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CONTRATO DE TRABALHO
RESCISÃO DE CONTRATO
CADUCIDADE
INDEMNIZAÇÃO
FALTA
AVISO PRÉVIO
Sumário
1. A caducidade do direito de rescisão do contrato de trabalho constitui uma excepção de natureza peremptória que obsta a que se conheça da verificação da justa causa. 2. Assim, ocorrendo aquela caducidade (que não é de conhecimento oficioso), tudo se passa como se a rescisão tivesse sido efectuada sem justa causa e, embora a cessação do contrato se mantenha, o trabalhador fica obrigado a pagar à entidade empregadora a indemnização correspondente à falta de aviso prévio.
Texto Integral
Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. "AA" propôs a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, pedindo que a ré fosse condenada a importância de 46.930.283$00, acrescida de juros de mora desde 29.9.2000, sendo 37.294.400$00 de indemnização pela rescisão com justa causa do contrato de trabalho que mantinha com a ré, 1.434.400$00 de diferenças salariais referentes à retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.2000 e 1.613.700$00 de proporcionais.
A ré contestou, impugnando a justa causa e excepcionando a caducidade do direito de rescisão relativamente a alguns dos factos invocados pelo autor e o abuso do direito.
E, em reconvenção, pediu que o autor fosse condenado a pagar-lhe a importância de 228.998$00, por ser essa a importância de que ficou credora depois de ter procedido à compensação dos créditos devidos ao autor com o crédito que sobre ele detinha a título de indemnização por ter rescindido o contrato sem justa causa e sem aviso prévio.
Na 1.ª instância, entendeu-se que a rescisão tinha sido efectuada sem justa causa, que o autor tinha direito a receber da ré a quantia de 2.032.300$00 a título da retribuição e subsídio das férias vencidas em 1.1.2000 (diferenças) e de proporcionais e que a ré tinha direito a receber do autor a importância de 1.434.400$00 a título de indemnização por rescisão do contrato sem aviso prévio. E, efectuada a respectiva compensação, a ré foi condenada a pagar ao autor a quantia de 2.982,31 euros, acrescida de juros de mora.
O autor recorreu da sentença, restringindo o recurso à questão da justa causa e à indemnização que foi condenado a pagar à ré a título de indemnização por falta de aviso prévio.
Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação do Porto entendeu que havia justa causa mas só relativamente a determinados factos e, em consequência disso, revogou parcialmente a sentença absolvendo o autor do pagamento à ré da quantia de 1.434.400$00, a título de indemnização por falta de aviso prévio e condenando a ré a pagar ao autor a importância de 35.467,52 euros, a título de indemnização por rescisão do contrato com justa causa.
A ré interpôs recurso de revista, arguindo expressamente no requerimento de interposição de recurso a nulidade do acórdão da Relação, por não ter conhecido da caducidade do direito de rescisão e sustentando, sem prescindir, a inexistência de justa causa.
O Supremo julgou procedente a arguida nulidade do acórdão da Relação e ordenou que o processo baixasse ao tribunal recorrido para que a nulidade aí fosse suprida e para que nova decisão fosse proferida.
Em cumprimento do ordenado pelo Supremo, o Tribunal da Relação julgou procedente a caducidade do direito de rescisão relativamente aos factos que na anterior decisão tinham sido considerados como justa causa, mas, apesar disso, considerou que a ré não tinha direito a receber do autor a quantia de 1.434.400$00 a título de indemnização por rescisão sem aviso prévio, com o fundamento de que os factos em causa constituíam, de facto, justa causa de rescisão do contrato e, julgando parcialmente procedente o recurso, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 10.137,06 euros (2.032.300$00).
Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de revista, concluindo a sua alegação da seguinte forma:
1. No caso dos autos, a justa causa invocada pelo recorrido a respeito de uma alegada coacção de que teria sido vítima não chegou a ser validamente apreciada, por violação, pelo recorrido, do disposto no artigo 34.°, n.º 2 da LCCT.
2. A violação do n.º 2 do artigo 34.° da LCCT toma essa pretensa justa causa judicialmente inatendível, inatendibilidade esta que, quanto à violação do prazo, se louva em razões não apenas formais, mas substanciais, decorrentes da falta de actualidade da justa causa invocada, da convicção da menor atribuição de gravidade aos factos alegados e da presunção de inexistência de um impossibilidade prática e imediata da subsistência do contrato de trabalho.
3. Consequentemente, uma justa causa judicialmente inatendível é uma justa causa inexistente, sendo que o artigo 37.º da LCCT não distingue a inexistência que resulte da falta de prova, da que resulte da violação do n.º 2 do artigo 34.° do mesmo diploma.
4. A entender-se de modo diverso, estaria facultado ao trabalhador a possibilidade de rescindir o contrato sem justa causa, violando o aviso prévio e sem poder ser punido por essa violação: basta-lhe rescindir invocando uma justa causa obsoleta.
5. Não existe na LCCT uma forma de cessação híbrida, ou intermédia, a meio caminho entre a rescisão com justa causa e a rescisão com aviso prévio, pelo que qualquer cessação unilateralmente promovida pelo trabalhador terá de ter pleno tratamento legal numa das duas figuras.
6. Por isso, ainda que se considerasse inaplicável ao caso dos autos o art.º 37.° da LCCT, sempre se teria de aplicar o regime do artigo 39.° do mesmo diploma, impondo a procedência do pedido reconvencional deduzido pela recorrente.
7. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 3.°, 34.°, n.os 2 e 3, 37.º, 38° e 39.º, todos do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
A recorrente termina pedindo que a decisão recorrida seja revogada na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pela recorrente, sendo o recorrido condenado a pagar-lhe a retribuição base correspondente a 60 dias de aviso prévio que desrespeitou.
O autor contra-alegou defendendo a confirmação do julgado e, neste tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a que as partes não responderam, no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Os factos
Os factos dados como provados na 2.ª instância não foram objecto de impugnação e não há qualquer razão para que os mesmos sejam alterados. Por isso, dão-se aqui os mesmos por reproduzidos, ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 713.º do CPC, aplicável ao recurso de revista por força do disposto no art.º 726.º do mesmo código.
3. O direito
Como decorre das conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber se o trabalhador que rescindir o contrato de trabalho com invocação de justa causa fora do prazo estabelecido no n.º 2 do art.º 34.º da LCCT (1) fica obrigado a pagar à entidade empregadora a indemnização prevista no art.º 39.º do mesmo diploma, ou seja, a indemnização por falta de aviso prévio.
Como já foi referido, na decisão recorrida entendeu-se que não, com o fundamento de que a caducidade do direito de rescisão não acarreta só por si aquela obrigação, a qual só resultaria da inexistência da justa causa invocada.
A ré discorda e, desde já se adianta, com inteira razão. Vejamos porquê.
Nos termos do já citado art.º 34.º, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode cessar imediatamente o contrato (n.º 1), mas a rescisão deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, dentro dos quinze dias subsequentes ao conhecimento desses factos"(n.º 2) e apenas são atendíveis para justificar judicialmente a rescisão os factos indicados na referida comunicação (n.º 3).
Não basta, pois, que ocorra justa causa para que o trabalhador possa lançar mão da rescisão imediata do contrato. É necessário que o faça por escrito, indicando os factos que a justificam e que o faça no prazo de 15 dias após a data em que tomou conhecimento dos factos invocados.
Como tem sido decidido por este tribunal, aquele prazo de 15 dias é um prazo de caducidade, embora não seja de conhecimento oficioso (vide, entre outros, os acórdãos de 21.3.2001 e de 8.5.2002, respectivamente na CJ, I, 302 e na CJ, II, 262).
Por sua vez, a caducidade é uma excepção peremptória e, como é sabido, as excepções peremptórias importam a absolvição do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (art.º 493.º, n.º 3, do CPC).
Deste modo, se a rescisão não for feita dentro daquele prazo, o direito de rescisão caduca e a entidade empregadora terá de ser absolvida do pedido formulado com base na justa causa invocada. Tudo se passa, pois, como se a rescisão tivesse sido feita sem justa causa, uma vez que os efeitos jurídicos que o trabalhador pretendia obter dos factos invocados como tal ficam extintos.
Ora, um dos efeitos jurídicos que o trabalhador pretende obter dos factos por si invocados como justa causa para a rescisão imediata do contrato é precisamente o de que esses factos sejam considerados como justa causa.
Por isso, caducado o direito de rescisão, não faz qualquer sentido averiguar se os factos invocados para fundamentar a rescisão constituem ou não justa causa para rescindir o contrato com efeitos imediatos. O conhecimento dessa questão ficou irremediavelmente prejudicado face à procedência da excepção peremptória da caducidade daquele direito. Em boa verdade, o tribunal nem sequer pode conhecer da referida questão, dado o disposto no n.º 2 do art.º 660.º do CPC, nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" (sublinhado nosso).
E, sendo assim, tudo se passa, repetimos, como se a rescisão tivesse sido efectuada sem justa causa, ou, por outras palavras, como se a rescisão tivesse sido efectuada com a invocação de justa causa inexistente.
Como bem diz a recorrente, o trabalhador só tem duas formas de rescindir o contrato de trabalho: com justa causa ou sem justa causa. Para além da rescisão durante o período experimental, são essas, de facto, as duas formas de rescisão previstas na lei (art.º 3.º, n.º 2, alíneas d) e e), da LCCT).
Por conseguinte, se a rescisão foi feita com invocação de justa causa, mas se essa justa causa não puder ser atendível, nomeadamente porque o respectivo direito de rescisão já tinha caducado, a rescisão não deixa de produzir os seus efeitos, mas fica sujeita ao regime de rescisão sem justa causa, ou seja, ao regime de rescisão com aviso prévio previsto nos artigos 38.º e 39.º da LCCT, ou seja, o trabalhador fica obrigado a pagar à entidade empregadora uma indemnização de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados em virtude da inobservância do prazo de aviso prévio ou emergentes da violação de obrigações assumidas nos termos do n.º 3 do art.º 36.º do regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
Não é outro o sentido e o alcance do disposto no art. 37.º da LCCT que se encontra inserido na secção que regula a rescisão com justa causa e nos termos do qual "[a] rescisão do contrato pelo trabalhador com invocação de justa causa, quando esta venha a ser declarada inexistente, confere à entidade empregadora direito à indemnização calculada nos temos previstos no artigo 39.º".
Ao contrário do entendimento perfilhado no acórdão recorrido e no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que citou (o acórdão de 1.4.98, CJ, II, p. 178 (2), o direito à indemnização por parte da entidade empregadora não existe apenas quando a justa causa invocada tiver sido judicialmente declarada inexistente. Essa é uma interpretação excessivamente literal do art.º 37.º que a razão de ser daquele normativo inteiramente repudia.
Como diz Pedro Romano Martinez (3), a falta de justa causa, contrariamente ao que ocorre no despedimento, não invalida a cessação do vínculo, mas como é ilícita determina a responsabilidade do trabalhador que deverá ressarcir o empregador, como se estabelece no art.º 37.º da LCCT. E, em nota de rodapé, aquele autor, citando o já referido acórdão da Relação de Coimbra de 1.4.98 e o acórdão da Relação de Lisboa de 10.5.2001 por nós citado na nota 3, acrescenta que "[e]stranhamente, com base numa interpretação literal do art.º 37.º da LCCT, tem-se admitido que no caso de o trabalhador ter rescindido o contrato depois de caducar o direito à rescisão ou de ter rescindido oralmente não há direito à indemnização por não estar declarada a inexistência de justa causa".
E no mesmo sentido se pronuncia Pedro Furtado Martins (4). Diz ele, referindo-se ao disposto no n.º 2 do art.º 34.º:
"Trata-se de um prazo de caducidade, pelo que, se este não for respeitado, "mantêm-se a rescisão do contrato, mas inutilizam-se as vantagens da qualificação de justa causa", ou seja, a exoneração do dever de avisar previamente o empregador e a constituição do direito à indemnização d antiguidade. Nestas hipótese, uma vez que o trabalhador permanece obrigado a cumprir o aviso prévio, constitui-se na obrigação de pagar a indemnização pela rescisão inopinada do contrato de trabalho, nos termos do art.º 39.º".
E, também em nota de rodapé, a pag. 166, aquele autor declara discordar da tese seguida no já referido acórdão da Relação de Lisboa de 1.4.98.
Entendemos, por isso, que não há razões para perfilhar a tese seguida no acórdão recorrido e que também já tinha sido adoptada pelo Supremo nos acórdãos referidos na nota 3.
E, sendo assim, o autor está obrigado a pagar à ré a indemnização correspondente ao aviso prévio a que estava sujeito que, nos termos do n.º 1 do art.º 38.º da LCCT e atenta a sua antiguidade na empresa (5) , era de 60 dias. E, auferindo ele, como está provado, à data da rescisão, 507.900$00 de retribuição base, o valor daquela indemnização ascende a 1.015.800$00, ou seja, a 5.066,79 euros, por arredondamento (1.015.800$00 : 200$482) e não a 1.434.400$00 como pretendia a ré.
4. Decisão
Nos termos expostos decide-se conceder parcialmente a revista, ficando a ré condenada a pagar ao autor tão somente a importância de 5.066,79 euros.
Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 8 de Novembro de 2006
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
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(1) - Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, em vigor à data dos factos em apreço nos presentes autos.
(2) - No mesmo sentido decidiram os acórdãos da Relação de Coimbra de 10.5.2001 (CJ, III, 162) e do STJ de 2.12.98 e de 7.11.2001, proferidos, respectivamente, nas revistas n.º 248/98 e n.º 1193/01, ambas da 4.ª secção.
(3) - Direito do Trabalho, Almedina, Abril 2002, p. 888.
(4) - Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, Cascais 1999, p. 164 e 166.
(5) - Foi admitido em 1.5.90 e rescindiu o contrato de trabalho através de carta remetida à ré em 29.9.2000.