ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I - No art. 1550.º do CC prevê-se o encrave predial absoluto e o relativo, ou seja, por um lado, o prédio que não tem qualquer comunicação com a via pública, e o que dispõe de insuficiente comunicação, isto é, com ou só possível através da realização de obras de custo desproporcionado com os lucros ou vantagens derivados da sua exploração. A via pública a que se refere este artigo é aquela onde as pessoas possam circular livremente, por exemplo as estradas e os caminhos.
II - As servidões legais envolvem, verificados que sejam os referidos pressupostos, o direito potestativo gerador da faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste.
III - Em acção negatória de servidão rege o disposto no n.º 1 do art. 343.º do CC, que inverte o regimeregra relativo ao ónus da prova, pondo a cargo do réu o ónus da prova do direito em discussão.
IV - Presumido legalmente o animus da posse das servidões, incumbiria aos autores, por força do disposto no art. 342.º, n.º 2, do CC, alegar e provar que o poder de facto exercido pelos réus derivava de simples tolerânca, situação em que se poderia dizer que a respectiva posse era precária, por exercida em nome deles (art. 1253.º, al. b), do CC).
V - Um non liquet probatório nas acções de simples apreciação negativa terá sempre que resolver-se em desfavor do réu. Já, pelo contrário, a improcedência deste tipo de acção implica, sem margem para dúvidas, o reconhecimento da existência do direito que o réu se arroga, que fica definitivamente estabelecida, perante o autor.
VI - Por isso mesmo, fica prejudicada a proposição pelo réu de ulterior acção de simples apreciação positiva (arts. 494.º, al. i), 497.º, n.ºs 1 e 2, e 498.º, do CPC) e se revela redundante a dedução de reconvenção, a que não pode atribuir-se mais valia alguma em relação à simples procedência da defesa deduzida em acção de simples apreciação negativa, não passando, nesse caso, de puro reverso da pretensão do autor, que se limita a pedir a declaração da inexistência de direito que o réu invoca.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – No Tribunal da Comarca de Monção, AA e mulher BB intentaram contra CC e mulher DD a presente acção negatória de servidão, com processo ordinário, pedindo:

a) A declaração de que os A. A. são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano identificado no art. 1.º da petição inicial;
b) A declaração de que esse prédio não está onerado com nenhuma servidão, de aqueduto ou de passagem a pé, excepto de 24 de Junho a 8 de Setembro, 24 horas de 30 em 30 dias, para rega do campo chamado “Fonte”, e, em caso de sobra desse campo, também durante o mesmo período de tempo, a favor do prédio rústico chamado “Campo de Leiças”, pertencente a EE;
c) Pelo contrário e principalmente que o prédio não está onerado com nenhuma servidão, quer de aqueduto quer de passagem para o imóvel denominado “Campo de Leiças”, identificado no artigo 19.º da petição inicial e com nenhuma servidão de passagem a pé para o imóvel urbano identificado no artigo 26.º (por lapso é referido o artigo 25.º) da petição inicial;
d) A condenação dos Réus a absterem-se, de imediato, de por aí fazerem transitar águas, ou transitarem a pé, seja para os campos, seja para a casa em ruínas que dizem pertencer-lhes e que fica situada do lado norte da casa dos Réus;
e) A condenação dos réus a pagar, solidariamente, como sanção pecuniária compulsória a importância de 15.000$00, por cada vez que abusivamente passem no prédio dos A.A., a partir do trânsito em julgado da sentença.

Alegam, sumariamente, a posse e titularidade do referido prédio urbano referido no artigo 1.º da petição inicial, adquirido por via hereditária pelo autor marido, o rústico onde veio a construir a casa de habitação, após a morte de seus pais. Invocam, ainda, factos tendentes a demonstrar a aquisição desse prédio por via originária, por usucapião e as atitudes abusivas dos R. R. não abrangidas por qualquer direito de servidão.

Citados, os Réus contestaram e reconvieram.

Excepcionam a sua ilegitimidade para intervir no processo, pelo facto de não serem proprietários do “Campo das Leiças” e a ineptidão da petição inicial. Alegam que os proprietários dos prédios identificados nos artigos 19.º e 26.º da petição inicial sempre passaram no prédio dos A.A. durante todo o ano e a todo o tempo. Mais alegam factos destinados a provar a aquisição originária dos direitos de servidão, por usucapião.

No pedido reconvencional pedem o reconhecimento e declaração de que o prédio identificado no artigo 26.º lhes pertence; que o prédio dos AA está onerado com uma servidão de passagem a pé a favor desse prédio e com uma servidão de aqueduto, durante todo o ano, a favor do prédio identificado no artigo 19.º da petição inicial; e a condenação dos A.A. a absterem-se, de praticar quaisquer actos que prejudiquem o exercício desses direitos e a pagarem aos reconvintes uma indemnização de perdas e danos que vier a liquidar-se em execução de sentença.

Ao A.A. replicaram e deduziram incidente de intervenção de terceiros, solicitando a intervenção dos proprietários do “Campo das Leiças”, dado o seu interesse em contradizer o pedido formulado de inexistência de servidão de aqueduto, a favor desse prédio, fora do período referido pelos A.A.
Excepcionaram a ineptidão do pedido reconvencional, por contradição entre o pedido da alínea d) e a causa de pedir e a sua ilegitimidade relativamente ao pedido formulado na alínea b).

Houve tréplica, na qual os réus responderam à matéria da excepção e opuseram-se ao pedido de intervenção provocada.

O pedido de intervenção foi decidido favoravelmente e foi, por isso, citada a chamada EE, que não interveio.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal.

Nesta fase apresentaram os autores articulado superveniente, em que alegaram novos factos relativos à discussão da causa, designadamente da matéria reconvencional.

Os réus foram notificados e responderam, invocando a extemporaneidade do mesmo, arguindo a sua ineptidão e impugnando os factos alegados.

Tal articulado veio a ser alvo de despacho de rejeição, ao abrigo do disposto no artigo 506.º, n.º 4, do C.P.C.

Entretanto, vieram os autores requerer a ampliação do pedido que formularam nos autos no sentido de, caso venha a reconhecer-se que existe servidão de passagem pelo seu prédio a favor dos réus, constituída por usucapião, como é alegado e peticionado em sede reconvencional, ser declarada extinta tal servidão, por desnecessidade.

Tal pretensão veio a ser alvo de despacho de indeferimento por inadmissibilidade legal.

A final foi proferida sentença que julgou procedente, por provada, a acção.

Dessa sentença apelaram os R.R.

A Relação de Guimarães veio a proferir acórdão a julgar improcedente o recurso.

Inconformados, interpuseram os R.R. recurso de revista, recurso que foi admitido.

Os recorrentes apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:

1– O Acórdão recorrida deu como provado que:
“Há mais de 30 anos que os RR., por si e antecessores, para acederem ao prédio identificado em N), utilizam o carreiro localizado junto ao rego de água em causa nos autos tanto da forma indicada na resposta ao quesito 11.º, como através de um outro prédio, situado a norte, hoje pertencente à filha dos RR, o que faziam indistintamente e conforme lhes fosse mais conveniente – resposta ao quesito 14.º;
À vista de toda a gente, sem interrupção, de forma pacífica, sem oposição de ninguém – resposta ao quesito 15.º;
2– Os recorrentes provaram factos reveladores do “corpus possessório” sobre o carreiro, conforme consta das respostas aos quesitos 14.º e 15.º;
3– Logo, não estavam onerados com ter de provar o “animus”, pois, a favor deles presume-se a posse e quem tem a seu favor uma presunção legal está dispensado de provar a factualidade que a ela conduz – artigos. 1252.º, n.º 2, e 350.º, n.º 1, do C.Civil;
4– Ao declarar que o prédio dos recorridos não está onerado com nenhuma servidão de passagem a pé a favor do prédio urbano composto de casa com um pavimento, r/c com duas divisões, que confronta de nascente com diversos, poente com rego foreiro, norte com I... R... e sul com J... da S..., inscrito na matriz urbana sob o art. 72.º da freguesia de Merufe, pertencente aos recorrentes, o Acórdão recorrido violou os artigos 342.º, n.º.2, 343.º, n.º.1, 350.º, n.º 1, 1251.º, 1252.º, n.º 2, 1287.º, 1543.º e 1550.º todos do C.Civil e Assento do STJ, de 14.05.96, in D.R., II S, de 24.06.96;
5– Aliás, nem sequer alegado foi que os recorrentes tivessem praticado os actos que constituem o “corpus” como simples detentores;
6– Os recorridos não afastaram a presunção legal que favorece os recorrentes;
7– Assim sendo, a matéria de facto constante da resposta aos quesitos 14.º e 15.º encontra-se incorrectamente julgada;
8– Pelo que, se deve concluir que os recorrentes praticaram os actos descritos nas respostas aos quesitos 14.º e 15.º da base instrutória nos termos e circunstâncias ali sentenciadas, na convicção de estarem a exercer um direito próprio;
9– O Tribunal da primeira instância não logrou alcançar resposta afirmativa, como consta da resposta ao quesito 15.º, quanto à intenção de os recorrentes exercerem os descritos actos materiais na convicção de estarem a exercer um direito próprio, como quem detém coisa sua, porém, a pretensão dos recorrentes não podia, por isso, improceder;
10– Compulsando a matéria factual dada como assente, no que concerne à posse, verifica-se que, apenas, o “corpus” se mostra provado;
11– O “corpus”, à luz do citado art. 1252.º, n.º 2, faz presumir o “animus”. Presunção essa que não foi elidida pelos AA., aqui recorridos, tal como lhes competia, e nomeadamente através da prova de que aqueles actos materiais (de passagem) pelo seu prédio para o prédio dos RR. são meramente praticados devido a tolerância sua ou que os últimos não efectuam tal passagem assumindo--se como se, na verdade, beneficiasse de um direito que ali lhe permite passar, sendo certo que quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz – art. 350.º, n.º 1 e 2, do C.Civil;
12– Na verdade, ficou provado a prática de actos materiais reveladores da utilização do prédio dos AA. como passagem para o prédio dos RR., identificado em N), de forma ininterrupta, há mais de 30 anos, de forma pacífica e pública;
13– Não tendo os AA. ilidido a presunção legal prevista no art. 1252.º, n.º 2, ter-se-á de concluir pela existência de uma servidão de passagem constituída, por usucapião, sobre o prédio daqueles a favor do prédio dos RR;
14– Tendo os recorrentes provado os sinais materiais da posse adequada à constituição por usucapião de servidão de passagem que invocam, e não se tendo provado que praticaram os actos por tolerância, como supra se referiu, nem alegado foi, presume-se o “animus”, devendo ser reconhecida a existência da servidão de passagem a pé que onera o prédio dos recorridos identificado em A), em benefício do prédio dos recorrentes identificado em N);
15– Como se concluiu no Ac. STJ, de 27-05-99, CJ, 1999, Tomo 2, pág. 126, a prova do elemento subjectivo é feita por presunção e conforme flúi do n.º 2 do art. 1252.º (que prescreve que em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto....): trata-se de uma inferência feita pela própria lei, de sorte que o juiz não tem senão que aplicar, uma vez verificado a existência da base da presunção, isto é, o facto conhecido, precisamente o elemento “corpus”;
16– “Em caso de dúvida, presume-se a posse daquele que exerce o poder de facto” – art. 1252.º, n.º 2, do C.Civil – o qual tem aplicação ao caso “sub judice”;
17– Desta forma, presumido legalmente o “animus” da posse da servidão de passagem, incumbiria já aos AA., ora recorridos, por força do disposto no art. 342.º, n.º 2, do C.Civil, alegar e provar que o poder de facto exercido pelos RR., ora recorrentes, derivava de simples tolerância, situação em que se poderia dizer que a respectiva posse era precária, por exercida em nome deles – art. 1253.º, al. b) do C.Civil;
18– Resulta dos autos provada pelos recorrentes a posse, a título de servidão de passagem, do carreiro referido, em termos de conduzir à aquisição por usucapião do direito real correspondente, não conseguiram os recorridos – e a eles competia – a prova de que essa posse era simples detenção ou posse precária;
19– O Acórdão recorrido defende que: “A presunção do art. 1252.º, n.º 2 do C.Civil só é aplicável no caso de subsistir dúvida sobre se a posse foi exercida pessoalmente ou por intermédio de outrem, e fica elidida se ao quesito sobre a existência do “animus” se respondeu negativamente”.
No entanto, não é esse entendimento sufragado pela doutrina e jurisprudência citada nestas alegações, inclusivamente, do Tribunal recorrido, designadamente, Ac. de 09-06-2004, e, ainda, Acs. do STJ, de 25-02-1993, proc. n.º 82887, 2.ª Secção – Relator: Zeferino Faria; e de 05-05-2005, Proc. n.º 1078/05, 7.ª secção – Relator: Custódio Montes;
20– Ficou provado que o prédio identificado em M) (“Eido”) tem direito ao mesmo acompanhamento e desobstrução que o prédio denominado “Campo da Fonte”, pelos motivos, nas condições e circunstâncias descritas nas respostas aos quesitos 1.º, 2.º e 3.º – resposta ao quesito 5.º;
21– Quando utiliza a água sobrante, a dona do prédio identificado em M) (“Eido”), ou quem o cultiva, tem direito nesse período a passar a pé no prédio dos AA. para acompanharem a dita água – respostas ao quesito 7º;
22– A resposta ao quesito 4.º conclui que fora dessa época, esse rego serve para escoamento das águas provenientes da “Poça do Monte” ou “Rego do Regueirinho”;
23– Também, nesta parte o Tribunal “a quo” andou, salvo o devido respeito, mal, pois o proprietário do prédio identificado em M) pode regar o prédio com as águas provenientes da “Poça do Monte” ou “Rego do Regueirinho” e para acompanhar essas águas terá que passar pelo prédio dos recorridos;
24– O prédio identificado em M) tem direito às águas que escoam da “Poça do Monte” ou “Rego do Regueirinho”, existe uma servidão de aqueduto, durante todo o ano, em benefício do prédio referido;
25– O tribunal recorrido, nesta parte, violou os arts. 1543.º e 1561.º, n.º 1, do C.Civil.

Pedem que se conceda provimento ao respectivo recurso, revogando-se o acórdão da Relação.

Os A.A. contralegaram, sustentando a bondade da decisão.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

II – Nas instâncias foi dada como provada a seguinte factualidade:

II.1 – Factos dados como assentes:

A) O s autores são donos do prédio urbano composto de casa de morada de rés-do-chão e 1.º andar, com rossios, sito no lugar do Pereiro, freguesia de Merufe, concelho de Monção, a confrontar do norte com J... R... F..., sul com caminho de servidão, nascente e poente com o próprio, com a área coberta de 95 m2 e descoberta de 300 m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o art.º 969.º Urbano;
B) Por partilhas verbais, realizadas há mais de 25 anos, por óbito de seus pais, M... D... e P... G..., o autor marido herdou o prédio rústico no qual está implantado o prédio id. em A);
C) De imediato, o autor marido entrou na fruição contínua e ininterrupta do prédio rústico id. em B);
D) O autor e seus antecessores há mais de 40 anos que usufruem de todas as suas utilidades, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, e sempre convictos de estarem a exercer um direito próprio;
E) Nomeadamente, primeiramente os seus antecessores cultivando o prédio, tratando da vinha, fazendo seus os respectivos frutos;
F) E posteriormente nele construindo os autores o prédio urbano id. em A);
G) Dando lugar o prédio rústico que em tempos pertenceu aos pais do autor marido ao prédio urbano composto de casa de morada e rossios id. em A);
H) Desde a construção do prédio urbano que os autores entraram na fruição do mesmo, usufruindo de todas as suas utilidades, nomeadamente habitando a casa onde dormem, confeccionam as suas refeições e pagando a respectiva contribuição autárquica, e cultivando os rossios da mesma, tratando da vinha e colhendo os seus frutos, retirando todo o proveito e utilidade que o mesmo lhe podia proporcionar;
I) Situação que se verifica em nome próprio, há mais de 20 anos, de forma contínua, pacífica, ininterrupta e sem ocultação de quem quer que seja, nomeadamente dos proprietários dos terrenos e prédios urbanos confinantes;
J) Sem oposição de ninguém e com o animus de sobre o referido prédio exercerem os poderes correspondentes ao direito de propriedade;
L) Nos rossios do prédio urbano dos autores, no sentido sensivelmente norte/sul e encostado ao lado nascente, segue um rego a céu aberto, em terra batida, que vem da estrada situada a sul e que atravessa o prédio dos autores numa extensão de 35 metros;
M) A aquisição do prédio rústico denominado "Eido", composto de terreno de cultura e vinha, sito no lugar de Pedreira, a confrontar do norte com A... de J... D..., de sul com D... C... R..., de nascente com caminho público e de poente com A... D... G..., inscrito na respectiva matriz sob o art. 3128.º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção sob o n.º 00821/160800, mostra-se registado a favor de EE;
N) Os réus são donos do prédio urbano composto de casa com um pavimento, r/c com duas divisões, que confronta de nascente com Diversos, poente com rego foreiro, norte Isabel Rodrigues e sul com J... da S..., inscrito na matriz urbana sob o art. 72.º da freguesia de Merufe.

II.2 – Respostas aos artigos da base instrutória:

1) O rego identificado em L) destina-se a permitir a condução de água de rega proveniente da "Poça do Monte" ou "Rego do Regueirinho".– resposta ao quesito 1.º;
2) Para a rega do prédio rústico de cultivo e vinha chamado "Campo da Fonte", que se situa no lugar da Pereira e confronta do norte, nascente e sul com J...D... F... e poente com M... L..., inscrito na matriz sob o art. 3129.º da freguesia de Merufe, e que se situa a norte do prédio dos autores. – resposta ao quesito 2.º;
3) Para tapar, destapar e desobstruir a água que circula nesse rego o dono desse prédio, J... G... D..., circula a pé pelo prédio dos autores de acordo com o exposto em L). – resposta ao quesito 3.º;
4) O exposto nas respostas aos quesitos anteriores verifica-se na época de Verão – de 24 de Junho a 8 de Setembro, durante 24 horas (a iniciar uma vez ao nascer do sol e outra ao pôr do sol) e, fora dessa época, esse rego serve para o escoamento das águas provenientes da "Poça do Monte" ou "Rego do Regueirinho". – resposta ao quesito 4.º;
5) O prédio identificado em M) ("Eido") tem direito ao mesmo acompanhamento e desobstrução que o prédio denominado "Campo da Fonte", pelos motivos nas condições e circunstâncias descritas nas respostas aos quesitos 1.º, 2.º e 3.º – resposta ao quesito 5.º;
6) O prédio identificado em M) ("Eido") situa-se também a norte da casa dos autores e em plano inferior ao prédio identificado na resposta ao quesito 2.º ("Campo da Fonte"), e pertence a uma filha dos réus, EE, e tem vindo a ser cultivado por estes. – resposta ao quesito 6.º;
7) Quando utiliza a água sobrante, a dona do prédio identificado em M) ("Eido"), ou quem o cultiva, tem direito nesse período a passar a pé no prédio dos autores para acompanharem a dita água – resposta ao quesito 7.º;
8) Os réus, de há um ano a esta parte, cultivam o prédio adquirido pela filha, e pelo rego em causa nos autos exclusivamente podem fazer passar a água referida na resposta ao quesito 1.º (proveniente da "Poça do Monte" ou "Rego do Regueirinho"), e nas condições referidas nas respostas aos quesitos 3.º, 4.º, 5.º e 7.º – resposta ao quesito 8.º;
9) Desde essa altura, os réus utilizam o prédio dos autores para por aí circularem a pé a qualquer hora – resposta ao quesito 9.º;
10) E fazem-no nomeadamente para acederem a uma casa em ruínas, a identificada em N), que os réus detêm do lado nascente do prédio dos autores e ainda para acederem ao prédio identificado em M) – resposta ao quesito 10.º;
11) Para o efeito entram nos rossios da casa dos autores e descem uma escada em cimento, derivam depois para norte e abrem um portão que delimita o prédio dos autores desse lado norte e vice-versa – resposta ao quesito 11.º;
12) Os autores chamaram a atenção dos réus para por aí não circularem, mas estes continuam a fazê-lo – resposta ao quesito 12.º;
13) Há mais de 30 anos que os factos constantes das respostas aos quesitos 1.º a 3.º, 5.º e 7.º se verificam – resposta ao quesito 13.º;
14) Há mais de 30 anos que os réus, por si e antecessores, para acederem ao prédio identificado em N), utilizam o carreiro localizado junto ao rego de água em causa nos autos, tanto da forma indicada na resposta ao quesito 11.º, como através de um outro prédio, situado a norte, hoje pertencente à filha dos réus, o que faziam indistintamente e conforme lhes fosse mais conveniente. – resposta ao quesito 14.º
15) A vista de toda a gente, sem interrupção, de forma pacífica, sem oposição de ninguém – resposta ao quesito 15.º;
16) Tal passagem é um dos acessos que liga a via pública ao prédio dos autores – resposta ao quesito 16.º.

III – Como resulta dos artigos 684.º, n.º 4 e 690.º do Código de Processo Civil as conclusões das alegações delimitam o âmbito do recurso.

E segundo o n.º 1 do artigo 721.º do CPC, “[c]abe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa”.

O fundamento específico do recurso de revista é, nos termos do n.º 2 do citado normativo, “a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades previstas nos artigos 668.º e 716.º”.

Consideram-se como lei substantiva, para os efeitos deste artigo – diz-se no seu n.º 3 – “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de carácter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.”

Por seu lado, prescreve o n.º 1 do artigo 722.º que, “[s]endo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação de lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso”.

Diz-se ainda no n.º 2 do citado normativo que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Importa ainda citar o n.º 3 do artigo 722.º do CPC onde se estatui:

“Se o recorrente pretender impugnar a decisão apenas com fundamento nas nulidades dos artigos 668.º e 716.º, deve interpor recurso de agravo.”

E finalmente apelar, para esta análise, ao disposto no n.º 2 do já citado artigo 729.º, do mesmo Código, que dispõe:

“A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º “


IV.1 – Os Recorrentes suscitam as seguintes questões:

a) Violação dos artigos 342.º, n.º 2, 343.º, n.º 1, 350.º, n.º 1 do Código Civil;
b) Violação dos artigos 1251.º, 1252.º, n.º 2, 1287.º, 1543.º e 1550.º e 1561.º n.º 1, todos do C.Civil e Assento do STJ, de 14.05.96.

IV.2 – Quanto à violação referida na alínea a) aderimos sem qualquer rebuço a tese defendida quer na decisão de 1.ª instância quer na decisão da Relação. Com efeito, a presente acção caracteriza-se como de simples apreciação negativa, através da qual os autores pretendem que se declare que o respectivo prédio não está onerado com nenhuma servidão de aqueduto ou de passagem a pé, excepto de 24 de Junho a 8 de Setembro, 24 horas de 30 em 30 dias, para rega do campo chamado "Fonte", e em caso de sobra desse campo, também durante o mesmo período de tempo, a favor do prédio rústico chamado "Campo de Leiças", pertencente a EE nem com qualquer servidão de passagem a pé para o imóvel urbano identificado no art. 26.º da p.i.

Nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil, é sobre o autor que recai o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que invoca em juízo.

Porém, tal regra não se aplica nos casos de simples apreciação ou declaração negativa.

Nesta situação rege o n.º 1 do artigo 343.º do Código Civil, que inverte esse regime--regra, pondo a cargo do réu o ónus da prova do direito em discussão.

A título de exemplo pode, precisamente, citar-se a acção negatória de servidão, na qual "é ao réu que cabe provar a existência da servidão, por ser praticamente impossível provar que ela não se constituiu. O autor só terá de fazer a prova do seu direito de propriedade". (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA, Coimbra, 1987, p. 307.

Em ambas as subespécies de acções de simples apreciação (positiva e negativa) é, em todo o caso, e de harmonia com aqueles preceitos, sobre quem se arroga o direito em questão que recai o ónus da prova da existência desse direito.

A esta luz, não pode negar-se ao réu em acção de simples apreciação negativa posição substancial ou materialmente (embora não formalmente) coincidente com a de autor em acção de simples apreciação positiva.

Esse sendo mesmo o seu traço mais saliente, em vista da inversão do regime--regra do ónus da prova operado no n.º 1 do art.º 343.º do Código Civil, não poderá negar-se que, na perspectiva da relação material controvertida, o réu passa, nas acções de simples apreciação negativa, a ocupar posição equivalente à de autor noutra qualquer acção.

Por outro lado, uma acção de simples apreciação negativa nunca pode improceder, e o nela demandado ser absolvido do pedido, por falta de prova.

Nesse tipo de acções, a dúvida sobre a realidade dos factos terá sempre, conforme resulta do art. 516.º do Código de Processo Civil (e 346.º do Código Civil), que resolver-se em desfavor do réu, que é a parte a quem o facto aproveita (v. acórdão do STJ, de 30. 01.03, CJSTJ, Ano XI, Tomo I, p. 68).

Todavia, porque também a estes casos se aplicam as demais regras de repartição do ónus probatório, demonstrada pelo réu a existência da servidão (os respectivos factos são, relativamente a ele, por força do art. 343.º, n.º 1, constitutivos) será, depois, ao autor que incumbe a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos daquele direito (n.º 2 do art. 342.º da lei substantiva civil).

Justifica-se que se abra um breve parêntese para fazer uma referência sobre as servidões e a posse, tanto mais que isso nos conduz à invocação das normas que terão sido violadas.

A lei define a servidão predial como o encargo imposto num prédio, o chamado dominante, em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente, designado por serviente (artigo 1543.º do Código Civil).

Trata-se, pois, de uma restrição ao direito de propriedade sobre o prédio dito serviente, relativo ao direito de gozo do respectivo proprietário, ou seja, implica um direito real limitado.

É oponível não só ao proprietário do prédio serviente como também aos seus futuros adquirentes, de harmonia com o princípio da inerência.

É essencial à constituição de uma servidão que dela resulte alguma vantagem para o prédio dominante, ou seja, um proveito efectivo por via de um prédio serviente. A referida utilidade ou vantagem é susceptível de se traduzir em aumento do valor venal do prédio dominante, como é o caso da servidão de passagem num prédio serviente para àquele proporcionar maior comodidade (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra, 1987, pág. 619).

Às servidões legais, designadamente as que são constituídas em benefício de um prédio encravado, reporta-se o artigo 1550.º do Código Civil.

Prescreve, por um lado, que os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública nem condições que lhes permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos (n.º 1). E, por outro, gozar de igual faculdade o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio (n.º 2).

Nele se prevê o encrave predial absoluto e o relativo, ou seja, por um lado, o prédio que não tem qualquer comunicação com a via pública, e o que dispõe de insuficiente comunicação, isto é, com ou só possível através da realização de obras de custo desproporcionado com os lucros ou vantagens derivados da sua exploração. A via pública a que se refere este artigo é aquela onde as pessoas possam circular livremente, por exemplo as estradas e os caminhos.

Assim, envolvem as servidões legais, verificados que sejam os referidos pressupostos, o direito potestativo gerador da faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste.

Exercido que seja esse direito, designadamente por via de contrato ou de sentença judicial, logo a servidão passa de potência a acto, isto é, logo se transmuta de meramente legal em efectiva.

Entre as servidões sobressai, pelo seu relevo económico e prático, a de passagem a pé ou de carro, ou seja, o poder conferido ao proprietário do prédio encravado de exigir o acesso à via pública através do prédio ou dos prédios vizinhos.

Os modos de constituição das servidões são o contrato, o testamento, a usucapião ou destinação de um pai de família (artigo 1547.º, n.º 1, do Código Civil). Tendo em conta o objecto do litígio, no caso vertente só releva, no quadro dos títulos de constituição de servidões, a usucapião.

Prescreve o art. 1287.º, do Código Civil, que, "A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião."

A usucapião, como forma originária de constituição de direitos reais, que opera pela transformação em jurídica duma situação de facto, obedece a dois requisitos, ou pressupostos, cuja verificação cumulativa é determinante para que o instituto possa produzir efeitos. O primeiro desses requisitos é que estejamos perante uma situação de posse relativamente a um direito real de gozo, como seja a propriedade, a propriedade horizontal, o usufruto e a nua propriedade, o direito de superfície, as servidões prediais aparentes e o direito de habitação periódica, afastando o art. 1293.º, do C.C. as servidões prediais não aparentes e o direito de uso e habitação. O segundo requisito é o decurso dessa situação de posse do direito durante um certo lapso de tempo, que varia conforme as circunstâncias previstas nos artigos 1294.º e seguintes do mesmo diploma legal.

“A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real."– art.º 1251.º, do Código Civil.

"A posse adquire-se:
a) pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao
exercício do direito"– art.º 1263.º, al. a), do Código Civil.

A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta." – art.º 1258.º, do Código Civil.

Para efeitos de usucapião a posse tem sempre de revestir duas destas características, tem de ser pública e pacífica – art.º 1297.º do Código Civil.

Os restantes caracteres influem apenas no prazo.

"Na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos:
I – um elemento material – «corpus» – que se identifica com os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa;
II – um elemento psicológico – «animus» – que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados." (MOTA PINTO, Direitos Reais, prelecções ao 4.º Ano Jurídico de 1970/71, coligidas por ÁLVARO MOREIRA e Carlos Fraga, Coimbra, Almedina, 1976, p. 180)

O facto de a lei exigir o corpus e o animus para efeito de se considerar haver posse implica que o possuidor tenha de provar a existência destes dois elementos. É esta posse que a usucapião pressupõe, a que se adquire pelo facto e pela intenção.

Ficou inequivocamente demonstrada a existência do poder de facto correspondente ao denominado corpus da posse.

Ora, sendo certo que para qualificar uma situação como de verdadeira posse é necessário não somente o corpus mas ainda o animus, verdade é também que o exercício daquele faz presumir a existência deste.(Cfr. acs. STJ de 25/02/93, no Proc. 82887, da 2.ª secção (relator Zeferino Faria); e de 05/05/2005, no Proc. 1078/05, da 7.ª secção (relator Custódio Montes).

Trata-se, porém, de uma presunção legal tantum juris, susceptível, por isso, de ser ilidida pela prova do contrário (vide acórdão do STJ, de 10-11-2005, processo n.º 3055/05, da 7.ª Secção, relator Araújo Barros, in http //www.dgsi.pt/jstj).

É a doutrina que, ademais, resulta do Assento do STJ de 14/05/96 (publicado no DR, II S, de 24/6/96. Tal assento continua a vigorar, agora com a natureza de acórdão uniformizador de jurisprudência (art. 17.º, n.º 2, do Dec.Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), onde se entendeu que "podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não foi ilidida, os que exercem o poder de facto sobre a coisa".

Na verdade, como nos casos de aquisição unilateral do direito não há causa, ou antes, não há um negócio jurídico que defina a vontade, não há uma causa concreta, o Código estabeleceu uma presunção de causa, dizendo que "em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto" (art. 1252.º, n.º 2, do C.Civil). Esta presunção da existência do animus só pode ser ilidida pela demonstração de que os actos praticados são por sua natureza insusceptíveis de conduzir à posse – são actos facultativos ou são actos de mera tolerância. (Cfr. MANUEL RODRIGUES, A Posse – Estudo de Direito Civil Português, 4.ª edição, revista, anotada e prefaciada por FERNANDO LUSO SOARES, Coimbra, 1996, pp. 192 e 195).

Desta forma, presumido legalmente o animus da posse das servidões, incumbiria já aos autores, como acima vimos, por força do disposto no art. 342.º, n.º 2, do C.Civil, alegar e provar que o poder de facto exercido pelos réus derivava de simples tolerância, situação em que se poderia dizer que a respectiva posse era precária, por exercida em nome deles (art. 1253.º, al. b), do C.Civil).

Como já se disse atrás, um non liquet probatório nas acções de simples apreciação negativa terá sempre, que resolver-se em desfavor do réu.

Já, pelo contrário, a improcedência deste tipo de acção implica, sem margem para dúvidas, o reconhecimento da existência do direito que o réu se arroga, que fica definitivamente estabelecida, perante o autor.

Por isso mesmo, fica prejudicada a proposição pelo réu de ulterior acção de simples apreciação positiva (arts.494.º, al. i), 497.º, n.os 1 e 2, e 498º do Código de Processo Civil) e se revela redundante a dedução de reconvenção, a que não pode atribuir-se mais valia alguma em relação à simples procedência da defesa deduzida em acção de simples apreciação negativa, não passando, nesse caso, de puro reverso da pretensão do autor, que se limita a pedir a declaração da inexistência de direito que o réu invoca.

Cometida a este, em tal acção, a prova desse direito, dificilmente se descortina o que é que, em acção de simples apreciação negativa, a dedução da reconvenção possa efectivamente acrescentar à simples defesa.

Concretamente: se na realidade resultar improcedente esta acção negatória de servidão, fica definitivamente estabelecida entre as partes a existência da servidão de aqueduto e de passagem em que se funda a defesa que lhe foi oposta, nada lhe acrescentando senão o formal reconhecimento (declaração, enfim) do direito e consequente "condenação" (entre aspas, para dar nota da impropriedade do termo, face ao disposto no art. 4.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC) da parte vencida nesse mesmo reconhecimento de direito real, por sua natureza absoluto (erga omnes), e que, como dela decorre, todos se encontram obrigados a respeitar.

Nunca, por outro lado, uma acção de simples apreciação negativa pode improceder, e o nela demandado ser absolvido do pedido, por falta de prova.

Na lição de ANTUNES VARELA (RLJ 121.º, p.14), na contestação das acções de mera apreciação negativa não tem, em princípio, cabimento defesa por excepção (material ou peremptória), nem a dedução de reconvenção, "mas apenas (a) alegação dos factos constitutivos do direito que o réu se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que (...) afirma", por sua vez, consoante n.º 2 do art.º 502.º, servindo a réplica, – nesta espécie de acções com função diversa da que lhe é, de modo geral, atribuída no n.º 1 desse artigo, de resposta às excepções ou reconvenção deduzidas pelo réu –, para o autor impugnar aqueles factos e para alegar os factos impeditivos e extintivos do direito invocado pelo réu (cfr. n.º 2 do art.º 42.º do CC)”– Cfr. Ac. STJ de 30/01/2003, in http //www.dgsi.pt/jstj

No caso dos autos, a 1.ª instância entendeu que a presunção de que beneficiavam os Réus, por força do disposto no artigo 1252.º, n.º 2 do Código Civil foi ilidida, pelo que ficou por provar o animus da posse.

Resultou apurada a factualidade atrás descrita.

E afirmou-se na referida sentença:

“Perante esta factualidade parece-nos manifestamente preenchido o primeiro dos elementos da posse aludidos, o corpus, uma vez que, por força do disposto no art. 1255.º, do C.C., os réus sucederam na posse dos seus antecessores e todos têm fruído e usado o prédio dos autores, exercendo certos poderes de facto sobre o mesmo, de forma reiterada, durante algum tempo, mais de 30 anos, de forma pública e pacífica. No entanto, o mesmo não se pode afirmar relativamente ao segundo elemento referido, o animus possidendi, uma vez que os réus não lograram provar, como era seu ónus, que o faziam na convicção de que sobre o mesmo tinham direito de passar para da via pública acederem ao seu prédio (identificado em N)), e vice-versa, a pé, durante todo o ano e a qualquer hora, ou seja, que sobre aquele existia um direito de passagem, de serventia, para este seu prédio.

“Ora, tendo os réus logrado fazer prova de uma situação de posse em termos materiais, o tal «corpus», identificado com os actos materiais (detenção, fruição, ou ambos conjuntamente) praticados sobre o prédio dos autores, designadamente sobre o carreiro, escada e portão aí situados, a verdade é que, relativamente ao elemento psicológico, o «animus», traduzido na tal intenção de se comportarem como titulares do direito real correspondente aos actos praticados, tendo claudicado na prova de que o faziam na convicção de exercerem um direito de usar e utilizar, ou seja, de passar nesses espaços e sobre esse logradouro, é evidente que aquela materialidade fáctica provada não é bastante para se concluir pela aquisição por usucapião do alegado direito de servidão de passagem.

“Consequentemente, não podem os réus ter adquirido por usucapião o direito de passarem através do prédio dos autores para acederem ao seu prédio identificado na al. N) dos factos assentes.

“Face a tudo o exposto, em vista da inversão do regime-regra do ónus da prova previsto no citado n.º 1 do art. 343.º C. Civ., uma vez que os réus, na perspectiva da relação material controvertida, têm nesta acção de simples apreciação negativa a posição equivalente à de autor noutra qualquer acção, terá de ser julgada procedente a posição dos demandantes relativamente à declaração de inexistência do direito de passagem daqueles através do seu prédio.

“O mesmo se dirá quanto ao direito de servidão de aqueduto, e da acessória servidão de passagem a pé, para acompanhamento, tapagem, destapagem e desobstrução dessa água, relativamente ao rego por onde é conduzida a água de rega proveniente da "Poça do Monte ou Rego do Regueirinho", no troço situado no prédio dos autores. Também aqui o non liquet probatório terá de decidir-se em desfavor dos réus e da chamada, limitando-se e exercício desse direito à época de Verão alegada pelos autores e nas condições por eles apontadas.”

Decidiu o acórdão recorrido manter inalterada a decisão da matéria de facto. O que acabou por redundar na consideração da improcedência das demais questões.

Quanto à matéria de facto, a decisão encontra-se definitivamente fixada, não podendo este tribunal sindicar tal decisão, por não se configurar erro na apreciação das provas e na fixação de factos materiais, nos termos atrás referidos sobre a interpretação do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil.

Tal censura só teria cabimento se, no caso, tivesse sido desrespeitada a presunção legal, o que se reconduziria a erro na apreciação da prova abrangido no n.º 2 da citada disposição adjectiva, por desrespeito da norma que regula a força probatória de um dos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico.

Não foi essa a situação que se verificou: A presunção legal não foi desrespeitada; a presunção legal foi ilidida.

Daí que se reafirme a asserção anterior de que este Tribunal não pode interferir na matéria de facto definitivamente fixada.

IV.3 – Quanto ao mais, decidiu ainda a Relação de forma que não suscita reparos, pelo que, nos termos do artigo 713.º, n.º 5 do Código de Processo Civil se confirma, também o decidido.

Apenas se acrescenta relativamente à alegada “servidão de aqueduto relativamente ao prédio referido em M), durante todo o ano” que não existe a contradição invocada, pois o mero escoamento das águas de um prédio superior não se confunde com uma servidão de aqueduto a favor de um prédio inferior.


V – Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Outubro de 2006

Paulo Sá (relator)
Borges Soeiro
Faria Antunes