FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
RESTITUIÇÃO
CÂMARA MUNICIPAL
PRESIDENTE
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL
Sumário


I - A previsão do art. 39.º do DL 28/84, de 20 de Janeiro [de que, além das penas previstas nos artigos 36.° e 37.°, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas], configura uma restituição ao Estado para salvaguardar a sua responsabilidade subsidiária numa eventual situação de reembolso do subsídio à União Europeia (cf., neste sentido, o Ac. Deste Supremo Tribunal de 5-02-1997, Proc. n.º 809/97).
II - Ainda que se possa considerar como uma consequência jurídica do crime, a reposição das verbas ilicitamente recebidas não é uma sanção penal, designadamente uma pena acessória, dado que não se conexiona com a culpa do agente.
III - Embora a sua finalidade corresponda em parte à de uma indemnização por perdas e danos, não há total identidade entre as duas figuras, designadamente porque não se destina propriamente a reparar os prejuízos que nos temos da lei civil são indemnizáveis. Trata-se de uma consequência jurídica do crime e simultaneamente de uma sanção civil, consistente na perda de um benefício.
IV - A circunstância de a obra, para realização da qual a subvenção se destinava, ter vindo a ser concluída, não afasta a obrigação de restituição referida no artigo 39.º do DL 28/84, de 20-01, pelo que, dada a forma imperativa da imposição legal da restituição, terá de se considerar que com o cometimento do crime se gerou a obrigação de restituição do beneficio recebido.
V - Quanto à questão de saber se a obrigação de restituição recai sobre o arguido ora recorrente, que agiu como presidente da câmara do município que solicitou e recebeu o subsídio, ou sobre o próprio município, é de notar, desde logo, o sentido corrente do verbo «restituir», que inculca que a coisa esteja na posse ou pelo menos na disponibilidade da pessoa obrigada à restituição: só quem recebeu e detém a coisa a pode restituir.
VI - No caso, tratando-se de um subsídio concedido a um município para realização de uma infra-estrutura camarária, tem de se considerar que o subsídio entrou no património do município. E tal aconteceu na sequência da actuação da Câmara Municipal de …, que «com conhecimento e por intermédio do arguido, remeteu à ADRAT documentação que não tinha correspondência em qualquer tipo de trabalhos, nomeadamente a documentação relativa a obra executada por administração directa, ou seja, a construção de balneários e bar de apoio à Praia Fluvial, assim como subscreveu o certificado de conclusão da obra, que continha informação falsa». O arguido em nada beneficiou com a prática do crime.
Tendo sido o referido município quem recebeu e deu destino ao subsídio, incorporando o respectivo valor no seu património, só ele poderia restituir o montante recebido.
VII - Converter a obrigação de restituição do município num dever de pagamento da mesma quantia pelo presidente da respectiva câmara, significa transformar essa obrigação num dever de indemnização a cargo de outra pessoa sem que para tal exista fundamento legal.
Só no caso de o arguido ter sido demandado para indemnizar o Estado pelos danos emergentes do crime, nos temos dos arts. 129.º do CP e 71.º e ss. do CPP, é que poderia ter lugar a sua condenação a indemnizar o Estado, pelo que, não o tendo sido, não poderá ser condenado a restituir o montante do subsídio concedido ao município.
VIII - A frustração da aplicação do disposto no art. 39.º do DL 28/84 resulta de uma razão processual: a omissão de demanda criminal do Município, ao abrigo do disposto no art. 3.°, n.º 1, do DL 28/84. Com efeito, o Município, como pessoa colectiva pública, poderia ter sido acusado como agente do crime, conjuntamente com o arguido, caso em que, a haver condenação, seria responsável pela restituição.
IX - Esta interpretação da lei não será aplicável às situações, nalguma medida similares mas não idênticas, que ocorrem com a prática de infracções aos arts. 36.º e 37.º do DL 28/84 cometidas por sociedades comerciais e respectivos sócios-gerentes, dado que estes, em regra, são beneficiados, ainda que indirectamente, com a atribuição às empresas da subvenção, subsídio ou crédito bonificado.

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. No Tribunal Judicial de …, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, AA foi condenado como autor de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal, e 21.º e 36.º, n.os 1 alínea c), 2, 5, alínea a), e 8, ambos do Decreto-Lei n.º 28/84, 20 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão substituídos por igual tempo de multa à taxa diária de dez euros, perfazendo a multa global de mil e quinhentos euros.
Inconformado com tal decisão dela recorreu o Ministério Público, que formulou na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem.
a) Tendo o tribunal colectivo no acórdão recorrido condenado o arguido pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção p. e p. pelo art. 36°, n° 1, al. c), n° 2, n° 5, al. a) e n° 8 do Dec.-Lei n° 28/84, de 20.01 em pena de prisão substituída por pena de multa, deveria ainda, por imposição do estatuído no art. 39° do mesmo diploma legal, tê-lo condenado na restituição ao Estado da quantia de 29.927,87 € (6.000.000$00) ilicitamente obtida com a sua conduta.
b) Tal condenação na "restituição das quantias" referida no art. 39° do 28/84, de 20.01, constitui um efeito penal da condenação; "um efeito necessário, como que automático, da condenação".
c) Ao omitir tal condenação o acórdão recorrido padece do vício de errada interpretação e aplicação do direito, mostrando-se violada a norma contida no art. 39° do Dec.-Lei n.° 28/84, de 20 de Janeiro.
Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso, condenando-se, ainda, o arguido à restituição ao Estado da quantia de 29.927,87 € (6.000.000$00) ilicitamente obtida com a sua conduta, assim se fazendo Justiça.
O arguido respondeu à motivação do recurso, dizendo em síntese (transcrição):
1. O douto Acórdão em crise deu como provado que a subvenção recebida foi integralmente utilizada na "praia fluvial de …", projecto para o qual a subvenção se destinava;
2. Tais obras entraram, pelo referido, no património do Município de …, e, como tal, no património do Estado, em sentido lato;
3. Não houve assim qualquer prejuízo do Estado, contudo,
4. Nem na douta acusação nem no douto despacho de pronúncia proferido nos presentes autos se faz referência ou é requerido ao M.° tribunal a quo a exigência de restituição de verbas;
5. A serem solicitadas sempre tal pedido deveria ser endereçado à instituição que as recebeu, o Município de …,
6. Ou sendo tal restituição peticionada ao arguido, tal pedido deveria ter sido feito de forma e em tempo para que este, pelas leis processuais, pudesse ter chamado à lide o Município.
7. A entendermos de outra forma estará o Município a obter um enriquecimento à custa do arguido, o que desde logo é inconstitucional, tal como inconstitucional é a violação do direito de defesa do arguido, que só nesta fase se vê confrontado com esta argumentação;
8. Resulta claro no douto Acórdão do STJ de 10/04/2002, proferido no processo n.° 352/02, alegado pelo recorrente, que naquele caso, ali em apreço, foi deduzido atempadamente pedido de indemnização civil contra o arguido, pedido esse que foi julgado pelo tribunal a quo.
9. Mas não estamos também perante uma empresa, para os efeitos do DL 28/84, de 20 de Janeiro;
10. Nem o Município de … é uma unidade de produção, nem sequer é uma entidade que gere ou administra uma empresa stricto sensu;
11. Nem se pode sequer considerar que a construção de uma praia fluvial se destine à produção económica;
12. Mas como refere o digno recorrente, já na vigência do Código de 1886 a obrigação de indemnizar tinha subjacente o pedido formulado pelos ofendidos.
13. Acresce que o procedimento já se encontrava prescrito à data de realização da audiência de julgamento, sem que sobre tal facto o M.° Tribunal a quo se tenha pronunciado.
Nestes termos e nos melhores de direito que Vs Ex.as mais doutamente suprirão, não concedendo provimento ao presente recurso, farão a esperada Justiça.
Neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto disse nada obstar ao conhecimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, teve lugar a audiência, com a produção de alegações orais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II. Foram dados como provados os seguintes factos:
─ A ADRAT, Associação de Desenvolvimento do Alto Tâmega, cont. nº 502787228, era a entidade gestora da subvenção global LEADER na região do Alto Tâmega, e o arguido AA exerceu funções de Presidente da Câmara Municipal de …;
─ A Câmara Municipal de … apresentou um projecto de investimento e recuperação na ADRAT, no âmbito do programa comunitário “LEADER”, referente à recuperação de espaços de lazer e recreio, enquadrável na Medida III – Turismo em Espaço Rural, constante na candidatura da ADRAT aprovada pela CE;
─ Para tal, a Câmara Municipal de … apresentou à ADRAT uma memória descritiva relativa à dinamização de um espaço fluvial no Lugar de ..., freguesia de…, correspondente a um investimento de 46.039,05€ (9.230.000$00);
─ As infra-estruturas a criar e alvo de apoio financeiro eram: alargamento e regularização do caminho existente que liga a EN nº 2 à área de intervenção; reconstrução de um pontão na Ribeira de Mezio; arranjo de um local de estacionamento; plantação de árvores folhosas e outras de crescimento rápido; limpeza das linhas de água; construção de duas casas de banho e um bar de apoio;
─ Tal projecto foi analisado e aceite pela direcção da ADRAT em reunião de 19.06.1992, com uma comparticipação “LEADER” de 65%, ou seja, no montante de 29.927,87€ (6.000.000$00);
─ Em 9 de Dezembro de 1993, entre a ADRAT e o município de …, representado pelo presidente da Câmara anterior ao arguido, foi subscrito o contrato de atribuição de ajuda, tendo-se a Câmara comprometido a executar o projecto e orçamento apresentado, aprovado pelo grupo de acção social e ratificado pela direcção da ADRAT;
─ A calendarização da execução do projecto tinha início em 01.07.1994 e final em 27.12.1994, não podendo em caso algum o prazo limite para a conclusão da acção ultrapassar o dia 31.12.1994, obrigando-se o município a devolver as verbas entregues pela ADRAT, caso esse limite fosse ultrapassado;
─ A obra “Recuperação de Espaço de Lazer e Recreio – Praia Fluvial …” constava de três fases com execução simultânea e com tratamentos distintos: empreitada “Reparação e Conservação de Pavimentação nas Diversas Freguesias do Concelho – Construção da Praia Fluvial”, “Limpeza e Desmatação” e “Construção dos Balneários e Bar”;
─ Relativamente à primeira fase – Empreitada “Reparação e Conservação de Pavimentação nas Diversas Freguesias do Concelho – Construção da Praia Fluvial”, a empreitada para a execução da obra, alvo do projecto, foi a concurso e por despacho do presidente da Câmara de … 12.08.1994, foi adjudicada à firma “…” pela importância de 21.678,26€ (4.346.100$00) acrescida de IVA;
─ Em 15.09.1994 foi celebrado entre a Câmara Municipal de …, representada pelo seu presidente, o arguido AA, e a firma “…”, um contrato de execução da aludida empreitada pelo valor referido. Os trabalhos a executar na empreitada consistiam: 2865 metros quadrados de pavimentação de calçada à portuguesa assente sobre almofada de saibro arenoso; 60 metros quadrados de construção de muro de vedação em pedra seca; 120 metros cúbicos de construção de muro de suporte em alvenaria de granito incluindo abertura de fundações e transporte e vazadouro dos produtos resultantes da escavação;
─ Em 22.09.1994 entre o empreiteiro e a câmara foi assinado o auto de consignação da obra, tendo a obra tido o seu início nessa data;
─ Relativamente à obra foram realizados três autos de medição: auto de medição nº 1, trabalho nº 1, datado de 17.11.1994, no montante de 5.656,37€ (1.134.000$00), com IVA, o que justificou o pagamento ao empreiteiro, através da ordem de pagamento nº 1677/94, da importância de 5.360,08€ (1.074.600$00), deduzido o valor referente ao depósito de garantia bem como a dedução para o C.G.A.); auto de medição nº 2, trabalho nº 2, datado de 23.12.1994, no montante de 882,24€ (176.873$00) com IVA, o que justificou o pagamento ao empreiteiro, através da ordem de pagamento nº 1883/94 de 29.12.1994, da importância de 879,04€ (176.031$00), deduzido o valor referente ao C.G.A.); auto de medição nº 2, trabalho nº 1, datado de 23.12.1994, no montante de 16.848,56€ (3.377.834$00) com IVA, o que justificou o pagamento ao empreiteiro, através da ordem de pagamento nº 1884/94 de 29.12.1994, da importância de 15.966,50€ (3.200.995$00), deduzido o valor referente ao depósito de garantia bem como dedução para o C.G.A.;
─ A obra iniciou-se em 22.09.1994, foi dada como concluída a 23.12.1994 e o seu valor final ascendeu a 22.273,97€ (4.465.430$00);
─ Para a execução da Fase de Desmatação e Limpeza das Margens da Ribeira de Mezio, a Câmara Municipal de … contratou com a firma “Pedreiras. …” e o valor global dos trabalhos executados por esta firma ascendeu a 7.704,25€ (1.544.563$00), tendo a empresa recebido tal quantia através da ordem de pagamento nº 18881/94 de 29.12.1994;
─ A terceira fase da obra ─ construção dos balneários e bar de apoio à Praia Fluvial de … ─ foi executada por funcionários e equipamentos pertencentes à Câmara Municipal …, tendo esta fase tido o seu início em 01.07.1994 e tendo sido dada como concluída em 12.09.1994 pelo valor de 9.879,93€ (1.980.749$00) em mão-de-obra e 5.185€ (1.039.500$00) em equipamentos, tudo no total de 15.064,94€ (3.020.249$00);
─ Assim, o total das três fases de conclusão da obra “Praia Fluvial de …” ascendeu ao valor de 46.156,86€ (9.253.619$00);
─ A Câmara Municipal … remeteu para a ADRAT a documentação relativa às três fases de conclusão da obra, ou seja, os autos de medição e documentação emitida pela firma “….”, os recibos e facturas emitidas pela empresa “…” e a documentação relativa à obra executada pelo município por administração directa;
─ Assim, a obra foi dada como concluída em 29.12.1994 tendo sido emitido o certificado de conclusão da obra, subscrito pelo arguido e tendo a ADRAT concluído pela regularidade de projecto;
─ Em consequência, a ADRAT emitiu uma autorização de pagamento datada de 29.12.1994 no montante de 29.927,87€ (6.000.000$00), tendo sido emitido o cheque nº … naquele montante, datado de 30.12.1994, sobre a Caixa … de Chaves;
─ No entanto, em 29.12.1994 a obra não se encontrava concluída, nomeadamente não estavam construídos os balneários e o bar, facto que era do conhecimento do arguido;
─ Assim, a Câmara Municipal …, com conhecimento e por intermédio do arguido, remeteu à ADRAT documentação que não tinha correspondência em qualquer tipo de trabalhos, nomeadamente a documentação relativa à obra executada por administração directa, ou seja, a construção de balneários e bar de apoio à Praia Fluvial, assim como subscreveu o certificado de conclusão da obra, que continha informação falsa;
─ O arguido AA, na qualidade de presidente da Câmara de …, sabia que os documentos que remeteu à ADRAT eram inexactos e sabia que a obra não estava concluída quando assinou o certificado de conclusão da mesma;
─ Procedeu dessa forma para dar a obra como concluída, o que sabia não ser verdade, bem sabendo que tal informação era essencial para que fosse entregue a quantia acima referida, no montante de 29.927,87€ (6.000.000$00), que a câmara municipal recebeu;
─ Com tal conduta o arguido visou a concessão de um subsídio que de outra forma sabia não ter o município direito a receber, o que veio a lograr, naquele montante, prejudicando o Estado em igual valor;
─ Agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
─ Posteriormente, ainda durante o mandato do arguido como presidente da câmara, cerca do ano de 1999, as obras acima referidas foram concluídas, tendo sido efectuada a totalidade das obras projectadas;
─ O arguido é médico de profissão, actividade em que aufere cerca de 5.000€ mensais, reside com mulher, doméstica, e dois filhos de ambos, de 21 e 18 anos de idade, ambos estudantes universitários; é possuidor de duas habitações, tendo contraído um empréstimo bancário para a sua aquisição e pagando uma prestação de cerca de 1.200€ mensais;
─ Não tem antecedentes criminais.
II. Suscita-se no recurso uma única questão: saber se o arguido deve ser condenado a restituir ao Estado a quantia de € 29.927,87, ilicitamente obtida com a sua conduta.
Trata-se, no caso, de uma subvenção concedida ao abrigo do Programa LEADER, da responsabilidade da então Comunidade Europeia.
Tal Programa visava a promoção de projectos de âmbito local, em meio rural, nomeadamente no sentido de melhorar a qualidade de vida das comunidades rurais, através de projectos, tais como arranjos urbanísticos ou paisagísticos, recurperação de património, criação de pequenas empresas artesanais e promoção da região, dos seus produtos e da sua cultura (fls. 269).
Estabelece o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, que, além das penas previstas nos artigos 36.º e 37.º, o tribunal condenará sempre na total restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas.
Está-se perante uma restituição ao Estado para salvaguardar a sua responsabilidade subsidiária numa eventual situação de reembolso do subsídio à União Europeia. Neste sentido cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 5-02-1997, proc. n.º 809/97.
O acórdão recorrido omite qualquer referência a esta questão.
Importa antes de mais definir a natureza jurídica dessa restituição.
O texto legal inculca logo à partida que de trata de um efeito da prática do crime, devendo ser declarado conjuntamente com a aplicação da pena.
Embora se possa considerar como uma consequência jurídica do crime, a reposição da verbas ilicitamente recebidas não é uma sanção penal, designadamente uma pena acessória, dado que não se conexiona com a culpa do agente.
Embora a sua finalidade corresponda em parte à de uma indemnização por perdas e danos, não há total identidade entre as duas figuras, designadamente porque não se destina propriamente a reparar os prejuízos que nos termos da lei civil são indemnizáveis.
Trata-se de uma consequência jurídica do crime e simultaneamente de uma sanção civil, consistente na perda de um benefício.
A circunstância de a obra, para realização da qual a subvenção se destinava, ter vindo a ser concluída, não afasta a obrigação de restituição referida no artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro.
Face ao exposto, designadamente pela forma imperativa da imposição legal da restituição, terá de considerar que, no caso, com o cometimento do crime se gerou a obrigação de restituição do benefício recebido.
Tendo-se por assente que existe a obrigação de restituição, tudo está em saber se a mesma recai sobre o arguido ora recorrente, que agiu como presidente da câmara do município que solicitou e recebeu o subsídio, ou sobre o próprio município.
Desde logo o sentido corrente do verbo «restituir» inculca que a coisa esteja na posse ou pelo menos na disponibilidade da pessoa obrigada à restituição.
Só quem recebeu e detém a coisa a pode a restituir.
No caso, tratando-se de um subsídio concedido a um município para realização de uma infra-estrutura camarária, tem de se considerar que o subsídio entrou no património do município. E tal aconteceu na sequência da actuação da Câmara Municipal de …, que «com conhecimento e por intermédio do arguido, remeteu à ADRAT documentação que não tinha correspondência em qualquer tipo de trabalhos, nomeadamente a documentação relativa à obra executada por administração directa, ou seja, a construção de balneários e bar de apoio à Praia Fluvial, assim como subscreveu o certificado de conclusão da obra, que continha informação falsa».
O arguido em nada beneficiou com a prática do crime.
Tendo sido o referido município quem recebeu e deu destino ao subsídio, incorporando o respectivo valor no seu património, só ele poderia restituir o montante recebido.
Converter a obrigação de restituição do município num dever de pagamento da mesma quantia pelo presidente da respectiva câmara, significa transformar essa obrigação num dever de indemnização a cargo de outra pessoa sem que para tal exista fundamento legal.
Só no caso de o arguido ter sido demandado para indemnizar o Estado pelos danos emergentes do crime, nos termos dos artigos 129.º do Código Penal e 71.º e seguintes do Código de Processo Penal, é que poderia ter lugar a sua condenação a indemnizar o Estado.
O arguido não poderá assim condenado a restituir o montante do subsídio concedido ao município.
A frustração da aplicação do disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 28/84 resulta de uma razão processual: a omissão de demanda criminal do Município de …, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 28/84.
Com efeito, o Município de …, como pessoa colectiva pública, poderia ter sido acusada como agente do crime, conjuntamente com o arguido, caso em que, a haver condenação, seria responsável pela restituição.
Esta interpretação da lei não será aplicável às situações, nalguma medida similares mas não idênticas, que ocorrem com a prática infracções aos artigos 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 28/84 cometidas por sociedades comerciais e respectivos sócios-gerentes, dado que estes, em regra, são beneficiados, ainda que indirectamente, com a atribuição às empresas da subvenção, subsídio ou crédito bonificado.
III. Nestes termos, negam provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Não é devida taxa de justiça.
São devidos honorários ao defensor nomeado, em conformidade com a tabela legal.
Lisboa, 25 de Outubro de 2006

Silva Flor (relator)
Soreto de Barros
Armindo Monteiro
Santos Cabral