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INVENTÁRIO
LICITAÇÃO
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
COMPROPRIEDADE
Sumário
- O quinhão de interessado não licitante não pode ser composto com a adjudicação em comum de verba licitada por outro interessado em excesso, sem que exista acordo desses interessados nesse sentido. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - "AA" requereu inventário para partilha dos bens da herança de seus pais, sendo interessados o Requerente e sua irmã, BB.
Na conferência de interessados, estes acordaram na adjudicação de alguns bens (imóvel doado, objectos de ouro e dinheiro), bem como na licitação em conjunto dos bens que constituem as verbas n.ºs 4 a 12 e 13 (móveis e um prédio urbano), lote que, assim formado, foi licitado pelo interessado AA, pelo valor de € 100 258,38, restando parte da verba n.º 3 (um cordão de ouro, com cruz), também licitado por este interessado, por € 1 371,69.
Verificado excesso dos bens licitados relativamente à quota do interessado CC, a Secretaria elaborou um mapa informativo, com a indicação de que aquele excesso, sendo de € 63 669,07 o quinhão de cada interessado, era de € 50 479,34 o montante das tornas devidas à interessada BB.
Requereu, então, esta última, a composição do seu quinhão em bens, mediante adjudicação em comum dos bens licitados a mais pelo interessado AA, ao que este se opôs e, notificado para exercer o direito de escolha, manteve esta sobre o imóvel da verba nº 13 (licitado em conjunto com os móveis de 4 a 12, seu recheio) e a manutenção da adjudicação da n.º 3.
Ordenada a composição dos quinhões de modo que as verbas em causa ficassem atribuídas em compropriedade a ambos os interessados, o interessado AA impugnou, com sucesso, a decisão, pois a Relação revogou-o, determinando a adjudicação à BB da verba n.º 13 e mantendo o AA com adjudicatário do lote composto pelas verbas 4 a 12 e 13.
Agora é a interessada BB a interpor este recurso de agravo - admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 754º CPC (oposição de acórdãos) -, visando a reposição da decisão da 1ª Instância, ao abrigo da seguinte síntese conclusiva:
- É inexacto dizer-se que o inventário se destina a partilhar e tem o mesmo objectivo da acção de divisão de coisa comum, pois que o inventário visa a partilha de uma generalidade de bens entre os interessados enquanto a divisão de coisa comum se propõe dividir certos bens que estão em compropriedade; e uma forma de partilhar é justamente a atribuição em comum aos interessados de algumas ou todas as verbas descritas (art. 1371º-3 CPC), forma, aliás, muito frequente;
- Com o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido não se respeita o devido e legítimo equilíbrio dos lotes entre os dois interessados, equilíbrio esse exigido pelo art. 1377º-4 CPC e que só é conseguido com a adjudicação em comum a recorrente e recorrido das verbas n.ºs 4 a 12 e 13 da relação de bens;
- Deve revogar-se o acórdão recorrido, interpretando correctamente o n.º 4 do art. 1377º CPC, considerando que é legítimo compor e preencher o quinhão de um interessado não licitante com a atribuição em comum de uma verba licitada por outro.
O Agravado não ofereceu resposta.
2. - A questão a resolver, como também a enuncia a Recorrente, consiste essencialmente em saber se o quinhão do interessado não licitante pode ser composto com a adjudicação em comum de verba licitada por outro interessado em excesso ou, dito de outro modo, se ao interessado que licitou em verba que exceda o seu quinhão pode ser imposta a composição do quinhão de outro interessado mediante a adjudicação em comum daquela verba.
3. - Os elementos de facto relevantes para a apreciação do objecto do recurso são os que já se deixaram referidos no relatório desta peça, para os quais se remete.
4. - Mérito do recurso.
4. 1. - No que respeita ao preenchimento dos quinhões de interessados no processo de inventário e partilha, a regra é a de os bens licitados serem adjudicados aos respectivos licitantes, sendo atribuídos aos não licitantes, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos licitados - art. 1374º CPC.
Porém, havendo excesso de bens licitados, relativamente ao quinhão do respectivo licitante, podem os interessados a quem, por via desse excesso, hajam de caber tornas, requerer a adjudicação dessas verbas, pelo valor da licitação e até ao limite do seu quinhão, devendo, então, o licitante escolher, de entre as que licitou, as que devem preencher a sua quota - art. 1377º- 1, 2 e 3 CPC.
De notar que a lei estabelece claramente que o princípio, em sede de partilha dos bens, é o da sua adjudicação ao respectivo licitante e que, quando haja de intervir o critério correctivo acolhido pelas normas do art. 1377º, pressupondo sempre a licitação em mais verbas que as necessárias ao preenchimento do seu quinhão, o direito de escolha cabe ao licitante, ou seja, só depois da reserva deste o credor de tornas interessado na composição com bens licitados pode fazer escolha sobre os restantes.
Tem em vista, em qualquer caso, o regime legal, uma partilha igualitária e justa, com equilíbrio possível entre os bens destinados a preencher cada um dos quinhões, as normas do art. 1377º prosseguem especialmente esse desiderato através do referido mecanismo de correcção dos efeitos do excesso de licitações, que as regras do art. 1374º, só por si, não permitiriam alcançar.
Acontece que, no caso presente, apesar de estarem em causa duas verbas licitadas pelo Recorrido, o valor é de tal forma díspar - 1 370 e 100 250 euros - que só a última, na prática, assume efectiva relevância face ao montante das tornas e dos quinhões - 50 479 e 63 669 euros -, de tal modo que, feita a escolha pelo licitante e recaindo sobre verba que excede, em montante não substancialmente diferente qualquer dos quinhões (sem que, depois disso, a Recorrente se tivesse pronunciado), não restavam outras verbas por que a Recorrente pudesse optar, restando-lhe como solução única receber as tornas e, como lhe foi atribuído, o cordão de ouro, sem possibilidade de poder fazer valer qualquer composição de quinhões.
Com efeito, não está aqui em causa uma pluralidade de verbas licitadas por um interessado que, porventura em razão de um maior poderio económico, introduz um desvio ao equilíbrio dos lotes do interessados só superável através da atribuição de verbas licitadas ao não licitante em ordem à obtenção daquele equilíbrio.
O que se pretende, através do regime em análise, é, por um lado, acautelar o direito do licitante que se dispôs a pagar um preço mais elevado aos demais interessados e que lhe assegura prioridade na aquisição dos bens cujo valor se contenha dentro do seu quinhão e, por outro lado, facultar àqueles interessados a possibilidade de fazerem reverter para si os bens em que, desnecessariamente para o efeito de preenchimento do seu quinhão, o licitante procedeu a licitação.
Ora, perante estas regras e princípios, o valor dos quinhões das Partes e o avultado valor da verba licitada - cerca de 5/6 do da herança -, bem se vê que, recaindo sobre ela a preferência do licitante, nada mais haja a escolher ou a compor; a verba deve manter-se afecta ao respectivo licitante, o Recorrido.
Efectivamente, apesar de estar em causa a licitação de duas verbas, a natureza dos bens que as integram e dita disparidade de valores tornava sempre inevitável, para o interessado que licitasse o imóvel, "a licitação em mais do que as necessárias para preencher a sua quota", mesmo que só licitasse naquela, o que, em última análise, a admitir-se a possibilidade de o licitante ser privado do bem, equivaleria a admitir perversa situação de negar o direito de licitação a quem, mediante o seu exercício em relação a uma única verba com ela excedesse o valor do seu quinhão.
4. 2. - Pretende, apesar disso, a Recorrente que, em aplicação do citado preceito, a verba que integra a casa e seu recheio deve ser-lhe adjudicada em compropriedade com o Recorrido.
Respondeu negativamente o acórdão impugnado, argumentando que com a aceitação, como solução, da adjudicação de bens em comum, o inventário não atinge, em pleno, o seu fim, que é dividir definitivamente os bens deixados pelo autor da herança, acontecendo que «só formalmente se partilham os bens, mas de forma coactiva, e não consensual, o que mantém latente a indivisão, apesar de natureza diversa», transportando para outro processo, de divisão de coisa comum, «aquilo que se pretendeu ofuscar, que se traduz na capacidade económica de uns sobre os outros».
Subscreve-se, sem reservas, a solução e a fundamentação utilizadas no acórdão recorrido.
Ela decorre, com efeito, do que já se deixou dito acerca da natureza correctiva e excepcional das normas do art. 1377º relativamente ao regime regra consagrado no art. 1374º, em função do que se concluiu que a verba em causa - de que os próprios interessados convencionaram a indivisibilidade para fins de licitação - não poderia ser adjudicada senão ao respectivo licitante.
No mais, a questão ultrapassa o âmbito de competência da norma do n.º 2 do art. 1377º, enquanto norma processual ou adjectiva, que a não resolve directamente, para se situar no plano do direito substantivo.
Poderá, é certo, defender-se, utilizando argumento puramente literal, que o próprio preceito, só por si, afasta a possibilidade de imposição da composição de quinhões em regime compropriedade de verbas, pois que só permite requerer a adjudicação de verbas em excesso, ou seja verbas por inteiro, e não parte ou quota de alguma dessas verbas.
Depois, a norma não alude a adjudicação em comum, como sucede no caso especialmente previsto no n.º 4 do artigo para a hipótese de dois ou mais interessados não licitantes requererem a adjudicação de verba licitada em excesso por outro, em que o juiz pode autorizar atribuição dos bens em compropriedade.
Crê-se que o argumento é relevante, mas não decisivo.
A compropriedade é uma propriedade em comum em que os comproprietários detêm, relativamente à coisa de que são contitulares, direitos de propriedade qualitativamente iguais - art. 1403º C. Civil.
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei, sendo que, também por contrato, se transferem ou constituem direitos reais (contratos com eficácia real) - arts. 1316º e 408º-1 C. Civil.
Ao que se conhece, não prevê a lei a constituição da compropriedade a não ser por negócio jurídico, ou seja, como previsto no art. 408º-1, por contrato, mediante alienação e correspondente aquisição de quotas.
Seguramente, ao que aqui releva, que não comete ao Juiz uma tal declaração constitutiva o n.º 2 do art. 1377º CPC, nem lha faculta qualquer preceito de aplicação geral.
Bem pelo contrário, perante a compropriedade, a lei não deixa de, em nome do interesse público, manifestar o "horror" que por ela nutre, seja ao consagrar expressamente a regra segundo a qual ninguém é obrigado a permanecer na divisão, restringindo a períodos máximos de cinco anos a eficácia dos pactos de indivisão, seja estabelecendo direitos de preferência recíprocos entre os comproprietários na alienação das quotas - arts. 1412º e 1410º C. Civil. "Prevista (a comunhão) como uma situação essencialmente transitória", a lei, tolerando-a nesses termos, não prescinde do o fazer sentir, manifestando-lhe da sua aversão, preocupando-se em assegurar a respectiva liquidação (art. 1413º; O. ASCENSÃO, "Reais", 5ª ed., 269).
Fundada nessa faculdade de exigir a divisão a todo o tempo, e como sua decorrência, ergue-se importante razão de ordem prática a desaconselhar a passagem da indivisibilidade hereditária para a do condomínio, pois que, operando-se uma mera partilha formal, deixar-se-ia a porta aberta para, de imediato, se recuperar a situação anterior mediante a divisão de coisa comum, ao dispor de qualquer dos consortes.
Ora, assim sendo, não pode prescindir-se de acordo dos interessados para a adjudicação em comum de bens indivisíveis, o único meio previsto na lei para a constituição da compropriedade e alienação e aquisição das quotas que a integram.
A forma de que deve revestir-se o negócio, ou seja, o título reflector das manifestações de vontade convergentes dos titulares dessa quotas poderá ser, esse sim, para além da normal escritura pública, uma decisão judicial.
Isso mesmo traduzirá, a nosso ver, a autorização do juiz da adjudicação em comum prevista no já invocado n.º 4 do art. 1377º: - a verba licitada em excesso deve ser adjudicada a não licitantes que não acordaram quanto à adjudicação; então, se essa for a forma de conseguir o maior equilíbrio de lotes e se for pedido, a adjudicação em comum pode ser autorizada ou ratificada, mas, ainda assim, mesmo neste caso, não imposta.
Partindo essencialmente da ideia de que da possibilidade de composição do quinhão do não licitante com a adjudicação em compropriedade de verba licitada, a requerimento daquele ou por iniciativa do juiz, resultaria uma imposição de compropriedade que contrariaria a finalidade do processo de inventário e o regime do art. 1412º C. Civil, bem como a regra geral estabelecida no art. 1374º-a) CPC, com a consequente rejeição da solução, também se tem pronunciado uniformemente este Supremo Tribunal, como pode ver-se nos acórdãos de 6/1/77, 2/5/78, 18/10/83, 9/5/85 e 26/4/94, respectivamente, em BMJ 263º-180, 277º-175, 330º-472, 347º-336 e CJ II-II-67, todos citados no aresto impugnado.
4. 3. - Resta uma breve alusão directa às concretas afirmações da Recorrente segundo as quais "é inexacto dizer-se que o inventário se destina a partilhar e tem o mesmo objectivo da acção de divisão de coisa comum, pois que o inventário visa a partilha de uma generalidade de bens entre os interessados enquanto a divisão de coisa comum se propõe dividir certos bens que estão em compropriedade; e uma forma de partilhar é justamente a atribuição em comum aos interessados de algumas ou todas as verbas descritas (art. 1371º-3 CPC)" devendo interpretar-se "adequada e correctamente o n.º 4 do art. 1377º CPC, considerando que é legítimo compor e preencher o quinhão de um interessado não licitante com a atribuição em comum de uma verba licitada por outro".
As proposições transcritas não são inexactas, sendo que entre o respectivo conteúdo e o que se deixou dito não se vislumbra qualquer ponto de colisão.
Acontece, porém, que elas não conflituam porque não encontram campo de aplicação no caso em apreciação.
Uma forma de partilhar é, efectivamente, a atribuição em comum de verbas aos interessados, sendo legítimo dessa forma compor os seus quinhões.
Só que, como do exposto resulta, um tal modo de preenchimento dos quinhões há-de sempre resultar de manifestação de vontade das partes nesse sentido, seja logo acordando na adjudicação de verbas em comum ou na sua licitação em comum, seja, já na fase de composição de quinhões, ao abrigo da especial situação regulada no n.º 4 do art. 1377º, a qual, como também já se disse, assenta em pressupostos bem diferentes da ora ajuizada.
4. 4. - Conclui-se, assim, respondendo, uma vez mais, de forma negativa à questão proposta, que o quinhão do interessado não licitante não pode ser composto com a adjudicação em comum de verba licitada por outro interessado em excesso, sem que exista acordo desses interessados nesse sentido.
5. - Termos em que, decidindo, se nega provimento ao agravo e se condena a Recorrente nas custas.