DOAÇÃO
DOAÇÃO ONEROSA
CONDIÇÃO
ENCARGO DA HERANÇA
Sumário


I – Se a condição que acompanhou a doação era a da donatária assegurar à doadora determinados serviços domésticos, tal condição nada tem de pessoal, podendo aquela cumpri-la através de terceiro. II – Consequentemente, não caducou com a sua morte e os seus herdeiros têm de continuar a satisfazer o referido encargo, nos termos do artº 965º do C. Civil.

* Sumário elaborado pelo Relator

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, BB e CC movem a presente acção ordinária contra DD e EE, pedindo que se declare resolvida a escritura de doação relativa ao determinado prédio, celebrada entre FF, GG e a mãe do réu, por incumprimento intencional e culposo pelo réu dos encargos nela previstos e das prestações que impendiam sobre ele e que, em consequência, se ordene a restituição do prédio à herança aberta por óbito de FF, com o cancelamento de todos os registos efectuados com base nessa escritura.
Os réus contestaram.
O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que declarou a resolução, por não cumprimento, da aludida doação, ordenando a restituição do prédio à herança aberta por óbito de FF e o cancelamento de todos os registos efectuados na mesma escritura.
Apelou o réu DD, mas sem êxito.
Recorre ele novamente, apresentando nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:


1 Os autores, em conformidade com a escritura de doação, que invocam, alegaram:
que os dois donatários ficaram com o encargo da alimentação, médicos e despesas hospitalares solidariamente;
que a mãe do recorrente ficou ainda com a obrigação de prestar serviços domésticos de que necessitassem.
2 Ora foi dado como provado, em conformidade com a alegação, que a donatária (mãe do recorrente) adoeceu logo após a doação, morrendo logo após essa doença, tendo sido, aliás, os doadores a assistir a donatária na doença.
3 Logo a donatária ficou impossibilitada de prestar os serviços domésticos e tal obrigação caducou com a sua morte.
4 Na verdade, a acção não se funda numa cláusula de reversão (artº 960º do CC), mas num alegado incumprimento culposo.
5 Ora, no cumprimento das obrigações das doações rege, aqui, o regime da testamentária pelo qual a obrigação pessoal não se transmite em vida ou por morte – artº 2320º do C. Civil.

6 Logo, tal obrigação de prestações domésticas não se transmitem da donatária (que morreu antes de as poder cumprir) ao filho da donatária, o aqui recorrente.
7 Por sua vez, os encargos com a doença e subsequentes hospitalares são encargos solidários sobre os dois donatários e, sendo as doações dispensadas de colação, tais encargos só se apuram e exigem no inventário e, na falta de aceitação desse passivo, em processo comum subsequente.
8 A acção teria de improceder in totum no saneador ou na decisão final.

II
Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos dados por assentes remetendo para o que consta de fls. 293 a 296.

III
Apreciando

O recorrente assenta a sua alegação no carácter pessoal de parte da condição da doação, daí concluindo que com a morte da donatária, tal condição (nessa parte) caducou.
A verdade, porém, é que a mesma nada tem de pessoal.
Com efeito, a condição – que consta dos pontos D, E e F dos factos assentes – consistia em ficar a cargo da donatária a assistência aos doadores nos serviços domésticos. Ou seja, a donatária tinha de assegurar a prestação dessa assistência, mas nada indica que o tivesse de fazer pessoalmente. Poderia fazê-lo por si ou através de terceiro.
Deste modo, nada impedia que a condição continuasse a ser assegurada pelos seus herdeiros, sendo certo que a lei é expressa em referir que a condição da doação tem de ser garantida pelos herdeiros do donatário. Não é outro o entendimento que se retira do artº 965º do C. Civil ao determinar que os encargos podem ser exigidos pelos herdeiros do doador aos herdeiros do donatário.
Os encargos podem ter, pois, uma carácter não pessoal, integrando, de forma objectiva, o próprio conteúdo da doação. Como no caso dos autos.
Por outro lado, quanto à parte do encargo que consistia em assegurar as despesas de saúde dos doadores e que recaia sobre ambos os donatários pretende o recorrente assimilá-la a um fenómeno sucessório. Não haveria incumprimento dos herdeiros nesta parte, uma vez que só através do processo de inventário (ou da subsequente acção comum, na falta de aprovação da dívida) é que ficaria apurado o montante do encargo.
Não é isso, no entanto, que resulta dos factos provados. A condição era outra. Não se tratava de liquidar a dívida global que os doadores, porventura houvessem contraído, mas sim de ir liquidando gradualmente as despesas que fossem surgindo. Aliás, neste sentido, é elucidativo da vontade dos doadores, o facto de paralelamente com a assistência na saúde aludirem à assistência alimentar. Que, como é óbvio, não pode ser prestada de uma só vez.
Impendia, por isso, sobre os herdeiros da donatária um dever de prestar, o qual, como se apurou, não foi cumprido. O que leva ao direito de pedir a resolução do contrato – artº 966º do C. P. Civil - .


Nestes termos não merece censura a decisão das instâncias ao decretarem essa resolução.

Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 2 de Novembro de 2006

Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos