ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
CRIME CONTINUADO
CASO JULGADO
Sumário

I – Os crimes de Abuso de confiança fiscal e de Abuso de confiança contra a segurança social [art. 105.º e 107.º, do RGIT] correspondem a tipos legais autónomos que, sob diferente teleologia, pretendem tutelar bens jurídicos diferentes.
II – Assim, não podem configurar, entre si, um crime continuado.
III – A orientação seguida pelo legislador de 2007 ao aditar o n.º 2 ao art. 79.º, do CP, confere um propósito interpretativo relevante na aplicação a casos anteriores (em que à data da prática dos factos vigorava a redacção dada pela Reforma de 1995), no sentido de se acolher a posição jurisprudencial maioritária e coincidente com a alteração legislativa.

Texto Integral

PROCESSO Nº 5/04.2IDPRT.P2
RELATOR: MELO LIMA
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I Relatório
1. Em acórdão proferido pela 3ª Vara Criminal do Círculo Judicial do Porto, de 19.06.2008, foram respectivamente condenados, após julgamento em processo comum:
1.1 B…, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado e contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 105°, n°s 1 e 5 e 107° do RGIT, aprovado pela Lei n° 17/2001, de 5 de Junho, e artigos 30°, n°2 e 79°, n° 1 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução ficou suspensa por cinco anos, com a condição de, no mesmo prazo, pagar as quantias devidas a título de IVA (222.169,05 €), IRS (1.504.910,18 €), IRC (59.856,71€) e contribuições à segurança social (245.019,59€) e respectivos acréscimos legais;
1.2 “C…”, pela prática dos mesmos ilícitos, na pena de 600 dias de multa, à taxa diária de 5€.
1.3 B… e “C…”, na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto da Segurança Social, no pagamento à demandante da quantia de € 245.019,59
Desta decisão interpôs recurso o arguido B….
3. Por Acórdão de 4 de Fevereiro de 2009 deste Tribunal da Relação do Porto, - onde se discutiu a questão (de direito) da eventual ocorrência da exceptio de caso julgado e se concluiu no sentido de que a mesma não se verificava [Vide 4º Vol. Fls.920 – 923]- recaiu sobre tal recurso a seguinte Deliberação:
«Determina-se o reenvio para que, em novo julgamento, se apure se entre os factos dos presentes autos e os dos processos nº1201/02.2TOPRT da 4ªVara, nº 4300/99.2TDPRT da 4ªVara e nº 5048/04.3TDPRT da 4ªVara, se verificam os pressupostos de crime continuado e, no caso afirmativo, se determine a «conduta mais grave que integre a continuação» e dentro da moldura aplicável a essa conduta se individualize a pena do crime continuado. Na negativa, caso se entenda que não se verifica continuação criminosa, averiguar se o caso é de concurso de crimes e na afirmativa determinar a pena única» [4º Vol. Fls.928]
4. Na instância recorrida, em cumprimento do Deliberado, foi proferido, em 08.10.2009, novo Acórdão, agora pela 4ªVara Criminal do Círculo do Porto, com a seguinte decisão final:
«Pelo exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo da 4ªVara Criminal do Porto, em considerar existir continuação criminosa entre os crimes praticados nestes autos e os praticados nos processos nºs 1201/02.0TOPRT, 4300/99.2TDPRT e 5048/04.3TDPRT, todos desta (4ª) Vara Criminal e, consequentemente:
1.Pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, na forma continuada, p.p. pelo artigo 24º nºs 1 e 5 do RJIFNA, condenam o arguido B… na pena de três anos de prisão, cuja execução fica suspensa por igual período, nos termos previstos no artº 50º do Código Penal;
2. Pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p.p. pelas mesmas disposições legais e, ainda, pelos artigos 9º nº2 e 11, nºs 2 e 3 do RJIFNA, condenam o “C…” na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (no valor global de € 3.000,00)
3. Sem custas.
4………
Após trânsito, (….) comunique, com cópia, aos processos cujas penas foram levadas em consideração na determinação das penas unitárias da continuação criminosa e que, por isso, perdem autonomia.» [5ºVol. Fls. 989 > 1000]
5. Na pretensão de ver revogada esta decisão e substituída por outra “que inclua na continuação criminosa tão só os crimes de abuso de confiança em relação à Segurança Social e que suspenda a execução da pena de prisão ao arguido condicionada ao pagamento do total dos benefícios indevidamente obtidos”, interpôs recurso daquela decisão o Procurador da República junto da 4ªVara Criminal. [5ºVol.Fls. 1004 > 1018]
6. Por acórdão proferido neste Tribunal da Relação do Porto, em 2010.05.12, foi decidido “declarar nulo o acórdão recorrido e determinar que, na instância recorrida e no mesmo tribunal que proferiu tal decisão, se lavre novo acórdão enxuto das nulidades apontadas”. [5ºVol.Fls. 1046 > 1052]
7. Entretanto, já no Tribunal recorrido, em face da confirmação do decesso do arguido B…, foi proferida decisão a declarar extinta a sua responsabilidade criminal. [5ºVol.Fls. 1069]
8. Por acórdão de 18 de Novembro de 2010, da mesma 4ªVara Criminal, foi proferida, na sequência da deliberação referida em 6, a seguinte Decisão:
«Acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo da 4ª Vara Criminal do Porto em considerar existir continuação criminosa entre os crimes praticados nestes autos e os praticados nos processos n°s 1201/02.OTOPRT, 4300/99.2TDPRT e 5048/04.3TDPRT, todos desta vara criminal e, consequentemente: 1) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelas mesmas disposições legais e, ainda, pelos artigos 9°, n° 2 e 110, n°s 2 e 3 do RJIFNA, condenam o “C…” na pena de 300 dias-de-multa, à taxa diária de € 10,00 (no valor global de € 3.000,00) — correspondente ao ilícito mais grave que integra a continuação criminosa. 2) Subsiste a responsabilidade do arguido “C…” derivada das condenações proferidas nos diversos processos, no âmbito dos quais foram julgados (total ou parcialmente) procedentes os pedidos de indemnização civil formulados pela Segurança Social.» [5ºVol. Fls. 1095 > 1116]
9. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Exmo. Procurador da República junto daquela Vara Criminal, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
9.1 O presente recurso versa somente matéria de direito.
9.2 No douto acórdão decidiram os Meritíssimos Juízes:“1) Pelo exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo da 4a Vara Criminal do Porto em considerar existir continuação criminosa entre os crimes praticados nestes autos e os praticados nos processos n°s 1201/02.OTOPRT, 4300/99.2TDPRT e 5048/04.3TDPRT, todos desta vara criminal e, consequentemente: 2) Pela prática, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelas mesmas disposições legais e, ainda, pelos artigos 90, n° 2 e 11°, n°s 2 e 3 do RJIFNA, condenam o ‘C…” na pena de 300 dias-de-multa, à taxa diária de 610,00 (no valor global de 63.000,00).”
9.3 Discordamos do decidido porque contrariamente ao defendido no acórdão entendemos não existir continuação criminosa entre os crimes de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança em relação á Segurança Social.
9.4 Os crimes praticados nestes autos e os praticados nos processos n°s, 4300/99.2TDPRT, 1201/02.OTOPRT e 5048/04.3TDPRT, são crimes de abuso de confiança em relação à Segurança Social e de abuso de confiança fiscal.
9.5 Como bem se refere no acórdão, são requisitos da existência de uma continuação criminosa: a) realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico; b) homogeneidade da forma de execução; c) lesão do mesmo bem Jurídico; d) persistência de uma situação exterior que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.
9.6 Um dos requisitos da existência da continuação criminosa é a lesão do mesmo bem jurídico. Julgamos que tal requisito não se verifica.
9.7 Os crimes de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a Segurança Social não protegem o mesmo bem jurídico e como tal não poderiam integrar a continuação criminosa indistintamente como se defende no acórdão.
9.8 Apesar da semelhança dos tipos de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a Segurança Social, ambos crimes omissivos puros, cuja consumação ocorre com a não entrega total ou parcial de prestações ou contribuições deduzidas, e apesar da identidade de regimes punitivos, aqueles tipos legais encontram-se previstos em dois capítulos diferentes do RGIT e do RJIFNA.
9.9 Nos crimes contra a administração fiscal os valores tutelados são os inerentes ao regular e efectivo funcionamento do sistema fiscal e de política social estabelecidos pelo Estado. O sistema fiscal não visa apenas arrecadar receitas, mas também, e primordialmente, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza e a diminuição das desigualdades entre os cidadãos.
9.10 Diferentemente, nos crimes contra a Segurança Social o bem jurídico tutelado é o património da Segurança Social, ou seja, a tutela do respectivo erário, assente na satisfação dos créditos contributivos de que a segurança social é titular.
9.11 Ao contrário do que acontece com as receitas fiscais, as contribuições para a Segurança Social não servem para, indistintamente, o Estado realizar os seus fins. Não são receitas do Estado, mas da Segurança Social, destinando-se à prossecução dos seus fins específicos, de que não beneficiam todos os cidadãos.
9.12 Pelo referido entendemos que o tribunal recorrido não poderia incluir indistintamente na continuação criminosa as condutas ilícitas que foram apreciadas no âmbito dos processos supra referidos.
9.13 Na continuação somente poderiam ser incluídas as condutas integradoras do mesmo tipo de ilícito.
9.14 Ao integrar na continuação criminosa o ilícito de abuso de confiança em relação à Segurança Social que tutela valores diferentes do crime de abuso de confiança fiscal o acórdão violou o disposto no artigo 300, n°2 do Código Penal.
9.15 Pelo exposto, julgamos que o acórdão recorrido haverá que ser revogado e substituído por outro, que inclua na continuação criminosa só os crimes de abuso de confiança em relação á Segurança Social e só os crimes de abuso de confiança fiscal.
10. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, subscrevendo integralmente a motivação e conclusões extraídas pelo Exm° Procurador da República recorrente, emitiu Parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado procedente.
11. Observada a notificação a que alude o Artigo 417º/2 do CPP, realizada a Conferência, cumpre conhecer e decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO
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2. Delimitação Objectiva do Recurso
Se bem se interpreta o sentido e razão de ser do recurso interposto, o Digno recorrente não põe em causa a decisão tomada pelo tribunal quanto à verificação do denominado crime continuado: colocando-se no estrito âmbito da questão de direito, o que põe em causa é que, por via da não ocorrência da “lesão do mesmo bem jurídico” – como defende - se tenha incluído “indistintamente na continuação criminosa as condutas ilícitas”, quando apenas “poderiam ser incluídas as condutas integradoras do mesmo tipo de ilícito”.
O efeito prático-jurídico pretendido com o recurso é a prolação de uma decisão que “inclua na continuação criminosa só os crimes de abuso de confiança em relação à Segurança Social e só os crimes de abuso de confiança fiscal” (Sic)
Ganhando vencimento a tese defendida pelo Digno Recorrente questão subsequente, necessariamente a resolver, terá a ver com as correspectivas consequências jurídicas.
3. Conhecendo
3.1 Primeira Questão: Sobre a ocorrência de um crime continuado (Abuso de Confiança Fiscal) ou de dois crimes (Abuso de Confiança Fiscal/ Abuso de confiança Contra a Segurança Social), cada um deles na forma continuada.
Sem necessidade de especiais lucubrações exegético-normativas entende-se, no que à questão nuclear suscitada com o presente recurso diz respeito, que a razão assiste por inteiro ao Exmo. Recorrente.
E assiste-lhe, exactamente, no punctum saliens em que suporta a divergência: a lesão de diferentes bens jurídicos.
É de memória recente, como foi muito debatida a questão de saber se a despenalização do crime de abuso de confiança fiscal operada pelas alterações ao artigo 105º do RGIT introduzidas pela Lei 64-A/2008 de 31/12 abrangia também o abuso de confiança contra a Segurança Social.
No Ac.7310/02.0 TDPRT.P1, proferido em 21.10.2009 [1] tivemos o ensejo de defender que o limite mencionado no artigo 105º/1 do RGIT não era aplicável no que se refere às dívidas para com a Segurança Social, com a seguinte síntese de fundamentos:
“Do artigo 107º/1 do RGIT constam os elementos objectivos do tipo-do-ilícito abuso de confiança contra a segurança social, tal como no artigo 105º/1 do mesmo diploma legal constam enunciados os elementos objectivos do tipo-do-ilícito abuso de confiança fiscal. Em causa, visto a respectiva inserção sistemática, dois tipos legais autónomos/distintos: inseridos um e outro na Parte III - Das Infracções Tributárias em Especial e no Título I Crimes Tributários, integra-se o abuso de confiança fiscal no Capítulo III - Crimes Fiscais enquanto que o abuso de confiança contra a Segurança Social se integra no Capítulo IV – Crimes Contra a Segurança Social. Tipos legais autónomos que, sob diferente teleologia, pretendem tutelar bens jurídicos diferentes: o abuso de confiança contra a Segurança Social a tutelar o erário da Segurança Social, numa lógica de afectação das receitas provenientes das contribuições dos trabalhadores, a fins específicos de benefício e de necessidade de garantia do respectivo equilíbrio financeiro; no abuso de confiança fiscal, numa lógica de disposição sobre a receita que o Estado se propõe cobrar para satisfação de necessidades diferenciadas, está em causa o regular e efectivo funcionamento do sistema fiscal e de política social estabelecidos pelo Estado.»

Pondo termo a esta controvérsia, o S.T.J. pelo Ac. 8/2010 (DR. 1ª Série Nº 186 de 23.09.2010) fixou jurisprudência no sentido de que:
«a exigência do montante mínimo de € 7500, de que o n.º 1 do artigo 105.º do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, e alterado, além do mais, pelo artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107.º, n.º 1, do mesmo diploma»

Da fundamentação do Acórdão ressuma, entre outros argumentos – se bem se interpreta - a divergência dos bens jurídicos tutelados pelos dois tipos legais.
Transcreve-se:

«6.2.1 - Não temos por pacífico, longe disso, que se possa considerar que o bem jurídico subjacente ao crime de abuso de confiança fiscal e ao de abuso de confiança contra a segurança social seja o mesmo, para a partir daí se legitimar o recurso à analogia.
O sistema fiscal do Estado e o sistema da segurança social constituem em si realidades diferentes, muito mais amplo aquele que este, e ambos organizados, evidentemente, a seu modo.
As finalidades prosseguidas pela fiscalidade e pela segurança social também divergem.
A natureza das contribuições para a segurança social não é, pelo menos no que toca ao trabalhador, a de um imposto.
O universo dos sujeitos passivos está também muito longe de coincidir.
Finalmente, as receitas da segurança social formam um património que se não dilui, pura e simplesmente, no erário público.
Daí que não seja só do ponto de vista político, económico, ou jurídico, que entre a fiscalidade e a segurança social haja importantes diferenças.
Do ponto de vista psicológico e social a comunidade não pode deixar de encarar estes dois sistemas como realidades diversas.
Uma coisa é o que o cidadão trabalhador (ou o empregador dele) paga ao Estado, ao serviço do apoio que desse Estado se possa vir a receber, para suprimento de limitações sentidas a nível individual (doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, segundo o artigo 63.º, n.º 3, da CR).
Outra, completamente diferente, é o que todos pagamos ao Estado em impostos, para ser usado indiferenciadamente ao serviço de todas as despesas possíveis com que este tenha que arcar.
6.2.2 - A «função tributária» ou as receitas fiscais do Estado visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, mas, também, uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º, n.º 1, da CRP).
À semelhança de um fundo de pensões, as contribuições para a segurança social destinam -se à prossecução dos seus fins muito específicos, de que não beneficiam, sequer, todos os cidadãos.
No regime contributivo da segurança social as receitas arrecadadas não são do Estado, no sentido de integrarem directamente o «erário público», mas pertencem a uma entidade individualizada, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) (artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto -Lei n.º 260/99, de 7 de Julho). O sistema previdencial tem mesmo por vocação autofinanciar -se (31).
E o facto de as receitas fiscais suprirem as carências do sistema da segurança social só revela a subsidiariedade daquelas.
(………)
Se o bem jurídico subjacente ao crime de abuso de confiança contra a segurança social é integrado antes do mais pelas receitas da segurança social, nunca poderá perder –se de vista a singularidade do financiamento desta. Singularidade que assenta em princípios como o da sustentabilidade, autonomia orçamental, reserva de lei, ou contributividade (33), e que não interessam da mesma maneira na área da fiscalidade.»
Destarte, com este Acórdão Uniformizador saiu reforçada a tese ora reclamada pelo Recorrente na opção tornada firme no sentido de que aos crimes de abuso de confiança fiscal e de abuso de confiança contra a segurança social correspondem tipos legais autónomos que, sob diferente teleologia, pretendem tutelar bens jurídicos diferentes.
Procede, destarte, a pretensão formulada no sentido da revogação da decisão sub iudicio na parte em que aglutina num só crime continuado os crimes cometidos respectivamente contra o Fisco e contra a Segurança Social

3.2 Consequências Jurídicas
3.2.1 Em breve nota introdutória importa lembrar que, hic et nunc, está apenas em apreciação a determinação da pena relativamente à “C…”, visto a declarada extinção do procedimento criminal relativamente ao arguido B…, por morte deste.
3.2.2 O caso julgado
3.2.2.1 Retenhamos do 1º Acórdão proferido nestes autos [Supra I, 1], os seguintes excertos e/ou indicações pertinentes à qualificação juspenal dos factos:
● Os arguidos foram acusados, respectivamente:
- No Processo Principal, o B…, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, pp., à data da prática dos factos, nos termos do artº. 24º., nºs 1 e 5 do DL nº. 20-A/90, de 15/01 (R.J.I.F.N.A.), na redacção introduzida pelo artº. 2º. do DL nº. 394/93, de 24/11, e, actualmente, um crime de abuso de confiança, pp. pelo artº. 105º., nºs 1 e 5 da Lei nº. 15/2001, de 05/06 (R.G.I.T.) e artigo 30.º, n.º 2 do Código Penal e a “C…”, pela prática do mesmo ilícito, nos termos do artº. 7º. de cada um dos citados diplomas legais.
- Nos autos Apensos: O primeiro arguido, pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, p.p. pelos artº 107º e 105º nº1 do RGIT aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de Junho e a associação arguida “C…”, pela prática do mesmo ilícito por força do disposto no artº 7º do referido diploma.
● No momento da subsunção juspenal, ponderou o Tribunal:
«Dispõe o artº 24 nº1 do RJIFNA “Quem se apropriar, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário será punido com pena de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.” Por sua vez nos termos do nº5 do referido preceito “Se nos casos previstos nos números anteriores a entrega não efectuada for superior a 5.000.000$00 o crime será punido com prisão de 1 a 5 anos. Sendo que por força do disposto no artº 24º nº6 do RJIFNA, é necessário que se mostrem decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, para que possa ser instaurado o procedimento criminal. (…………………………)
E por fim nos termos do art.º 7º nº1 do RFIJNA “As pessoas colectivas e equiparadas são responsáveis pelos crimes previstos no presente Regime Jurídico quando cometidos pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo;”
Nos termos do artº 11 nº2 e 3 a pena de multa é fixada de 20 a 1000 dias para as pessoas colectivas e a cada dia corresponde a quantia de 5000$00 a 500.000$00 tratando-se de pessoas colectivas
Actualmente e após a entrada em vigor da Lei 15/2001 de 5 de Junho, dispõe o art.º 105º, nº1 de tal diploma “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da Lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”. e no nº5 de tal preceito dispõe-se “Nos casos previstos nos números anteriores quando a entrega não efectuada for superior a 50.000 Euros a pena é a prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas” .
E nos termos do artº 12 nº3 “Sem prejuízo dos limites estabelecidos no número anterior e salvo disposição em contrário, os limites mínimos e máximo das penas de multa previstas nos diferentes tipos legais de crimes são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade”, correspondendo a multa a uma quantia entre 5€ e 5000€ tratando-se de pessoas colectivas.
Por sua vez, prevê o artº 6º do RJIFNA a punição de quem agir voluntariamente como órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, dispondo o artº 7º nº 1 que as pessoas colectivas e equiparadas são responsáveis pelos crimes previstos naquele diploma legal, quando cometidos pelos seus órgãos ou representantes, em nome e no interesse colectivo (cfr artºs 6º e 7º da Lei 15/2001).
E relativamente ao imputado crime contra a segurança social, dispõe o artº 107º nº1 do RGIT que “As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos nº 1 e 5 do artº 105º”.
Tendo pois presentes os preceitos disciplinadores dos ilícitos em questão, comecemos por apreciar a matéria apurada nestes autos. Resultou provado que o C…, representado pelo arguido B…, não entregou os montante efectivamente recebidos e liquidados de IVA nos períodos supra discriminados, e referidos sob o ponto 7, 222.169,05€. Mais se provou que nos anos de 2001, 2002 e 2003, o arguido C… representado pelo arguido B…, nos períodos supra referidos, reteve IRS referente ás categorias A (trabalho dependente), B (trabalho independente), F (rendimentos prediais) e G (prémios de jogo do bingo), não o tendo, entregue nos Cofres do Estado, como estava legalmente obrigado no montante global de € 1.504.910,18 e que reteve IRC no momento de pagamento do arrendamento das instalações onde explora o Bingo nos períodos supra referidos, não tendo entregue o imposto retido, no montante global de 59.856,71€. Ficou ainda provado que o arguido B… ao tomar a decisão de não pagar tais quantias agiu sempre no contexto de dificuldades económicas do arguido C…, referidas sob o ponto 4 dos factos provados, tendo tomado uma resolução inicial de agir, face às dificuldades económicas e financeiras do arguido C…, e tendo sempre renovado aquela sua resolução inicial, em cada um dos períodos de pagamento a que as contribuições respeitavam, dado que após a falta de pagamento da primeira quantia devida a título de IVA, IRS e IRC, não foi alvo de qualquer reacção institucional. Ficou também provado que nos períodos supra discriminados, a arguida C…, através do arguido seu representante legal, reteve contribuições devidas à Segurança Social no montante de 280.069,15 €, apenas tendo pago a quantia de 35.149,56€ pelo que o montante em divida é de 245.019,59€;
E provou-se que o arguido B… agiu livre voluntária e conscientemente, bem sabendo da ilicitude das respectivas condutas.
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Tendo presentes estes pressupostos, da matéria provada resulta pois que os arguidos violaram por diversas vezes o disposto no artº 24 nº1 e 5 do RFIJNA e artº 105º nº1 e 5 e artº 107º da Lei 15/2001 de 5/6. Na verdade a apropriação daqueles montantes de IVA, IRS e IRC e contribuições à segurança social, de que os arguidos eram meros detentores, ocorreu no momento em que se deu a inversão do título de posse, passando eles a dispor dos quantitativos para satisfazer os interesses do 1ª arguida, e deles assim se apropriando.
Tal como vêm delineadas em termos da Lei Fiscal, as infracções em causa, designadamente se atendermos aos prazos de pagamento previstos, parece decorrer numa primeira abordagem que haveria tantos crimes quantas as não entregas efectuadas. Isto apesar de por força das alterações introduzidas ao RFIJNA pelo DL 393/94 de 24/11, em vigor desde 1.1.94, conforme seu artº 6º, ter desaparecido, norma similar ao nº6 do artº 24º na redacção inicial, segundo o qual “se a obrigação da entrega da prestação for de natureza periódica, haverá tantos crimes quantos os períodos a que respeita a obrigação”, como aliás era orientação jurisprudencial do STA cfr. Ac do STA de 10/11/71, in Ap. do D.G. de 3/4/73, pág.623 e Ac. De 6/7/1977, in AP do D.R. 24/3/81, pág. 892. Sendo que actualmente o artº 105º nº7 do RGIFA se dispõe “Que para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”
Porém como decorre do artº 4º nº1 do RJIFNA, aos crimes fiscais são aplicáveis, subsidiariamente, o CP e legislação complementar, o que também decorre do actual artº 3º do RGIFA. Daí que há que ter presente o disposto no artº 30º nº1 do CP, onde se dispõe no seu número 1, que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. E nos termos do nº2 de tal preceito “ Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Na verdade a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este tiver sido interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração de condutas; e c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores- acórdão STJ de 25/6/86, BMJ 358/267.
Nos casos de crime continuado existe um só crime porque, verificando-se embora a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários tipos legais de crime, a culpa está tão acentuadamente diminuída, que só é possível formular um único juízo de censura e não vários.
A diminuição considerável da culpa do agente deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior, que o arrastam para o crime e não em razões de carácter endógeno.
Ora como ficou provado, o arguido B…, praticou todos os factos no mesmo contexto de dificuldades económicas referido sob o ponto 4 dos factos provados, sendo que a a conduta omissiva dos arguidos, relativamente à falta de entrega de IVA, IRS, IRC e contribuições à Segurança Social iniciou-se em 2001 e prolongou-se até finais de 2003, com renovação mensal nos períodos supra indicados, da resolução inicialmente tomada, face à manutenção do contexto referido sob o ponto 4,
Face ao exposto entendemos que no caso dos autos o arguido B… cometeu um crime doloso, continuado de Abuso de Confiança Fiscal agravado e contra a segurança social p.p pelo artº 105º nº1 nº5 e 107º do RGIT aprovado pela Lei nº15/2001 de 5 de Junho, artº 30nº2 e 79º nº1 do CP, não se colocando a questão da aplicação da lei mais favorável, porquanto tendo os últimos factos da continuação ocorrido em Dezembro de 2003, isto é já na vigência do RGIT, será este sempre o regime aplicável. Anota-se que a apropriação relativa a IRS da categoria G de Dezembro de 2003, no montante de 119.589,56€, materializa a conduta mais grave que integra a continuação.
A arguida C… é igualmente responsável pelo mesmo crime de acordo com o disposto no artº 7º do RJIT.
Na verdade, não desconhecendo a jurisprudência que defende a impossibilidade de existência de crime de abuso fiscal continuado entre as normas dos artº 105º e 107º do RGIT, entendemos que em última análise quer mum crime quer noutro, o bem jurídico protegido é em última análise o erário público, não sendo quanto a nós determinante, o critério das diferentes entidades, com competência para delegada para a investigação, sendo quanto a nós mais relevante o critério da identidade do bem jurídico estabelecido no nº 2 do artº 30º do CP.
Passemos agora à determinação da medida concreta das penas a aplicar aos arguidos.
Como ficou referido o crime cometido pelos arguidos é nos termos do artº 105º nº5 do RGIT punido com pena de prisão um a cinco anos de prisão e multa de 240 a 1200 dias, para as pessoas colectivas sendo a taxa diária fixada nos termos do artº 15º da Lei 15/2001 entre 5€ e 5000€.
(………………………………………………………………………………………)
Tudo ponderado, tem-se por adequada em relação ao arguido B…, a pena de 3 (três) anos de prisão, e em relação à arguida C…, a pena de 600 (seiscentos) dias de multa à taxa diária de 5 E, (cinco) euros, atenta a situação económica desta.» [Vol. 4º, Fls. 810, 811 e 834 a 842]
3.2.2.2 Em face do que se deixou exposto e assumido em 3.1,
[Sobre a ocorrência de um crime continuado (Abuso de Confiança Fiscal) ou de dois crimes (Abuso de Confiança Fiscal/ Abuso de confiança Contra a Segurança Social), cada um deles na forma continuada],
fica obviamente contrariada a fundamentação seguida no acórdão sub specie na parte em que considerou defensável “a existência de crime de abuso fiscal continuado entre as normas dos artº 105º e 107º do RGIT”, no pressuposto de que “em última análise quer mum crime quer noutro, o bem jurídico protegido é …. o erário público”.
Nada mais do que dali se deixa extraído merece censura jurídica e/ou é, agora, passível de discussão jurídica, considerados nomeadamente os limites objectivos do recurso.
Subsistem, por isso, inteiramente válidas, as afirmações ali produzidas:
● Seja no sentido de que “não se coloca a questão da aplicação da lei mais favorável, porquanto tendo os últimos factos da continuação ocorrido em Dezembro de 2003, isto é já na vigência do RGIT, será este sempre o regime aplicável”,
Seja, ainda, no sentido de que a apropriação relativa a IRS da categoria G de Dezembro de 2003, no montante de 119.589,56€, materializa a conduta mais grave que integra a continuação”,
Importará apenas acrescentar, visto a opção subsuntiva juspenal aqui assumida, que a prestação mais elevada devida à Segurança Social, não paga, respeitou a Março de 2002, no valor de € 32.579,87.
3.2.2.3 Não está posta em causa – desde logo pelo MºPº recorrente – a prática dos crimes em causa – dizer, crime de abuso de confiança fiscal e crime de abuso contra a Segurança Social, em concurso real de infracções –, cada um deles, sob a forma continuada.
A questão que ora se coloca tem a ver com as consequências jurídicas a retirar da sobrevinda decisão – a que o recurso, de igual modo, não oferece objecção ou reparo - de ter por igualmente verificada a dita forma continuada com referência aos factos/crimes por que os mesmos arguidos foram condenados nos Processos Nºs 1201/02.2TOPRT, 4300/99.2TDPRT e 5048/04.3TDPRT, todos da 4ªVara Criminal do Porto.
Ora, é exactamente aqui que se podia colocar a questão do caso julgado.
Em que sentido?
No sentido da preclusão, ou dizer, na prevalência do interesse da segurança e da paz jurídica, no sentido de que o julgado cobriria o dedutivo quanto o dedutível.
Assim o entendia, se bem se interpreta o pensamento do insigne mestre de Coimbra, Eduardo Correia:
“…. Se agora descermos à projecção que a ideia exposta tem sobre o problema dos limites do caso julgado no que toca ao crime continuado, só teremos que relembrar o princípio, a cada passo enunciado, de que a consunção do direito de acusação por força de um julgamento definitivo anterior se verifica na precisa medida da extensão dos poderes e deveres de cognição do juiz relativamente aos factos nele apreciados.
Desta forma, se algumas actividades que fazem parte de uma continuação criminosa foram já objecto de sentença definitiva, ter-se-á de considerar consumido o direito de acusação relativamente a quaisquer outras que pertençam a esse mesmo crime continuado, ainda que elas de facto tivessem permanecido estranhas ao conhecimento do juiz.
Efectivamente, a circunstância de certas condutas em que se desenvolve um crime continuado não terem sido objecto da actividade cognitiva do tribunal que o julgou, não terá senão atribuir-se a um defeito na condução do processo, que de nenhuma maneira pode ser invocado em nome da defesa da paz jurídica, ligada indissoluvelmente ao princípio da indivisibilidade do objecto processual, ou seja, em nome de uma apreciação esgotante e não fragmentária da mesma valoração jurídica concreta.”
Concretizando:
“A hipótese da condenação definitiva do arguido como autor de um crime continuado não oferece, à luz dos princípios expostos, grandes dúvidas. É, com efeito, evidente que poderá ter lugar novo processo com fundamento em uma ou várias actividades não acusadas num processo anterior, mas que se considerem como fazendo parte da continuação criminosa aí julgada.
Se o juiz se convence, na verdade, de que tais actividades constituem tão só elementos de um crime continuado, que foi já objecto de um processo, será forçado a concluir que elas deveriam ter sido apreciadas. Ainda, pois, que o não tivessem sido, tudo se passa como se assim fosse, estando, por isso, consumido e extinto o direito de as acusar e podendo-se opor sempre ao exercício da respectiva acção penal a excepção ne bis in idem” [2]
In casu.
À data dos factos vigorava o artigo 79º do Código Penal na redacção conferida pela Reforma Penal de 1995 (DL. 48/95 de 15/3), onde se dispunha: «O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação criminosa”.
Entretanto, com a Reforma Penal de 2007 (Lei 59/2007 de 4/9), o mesmo normativo passou a ter a seguinte redacção, ainda hoje vigente: «1. O crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação criminosa; 2. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integra a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior.»
Na vigência daquela primeira redacção – e, repete-se, vigorava à data da prática dos factos sob apreço - a jurisprudência dividia-se, ora adoptando o princípio ne bis in idem na esteira de Eduardo Correia, - nos termos da qual, como resulta do transcrito, nenhuma das condutas anteriores à condenação transitada em julgado, descobertas após esta, que viessem a ser integradas na continuação, poderiam ser tidas em conta – ora optando pela “ultrapassagem da suposta limitação derivada do caso julgado, o qual, no caso de crime continuado, se assumiria sob a condição rebus sic stantibus, embora dentro de certos parâmetros”, ou dizer, “o caso julgado não era impeditivo do julgamento das infracções parcelares integradas num crime continuado e que só posteriormente viessem a ser descobertas”. [3]
A questão do caso julgado poder-se-ia colocar, portanto, por via da lex mitior, acolhido que fosse o ensinamento de Eduardo Correia aplicado ao artigo 79 da Lei Penal substantiva na redacção de 95.
Verdade, porém, que no caso concreto uma tal opção está vedada.
É que, independentemente da posição doutrinário-jurisprudencial que aqui pudesse ser assumida, não se pode olvidar que este Tribunal da Relação, neste mesmo processo, no Acórdão de 4 de Fevereiro de 2009, posto que não tenha levado ao decisum a improcedência da deduzida (pelo então recorrente B…) exceptio do caso julgado, conheceu desta in singulos e na respectiva fundamentação teve-a por não verificada [Vol.4º Fls. 920 a 923]
Nesta conformidade, no apelo à autoridade do caso julgado [4], tem de haver-se por afastada excepção ne bis in idem, sob a formulação de caso julgado.
3.2.3 Desta arte, impõe-se, agora, a consideração da questão sob apreço à luz da redacção conferida ao referido artigo 79º pela Reforma de 2007.
Assim, na justa medida, em que à posição assumida pelo legislador poder-se-á conferir um propósito interpretativo e, nele, de assunção da dita posição jurisprudencial maioritária.
Pode facilitar-nos e ajudar-nos na compreensão das questões em apreço o Ac. do STJ de 18.02.2010, já referido, de cujo sumário retiramos os seguintes itens:
III - A divisão [5] passou a ser então, entre a posição maioritária dos que pensavam, que deviam ser consideradas as condutas novas, só se entre elas houvesse alguma que assumisse maior gravidade (cf. v.g. Acs. do STJ de 10-04-2002, de 03-03-2004 e de 08-03-2006, proferidos respectivamente nos Procs. n.ºs 228/02 - 3.ª, 4013/03 - 3.ª e 4401/05 - 5.ª), e a posição de quem entendia que as condutas novas sempre deveriam ser tidas em conta, apenas por o seu número acrescido dever ter reflexo na punição (cf. v.g. Acs. do STJ de 04-05-1983, Proc. n.º 36975 - 3.ª, da Relação de Guimarães de 22-11-2004, Proc. n.º 1598/04, ou da Relação do Porto de 03-05-2006, Proc. n.º 42865/05).
IV - A jurisprudência dominante do STJ, que vai no primeiro sentido, obteve consagração legislativa com a reforma da Lei 59/2007, de 04-09. O acrescentamento do n.º 2 do art. 79.º do CP afastou as objecções que se baseariam no respeito pelo caso julgado ou pelo princípio ne bis in idem e mandou atender à conduta que integre a continuação, e que se tenha descoberto depois do trânsito em julgado da primeira condenação, já transitada, desde que se trate de uma conduta mais grave do que as que já tinham sido conhecidas, determinando-se que nesse caso “a pena que lhe for aplicável substitui a anterior”.
V - A solução legal desinteressou-se de agravar a responsabilidade do agente, em virtude de uma reiteração, que simplesmente passasse a ver-se acrescida. As “condutas mais graves” serão então aquelas que integrem um tipo próximo do da condenação transitada (que proteja substancialmente o mesmo bem jurídico), mas com uma moldura penal mais severa. Na verdade, as condutas punidas pelo mesmo tipo legal, integrantes da continuação, que simplesmente revelem, no caso, um grau de ilicitude maior, ver-se-ão, nesta linha, consumidas pela condenação já julgada. É que a expressão “conduta mais grave”, do n.º 2 do art. 79.º do CP, é também empregue no n.º 1 do preceito, e aí não oferece dúvida que a gravidade da conduta se afere pela pena aplicável, e portanto, pela moldura abstracta do crime, não fazendo qualquer sentido que a mesma expressão seja usada nos dois números com sentido diferente.»
De acordo com o entendimento ora expresso que, aqui, se acolhe, resulta certo que na aplicação da norma ínsita no item 2 do artº 79º do Código Penal:
● Independentemente do trânsito em julgado, atender-se-á à conduta que integre a continuação desde que se trate de uma conduta mais grave do que as condutas que já tinham sido conhecidas;
● As condutas mais graves serão aquelas que integrem um tipo próximo do da condenação já transitada, mas com uma moldura penal mais severa;
● A gravidade da conduta afere-se pela pena aplicável, dizer pela moldura abstracta do crime;
● Verificada uma conduta mais grave do que as que já tinham sido conhecidas, a pena que lhe for aplicada, substitui a anterior.
Descendo ao caso concreto:
Adquirida que se mostra a continuação criminosa dos factos/crimes conhecidos no presente processo com os factos/crimes julgados nos processos Nºs 1201/02.2TOPRT, 4300/99.2TDPRT e 5048/04.3TDPRT, todos da 4ªVara Criminal do Porto, importa definir qual deles previne as condutas mais graves, segundo a pena aplicável de acordo com a moldura abstracta do crime, ou, melhor dizendo, definir se as condutas emergentes do presente processo são mais graves, segundo a pena aplicável de acordo com a moldura abstracta do crime, do que as condutas conhecidas e já julgadas nos ditos processos, havendo no caso da confirmação, aqui, de condutas mais graves, que estabelecer as respectivas penas que substituirão as cominadas naqueles.
No presente processo, a Arguida “C…”, em face dos factos que ficam acima descritos como provados, incorreu na prática, em concurso real de infracções:
i. De um crime de abuso de confiança fiscal agravado, sob a forma continuada, previsto e punível pelos artigos 105º nºs 1 e 5, 7º, 15º nº1 do RGIT [em cuja vigência ocorreram (Dez. 2003) os últimos factos da continuação] 30ºnº2 e 79º ambos do Código Penal, com pena de multa de 240 a 1.200 dias, sendo a taxa diária fixada entre €5,00 e €5.000,00;
ii. De um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punível pelos artigos 107º, 105º nº 1, 7º, 15º nº1 do RGIT [em cuja vigência ocorreram (Março de 2003) os últimos factos da continuação] 30º nº2 e 79º ambos do Código Penal, com pena de multa de 20 a 720 dias, sendo a taxa diária fixada entre €5,00 e €5.000,00.
Havia sido condenada, com trânsito em julgado:
i. No processo Comum colectivo n° 4300/99.2TDPRT, por acórdão proferido em 22.3.2006, relativamente a factos praticados em Abril, Maio, Junho de 1996, Outubro, Novembro e Dezembro de 1997, Janeiro e Abril de 1998, consubstanciadores da prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, n° 2 e 79º do Código Penal, 27°-B e 24°, n° 1, estes do RJIFNA, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária € 6, perfazendo o total de € 900,00, bem assim, condenada a pagar ao demandante “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social” a quantia de € 71.660,38, acrescida dos respectivos juros de mora, desde o vencimento de cada uma das prestações, na procedência parcial do pedido de indemnização civil formulado;
ii. No processo Comum colectivo n° 1201/02.2TDOPRT, por acórdão proferido em 1.3.2006, relativamente a factos praticados em Dezembro de 1998, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2000 com referência à não entrega de quantias devidas a título de IRS e em Janeiro, Fevereiro, Março, Agosto, Dezembro de 1999, Março e Julho de 2000, com referência à retenção e não entrega de quantias devidas a título de IVA, consubstanciadores da prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, especialmente atenuado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, n° 2, 72º nº1, 73º nº1 alíneas a) e b) e 79º do Código Penal, e 24°, n°s 1 e 5, este do RJIFNA, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária € 6, perfazendo o total de € 720,00;
iii. No processo Comum colectivo n° 5048/04.3TDPRT, por acórdão proferido em 15.11.2006, relativamente a factos praticados em Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2003 e em Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de consubstanciadores da prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, n° 2 e 79º do Código Penal, e 107º nº1 e 105 nº1, estes do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de Junho, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária € 20, bem assim, condenada a pagar ao demandante “Instituto da Segurança Social” a quantia de € 192.853,48 acrescida de juros de mora, calculados sobre a quantia de €148.443,66, desde Abril de 2006 até integral pagamento.
Em face do cenário assim traçado importa agora estabelecer, de acordo com os ditames relativos à aplicação do artº 79º/2 do C.Penal, acima enunciados, se as condutas emergentes do presente processo são mais graves, segundo a pena aplicável de acordo com a moldura abstracta do crime, do que as condutas conhecidas e julgadas nos processos 1201/02.2TOPRT, 4300/99.2TDPRT e 5048/04.3TDPRT da 4ªVara Criminal do Porto.
3.2.3.1 Num primeiro momento, ressalta óbvio que, no que ao crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social diz respeito, “a pena aplicável de acordo com a moldura penal abstracta do crime” é idêntica na específica referência ao crime sob apreço nestes autos quanto ao crime julgado no Processo 5048/04.3TDPRT.
De sorte que na apreciação comparada, visto a igual gravidade, haverá que manter a pena neste último cominada. [Artº 79º/2 CP, a contrario]
Se bem se ajuíza idêntica solução de prevalência da pena cominada no processo 5048/04.3TDPRT sobre a pena aplicada no Processo 4300/99.2TDPRT no que respeita ao crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, n° 2 e 79º do Código Penal, 27°-B e 24°, n° 1, estes do RJIFNA, porquanto sendo nele a moldura penal abstracta aplicável uma pena de multa entre 20 e 1000 dias, correspondendo a cada dia uma quantia entre Esc. 5.000$00 e Esc. 500.000$00 [Artº 11º nºs 2 e 3 do RJIFNA, na redacção conferida pelo DL 394/93 de 24/11], diferentemente a moldura penal abstracta aplicável nestes autos como nos autos 5048/04.3TDPRT é de multa de 20 a 720 dias, sendo a taxa diária fixada entre €5,00 e €5.000,00.
Atente-se, na comparação da gravidade, que, contas feitas, enquanto o limite máximo da pena pode atingir €25.000,00 (1.000 dias X € 2.500,00) na aplicação do regime decorrente do RJIFNA, já o limite máximo aplicável no âmbito do RGIT pode atingir € 3.600.000,00. [6]
Nesta conformidade, subsistirá, também com referência ao Processo 4300/99.2TDPRT, a pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 20, cominada no Processo 5048/04.3TDPRT.
3.2.3.2 Cumpre apreciar agora a mesma questão com referência ao crime continuado de abuso de confiança fiscal, ou dizer se as condutas emergentes do presente processo são mais graves, segundo a pena aplicável de acordo com a moldura abstracta do crime, na equiparação com a factualidade considerada provada no Processo 1201/02.2TDOPRT.
Neste processo 1201/02.2TDOPRT estão em causa factos praticados em Dezembro de 1998, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2000 com referência à não entrega de quantias devidas a título de IRS e em Janeiro, Fevereiro, Março, Agosto, Dezembro de 1999, Março e Julho de 2000, com referência à retenção e não entrega de quantias devidas a título de IVA, [7] consubstanciadores da prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, especialmente atenuado, previsto pelas disposições conjugadas dos artºs 24° n°s 1 e 5, 10º e 11º nºs 2 e 3 do RJIFNA, 30º n° 2, 72º nº1, 73º nº1 alíneas a) e b) e 79º do Código Penal, punível com pena de multa entre o mínimo de 10 dias e o máximo de 667 dias (visto a atenuação especial), correspondendo cada dia de multa a uma quantia entre Esc. 5.000$00 (€ 25,00) e Esc. 500.000$00 (€ 2.500,00).
Diferentemente, o crime de abuso de confiança fiscal agravado, sob a forma continuada, em causa nestes autos, previsto pelos artigos 105º nºs 1 e 5, 7º, 15º nº1 do RGIT [em cuja vigência ocorreram (Dez. 2003) os últimos factos da continuação] 30º nº2 e 79º ambos do Código Penal, punível com multa de 240 a 1.200 dias, sendo a taxa diária fixada entre €5,00 e €5.000,00.
Sem necessidade de especiais considerações, na ponderação da pena aplicável de acordo com a moldura abstracta do crime, resultam manifestamente mais graves as condutas emergentes do presente processo na equiparação com a factualidade considerada provada no Processo 1201/02.2TDOPRT.
Nesta conformidade deverá prevalecer – por substituição - a pena a cominar nos presentes autos.
3.2.4 Medida da pena.
3.2.4.1 Na sequência de tudo o que vem de ser exposto resta estabelecer a pena relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal agravado, sob a forma continuada, previsto e punível pelos artigos 105º nºs 1 e 5, 7º, 15º nº1 do RGIT [em cuja vigência ocorreram (Dez. 2003) os últimos factos da continuação] 30ºnº2 e 79º ambos do Código Penal, com pena de multa de 240 a 1.200 dias, sendo a taxa diária fixada entre €5,00 e €5.000,00, decorrente da factualidade comprovada e acima descrita em II, 1.5 a 1.19.
A conduta mais grave que integra a continuação corresponde à apropriação relativa a IRS da Categoria G de Dezembro de 2003, no montante de € 119.589,56.
Em termos de consequências gravosas relevam os valores totais elevados de que a sociedade arguida ilegitimamente se apropriou e que se traduziram correspectivamente em prejuízo para o erário público: € 222.169,05, em sede de IVA; € 1.504.910,18, em termos de IRC; € 59.856,71, em termos de IRC.
Com sentido atenuativo, relevam já a idade centenária do “C…” (fundado em 1911) e a sua natureza de associação de utilidade pública, dedicada à actividade desportiva e ao desenvolvimento da educação física e cultural dos seus associados (Supra II, 1.2), já as dificuldades de liquidez, traduzidas na insuficiência de receitas para liquidar os seus compromissos, sentidas nos anos de 2001, 2002 e 2003 (Supra II, 1.4).
Sopesando os graus de ilicitude, culpa, consequências gravosas, tem-se por adequado e justo cominar à arguida pena de 400 dias de multa à taxa diária de € 10,00, dizer multa no valor global de € 4.000,00.
3.2.4.2 Em concurso real com o ora enunciado crime de abuso de confiança fiscal agravado, sob a forma continuada, está a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, relativamente ao qual prevalece – como se deixou referido - a pena de 250 dias de multa, à taxa diária € 20 aplicada no âmbito do Processo 5048/04.3TDPRT.
Este concurso impõe a realização do cúmulo jurídico de penas. [8]
Sendo certo que, in casu, ocorre um concurso de penas de multa com diárias distintas.
Acolhe-se, na superação do conflito, o princípio da equidade que subjaz ao ensinamento de Maia Gonçalves: “…a solução que parece mais viável e razoável é a de se fixar na pena única uma quantia diária equitativa, entre os montantes que foram fixados nas decisões para as penas parcelares” [9]
Nesta conformidade, operando o cúmulo jurídico de penas, fixa-se a pena única em 500 dias de multa, à taxa diária de € 15,00.
III DECISÃO
Por tudo o exposto, na procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, altera-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
i. Julga-se provada e procedente a acusação relativamente à prática pela Arguida “C…”, de um crime de abuso de confiança fiscal agravado, sob a forma continuada, p. p. pelos artigos 105º nºs 1 e 5, 7º, 15º nº1 do RGIT, 30ºnº2 e 79º do Código Penal, pelo qual é punida com pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros).
ii. Declaram-se abrangidos naquela continuação criminosa os factos constitutivos do crime de abuso de confiança fiscal agravado, especialmente atenuado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, n° 2, 72º nº1, 73º nº1 alíneas a) e b) e 79º do Código Penal, e 24°, n°s 1 e 5, este do RJIFNA, por via dos quais foi a mesma arguida condenada no Processo Comum Colectivo Nº 1201/02.2TDOPRT (4ªVara Criminal do Porto) na pena de 120 dias de multa, à taxa diária € 6, perfazendo o total de € 720,00.
iii. Nos termos do artigo 79º nº2 do Código Penal, declara-se substituída a pena referida em ii., pela pena cominada em i.
iv. Julga-se provada a acusação quanto à prática pela Arguida “C…” de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, sob a forma continuada, previsto e punível pelos artigos 107º, 105º nº 1, 7º, 15º nº1 do RGIT, 30ºnº2 e 79º ambos do Código Penal.
v. Declaram-se abrangidos naquela continuação criminosa:
a. Os factos constitutivos do crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, n° 2 e 79º do Código Penal, 27°-B e 24°, n° 1, estes do RJIFNA, por via dos quais foi a mesma arguida condenada no Processo Comum Colectivo Nº 4300/99.2TDPRT (4ªVara Criminal do Porto) na pena de 150 dias de multa, à taxa diária € 6, perfazendo o total de € 900,00;
b. Os factos constitutivos do crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 30º, n° 2 e 79º do Código Penal, 107º nº1 e 105 nº1, estes do RGIT, aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de Junho, por via dos quais foi a mesma arguida condenada no Processo Comum Colectivo Nº 5048/04.3TDPRT (4ªVara Criminal do Porto) na pena de 250 dias de multa, à taxa diária € 20.
vi. Nos termos do artigo 79º nº2 do Código Penal, mantém-se a pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 20 referida em v. b., como pena aplicada ao crime de abuso contra a segurança social, na forma continuada, abrangendo os factos considerados nos processos Nº 4300/99.2TDPRT, Nº 5048/04.3TDPRT e nos presentes autos, Nº 5/04.2IDPRT.P2
vii. Em cúmulo jurídico das penas parcelares de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros) [Supra i.] e de 250 (duzentos e cincoenta) dias de multa, à taxa diária € 20 (vinte euros) [Supra vi.], a arguida “C…” é condenada na pena única de 500 (Quinhentos) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (Quinze euros)
viii. No mais (responsabilidade emergente dos pedidos de indemnização civil) mantém-se o decidido no acórdão sob recurso.
Sem Custas
Oportunamente, na instância recorrida, comunicações pertinentes.

PORTO, 6 de Julho de 2011
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Élia Costa de Mendonça São Pedro
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[1] In www.dgsi.pt
[2] A Teoria do Concurso em Direito Criminal I – Unidade e Pluralidade de Infracções, II – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Colecção Teses, Almedina, Coimbra 1983, Fls.350-351
[3] No sentido de que este era o entendimento jurisprudencial dominante, o Ac.do STJ de 18.02.2010, no Processo 432/09.9YFLSB, Relator: Souto de Moura, in www.dgsi.pt
[4] O respeito em processo civil ulterior de caso julgado obtido em processo anterior, assegura-se por modos diferentes, em duas situações a discriminar:
● “Quando eadem quaestio inter easdem personas se suscite no processo ulterior como thema decidendum do mesmo processo;
● Quando a eadem quaestio inter easdem personas se suscite no processo ulterior como questão de outra índole, fundamental ou mesmo tão-somente instrumental.”[Castro Mendes, ob. cit. Pág. 42]
Na primeira situação, a excepção de caso julgado, na segunda, a autoridade de caso julgado.
[5] Leia-se: a divisão caso julgado impeditivo versus caso julgado não impeditivo do julgamento das infracções parcelares integradas num crime continuado só posteriormente descobertas.
[6] Não é critério, mas de algum modo corrobora a opção tomada, a pena mais grave efectivamente aplicada no Processo 5048/04.3TDPRT
[7] “A apropriação que materializa a conduta mais grave que integra a continuação reporta-se ao IVA retido e não entregue à Administração Fiscal, referente ao mês de Julho de 2000, no valor global de Esc. 33.411.551$00” Sic: Ac. de 18.11.2010, neste processo, 5º Vol. Fls. 1114
[8] Ensina Paulo Pinto de Albuquerque a propósito do conhecimento superveniente do concurso:
«A Lei 59/2007 suprimiu o requisito da condenação anterior não se encontrar ainda cumprida, prescrita ou extinta, impondo a realização do concurso mesmo nestes casos, com a concomitante obrigação de desconto pelo tribunal que realiza o concurso de descontar a pena já cumprida na pena conjunta do concurso. A justificação dada na Proposta de Lei nº 98/X, que esteve na base da Lei nº50/2007, foi esta: “Ao nível sancionatório, prescreve-se que o conhecimento superveniente de novo crime que integre a continuação criminosa ou o concurso acarreta sempre a substituição da pena anterior, mesmo que já executada, depois de se ter procedido ao correspondente desconto, no caso de a nova pena única ser mais grave. Deste modo assegura-se o máximo respeito pelo princípio non bis in idem, consagrado no nº5 do artigo 29º da Constituição”. Portanto, o legislador visou aplicar ao caso do conhecimento superveniente do concurso a nova regra do conhecimento superveniente de facto em caso de crime continuado, prevista no artº 79º nº2, isto é, a supressão do efeito do caso julgado da anterior condenação em caso de descoberta de crime com a concomitante operação de desconto da pena (já cumprida) que venha a ser incluída no concurso de crimes.» Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lx. 2008, pág. 246
[9] MAIA GONÇALVES, 2007:295, anotação 6ª ao artigo 295º.