Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
COMPRA E VENDA COMERCIAL
DENÚNCIA
COISA DEFEITUOSA
PRAZO DE CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - O art. 471.º do CCom estabelece um prazo de oito dias para o comprador reclamar dos defeitos, caso não examine as coisas compradas no acto da compra. II - O prazo de oito dias para a reclamação conta-se a partir do momento em que o comprador teve ou podia ter tido conhecimento do vício se agisse com a diligência exigível ao tráfico comercial. III - Quanto ao ónus da prova sobre a tempestividade da denúncia dos defeitos, ele cabe ao comprador, ou seja, o comprador tem de provar a eventual impossibilidade de exame do material no momento da entrega, o momento em que terá cessado essa impossibilidade, a data em que detectou os defeitos e a data da reclamação.*
*Sumário elaborado pelo Relator
Texto Integral
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em 20.11.2000, no 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, AA, Ldª intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra BB e marido CC, pedindo se condene a Ré a reconhecer que não cumpriu o contrato de compra e venda comercial, celebrado com a Autora; e, por via disso, ambos os RR a pagarem-lhe o preço global de 2.546.234$00, acrescido de juros legais. decorridos 60 dias sobre as datas de emissão (parcelares) das facturas das mercadorias, seja, desde 30.7,31.7, 2.8, 12.8 e 26.8.2000, até efectivo pagamento, porquanto, no exercício da suas actividades comerciais vendeu à Ré malhas, de sua confecção, nas quantidades, qualidade e preços facturados sob os n° 7364, 7369, 7393, 7455 e 7515, e emitidas, respectivamente em 30.5, 31.5, 2.6, 12.6 e 26.6. 2000, e postas, nestas datas, na sua disponibilidade (entregues); não lhe tendo apresentado qualquer reclamação; e não pagando os respectivos preços debitados.
Acrescer-lhes-ão os juros já vencidos de 63.658$00.
Pelo exercício da sua actividade comercial, a Ré mulher contribui para as despesas correntes e diárias do casal; pelo que pela dívida também é responsável o Réu marido.
Apresentaram contestação os RR, aceitando a confecção da malha pela Autora, que a transportou para a DD; que, por sua vez, a tingiu e entregou ao confeccionador das peças de vestuário.
Submetidas a vapor estas peças, revelaram manchas de óleo; que, de imediato comunicou à Autora e à DD; tendo a Autora assumido a responsabilidade pelo defeito.
A sua sugestão, a Ré submeteu as peças a lavagem a seco, infrutiferamente, despendendo nisso 31.792$00;
A malha da factura 7 455 apresentava riscos, provocados pela falha de agulhas; logo, tendo dado conhecimento à Autora; que assumiu o pagamento dos prejuízos decorrentes; recebendo a devolução da malha, excepto a relativa ao corte de 433 peças, por que pagou 8.660$00. Teve de cancelar as encomendas que tinha das peças, deixando de ter nelas o lucro de 12.000 contos; do que deu conhecimento à Autora.
A malha relativa à factura 7515 deveria ser das mesmas características de uma peça de vestuário (amostra) que a Ré entregou à Autora; porém, assim não aconteceu, apresentando características totalmente diferentes e encolhendo; vendo-se assim impossibilitada de proceder à execução de encomenda; deixando de, com isso, auferir o lucro de 3.000 contos.
Ainda, e por isso, deduziram os RR pedido reconvencional contra a Autora, por lhe ter causado prejuízos que computam em 16.508.660$00, com acréscimo dos danos morais, afectação da imagem comercial perante clientes e colaboradores, cujo montante será a liquidar em execução de sentença.
Não obstante pedirem a compensação dos seus eventuais débitos com a quantia que tenham a receber, concluem pela a improcedência da acção e procedência da reconvenção.
Replicou a Autora, não aceitando os defeitos de qualidade ou de fabrico da malha; antes, os imputando ao processamento do seu tingimento e imperfeição do acabamento, resultante de condensações de vapor, por que não é responsável; e não recebeu qualquer reclamação de defeito no tempo próprio.
Conclui pela improcedência do pedido reconvencional e condenação dos RR como litigantes de má fé.
Feito o pagamento e proferida a sentença, nela se decidiu:
a) julgar parcialmente procedente a acção e, em conformidade, condenar os RR, no pagamento à A. de 1.017.970$00/5.077,61€, acrescidos de juros de mora sobre essa quantia às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde 28.08.00, até integral pagamento.
b) absolveu os RR. do restante pedido.
c)julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenar a recorrida (AA Ldª., no pagamento à reconvinte BB de indemnização por danos materiais no valor de 225 €:
d) condena a agora reconvinda no pagamento à reconvinte do que se liquidar em execução da sentença relativamente aos danos apurados em 2.1.35, 2.1.36, 2.1.41, e 2.1.42.
e) Absolver a reconvinda do mais peticionado.
Inconformada com o decidido, apelou a A. mas sem êxito já que o R. da Relação julgou improcedente o recurso.
*
De novo inconformada, pediu revista.
Alegou e formulou as seguintes conclusões:
1 - Os fornecimentos de malha em causa nos autos configuram contratos de compra e venda comercial, quer subjectivamente pela qualidade de comerciantes dos contraentes, quer objectivamente por se tratar de acto de comércio.
1.1 - O contrato de compra e venda comercial vem regulado no art. 463° e ss. do Cód. Comercial.
1.2 - Prescreve o art. 471° do Cód. Comercial " ... / ... e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as coisa compradas no acto da entrega e não reclamar quanto à sua qualidade, ou não as examinando, não reclamar dentro de oito dias."
1.3 - Este prazo é contado a partir do acto da entrega das coisas pelo vendedor ao comprador.
1.4 - De acordo com o art. 471° do Cód. Comercial, a recorrida tinha o ónus de impugnar os contratos e, não o fazendo, perdeu todos os direitos, incluindo o direito a qualquer indemnização.
1.5 - A lei presume que a falta de denúncia tempestiva implica aceitação e, tornando-se o contrato perfeito, por repita-se, aceite, tal facto fez precludir a possibilidade da recorrida, exercer todo e qualquer direito.
2 - Entende a recorrente, diferente do entendimento vertido na sentença recorrida, que qualificados os contratos dos autos como de compra e venda comercial, dado o objecto do contrato e qualidade dos contraentes, ao caso em apreço não são aplicáveis as disposições do Cód. Civil (art.913° e 55.) mas antes as do Código Comercial (art. 4630 e ss.) e, em particular, a norma já supra-citada do art. 471°.
2.1 - O art. 471 Cód. Comercial tem como finalidade submeter a compra e venda comercial a um regime de prazo curto para as reclamações do comprador contra as qualidades da coisa, e como razão de ser a necessidade de segurança das transacções, indispensável à vida mercantil.
2.2 - O entendimento vertido na sentença recorrida, inverte por completo as regras da divisão do ónus da prova e, atento os critérios legais definidos nos artigos 342° e 55. do Cód. Civil.
2.3 - A sentença recorrida, inverteu o ónus da prova, referindo que era a aqui recorrente que teria de excepcionar a matéria do decurso do prazo de denúncia ou acção, mas, na senda do que afirmamos anteriormente, por estarmos perante um contrato de compra e venda comercial, é sobre a ré, ora recorrida, que recaía tal ónus probatório.
2.4 - Na verdade, o tribunal tem razão, nada se provou quanto a este aspecto, mas tal ausência de prova não pode desfavorecer a recorrente, atentas as disposições legais supra-indicadas.
2.5 - Era sobre a recorrida que incidia o ónus da prova da denúncia dos defeitos no prazo e forma legal, atento o critério estabelecido no art.471 ° do Cód. Comercial.
2.6 - No caso dos autos nada se provou neste aspecto, pois nada se articulou nesse sentido, nomeadamente, às datas das reclamações, às datas em que foram detectados os defeitos por eventual impossibilidade do exame da mercadoria na sua entrega e, por último, o momento em que cessou tal impossibilidade de exame.
3 - A matéria de facto apurada nos autos não consente a interpretação (como parece ter sido entendimento na sentença recorrida) que a recorrida, na data da entrega, nos oitos dias subsequentes, ou ainda, porque esteve impossibilitada de recepcionar a mercadoria, em data posterior, quando detectou os defeitos, reclamasse Perante a recorrente, contra a qualidade da confecção das malhas. Aliás,
3.1 - Basta atentar na matéria articulada nos autos, pela recorrida, para constatarmos que esta pretende imputar, também, tal responsabilidade à empresa DD, que procedeu ao tingimento das mesmas, pois que, deduz incidente de intervenção principal provocada e, pretende a responsabilidade solidária da DD, pelo pagamento de esc. 16.508.660$00.
4 - A autora/recorrente provou que as mercadorias foram entregues no dia da emissão das respectivas facturas e, a recorrida por sua vez, teria de alegar para lograr provar que, no prazo de oito dias reclamou dos defeitos, assim como também não alegou e, consequentemente não poderia provar qual a data posterior em que foi permitida verificar tais defeitos, por impossibilidade de verificar os mesmos na data da entrega da mercadoria .
4.1 - A matéria de facto dada como provada é manifestamente insuficiente para integrar o disposto no art.471° do Cód. Comercial, na interpretação-melhor explanada supra.
4.2 - Mais sucintamente, em jeito de conclusão, o quadro factual apurado nos autos não comporta elementos que permitam considerar que, os pretensos defeitos das malhas fornecidas pela recorrente à recorrida, foram reclamados tempestivamente, dentro do prazo, ou ainda de que, as reclamações da recorrida alguma vez tenham sido aceites e assumidas pela recorrente.
4.3 - De todo o exposto, decorre ter-se por verificada a caducidade do direito da recorrida reclamar dos defeitos das malhas que a recorrente lhe entregou, pelo que, se impõe o pagamento do respectivo preço.(Cf. Art.879° ai. c) por força do art. 3° do Cód. Comercial)
4.4 - Devendo a sentença dos autos, no que diz respeito à acção, ser substituída por uma outra que condene os recorridos no pagamento das quantias peticionadas pela recorrente, acrescidas dos juros legais.
4.5 - Do mesmo passo, impõe-se concluir, como consequência de todas as considerações anteriores, que a recorrida ao deixar esgotar o prazo de reclamação quanto aos defeitos, fez caducar todos os direitos que em princípio poderiam advir para o comprador do incumprimento do devedor, isto é,
4.6 - A falta de tempestividade da reclamação pelos defeitos da malha, por parte da recorrida, tem por consequência inelutável, que ela tenha decaído em todos os direitos que resultavam desse incumprimento.
4.7 - Por tudo o que foi referido, no caso dos autos, caducaram os direitos que a recorrida como compradora, pretendia fazer valer em via de reconvenção, inexistindo fundamento legal, para a condenação da recorrente, ainda que, nos danos a liquidar em execução de sentença.
5 - Foram violadas entre outras disposições a norma contida no art. 471 Cód. Comercial; no art. 653/3 Cód. Processo Civil.
Termos em que deve dar-se provimento à presente apelação, revogando-se a sentença recorrida, sendo a mesma substituída por uma outra que condene a recorrida no pagamento das quantias peticionadas e, pela mesma ordem de razões, absolva a recorrente do pedido reconvencional deduzido pela recorrida, como é de Direito e de Justiça .
*
Não houve contra alegações.
*
Cumpre decidir:
É a seguinte a matéria de facto que vem apurada:
A).-A Autora dedica-se, habitualmente, e com escopo lucrativo, à actividade da confecção de malhas.
B).- No desenvolvimento desta actividade, em 30.5.2000, vendeu à Ré mulher, que comprou, a quantidade e qualidade de malhas, pelo preço constantes da factura nº 7 364 : 835 kgs/51 rolos de malha (Rib Fantasia 250-GR D:029 C:0000-l 00% cotton 30/1 Card 36* - lote 66/camx), a preço unitário de 810$00, num total de PTE 791.330$001 € 3.947,14 (com IVA).
C).-Em 31.5.2000, a Autora vendeu à Ré, que comprou (factura n° 7 369), Tiras Fantasia 999-GR D: 150 C:0003- 100% cotton cardado; de 3, 26,5 e 13 kgs, respectivamente na quantidade de 523,7760 e 523 unidades, ao preço unitário de 85$00, com o preço global de PTE 179,607$001 € 895,88 (com IV A);
D).-Em 2.6.2000, a Autora vendeu à Ré, que comprou, (factura n° 9 393): Tiras Fantasia 999-GR D: 130, C:0003-100% cotton cardado, de 13 e 17 kgs, respectivamente na quantidade de 405 e 520 unidades, ao preço unitário de 85$00, com o preço global de PTE 91.991 $00 1 € 458,85 (com IVA);
E).-Em 12.6.2000, a Autora vendeu à Ré, que comprou, (factura n° 7 455): 16, rolos/221 kgs de malha Jersey Jacquard 200 GR D: 026 C: 0000-95% P A.178/34/2 5%EL 20 30, ao preço unitário 1.800$00 e total de PIE 465.4426$00 / € 2321,54 (com IVA).
F).-Em 26.6.2000, a Autora vendeu à Ré, que comprou, malha tipo Ponto Italiano . 220-GR D: 004 C: 0000 - 60% C035%P.30+24 5%EL 30; 39 rolos do lote 200684 (712,50 kgs; 5 rolos do lote Novo-I (60,50 kgs), ao preço unitário de 1 020$00, no valor total de 1.017.970$001 € 5.077,61 (factura 7 515).
G).-A soma dos preços das malhas vendidas pela Autora à Ré é de PTE 2.564.324$00, com IV A incluído, à taxa em vigor.
H).-Conforme acordaram Autora e Ré, as malhas constantes das alíneas B) a F) foram entregues pela Autora, nos dias em que as mesmas foram facturadas, directa¬mente nas instalações da empresa de tinturaria DD Têxteis, La.
I).-A Ré devolveu à Autora a malha constante da factura nº 7 455, conforme consta da guia de devolução, datada de 25.7.2000, que constitui o doc. n° 1, junto aos autos com a contestação: 62 kgs de malha licra turquesa; 34,5 kgs de malha licra fushia; 66 kgs de malha licra lilás, com excepção da necessária à confecção de 433 peças de vestuário.
J), 23. - A referida malha foi devolvida à Autora, já que, após ter sido entregue ao confeccionador, e depois de este ter cortado 433 peças, constatou que a mesma tinha um defeito que consistia no facto de a malha apresentar vários riscos, provocados por uma falha de agulha.
K).-Perante tal situação, a Autora reconheceu perante a Ré os apontados defeitos da malha.
L).-Em 14.9.2000, a Ré enviou à Autora, que recebeu, o escrito que constitui o doc. nº 3 junto aos autos com a contestação (fis. 30), e onde pode ler-se:
«acabei de chegar de fora e fui informada das V /s visitas pessoais às nossas instalações em Vermoim ...
conforme já informei por fax de 28.7.2000, considero os meus pagamentos suspensos até definito esclarecimento de situações de ordem qualitativa, que me afectaram junto dos meus clientes e que respeitam a matérias primas fornecidas por V. empresa e também a desperdícios de malha por falta de qualidade.
Neste momento, a minha posição é a seguinte:
-aguardar resultados de testes solicitados a entidades acreditadas para o efeito;
-aguardar decisões dos meus clientes quanto a mercadorias entretanto recebidas;
-só depois estarei de posse de toda a informação que me permita reunir com V. para estudo da situação ...
Não ponho de lado a hipótese de ter de vir a imputar à V. empresa os prejuízos que me vierem a ser reclamados e, neste caso, de vos reclamar as correspondentes indemnizações.
Quero desde já fazer um alerta em relação à malha lycra de fantasia (para artigo de bébé) que foi entregue na DD e que teve de ser devolvida, por se encontrar mal fabricada, com problemas de falha de agulha, os quais foram oportunamente constatados pelo Sr. EE.
A falta de entrega em boas condições desta matéria prima motivou o cancelamento de uma encomenda sazonal na ordem das 4.000 peças/mês.
A perda da encomenda trouxe por arrasto a perda de todo o programa de lycras que nos estava destinado ... ».
l.-A Ré mulher, na data dos factos, dedicava-se, habitualmente e com escopo lucrativo, à actividade de venda de artigos têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro, cuja produção encomendava a terceiros.
2.-A Autora e Ré combinaram que esta deveria proceder ao pagamento do preço das malhas que aquela lhe forneceu, nos 60 dias subsequentes aos da emissão das respectivas facturas.
3.-As malhas adquiridas pela Ré à Autora foram destinadas ao exercício da sua actividade comercial;
4.-sendo com esta actividade que o casal dos RR fazia, então, face às suas despesas correntes e diárias .
5.-A Ré é empresária em nome individual, exercendo a referida actividade comercial.
6.-A DD, após ter recebido a malha mencionada em B) a F), procedeu ao seu tingimento;
7.-após o que a entregou, directamente, ao confeccionador das peças de vestuário.
8.-Sendo que a Ré, após a confecção das peças, vendê-las-ia ao cliente final. 9.-Destinava-se a malha referida em B) a D) à confecção de 2.100 peças de
vestuário; .
10. -que haviam sido encomendadas à Ré pela empresa FF, com sede em Espanha.
11.- Tais peças, já depois de confeccionadas, foram submetidas a vapor, sendo dobradas e depois embaladas.
12.-Quando foram sujeitas a vapor, apareceu em todas as peças de vestuário manchas de óleo,
13, 38.-que resultaram da confecção da malha, na fase produzida pela Auto-
ra.
14.-Facto que a Ré deu, de imediato, conhecimento à Autora. 15.-Admitindo esta tal possibilidade; e
16.-sugerindo inclusivamente à Ré que eliminasse aquelas nódoas com produtos químicos de remoção de nódoas e através da limpeza a seco na lavandaria.
17.-A Ré recorreu, então, à limpeza a seco na lavandaria, tendo nisso despendido quantia não apurada.
18.-Sendo que, apesar disso, as peças de vestuário continuaram apresentar manchas de óleo.
19.-E, ao serem entregues as 2.100 peças ao cliente final Los Telares, este denunciou o defeito das mesmas;
20.-alegando ainda atrasos na entrega da mercadoria.
21 . …..
22.- O cliente da Ré FF ainda possui as referidas 2.100 peças em armazém.
24.-O corte das 433 peças referidas em J) custou à Ré valor não apurado.
25.-A malha constante da factura nº 7 455 destinava-se a ser vendida pela Ré, num total de 2.300 peças de vestuário, ao cliente espanhol FF.
26.-Devido ao defeito da malha, a Ré não procedeu à entrega da encomenda das 2 300 peças de vestuário.
27,28,29 ……
30.- A Ré, ao proceder à encomenda da malha constante da factura nº 7515, entregou à Autora uma peça de vestuário confeccionada, que servia de amostra, para o fabrico de malha com as mesmas características.
31, 39. -A malha apresentava características diferentes da amostra entregue pela Ré à Autora, ou seja, fôra tricotada com fios de base de características distintas, em termos de torção e cálculos de fabrico. .
Após ter sido tingida, foi termofixada e acabada numa terceira empresa contratada pela Ré, a DD.
Depois, verificou-se que ficara com menor gramagem e elasticidade (do que a malha que serviu de amostra); o que se deveu apenas ao facto de essa ultimação ter sido realizada como demasiada ou inapropriada tensão (foi demasiado aberta).
32.-Por isso, a Ré viu-se impossibilitada de proceder à execução aprazada de uma encomenda, que consistia na confecção de pelo menos 1 995 peças de vestuário que se destinavam a ser vendidas ao seu cliente FF.
33.-Por isso, deixou de auferir quantia equivalente a uma margem de lucro de 30% sobre o respectivo custo de produção.
34.-A Ré deixou de auferir quantia equivalente a uma margem de lucro equivalente a 30% sobre o custo da produção de 2300 peças referidas em 26.
35 – O comportamento da Autora, ao fabricar as malhas referidas em J), 9 e 25. que vendeu a Ré, com os referidos defeitos, fez com que a imagem comercial desta ficasse abalada, face ao cliente FF.
****
Como é sabido são as questões postas nas conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso.
No caso, a questão sobre a recorrente faz e pretende ver apreciada é a da classificação e natureza do negócio dos autos e suas consequências a nível de direito aplicável e a sua projecção no desfecho da acção.
Ora bem, parece-nos não restarem dívidas de que se está perante uma compra e venda comercial e não civil; na verdade, ambas as partes são comerciantes (razão subjectiva) e o negócio que celebraram é um acto do comércio (razão objectiva).
O artº 2º do C.Comercial estatui que: “serão considerados “actos do comércio” todos aqueles que se acharem especialmente neste Código, e além deles todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.
A compra e venda dos autos tem, pois, natureza comercial ( art. 13º nº 1 e 2º do C. Comercial), aplicando-se-lhe não as normas do C.Civil mas as do C.Comercial, nomeadamente, o art. 463 e segs. e, marcadamente, e artº 471 do mesmo Código que reza assim:
“As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamou contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamou dentro de 8 dias;
§ único . O vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no acto da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado”.
Como se refere no ac. do S.T.J. de 29.1.92 – disponível em www.dgsi@stj – Relator Cons. Ferreira Ramos, consagra-se neste preceito solução substancialmente diferente da Lei Civil (Cfr. art. 916 e 925 nº 2 CC) que o Prof. Ferreira Correia (Lições de Direito Comercial – 1994) explica deste modo: “ ao impor ao comprador o ónus de analisar a mercadoria e de denunciar ao vendedor, no acto da entrega, qualquer diferença em relação à amostra ou à qualidade tidas em vista ao contratar sob pena de o contrato ser havido como perfeito, pretende a lei fundamentalmente tornar certa, num prazo muito curto, a compra e venda mercantil. Este regime, nitidamente diverso do estabelecido na lei civil para as vendas do mesmo tipo (CC, art. 916) tem na base a ideia de que a rescisão de um contrato “pode causar ao comércio entorpecimento ou danos, no sentido de que envolva insegurança para os direitos, perturba a rapidez das actividades e, ao originar a ineficácia de mera operação já realizada, transforma ou impede o encadeamento económico das operações sucessivas “ – E. Lanzole, “Manual de derecho mercatil espanhol, III, pág 169).”.
Também Vaz Serra (R.L.J., 104º, pág 254) opina que a razão do artº. 471 C.Com. está na vantagem de não deixar por muito tempo exposto o vendedor a reclamação por defeitos da coisa vendida e nas necessidades do tráfico comercial; deverá, pois, o comprador examinar tão depressa quanto possível a coisa comprada, a fim de verificar se ela tem vícios e denunciá-los tão depressa quanto possível ao vendedor.
O normativo em análise (artº. 761 C.Com) estabelece, na sua parte final, um prazo de 8 dias para o comprador reclamar dos defeitos, caso não examine as coisas compradas no acto da compra.
Ora é patente que o preceito não diz qual é o inicio do referido prazo.
A este propósito, Pedro Romano Martinez (cumprimento defeituoso… 1994, pag 422) diz que o prazo se inicia a partir do conhecimento dos defeitos, em ordem à sua denúncia.
Perante a omissão de C.Comercial (art. 471) são de aplicar as correspondentes disposições do C.Civil (Cfr. artº 3º do Cód. Com.)
Como bem se conclui no ac do S.T.J. de 28.3.2001 – Relator: Cons. Abilio de Vasconcelos, disponível em www.dgsi.stj.pt) o prazo de 8 dias para a reclamação conta-se a partir do momento em que o comprador teve ou podia ter tido conhecimento de vício se agisse com a diligência exigível ao tráfego comercial.
Quanto ao ónus da prova sobre a tempestividade da denuncia dos defeitos, ele cabe, naturalmente, ao comprador (citado o acórdão do STJ de 28.3.2001 e ac. do mesmo Tribunal de 12.6.91 – BMJ 408-603 e de 18.2.97 – Proc. 788/96) ou seja, o comprador tem o ónus da prova, não só da factualidade demonstrativa de eventual impossibilidade, como a data em que cessou a impossibilidade em que o defeito passou a ser detectável; não cumprindo esse ónus, o prazo ter-se-á de contar da data da entrega do material.
Quer dizer, o comprador tem de provar:
- a eventual impossibilidade de exame do material no momento da entrega;
- o momento em que terá cessado essa impossibilidade;
- a data em que detectou os defeitos;
- a data da reclamação;
A falta de tempestividade da reclamação pelos vícios da coisa por parte do comprador implica que ele tenha decaído de todos os direitos que, em principio lhe resultaram do inadimplemento por parte do vendedor; quer dizer caducam os direitos que o vendedor pretenda fazer valer com uma acção como a presente.
Analisando o caso dos autos, face aos princípios expostos, teremos de concluir que, salvo o devido respeito, não provou, em concreto, quais as datas em que teve conhecimento, ou pôde ter conhecimento, dos defeitos da mercadoria adquirida e as datas em que reclamou delas junto da A. (datas, alias, que nem sequer articulou, na contestação ou noutra qualquer pela processual, sendo certo que - como já ficou dito – era fundamental que o fizesse para obter ganho de causa (respeitados, obviamente, os 8 dias do prazo entre uma e outra data).
Com efeito, discordamos do entendimento do acórdão recorrido quando, analisando vários segmentos dos “factos provados”, concluí que foi cumprido o ónus da Ré, contido no art. 471 do C.Com de Comunicar (reclamar) dos defeitos de mercadoria comprada em 8 dias após tê-los conhecido (empregando a diligência normal para o efeito).
Deverá reter-se que estão em causa, apenas, os fornecimentos a que se referem as facturas nº 7364 de 30.5.2000, 7369 de 31.5.2000, 9393 de 2.6.2000 e 7455 de 12.6.2000, já que, concernentemente ao fornecimento a coberto da factura nº 7515, a ré foi condenada, com trânsito em julgado.
Assim, quanto à factura 7455, os factos que constituem os pontos I) J) e K) rezam que:
“ a Ré devolveu à A. a malha constante da factura 7455, conforme consta da guia de devolução datada de 25.7.2000…”; “a referida malha foi devolvida à A. já que após ter sido entregue ao confeccionador …constatou que a mesma tinha um defeito que consistia no facto de a malha apresentar vários riscos provocados por uma falha de agulha; perante tal situação a A. reconheceu perante a Ré os apontados defeitos da malha.
Neste ponto especifico, não se vislumbra, perante tais factos, que a Ré cumpriu o ónus da denuncia dos defeitos no prazo de 8 dias após o seu conhecimento.
Tocantemente às facturas 7364, 7369 e 7393 regem os pontos 11 a 18 da matéria de facto que dizem:
“Tais peças, já depois de confeccionadas foram submetidas a vapor, sendo dobradas e, depois, embaladas; quando foram sujeitas a vapor, apareceu em todas as peças de vestuário manchas de óleo que resultaram da confecção da malha, na fase produzida pela A., facto que a Ré deu, de imediato, conhecimento à A., admitindo tal possibilidade …, “sugerindo, inclusivamente à Ré que eliminasse aquelas nódoas com produtos químicos de remoção de nódoas e através da limpeza a seco na lavandaria …. sendo que, apesar disso as peças de vestuário continuaram a apresentar manchas de óleo”.
Também aqui se não pode concluir, com a certeza e segurança que o direito exige, que a denúncia dos defeitos foi feita em 8 dias. Aliás, repare-se na sequência cronológica do processo, …”submetidas a vapor, sendo dobradas e depois embaladas”; e, depois, diz-se que “quando foram sujeitas a vapor, apareceu em todas as peças de vestuário, manchas de óleo ….facto de que a Ré deu, de imediato, conhecimento à A. “quer dizer, as peças, nas quais foram encontradas manchas de óleo, foram (apesar disso) dobradas e embaladas?
E a Ré deu conhecimento do facto antes ou depois da embalagem das peças? Supõe-se que a Ré, logo que soube, deu conhecimento á A.. Mas, sendo assim, quando (e como) soube a Ré do facto, ou seja, utilizou a diligência normal (do “bonnus paterfamiliar”) exigível ao tráfego comercial?
Todas estas perguntas radicam na falta de datas que, desde logo, não foram alegadas e, depois, submetidas ao contraditório; não podendo, pois concluir-se que a Ré cumpriu o ónus que lhe impõe o artº 471º do C.Com; pouco ou nada relevando para esse efeito que a A. tenha admitido a possibilidade de as manchas de óleo terem ocorrido na fase de confecção da malha pela A..
É necessário não confundir os elementos do direito que a Ré se arroga e invoca e o elemento condicionante da perfeição (consumação) do negócio, ou seja, a não reclamação por parte da Ré, da falta de qualidade das coisas compradas – no exame feito no acto da entrega ou dentro de oito dias após a data em que teve ou poude ter tido conhecimento dessa falta de qualidade, no pressuposto de que agiu com a diligência exigível ao tráfego comercial.
***
Pelo que fica dito, concluindo-se pela caducidade do direito de a ré reclamar dos defeitos da mercadoria adquirida à A., deve a Ré - no caso, os RR. – pagar o respectivo preço, relacionado com a mercadoria a que se reportam as restantes facturas (art. 879_.c) do C. Civil e 3º do C.Com.).
Por outro lado como se refere no acórdão deste Tribunal de 26.1.1999 já referenciado, “impõe-se concluir que o esgotamento desse prazo fez caducar todos os direitos que, em principio, podiam advir para o comprador pelo incumprimento do vendedor, isto é, a falta de tempestividade da reclamação pelos defeitos do material por parte do comprador implica que ele tenha decaído de todos os direitos que lhe resultavam desse incumprimento ( Ac. do STJ de 31.5.90, BMJ 397-512).
Quer isto dizer que – no caso – caducaram os direitos que a Ré pretendia fazer valer pela via reconvencional.
3. Pelo exposto, concedendo-se a revista, julga-se procedente a acção e consequentemente, condenam-se os RR a pagar à Autora a quantia global de € 7.623,42 (3.947,14 + 895,88 + 458,85 + 2.321,54) acrescida de juros à taxa legal a contar de 60 dias após a emissão das respectivas facturas, por reporte aos parcelares atrás referidos e até integral pagamento.
Julga-se improcedente a reconvenção, absolvendo-se a Autora recorrida de todo o pedido reconvencional.
Matem-se o decidido am A) da douta sentença da 1ª instância quanto ao montante aí referido e juros.
Custas pelos Réus neste STJ e nas instâncias.
Lisboa, 23 de Novembro de 2006
Rodrigues dos Santos (Relator)
João Bernardo
Abílio Vasconcelos