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LEGITIMIDADE ACTIVA
LITISCONSÓRCIO
SIMULAÇÃO
Sumário
1. Embora a mulher do réu não tenha sido interveniente no negócio simulado, e apesar de o A. ter estruturado a acção de forma a que o imóvel sempre esteve integrado no acervo da herança ilíquida e indivisa da mãe, dos normativos dos nºs 1 e 3 do artigo 34º do CPC resulta que devem ser propostas contra ambos os cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro, as acções de que possa resultar a perda de bens que só por ambos possam ser alienados. 2. Se após a compra e venda, o imóvel entrou no património comum do casal (artigos 1732º e 1733º), a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre esse bem carece do consentimento de ambos os cônjuges (1682º-A, nº1-a, do Código Civil), daí que a legitimidade do réu só poderia ficar assegurada com a intervenção na acção da sua mulher. 3. A invocação da excepção dilatória de preterição do litisconsórcio necessário passivo não constitui abuso de direito, visto que à previsão das situações de litisconsórcio necessário está subjacente a realização de interesses públicos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – Relatório.
1.B. intentou a presente acção declarativa de condenação, à data sob forma de processo sumário, contra C., pedindo que seja declarada a nulidade da compra e venda titulada pela escritura de 24 de Junho de 2008 realizada em cartório notarial particular, na qual D. declarou vender e o réu declarou comprar o prédio rústico … descrito na petição inicial.
2.Para tanto, alega que aquela compra e venda é um negócio simulado e por isso nulo à luz do artigo 240º do Código Civil, consubstanciando uma doação ao réu, com usufruto a favor de E., com o intuito de sonegar o bem à herança aberta por morte dos pais.
3. O réu contestou, pugnando pela validade do negócio em que adquiriu o prédio descrito na petição inicial, negando que tenha havido simulação com intuito de sonegar bens à herança.
4. No final dos articulados, foi exarado despacho em 15.02.2013, concluindo que a acção de simulação do negócio de compra e venda requer a interven-ção de todos os herdeiros do vendedor, convidou a autora a deduzir o respec-tivo incidente de intervenção principal nos termos do artigo 325º do CPC.
Admitido o incidente em 16.06.2016, foram citados os chamados (F., G., H. e I.), os quais aderiram ao articulado do réu.
5. Na audiência prévia de 30.06.2015, não sendo obtida a resolução amigável do litígio, foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do processo e enunciados os temas de prova, após o que prosseguiram os autos para julgamento, que culminou com a prolação da sentença final a julgando procedente os pedidos de declaração de nulidade do compra e venda, e de cancelamento do registo predial fundado na escritura que titula o contrato.
II. O réu recorre, pedindo a sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, que seja absolvido dos pedidos, concluindo no essencial e em síntese:
1.Existe uma Questão Prévia, de conhecimento oficioso, a apreciar, que é a Ilegitimidade do réu. Decorre dos autos que é casado no regime de comunhão geral de bens com J., e atento esse regime de bens e tendo o imóvel a que se refere a escritura pública de compra e venda, sido outorgada na constância do casamento do R., sendo o imóvel em discussão e objeto do contrato de compra e venda da nua propriedade ou raiz, um bem comum do casal, e ainda que fossem casados apenas no regime de comunhão de adquiridos, a ação deveria ter sido necessariamente intentada contra ambos os Cônjuges, tal como prescrevem os artigos 33º, nº 1 e 34º, nº 1 e nº 3 do C.P.C., sendo caso de litisconsórcio necessário passivo legal e natural.
2.Do desfecho da presente ação pode resultar a perda ou oneração do direito de propriedade de um bem imóvel, adquirido por compra, que se encontra registado na Conservatória do Registo Predial, a favor de ambos aos Cônjuges, o que pressupõe o interesse direto de ambos os Cônjuges e a necessária intervenção de ambos na relação processual pressuposta nestes autos, e que por isso, também constitui um verdadeiro pressuposto processual, que não ocorreu, nem se verificou e nunca foi sanado.
3.Ora a falta da Esposa do R. na presente Ação constitui uma exceção dilatória, de ilegitimidade do R., ao ter sido preterido o litisconsórcio necessário passivo e nunca sanado, o que configura uma causa de absolvição da Instância, que obsta à apreciação do mérito da causa, devendo o R. ser absolvido da Instância para todos os efeitos e consequências legais, tal como estipulam os artsº 576º nº 1 e 2 e 577º, al. e) do C.P.C., exceção dilatória que é de conhecimento oficioso, a todo o tempo, como prescrevem os artsº 578º e 573º, nº 3, última parte do C.P.C. e que aqui se invoca para todos os efeitos e consequências legais.
4.Conforme consta dos autos e se pode constatar pela ata de julgamento, nos presentes autos, tinha sido requerido pelo A. a prestação de Declarações de parte, não tendo este indicado a matéria para tal efeito, pelo que veio a ser indeferido esse meio de prova, conforme consta de douto Despacho proferido nos mesmos. E do teor da ata de julgamento e das gravações efetuadas verifica-se também que não foi admitida a prova por declarações de parte do autor, nem foi produzida neste julgamento prova por declarações de parte do autor.
5.A decisão da matéria de facto enferma de notório ERRO de julgamento, que vicia e inquina todo o julgamento da matéria de facto, ao ter o MMo Juiz a quo fundado a sua convicção nos termos supra referidos.
6.O Recorrente impugna a matéria de facto, requerendo que a Relação não deixe de ponderar a prova produzida, valorando-a ex novo, nos concretos pontos da matéria de facto designadamente os constantes de 3) a 5), e face aos concretos meios de prova indicados, que se consideram incorretamente julgados, por erro na apreciação das provas, devendo julgar-se não provados, nos termos acima expostos que se dão por reproduzidos.
7.As duas escrituras públicas de compra e venda da nua propriedade e do usufruto correspondem á verdade, sendo as suas declarações consonantes e convergentes com as respetivas vontades reais e declaradas, pelas partes que nelas intervieram.
8. Não há divergência intencional entre a vontade e a declaração.
9.Não se verificam quaisquer requisitos ou pressupostos da simulação.
10.A sentença proferida infringiu, assim, entre outros, o disposto nos arts. 346º e 874º do C.C. e 607º, nº 4 e nº 5 do C.P.C.., 33º, 34º, 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 1 e 2, 577º,al. e) e 578º do C.P.C
Nas contra-alegações o recorrido pugna pela manutenção do julgado.
Suscita a questão da extemporaneidade do recurso, e a sua rejeição nos ter-mos do artigo 641º, nº2-a), do CPC, conclui que não ocorre a ilegitimidade passiva e que a sua invocação nesta sede constitui abuso de direito.
II. Factos que a 1ª instância considerou provados:
1) Por escritura pública lavrada a 24.6.2008, no Cartório Notarial de …, D. e mulher, F. declararam vender a C., que declarou comprar, por 5.000€ (cinco mil euros), já recebidos, o prédio rústico a nua propriedade do prédio rústico, composto de vinha, moto, sequeiro e oliveira, sito em …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, tendo-lhe correspondido na anterior matriz parte d artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o n.º … da freguesia de … – cfr. doc. de fls. 19 a 22.
2) Esse facto foi objecto de inscrição registral na Conservatória do Registo Predial de …, pela apresentação … de 26.6.2008 – cfr. doc. de fls. 40.
3) Na realidade, nem D. e mulher, F. quiseram vender a C., nem este quis comprar-lhe, a fracção referida.
4) O que o C. quis foi, com o beneplácito de seu pai, declarar que comprava a D. e mulher, F. a referida fracção para desta forma a subtrair à herança de sua Mãe L., e como tal, prejudicar o irmão B..
5) Com efeito, a compra do prédio foi efectuada L. e marido, E., entre 1993 e 1995 através de contrato verbal de compra e venda, altura em que foi pago o respectivo preço pelos compradores.
III. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
- Devem os réus ser absolvidos da instância, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, por não ter sido demandada J., com quem o réu está casado em comunhão geral de bens?;
- O tribunal julgou incorrectamente a matéria de facto inserta nos pontos da sentença nºs3, 4 e 5, devendo transitar para o acervo não provado?;
- Os factos não integram os requisitos da simulação?
Questão prévia da extemporaneidade do recurso.
O prazo de interposição de recurso era de 30 dias, acrescidos de 10 dias uma vez que também teve por objecto a reapreciação da prova gravada (artigo 638º, nºs 1 e 7 do CPC). Tendo a parte sido notificada da sentença em 12 de Abril de 2016, o termo desses 40 dias ocorreu em 25.Maio.2016, mas o acto ainda podia ser praticado com multa num dos 3 dias úteis subsequentes (artº 139º, nº5 do CPC), ou seja, em 27, 30 ou 31 de Maio, e foi justamente nesse último dia que o recurso foi interposto, com pagamento da multa devida.
Pelo exposto, considera-se que o recurso foi interposto em tempo.
2.Do mérito do recurso.
A pretensão principal da acção visa a declaração de nulidade do negócio formalizado pela escritura de 24.06.2008, com base na simulação (artº 240º do C.C), dizendo o autor que os outorgantes simularam uma compra e venda do imóvel que não estava na sua vontade real, com o fito de o subtraírem à herança aberta por morte de L., e assim enganar e prejudicar o autor, um dos seus herdeiros legitimários.
Nos termos do nº1 do artigo 240°, do C.C "se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declara-ção negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado". Por «si-mulação» entende-se “o acto de alguém que, conscientemente e com a co-nivência de outra pessoa, a quem a sua declaração é dirigida, faz conter nesta, como vontade declarada, coisa que nenhuma delas quer, ou uma coisa diversa daquela que ambas querem”, entrando ambos nesse pacto simulatório com o fito de “defraudar a lei ou enganar a terceiros a quem aliás a declaração não se dirige” (Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4ª edição, pág. 600/601, mas é nosso o sublinhado a negrito).
A procedência da nulidade por simulação exigia por isso a prova de que a vontade declarada na escritura pública pelo alienante e pelos adquirentes não correspondia à vontade real, existindo entre eles um pacto com vista a enganarem o autor (terceiro), sonegando um bem da herança deixada por sua mãe L..
A decisão é lacunar quanto à intenção de enganar terceiros pelo alienante, não atentando no alegado na p.i., v.g. artº 25º, o que imporia a ampliação da matéria de facto nos termos do artigo 662º, nº2, alínea c/, do CPC (substitu-indo-se a Relação ao tribunal a quo, ou anulando a decisão no caso de constatar que o processo não contém todos os elementos necessários).
Sucede que as questões devem ser conhecidas pela ordem da sua precedência lógica e preclusiva, e em primeiro lugar surgem as excepções dilatórias, como é o caso da preterição do litisconsórcio necessário passivo suscitado pelo recorrente, por estar desacompanhado na acção de sua mulher, com quem está casado em regime de comunhão geral de bens.
É certo que a mulher do réu não é interveniente no negócio simulado, e, na forma como o autor estrutura a acção, o imóvel sempre esteve integrado no acervo da herança ilíquida e indivisa da mãe - que “é constituída por situações jurídicas, e não por bens” (Prof. Pereira Coelho, in Direito Civil das Sucessões, 1981-pág. 37)(1), só que dos normativos dos nºs 1 e 3 do artigo 34º do CPC resulta que devem ser propostas contra ambos os cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro, as acções de que possa resultar a perda de bens que só por ambos possam ser alienados.
Se após a compra e venda, o imóvel entrou no património comum do casal (artigos 1732º e 1733º), a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre esse bem carece do consentimento de ambos os conjuges (1682º-A, nº1-a, do Código Civil), daí que a legitimidade do réu C. só poderia ficar assegurada com a intervenção na acção da sua mulher, e a serôdia invocação da excepção dilatória não constitui abuso de direito, visto que à previsão das situações de litisconsórcio necessário está a subjacente a realização de interesses públicos.
Ilegitimidade que não se pode considerar definitiva e tacitamente resolvida com o trânsito em julgado dos despachos interlocutórios de 15.02.2013 e de 16.Junho.2016 que incidem sobre a intervenção principal dos simuladores, não abrangendo a questão da necessidade de intervenção da mulher do primitivo réu.
III. Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva do réu C., por estar desacompanhado na acção da sua mulher, e consequentemente, em absolver os réus da instância nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278º, nº1, d/, 576º, nº1, 577º, nº1, e/, e 578º do CPC.
Com a absolvição dos réus da instância, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Custas pelo apelado.
TRG, 30.Novembro.2016
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
Carlos Carvalho Guerra
(1) O domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota-parte do património hereditário» (Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, pg. 185).