód. Civil não se apura só objectivamente, mas também através da intervenção do elemento subjectivo que é a vontade do proprietário.
Ora, acresce que a integração do prédio comprado pelos quintos réus em área de REN não é incompatível com a utilização do mesmo para fins de vilegiatura, uma vez que esta pode ser exercida com respeito pelo ambiente e pelas condições naturais.
Com efeito, o que o art.º 4º do Dec. – Lei n.º 93/90, de 19/3, que revê o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional, proíbe, mesmo com as alterações introduzidas pelos Decretos - Lei n.ºs 316/90, de 13/10, 213/92, de 12/10, e 79/95, de 20/4, são, nas áreas incluídas na REN, as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal, com as excepções que indica, entre as quais a realização de acções já previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria prevista no n.º 1 do seu art.º 3º destinada a integrar áreas na REN ou a dela excluir áreas.
Assim, demonstrada como se encontra a autorização de construção de uma moradia unifamiliar pelos réus no local da anterior construção já à data da resolução do Conselho de Ministros n.º 2/99, de 7/1, que integrou na REN a área em causa, nada os impedia da utilização para fins de vilegiatura, que pode claramente ser feita com absoluto respeito pelo equilíbrio ecológico e pela protecção dos ecossistemas, por não implicar mais que simples descanso e lazer.
Daí que tenha de se entender que, quer considerando o prédio do autor, quer considerando o prédio dos réus, se verifica a excepção ao direito de preferência de proprietários de terrenos confinantes consagrada no art.º 1381º, al. a), do Cód. Civil (o prédio do autor, face à primeira parte dessa alínea, e o prédio dos réus, face à sua segunda parte).
Por outro lado, a ter o autor direito de preferência, o seu exercício representaria inegável abuso de direito, como no acórdão impugnado se refere, tanto mais que, visando esse direito concedido pelo legislador possibilitar o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura a fim de obtenção de uma área minimamente rentável do ponto de vista agrícola, se mostra que o autor, proprietário do seu prédio confinante com o dos réus pelo menos desde 1/3/94, como resulta da certidão por ele junta a fls. 12, manteve (facto assente sob n.º 20º) toda a parte rústica desse seu prédio sem cultivo, com silvas, mato e canavial, até princípios de 2004, ou seja, até à data para a qual foi marcada a audiência de discussão e julgamento nestes autos (fls. 316), do que consequentemente deriva que só então se decidiu a cultivar árvores de fruto e uma horta junto ao terreno dos réus.
Ou seja, tem de se concluir dos factos provados que, à data da transacção entre os réus e da manifestação pelo autor da pretensão de exercício de direito de preferência, o autor não tinha em vista a exploração agrícola, silvo – pastoril ou florestal dos terrenos, mas algum outro objectivo que manifestamente constituía excesso dos limites impostos pelo fim económico desse eventual direito (art.º 334º do Cód. Civil).
Nem sequer, por outro lado, a regeneração natural de floresta arbustiva invocada nas alegações do recorrente lhe permitiria nada fazer no seu dito terreno se o pretendia destinar a fins agrícolas, silvo – pastorícios ou florestais: sempre teria de, pelo menos, cuidar das árvores ou dos arbustos e protegê-los, nomeadamente limpando o mato e as silvas, para evitar riscos de incêndio.
Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa,24 de Outubro de 2006

Silva Salazar (relator)
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida