DIREITO DE PROPRIEDADE
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
SERVIDÃO DE VISTAS
PRÉDIO CONFINANTE
EDIFICAÇÃO URBANA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário


I - Provado que o edifício integrante do prédio dos autores tem a sua empena lateral que se encontra voltada para o prédio do réu a uma distância de três metros, embora aquele disponha de janelas e portas nessa empena, através das quais se fazia o arejamento e se expunha o mesmo à luminosidade, não existe servidão de vistas.
II - Para existir servidão de vistas, seria necessário que a distância entre a empena do prédio dos autores em que se localizam as aludidas janelas e portas e o prédio do réu fosse inferior a metro e meio, como resulta do disposto nos arts. 1360.º, n.º 1, e 1362.º, n.º 1, do CC.
III - E mesmo que existisse servidão de vistas, o réu deixou entre a empena do edifício que construiu e a empena do edifício dos autores em que as aludidas aberturas se encontravam a distância de três metros, pelo que igualmente não teria violado o disposto no n.º 2 do art. 1362.º.
IV - Ao fixar aquele intervalo de metro e meio nos citados artigos, é o próprio legislador a considerar suficiente esse espaço para conciliar os interesses dos proprietários vizinhos e para garantir as condições de arejamento e iluminação natural, manifestando assim o entendimento de que o direito ao nível de luminosidade reconhecido pelo art. 9.º, n.º 1, da Lei n.º 11/87, de 07-04 (Lei de Bases do Ambiente), não fica necessariamente violado quando a distância entre empenas seja, no mínimo, a que ali se indica.
V - Os direitos subjectivos dos particulares que o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) salvaguarda são apenas, em princípio e em primeira linha, os de quem proceda às novas construções e reconstruções após a sua entrada em vigor, observando tais requisitos: ao impor determinadas obrigações a quem, de futuro, construa ou reconstrua edifícios, é de entender que também a eles, em compensação, reconhece de forma implícita o direito de exigir de prevaricadores o cumprimento das respectivas normas se com o seu incumprimento ficarem lesados.
VI - Não mostram, porém, os autores, que se encontrem nesta situação, pois não demonstram, nem sequer invocam, como lhes competia (art. 342.º, n.º 1, do CC), qual a data de construção do edifício implantado no seu prédio, que é antigo, uma vez que referiram na petição inicial que, à data da propositura da acção, já o seu prédio existia havia mais de trinta anos.
VII - Ignorando-se se o edifício foi construído antes ou depois da entrada em vigor do RGEU, não podem os autores invocar, em seu benefício, as normas desse Regulamento, que não têm por objectivo reconhecer-lhes direitos subjectivos nem conceder-lhes protecção aos seus interesses.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA e mulher, BB, CC e mulher, DD, e EE, intentaram em 1/7/96 a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Banco ..., SA, E..., SA – Construção Civil e Obras Públicas, e C... Insurance - Company of Europe, SS - NV, pedindo a sua condenação:
- a pagarem-lhes a quantia de Esc. 5.569.557$00 pelos danos causados nas partes comuns do seu prédio, discriminados nos artigos 16º a 24° inclusive da petição inicial, sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, em Vila Nova de Gaia; e
- a procederem à demolição do edifício que construíram no limite e a poente do seu prédio, ou, em alternativa, a pagarem-lhes uma indemnização em quantia não inferior ao montante de Esc. 10.000.000$00 pela desvalorização do seu prédio, acrescido de juros desde a citação.

Para tanto alegaram, fundamentalmente, o seguinte:
Os autores são donos, respectivamente, das fracções autónomas “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na 2a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n° ... e omisso na matriz da freguesia de Mafamude de Vila Nova de Gaia.
Por si e seus antepossuidores, encontram-se na posse pública, pacífica, continuada e de boa fé, desse prédio, há mais de 15, 20 e 30 anos, sem qualquer interrupção, sem oposição de ninguém, com o conhecimento de toda a gente e na convicção de estarem a exercer um direito próprio.
O Réu Banco está a levar a efeito no terreno contíguo ao seu prédio, pelo lado poente, do qual aquele é proprietário, a construção de um edifício composto de oito pisos, tendo tal obra de construção sido adjudicada à Ré E..., cuja execução esta está a levar a efeito.
Os Réus, ao procederem à demolição do edifício antigo nesse terreno existente e à construção do edifício novo, causaram danos avultados quer nas partes comuns, quer nas partes privativas do prédio dos Autores.
No tocante, porém, aos danos provocados nas partes privativas do prédio, nas fracções dos Autores, foram já estes ressarcidos pela Ré C..., na sua qualidade de seguradora e ao abrigo do contrato de seguro titulado pela apólice ... através da qual o Réu Banco transferiu para esta seguradora a sua responsabilidade pelos danos causados com a execução da obra.
O mesmo não aconteceu com os danos provocados nas partes comuns do prédio.
De facto, devido à execução das obras de construção e por força dos consideráveis desaterros efectuados no espaço de construção, foram provocadas fissuras em várias partes do prédio dos Autores.
Nomeadamente, foram provocadas várias rachadelas que atravessam todo o terreno exterior (transversais e longitudinais) e que se estendem até à parede do prédio vizinho situado a nascente, no logradouro, desde o muro divisório até à parede do prédio dos Autores.
Foi também provocada uma enorme fenda que atravessa as garagens situadas ao fundo do terreno e que se estende até ao muro do lado oposto, a nascente.
Nas garagens do prédio dos Autores foram causadas fendas nas lajes de cobertura, as quais permitem a infiltração das águas das chuvas.
Na garagem n° 1 foi ainda causada fissuração ao nível dos azulejos da parede lateral esquerda e no pavimento.
Na garagem n° 2, foi também provocada fissuração ao nível do pavimento.
Na garagem n° 3, igualmente foi provocada fissuração ao nível do tecto, nas paredes laterais e ainda nas paredes dos fundos.
São ainda perfeitamente visíveis fissuras em todas as paredes exteriores do prédio dos Autores e também uma enorme rachadela na parede exterior do mesmo, do lado poente.
A reparação dos danos atrás descritos, causados no prédio dos Autores, orça em Esc. 5.568.557$00.
Para além disso, o prédio dos Autores era um prédio airoso, exposto ao sol e bem arejado. Isto porque entre o prédio dos Autores e o prédio que foi demolido existia um espaço livre que os separava numa extensão de 8 m e ainda porque esse mesmo prédio demolido possuía apenas 3 andares, o que permitia que o prédio dos Autores, na parte que deitava para o prédio demolido, tivesse, pelo menos ao nível do 2° andar, amplas vistas.
Por outro lado, tal afastamento permitia que os andares do prédio dos Autores se mantivessem arejados e com exposição ao sol.
A construção levada a efeito no local onde se encontrava esse prédio demolido, foi implantada no limite da separação entre os dois prédios, ou seja, no limite do prédio dos Autores, ficando apenas entre as empenas dos dois prédios a distância correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos Autores e que tem três metros de largura, constituindo-se tal espaço num estreito e escuro corredor que não permite a entrada de luz natural e arejamento necessários às habitações dos Autores.
Por outro lado, o muro da construção, implantado no limite do terreno onde foi construído o novo edifício, possui uma altura de cerca de 10 metros, contra o anterior 1,80 m do primitivo muro que dividia as duas propriedades.
Tal situação não permite a entrada do sol no prédio dos Autores e impede o arejamento normal que anteriormente possuía, traduzindo, como consequência, a existência de constantes humidades e fungos no prédio dos Autores na parte voltada à construção. Da mesma forma, ficou o prédio dos Autores sombrio e privado de luz natural e manifestamente desvalorizado.
Na verdade, os Réus não respeitaram, na implantação da edificação levada a efeito, a distância que quer legal quer administrativamente lhes é imposta.
Ora, há mais de 30 anos que os Autores, por si e seus antepossuidores, possuem uma servidão de vistas relativamente ao prédio onde foi implantada a construção, pelo que adquiriram o respectivo direito à servidão de vistas.
Também há mais de 30 anos que através das janelas e portas do prédio dos Autores voltado à construção se fazia o arejamento e se expunha o mesmo à luminosidade, razão pela qual e pelo mesmo motivo, tais bens, porque essenciais, não podem ser retirados pela construção levada a efeito pelos Réus.
As razões aduzidas são suficientes para requererem a demolição do edifício construído pelos Réus a poente do prédio dos Autores. Ou, se assim não se entender, assiste aos mesmos Autores o direito a serem indemnizados pelos danos derivados da falta de arejamento, luz e ar e a consequente desvalorização do seu prédio. Tal indemnização não pode ser calculada em quantia inferior a Esc. 10.000.000$00.

*
Contestaram os Réus, pugnando pela improcedência da acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.
*
Replicaram os Autores, pugnando pela procedência da acção, tendo ainda a E... apresentado tréplica.
*
Foi proferido despacho saneador, que julgou não haver excepções dilatórias - nomeadamente uma de nulidade por ineptidão da petição inicial, deduzida pela E... -, nem nulidades secundárias, após o que foram produzidos especificação e questionário, objecto de reclamações apresentadas pelos réus Banco e C..., as quais, após resposta dos autores, foram decididas por despacho de fls. 209/210.
Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento perante tribunal singular, no decurso do qual foi proferido um despacho a fls. 398 dos autos, pelo qual foi ordenado o aditamento de um novo quesito, na sequência da ampliação do primeiro pedido formulada pelos Autores para o montante de 40.664,92 euros (fls. 397).
No âmbito da audiência de discussão e julgamento foi outorgada uma transacção entre os autores e as rés E... e C... quanto ao primeiro pedido formulado (indemnização pelos danos causados nas partes comuns do prédio daqueles), a qual veio a ser homologada pelo Tribunal (fls. 429 a 430), prosseguindo a acção apenas para a apreciação do pedido principal de demolição e do pedido alternativo de indemnização e unicamente no que concerne ao 1º Réu, Banco ..., SA.
Foi proferido despacho respondendo à matéria de facto contida nos quesitos 11º a 21º e 25º (cfr. o despacho de fls. 431), - por os restantes terem sido eliminados em resultado da homologação da referida transacção -, o qual não sofreu qualquer reclamação, ao que se seguiu a sentença, que julgou a acção procedente e condenou o réu Banco a pagar uma indemnização aos autores de montante a liquidar em execução de sentença, isto no tocante ao pedido alternativo de indemnização.
*** *** ***
Apelou o réu Banco, sem êxito, uma vez que a Relação, para além de dar razão ao dito apelante no que se refere à pretensão deste de aditamento aos factos provados de um outro, que abaixo se indica (fls. 576), negou provimento à apelação e confirmou a sentença ali recorrida, por acórdão de que vem interposta a presente revista, de novo por aquele réu, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - Atenta a factualidade provada nos autos, o recorrente não pode ser responsabilizado pelo pagamento de qualquer indemnização aos recorridos;
2ª - O recorrente agiu no exercício regular do seu direito de propriedade e do jus edificandi;
3ª - A obra do recorrente foi devidamente licenciada, ou seja:
o recorrente elaborou o projecto de um edifício que pretendia implantar num terreno sua propriedade;
submeteu o referido projecto à apreciação da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, requerendo a sua aprovação e a consequente emissão de alvará de licença de construção;
o projecto do recorrente foi sujeito a um procedimento administrativo, nomeadamente a pareceres de diversas entidades (art.ºs 18º e 19º do Dec. – Lei n.º 555/99, de 16/12);
o órgão administrativo competente decidiu, de forma material e formalmente válida, emitir a licença, legalizando, assim, a construção;
o prédio foi construído de acordo com o projecto aprovado, seguindo escrupulosamente o alvará emitido;
4ª - Ou seja, a construção do recorrente estava e está devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, tal como os recorridos aceitaram e o acórdão recorrido reconheceu;
5ª - O recorrente actuou de forma criteriosa, dentro da legalidade, não lhe sendo exigível outra forma de agir;
6ª - E por aqui se conclui que a actuação do recorrente, ainda que, porventura, viesse a ser entendida como ilícita, jamais poderia ser culposa, faltando assim, em qualquer caso, um dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual: a culpa;
7ª - Sem prescindir, a haver ilicitude, a conduta do recorrente sempre estaria a coberto de uma causa de exclusão de ilicitude, afastando assim a sua responsabilidade civil;
8ª - Conforme o entendimento propugnado pelo S.T.J., “o facto praticado no exercício regular de um direito considera-se justificado e, em consequência, lícito, deixando de satisfazer as exigências do art.º 483º, n.º 1, do Cód. Civil” (Ac. de 2/10/02, in www.dgsi.pt/jstj.nsf);
9ª - Ou seja, o exercício regular do jus edificandi é susceptível de justificar a lesão do direito de propriedade de outrem, e, assim, afastar a responsabilidade do dono da obra;
10ª - A obra levada a cabo pelo recorrente encontra-se devidamente licenciada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, pelo que, a haver lesão, sempre a mesma estaria justificada pelo regular exercício do direito de construção do recorrente;
11ª - Posto isto, não se mostram preenchidos os requisitos do art.º 483º do Cód. Civil, e, como tal, não pode ser imputada qualquer responsabilidade ao recorrente;
12ª - Acresce que o art.º 121º do R.G.E.U. não estabelece um padrão artístico das edificações, mas antes uma regra de aspecto geral da povoação assente em conceitos indeterminados;
13ª - Conforme ensina o Ac. do S.T.A. de 10/12/98, in www.dgsi.pt/jsta, proc. n.º 037572:
“III – O art.º 121º do R.G.E.U., ao se reportar à estética das edificações e à beleza das paisagens, veícula conceitos indeterminados, envolvendo, por isso, uma definição normativa imprecisa e a que se terá de dar, na fase de aplicação, uma significação específica, em face de factos, de tal forma que o seu emprego exclui a existência de várias soluções possíveis, uma vez que se impõe uma única solução (a correcta) para o caso concreto. Não estamos, aqui, no domínio da discricionaridade.
IV – Em sede de aplicação do art.º 121º estão, no fundo, em causa, juízos de mérito que a Administração formula, de acordo com regras técnicas e científicas que envolvem, normalmente, um conhecimento especializado;
V – Para elaborar tal juízo, a Administração activa com referência a elementos de valorização subjectiva;
VI – Ocorre, por isso, a este nível, uma certa margem de liberdade valorativa;
VII – No âmbito do art.º 121º do R.G.E.U., o Tribunal não pode exercer um controlo jurisdicional pleno, não podendo ir além da dimensão garantística ou formal da decisão administrativa, aferindo-se, em especial, os aspectos vinculados do acto, sem contudo ser possível ajuizar sobre a dimensão material, não podendo o Tribunal substituir pelos seus os juízos e as valorizações empreendidas pela Administração, a menos que se alegue e demonstre a existência de erro manifesto ou de utilização de critérios claramente desadequados ao nível de integração do conceito indeterminado.”;
14ª - A fiscalização do cumprimento das regras previstas no R.G.E.U. incumbe às Câmaras Municipais, conforme dita o art.º 2º do mesmo diploma legal;
15ª - Compete, pois, às autoridades administrativas, licenciadoras dos projectos de construção, aferir e pronunciar-se sobre a estética e o enquadramento urbanístico das obras, cabendo ao Tribunal Administrativo aferir, apenas, da bondade formal da decisão;
16ª - Acresce que a competência das Câmaras Municipais para o licenciamento de obras é uma competência vinculada e não discricionária;
17ª - No âmbito do procedimento de licenciamento, a autoridade administrativa competente teve de atender à área envolvente e às características do conjunto arquitectónico onde a construção iria ser edificada;
18ª - A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia praticou os actos administrativos de licenciamento e de emissão de alvará, entendendo, pois, que a obra do recorrente respeita as regras urbanísticas e satisfaz os requisitos de estética urbana;
19ª - Se a Câmara autoriza a construção mediante a emissão da respectiva licença, tem de se presumir que o projecto que lhe foi apresentado para apreciação está conforme ao R.G.E.U. e aos regulamentos e planos municipais;
20ª - E se, porventura, alguém, com interesse legítimo, entender que o licenciamento camarário foi ilegal, pode reagir contra tal acto administrativo, impugnando-o contenciosa ou judicialmente (art.º 53º, n.º 1, do Cód. de Procedimento Administrativo, e Acs. do S.T.A. de 12/1/84, in Acórdãos Doutrinais do S.T.A., Ano XXIII, n.º 270, pg. 726, e de 18/10/90, na mesma colectânea, Ano XXX, n.º 353, pg. 603);
21ª - Ora, a decisão de licenciar a obra do recorrente, proferida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, não foi impugnada pelos recorridos;
22ª - No sentido do atrás exposto é o Acórdão do S.T.J. de 16/11/00, in www.dgsi.pt/jsta.nsf/, proc. 046148, que leva a concluir que controlo e aferição dos requisitos que permitem o deferimento do licenciamento cabem à Administração, não competindo ao Tribunal da Relação aquilatar esses mesmos juízos;
23ª - O Tribunal não se pode substituir à Câmara Municipal na aferição e prolação de juízos de conveniência estética e inserção urbana da obra, salvo o caso de erro grosseiro ou uso de critérios manifestamente desajustados;
24ª - Mais, o art.º 58º do R.G.E.U. não foi violado porquanto o mesmo se destina a regulamentar as condições de arejamento, iluminação natural e exposição ao sol dos edifícios a construir ou a reconstruir;
25ª - Não se destina, por isso, a regulamentar as condições em que ficarão os edifícios já construídos;
26ª - Neste sentido, refere o Ac. do S.T.A. de 20/10/99, proferido no recurso n.º 45.026, que:
“O disposto no art.º 58º do R.G.E.U. visa assegurar as condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar apenas da construção ou reconstrução a licenciar e não dos prédios vizinhos pré-existentes”;
27ª - No mesmo sentido é o Ac. do S.T.A. de 24/9/03, proferido no recurso n.º 46.946, in www.dgsi.pt, que expressa:
“”(...) Efectivamente, as preocupações com o arejamento e exposição solar das construções vizinhas do prédio a licenciar são estranhas ao art.º 58º do R.G.E.U. Do que nele se cura é das condições de arejamento, iluminação e insolação da própria construção a licenciar. Doutra maneira, a lei teria feito nele referência às construções vizinhas.”;
E continua:
“(...) a ser de outro modo, o licenciamento de qualquer construção teria que implicar necessariamente a situação dos prédios vizinhos quanto aos aspectos contemplados no artigo, o que teria como consequência que seria quase impraticável a construção de novas habitações nos aglomerados já existentes, na medida em que, na maior parte dos casos, irão afectar inevitavelmente os prédios já implantados, quer ao nível do seu arejamento, quer da sua exposição solar.”;
28ª - Ainda que assim não fosse, como é, o prédio dos recorridos sempre estaria exposto à iluminação natural do lado Norte e Sul, bem como, ainda que de forma mais reduzida, do lado Poente;
29ª - Por outro lado, o prédio do recorrente foi construído lateralmente em relação ao prédio dos recorridos;
30ª - A fachada principal do prédio dos recorridos é voltada a Norte e o prédio do recorrente foi construído a Poente, ficando com uma fachada voltada para Norte e outra para Poente;
31ª - Ora, e conforme explana o Ac. do S.T.J. de 26/9/96, in www.dgsi.pt/jstj.nsf/:
“O legislador empregou a palavra “fachada” nos art.ºs 59º e 60º do Regulamento no sentido de “lado principal ou fronteiro de um edifício””;
32ª - “O art.º 59º do R.G.E.U. só regula a distância entre fachadas fronteiras no cotejo com o art.º 62º, o qual se ocupa das fachadas posteriores” (Ac. do S.T.A. de 6/10/98, Proc. 039791, in www.dgsi.pt/jsta.nsf/);
33ª - Por seu lado, o Ac. do S.T.A. de 28/1/97, proferido no Proc. 040435, diz:
“I – O art.º 60º do R.G.E.U. apenas prevê a hipótese de haver nas duas fachadas fronteiras vãos de compartimentos de habitação, e não em uma só dessas fachadas.
II – Aquele art.º 60º do R.G.E.U. não é aplicável às fachadas laterais.”;
34ª - No mesmo sentido lê-se no Ac. do S.T.A. de 15/1/02, proc. 048156, in www.dgsi.pt/jsta.nsf/:
“O disposto no art.º 60º do R.G.E.U. não é aplicável às fachadas laterais das edificações urbanas.”;
35ª - Existe, assim, o entendimento quer doutrinal quer jurisprudencial de que os referidos preceitos – art.ºs 59º e 60º do R.G.E.U. – não se aplicam às fachadas laterais das habitações, mas apenas às fachadas principais;
36ª - Do exposto resulta, de forma clara, que no caso sub judice não foram violadas estas regras nem quaisquer outras do R.G.E.U., pelo que falece a fundamentação do acórdão recorrido;
37ª - Da análise dos art.ºs 1.305º, 1.344º, n.º 1, e 1.360º, n.º 1, do Cód. Civil, decorre de forma clara que a obra edificada pelo recorrente não viola o direito de propriedade dos recorridos;
38ª - Além disso, o prédio do recorrente, porque se trata de edifício de gaveto, tem duas fachadas, uma virada para Norte (Rua Parque da República) e outra para Poente, com entrada pela Avenida da República;
39ª - A zona onde o edifício do recorrente está implementado – Avenida da República – é uma zona de imóveis construídos em altura, que a ladeiam de ambos os lados e ao longo da maior parte da sua extensão e que estão orientados, designadamente, à prestação de serviços públicos e privados: a Fazenda Nacional, o Tribunal de Comércio, as Conservatórias e os Cartórios Notariais estão paredes meias com agências bancárias, edifícios de escritórios e grandes áreas comerciais, como El Corte Ingles;
40ª - A construção do recorrente não descaracteriza ou desdignifica, portanto, o conjunto urbano em que se insere;
41ª - Por fim, sempre se terá de referir que, da análise dos autos (cfr. petição inicial) resulta que, com a presente acção, os recorridos pretenderam, apenas, a reparação dos danos (fissuras, fendas e rachadelas) nas partes comuns do seu prédio, decorrentes da execução das obras de edificação do prédio do recorrente, o que, como decorre da transacção constante do processo, já foi conseguido.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, salvo quanto à adição do facto provado.
***
Em contra alegações, os recorridos pugnaram pela confirmação daquele acórdão.
***
Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os seguintes:
a) As fracções autónomas “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, Mafamude, Vila Nova de Gaia, encontram-se descritas na competente conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia sob a respectiva letra do n° ... com registo de aquisição em nome dos Autores, por compra.
b) O Réu “Banco ...” levou a efeito no terreno contíguo ao prédio dos Autores, pelo lado Poente, a construção de um edifício de oito pisos, num espaço anteriormente ocupado pelo Cine - Teatro de Vila Nova de Gaia, o qual foi demolido para dar lugar à mencionada construção.
c) Entre o Réu “Banco ...” e a Ré “E...” foi celebrado em 08/10/90 o contrato de empreitada junto de fls. 156 a 158, mediante o qual o primeiro adjudicou à segunda a empreitada de construção de estruturas do imóvel mencionado em B).
d) A Ré “C...” celebrou com a Ré “E...” um contrato de seguro do ramo Obras e Montagens, titulado pela apólice n° 3400001512, junto a fls. 40 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que o objecto seguro foi a construção de estruturas de um imóvel do “Banco ...” sito no Gaveto da Avenida da República com a Rua Parque da República, com inicio em 03 de Janeiro de 1991, tendo um período de construção de 03/01/91 a 02/10/91 e um período de manutenção limitada de 03/10/91 a 02/10/92.
e) Em 08 de Maio de 1991 foi elaborada a acta adicional n° 1, junta a fls. 64 dos autos, a qual declara sem efeito a apólice mencionada em D), desde 04 de Abril de 1991, tendo então sido celebrado novo contrato de seguro, mediante a apólice n° 3400001514, junto a fls. 65 e seguintes dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que o objecto seguro foram os trabalhos de escavação e de consolidação de terras e construção de estruturas do imóvel em causa, com início em 04/04/91 e um período de construção de 04/04/91 a 04/01/92 e um período de manutenção limitada de 04/01/92 a 03/01/93.
f) Em 25 de Maio de 1992, por acordo entre a “C...” e a “E...”, o período de construção foi prorrogado até 30 de Junho de 1992.
g) Entre o prédio dos Autores e o prédio que foi demolido, que tinha apenas três andares, existia um espaço livre que os separava numa extensão de cerca de 8 metros.
h) O que permitia que o prédio dos Autores, na parte que deitava para o prédio demolido, tivesse vistas ao nível do 2° andar.
i) E que os andares dos Autores se mantivessem arejados e com exposição ao Sol.
j) A construção levada a efeito foi implantada no limite da separação entre os dois prédios, ficando apenas entre as empenas dos dois prédios a distância correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos Autores, que tem apenas três metros de largura.
k) Tal situação reduz significativamente a entrada de luz natural e o arejamento necessário às habitações dos Autores.
l) O muro da construção, implantado no limite do terreno onde foi construído o novo edifício, tem uma altura de 10 metros, contra o anterior 1,80 metros do muro primitivo que dividia as duas propriedades.
m) O que impede a entrada do sol no prédio dos Autores, ao nível do rés-do-chão e do 1° andar, reduzindo-a significativamente ao nível do 2° andar, bem como o arejamento que antes possuía.
n) E provoca a existência de constantes humidades e fungos neste prédio, na parte voltada à construção.
o) O que o desvaloriza.
p) Há mais de 30 anos que através das janelas e portas do prédio dos Autores voltado à construção se fazia o arejamento e se expunha o mesmo à luminosidade.
q) As empenas entre os dois prédios em questão distam entre si três metros de largura.
r) A obra do Banco réu foi e encontra-se licenciada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (facto aditado pela Relação).
*
Os Autores intentaram a presente acção contra o Réu BES, SA pedindo que o mesmo fosse condenado a proceder à demolição do edifício que construiu no limite e a poente do seu prédio ou, em alternativa, a pagar-lhes uma indemnização em quantia não inferior ao montante de Esc. 10.000.000$00 pela desvalorização do seu prédio, acrescido de juros desde a citação.
Alegaram, para tanto, ter sido violada pelo réu uma servidão de vistas de que o seu prédio beneficiava, e a circunstância de terem sofrido, como danos, uma desvalorização do seu prédio, derivada da construção pelo Réu de um edifício no terreno contíguo, danos esses traduzidos na perda de vistas e na redução do arejamento e da exposição ao sol, atentas as características e dimensões do edifício levantado pelo Réu.
Da factualidade apurada resulta que as fracções autónomas “A”, “B” e “C” do prédio urbano sito na Rua Parque da República, n.ºs 50 e 52, Mafamude, Vila Nova de Gaia, se encontram descritas na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob a respectiva letra do n° 02706/090191 com registo de aquisição em nome dos Autores, por compra.
O Réu “Banco ...” levou a efeito no terreno contíguo ao prédio dos Autores, pelo lado Poente, a construção de um edifício de oito pisos, num espaço anteriormente ocupado pelo Cine - Teatro de Vila Nova de Gaia, o qual foi demolido para dar lugar à mencionada construção.
Entre o Réu “Banco ...” e a Ré “E...” foi celebrado em 08/10/90 o contrato de empreitada junto de fls. 156 a 158, mediante o qual o primeiro adjudicou à segunda a empreitada de construção de estruturas do imóvel atrás mencionado.
Entre o prédio dos Autores e o prédio que foi demolido, que tinha apenas três andares, existia um espaço livre que os separava numa extensão de cerca de 8 metros, o que permitia que o prédio dos Autores, na parte que deitava para o prédio demolido, tivesse vistas ao nível do 2° andar e que os andares dos Autores se mantivessem arejados e com exposição ao sol.
Ficou ainda provado que a construção levada a efeito foi implantada no limite da separação entre os dois prédios, ficando apenas entre as empenas dos dois prédios a distância correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos Autores, que tem apenas três metros de largura. Tal situação reduz significativamente a entrada de luz natural e o arejamento necessário às habitações dos Autores.
O muro da construção, implantado no limite do terreno onde foi construído o novo edifício, tem uma altura de 10 metros, contra o anterior 1,80 metros do muro primitivo que dividia as duas propriedades, o que impede a entrada do sol no prédio dos Autores, ao nível do rés-do-chão e do 1° andar, reduzindo-a significativamente ao nível do 2° andar, bem como o arejamento que antes possuía. E provoca a existência de constantes humidades e fungos neste prédio, na parte voltada à construção.
Tal situação desvaloriza o prédio dos Autores.
Há mais de 30 anos que através das janelas e portas do prédio dos Autores voltado à construção se fazia o arejamento e se expunha o mesmo à luminosidade.
As empenas entre os dois prédios em questão distam entre si três metros de largura.
Com base nestes factos a sentença da 1ª instância entendeu, e bem, não existir servidão de vistas. Com efeito, tal servidão não existe, uma vez que o edifício integrante do prédio dos autores tem a sua empena lateral que se encontra voltada para o prédio do réu Banco (embora disponha de janelas e portas nessa empena) a uma distância de três metros, portanto superior a metro e meio, do limite em que com este prédio confina, uma vez que ficou assente que a construção levada a cabo pelo réu foi implantada nesse limite de separação entre os dois prédios e que a distância entre as empenas é essa de três metros, que constitui a largura da rampa de acesso às garagens do prédio dos autores. Ora, para existir servidão de vistas, seria necessário que a distância entre a empena do prédio dos autores em que se localizam as aludidas janelas e portas e o prédio do réu fosse inferior a metro e meio, como resulta do disposto nos art.ºs 1.360º, n.º 1, e 1.362º, n.º 1, do Cód. Civil.
Por outro lado, não se mostra também que o réu tenha violado o disposto no dito art.º 1.360º, n.º 1, uma vez que não se demonstrou, nem sequer foi invocado, que tenha feito qualquer abertura na sua construção no lado voltado para o prédio dos autores; e, mesmo que existisse servidão de vistas, o réu deixou entre a empena do edifício que construiu e a empena do edifício dos autores em que as aludidas aberturas se encontravam a distância de três metros, pelo que igualmente não teria violado o disposto no n.º 2 desse art.º 1.362º.
Mas também com base nos mesmos factos a sentença da 1ª instância entendeu que, tendo a construção levada a cabo pelo réu sido implantada no limite da separação entre os dois prédios, ficando apenas entre as empenas destes a distância de três metros de largura correspondente à rampa de acesso às garagens do prédio dos autores, tal situação, por reduzir significativamente a entrada de luz natural e o arejamento necessário às habitações dos autores, viola o disposto no art.º 60º do R.G.E.U., implicando que a conduta do réu fosse ilícita e culposa, constituindo-o na obrigação de os indemnizar, tanto mais que origina a existência de humidades e fungos no prédio dos autores na parte voltada à construção, e o desvaloriza.
Este entendimento foi confirmado pelo acórdão recorrido, que sustentou ter a construção levada a cabo pelo réu Banco sido atentatória de restrições que a lei impõe à liberdade do proprietário sobre o bem que lhe pertence, designadamente as impostas na construção de prédios urbanos em razão da segurança, salubridade e estética, sendo violadora do disposto nos art.ºs 58º, 59º e 121º do R.G.E.U.
Ora, do preâmbulo do R.G.E.U. resulta com clareza que visa apenas as novas construções ou as reconstruções de edifícios já existentes, isto é, as construções e as reconstruções a licenciar nos termos desse diploma: são essas que têm de ser levadas a cabo de harmonia com as suas normas, a fim de se garantir que os edifícios a construir ou a reconstruir tenham condições de salubridade e obedeçam a requisitos de segurança, solidez e de defesa contra riscos de incêndio, bem como a requisitos de ordem estética. Ou seja, salvo quanto aos requisitos de ordem estética, portanto no que respeita à salubridade e segurança, o que o R.G.E.U. tem em vista proteger é apenas o interesse público da salubridade e segurança das novas construções e reconstruções.
Não se destina, pois, o R.G.E.U., a proteger as construções já existentes à data da sua entrada em vigor, por ser manifesto que o que o legislador pretende é garantir que todas as novas construções, mesmo as que venham a substituir as anteriormente existentes, satisfaçam os requisitos que ali prescreve, sem embargo de dessa forma originar também, reflexamente, benefícios para as construções anteriores.
Pelo que os direitos subjectivos dos particulares que aquele Regulamento salvaguarda são apenas, em princípio e em primeira linha, os de quem proceda às novas construções e reconstruções após a sua entrada em vigor, observando tais requisitos: ao impor determinadas obrigações a quem, de futuro, construa ou reconstrua edifícios, é de entender que também a eles, em compensação, reconhece de forma implícita o direito de exigir de prevaricadores o cumprimento das respectivas normas se com o seu incumprimento ficarem lesados.
Não mostram, porém, os autores, que se encontrem nesta situação, pois não demonstram, nem sequer invocam, como lhes competia (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil), qual a data de construção do edifício implantado no seu prédio, que é antigo, uma vez que referiram na petição inicial que, à data da propositura da acção, já o seu prédio existia havia mais de trinta anos. Donde que se ignore se o foi antes ou depois da entrada em vigor do R.G.E.U., pelo que os autores não podem invocar, em seu benefício, as normas desse Regulamento, que não têm por objectivo reconhecer-lhes direitos subjectivos nem conceder-lhes protecção aos seus interesses.
De todo o modo, sempre se dirá que são bem claros os termos do dispositivo daquele art.º 58º, referido como tendo sido violado pelo réu: o que nele se dispõe é que a construção ou reconstrução de qualquer edifício se deve executar por forma a que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à acção directa dos raios solares, e bem assim o seu abastecimento de água potável e a evacuação inofensiva dos esgotos. Ou seja, visa assegurar apenas as condições de arejamento, iluminação natural e exposição à acção directa dos raios solares do próprio edifício a construir ou a reconstruir, e portanto a licenciar, e não de prédios vizinhos pré-existentes, como também resulta do seu § único. Neste sentido se pode apontar Ac. do S.T.A. de 24/9/03, in www.dgsi.pt/jsta.nsf.
Acresce por outro lado que, ao fixar aquele intervalo de metro e meio nos citados art.ºs 1.360º, n.º 1, e 1.362º, n.º 2, do Cód. Civil, é o próprio legislador a considerar suficiente esse espaço para conciliar os interesses dos proprietários vizinhos e para garantir as condições de arejamento e iluminação natural, manifestando assim o entendimento de que o direito ao nível de luminosidade reconhecido pelo art.º 9º, n.º 1, da Lei n.º 11/87, de 7/4 (Lei de Bases do Ambiente), não fica necessariamente violado quando a distância entre empenas seja, no mínimo, a que ali indica.
Da mesma forma, o disposto no art.º 60º do R.G.E.U., que fixa a distância mínima de 10,00 metros entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação refere-se apenas a construções projectadas, e não já existentes, tanto mais que de outra forma poderia criar injusta e injustificadamente um privilégio ou uma autêntica servidão fora das hipóteses legais consagradas no art.º 1.547º do Cód. Civil a favor de quem tivesse construído primeiro, abusivamente, com vãos de compartimentos de habitação para o lado do prédio vizinho sem cuidar de deixar qualquer distância, ou distância mínima de metro e meio, entre janelas da sua edificação e a estrema do seu prédio, permitindo-lhe o aproveitamento de todo o seu terreno e privando o proprietário confinante, mesmo sem estar onerado com servidão de vistas, de aproveitar o seu.
Ao que acresce, a este respeito, que os autores nem sequer demonstraram, como também lhes cumpria, a existência de vãos de compartimentos de habitação, quer na empena do seu prédio voltada a Poente, quer na empena do prédio do réu virada a Nascente, sendo de todo o modo que se entende referir-se este artigo, por vir na sequência do art.º 59º, apenas às fachadas fronteiras, e não às fachadas laterais como acontece na situação em apreço (conforme, entre outros, Ac. do S.T.A. de 15/1/02, também in www.dgsi.pt/jsta.nsf).
No que se refere ao art.º 59º, na parte respeitante à altura da edificação, não existem factos dos quais se possa retirar a conclusão de ter sido violado, uma vez que se refere expressamente às edificações fronteiras, e portanto também às fachadas fronteiras e não às laterais (conforme, nomeadamente, Ac. do S.T.A. de 6/10/98, no mesmo local), o que os autores não mostram ser o caso dos autos.
Idêntica razão conduz a que não se possa considerar violados pelo réu os art.ºs 73º e 75º do R.G.E.U., invocados pelos autores: é que não mostram os autores, como lhes cumpria, que o réu tenha construído janelas na empena do seu prédio virado para o deles autores. E, quanto ao art.º 62º, segundo os autores também violado, não o está, visto apenas se referir às fachadas posteriores, o que não é a hipótese dos autos.
Finalmente, no tocante ao disposto no art.º 121º do R.G.E.U., o que nele se dispõe é que as construções em zonas urbanas ou rurais, seja qual for a sua natureza e o fim a que se destinem, deverão ser delineadas, executadas e mantidas de forma que contribuam para dignificação e valorização estética do conjunto em que venham a integrar-se, não podendo erigir-se quaisquer construções susceptíveis de comprometerem, pela localização, aparência ou proporções, o aspecto das povoações ou dos conjuntos arquitectónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens.
Ora, se bem que seja exacto que o disposto no art.º 664º do Cód. Proc. Civil permite ao Tribunal uma qualificação jurídica dos factos diferente da atribuída pelas partes, não é menos certo que esse dispositivo, com excepções que aqui não ocorrem, só lhe permite valer-se dos factos articulados. Nas peças processuais respectivas, porém, não invocaram oportunamente os autores factos que permitam a qualificação da conduta do réu como violadora desse dispositivo, - não identificando nomeadamente o conjunto em que a edificação do Banco réu ficaria integrada e que não pode ser constituído apenas pelos dois prédios em causa, nem pela simples referência à própria cidade em que se localiza, dada a diversidade de estilos de construção nela notoriamente existentes -, violação essa que, para além de não se ter demonstrado, nem sequer é por eles apontada como causa da desvalorização do seu prédio, que apenas atribuem à redução de arejamento e exposição à luz solar e suas consequências.
De tudo resulta ter de se concluir pela licitude da construção levada a cabo pelo Banco réu, construção essa executada no exercício regular do seu direito de propriedade, não se descortinando fundamento legal para responsabilizar o réu, ora recorrente, pela desvalorização do prédio dos autores, pelo que tem de se lhe reconhecer razão.
*** *** ***
Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se o réu do pedido.
Custas pelos autores.
*** *** ***
Lisboa, 29 de Novembro de 2006

Silva Salazar (relator)
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida