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CRÉDITOS LABORAIS
PRESCRIÇÃO
PRAZO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
JUROS DE MORA
Sumário
I - O momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição dos créditos laborais é o da ruptura de facto da relação de dependência, independentemente da causa que lhe deu origem, momento que não tem que coincidir, necessariamente, com a cessação efectiva do vínculo jurídico. II - Comunicando o empregador por escrito ao trabalhador a sua vontade de não renovar o contrato de trabalho a termo, declarando expressamente que o mesmo findava em 28-02-2003, pagando posteriormente as contas finais do contrato com referência ao mês de Fevereiro e assim o entendendo o trabalhador, considera-se que o contrato findou na referenciada data para efeito de contagem do prazo previsto no art. 38.º da LCT, independentemente de a mesma coincidir, ou não, com a data legal de caducidade do contrato. III - Estando em causa a violação duma obrigação e, em particular, dum contrato, a responsabilidade contratual daí decorrente também abrange o ressarcimento de danos não patrimoniais (desde que suficientemente graves para merecerem a tutela do direito). IV - A classificação da responsabilidade há-se fazer-se em função da natureza do facto ilícito que o lesado invoca como causa dos danos, sejam eles de natureza patrimonial ou não patrimonial. V - A responsabilidade extracontratual tem natureza residual. VI - O incumprimento contratual tanto pode ocorrer por violação do dever principal (o dever que imprime carácter ao vínculo) como de outros deveres acessórios, complementares ou secundários (deveres que abrangem não só os destinados à perfeita realização obrigacional, mas também todos os necessários ao correcto processamento da relação obrigacional). VII - Podendo duma mesma conduta derivar simultaneamente dois tipos de responsabilidade, contratual e extracontratual, esta última não pode ter como pressuposto o não cumprimento de um contrato. VIII - Se todas as condutas imputadas na petição inicial ao empregador consubstanciam violações de deveres para este emergentes do contrato, a acção proposta pelo trabalhador deve ser perspectivada à luz da responsabilidade contratual e os créditos nela reclamados estão sujeitos ao prazo de prescrição previsto no art. 38.º da LCT. IX - Os juros de mora relativos a créditos laborais encontram-se submetidos ao regime da prescrição constante do artº 38.º, n.º1 da LCT, que estabelece um regime especial e, nessa medida, constitui um desvio ao regime geral estabelecido no artº 310.º, al. d) do CC. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I - "AA", residente no Largo de ..., sítio do ...., nº ..., ...., Lisboa, instaurou acção declarativa de condenação com processo comum contra Associação das Aldeias de Crianças SOS de Portugal, com sede na Rua ..., nº ..., ..., Lisboa, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe (a) € 565,24, como indemnização a título de danos patrimoniais, (b) € 20.000,00, a título de ressarcimento por danos físicos e morais, e, ainda, (c) juros vencidos e vincendos calculados sobre estes montantes até integral pagamento.
Na contestação, a ré excepcionou a prescrição dos direitos invocados, alegando, em síntese, que, quando foi citada, já os mesmos se mostravam prescritos, em virtude de o contrato de trabalho que vinculou as partes ter cessado em 28/02/2003 e a presente acção ter sido proposta e distribuída, respectivamente, em 27/02/2004 e 1/03/2004, não havendo lugar à aplicação da norma contida no artigo 323°-2 do Código Civil, dado o termo do prazo de prescrição ocorrer precisamente no primeiro dia de Março de 2004.
Na resposta, a autora alega que a petição inicial por si apresentada deu entrada no dia 26/02/2004; que o contrato de trabalho cessou no dia 01/03/2003, nos termos do artº 279°-c) do Código Civil, iniciando-se o prazo prescricional do artigo 38°-1 da LCT no dia 2/03/2003, com termo em 2/03/2004; que, por isso, a interrupção da prescrição ocorreu, antes de decorrido o prazo previsto no citado artº 323°-2 do Código Civil, já que não lhe era imputável a não realização da citação nesse prazo (de cinco dias). De qualquer forma - acrescenta - o prazo prescricional aplicável não era o previsto no citado artº 38º, mas o estabelecido no artº 498° do Código Civil, uma vez que aqueles pedidos, ainda que conexos com a relação laboral, não decorriam do contrato, nem da sua violação ou cessação.
No saneador, o Tribunal julgou procedente a excepção de prescrição e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.
A autora apelou, mas sem sucesso, pois o Tribunal da Relação confirmou o decidido na 1ª instância.
De novo inconformada vem pedir revista, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1ª) - Ao julgar improcedente o recurso de apelação, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 279°-b)-c)-e), 295°, 323°-2, todos do Código Civil, 46°-1 da LCCT, aprovada pelo DL n° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e 38°-1 da LCT;
2ª) - Ao invés de considerar as referenciadas normas legais que regulam a contagem do prazo prescricional, o acórdão recorrido optou por apoiar-se na data indicada, como sendo a da cessação do contrato, pela entidade empregadora, numa sua carta (fls. 61);
3ª) - Ora, a referida carta não tem o poder de alterar a lei;
4ª) - Como reconhece a própria recorrida e consta da matéria de facto tida como relevante, nunca foi sua intenção promover um "despedimento sem justa causa da autora", na referida data, mas tão somente "não renovar o referido contrato a termo certo", que cessou por caducidade, nos termos e data legalmente previstos para tal;
5ª) - Assim, o acórdão recorrido equivocou-se quando, para justificar a não consideração da data legal de caducidade do contrato, estabelecida nos termos do artigo 46° da LCCT, afirmou que a recorrente "deveria ter impugnado a data apontada por mero lapso", como se de um "despedimento sem justa causa se tratasse" despedimento que, como já se referiu, nunca ocorreu;
6ª) - Mas ainda que assim não fosse, no que se refere aos pedidos constantes das alíneas (b) e (c) da petição, sempre os mesmos, estariam sujeitos a um prazo de prescrição mais longo (prazo de três anos, estabelecido nos artºs 483° e 498°, ambos do Código Civil);
7ª) - Desta forma, ao manter o acolhimento da excepção peremptória de prescrição, também quanto à indemnização por danos morais, o acórdão recorrido violou aqueles preceitos.
Termina pedindo: (i) a revogação do acórdão recorrido, julgando-se improcedente a excepção peremptória de prescrição; (ii) caso assim não se entenda, que o mesmo seja revogado parcialmente, julgando-se a excepção peremptória de prescrição apenas procedente quanto ao pedido formulado em 1º lugar (a) e improcedente quanto aos pedidos indemnizatórios por (danos físicos e morais) de natureza não patrimonial (b) e respectivos juros de mora (c), prosseguindo, em qualquer caso, os termos da acção.
Nas contra-alegações, a ré defende a manutenção do julgado.
No seu douto parecer, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronuncia-se no sentido de ser negada a revista.
II - Questões
Fundamentalmente saber se se verifica, ou não, a excepção peremptória da prescrição dos créditos peticionados na acção.
III - Factos
1. As partes celebraram um contrato de trabalho a termo certo por 6 meses, datado de 28/12/2002 e com início no dia 1/03/2002, que foi renovado por uma vez, conforme documento junto a fls. 59 e 60, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A ré remeteu à autora a carta de fls. 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com data de 31/01/2003, onde é comunicada à autora a intenção de a ré não renovar o dito contrato de trabalho a termo certo, sendo aí fixado o dia 28/2/2003 como o último dia da sua vigência.
3. A autora esteve de baixa por doença entre 12/11/2002 e 9/03/2003, conforme documentos juntos a fls. 11 - 15 ("certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença"), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. A ré emitiu o recibo de fls. 79, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referindo-se o mesmo ao mês de Fevereiro de 2003.
5. A presente acção foi proposta em 26/02/2003, não tendo sido requerida em simultâneo a citação prévia da ré.
6. A acção foi distribuída em 1/03/2004.
7. Em 5/03/2004, foi proferida despacho a designar a Audiência de Partes.
8. O expediente para citação da ré foi remetido no dia 8/03/2004.
9. O aviso de recepção referente a tal citação foi assinado no dia 9/03/2004.
III - Apreciando
1. Como se referiu, a questão que se coloca é essencialmente esta: saber se os créditos peticionados estão, ou não, prescritos.
Vimos que ambas as instâncias responderam afirmativamente.
Eis, em síntese, a fundamentação do acórdão recorrido:
- o prazo de prescrição dos créditos laborais é de um ano e inicia-se no dia seguinte ao da cessação do contrato (artº 38º da LCT);
- todos os créditos peticionados estão sujeitos ao mesmo prazo de prescrição;
- embora o pedido formulado na alínea b) da petição - indemnização por danos não patrimoniais - assente em alegada responsabilidade civil, porque existe conexão entre os factos ilícitos geradores dos danos e a relação contratual estabelecida entre autora e ré, o respectivo crédito está sujeito àquele prazo;
- sendo o crédito relativo a juros, acessório dos demais créditos peticionados, também lhe é aplicável o prazo prescritivo do artº 38º da LCT;
- está provado que o contrato que vinculou as partes cessou em 28.02.03;
- por força do artº 279-c) do CC, este prazo completou-se no dia 1.03.2004, ano bissexto;
- como a petição inicial foi apresentada por fax em 26.02.2004, a interrupção da prescrição, nos termos do artº 323º-2 do CC, só ocorreria em 2.03.04.
- isso, porém, não aconteceu porque, antes, no dia 1.03.2004, já se mostrava esgotado o prazo estabelecido no citado artº 38º da LCT.
A autora discorda, argumentando que o contrato não terminou na data indicada na carta referida no ponto nº 2 dos factos - 28.02.02 - mas na data em que operaria a caducidade do contrato nos termos do artº 46° da LCCT (ou seja, em 1.03.2003); de todo o modo, dois dos créditos peticionados estavam sujeitos ao prazo prescricional de três anos, previsto no artº 498° do Código Civil.
Vejamos se tem razão.
2. Tem aqui aplicação o regime que resulta do DL nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
Preceitua o artº 38º-1 deste diploma que "todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se, por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho (...)".
A disciplina especial da prescrição dos créditos laborais assenta na ideia de que durante a vigência do contrato a situação de dependência do trabalhador não lhe permite, presumivelmente, exercer em pleno os seus direitos.
Aquele preceito tem correspondência no artº 381º do CT. E a propósito deste artigo, Leal Amado escreve [no seu estudo "A prescrição dos créditos laborais (Nótula sobre o art.º 381.º do Código do Trabalho", in Prontuário do Direito do Trabalho, Act. 71, p. 70]: "constituindo fundamento específico da prescrição a penalização da inércia negligente do titular do direito, a lei entendeu não ser exigível ao trabalhador credor que promova a efectivação do seu direito na vigência do contrato, demandando judicialmente o empregador. Digamos que, neste caso, o não exercício expedito do direito por parte do seu titular não faz presumir que este a ele tenha querido renunciar, nem torna o credor indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)".
Como vimos a autora sustenta que a relação laboral não terminou em 28.02.03, como consta da comunicação da ré, mas na data em que operaria a caducidade do contrato, defendendo que a sua vigência deve ser computada tendo em atenção o disposto no artº 279º-c) do CC.
Refere-se, desde já, que a questão não é tão líquida como a recorrente a coloca. Na verdade, o facto de o primeiro dia de vigência do contrato coincidir com a efectiva prestação de trabalho aponta (por si) no sentido da inaplicabilidade do critério estatuído no artº 279º-c) do CC.
Todavia, mesmo que assim não fosse, a solução seria sempre a mesma.
Na verdade, o momento relevante para o início da contagem do prazo de prescrição é, conforme entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, o da ruptura de facto da relação de dependência, independentemente da causa que lhe deu origem, momento que não tem que coincidir, necessariamente, com a cessação efectiva do vínculo jurídico (neste sentido, os acs do STJ de 4.11.92 e de 14.01.98 no BMJ nºs 421/267 e 473/278, citados no parecer da Exª Magistrada do Ministério Público). É, por exemplo, o que acontece quando a decisão do despedimento pela entidade empregadora é juridicamente neutralizada por sentença que declara a sua ilicitude. O momento decisivo para efeitos do início da contagem do prazo é aquele em que a relação de trabalho cessou de facto, ainda que, posteriormente, o acto que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado (2).
Nenhuma das partes põe em causa que o contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes cessou por iniciativa da ré, na sequência da comunicação documentada a fls. 19, em que aquela informa a autora de que o contrato "... termina no próximo dia 28 de Fevereiro de 2003" e "não irá ser renovado".
E também sabemos que a extinção do contrato de trabalho pela verificação do respectivo termo não é automática: para que o contrato cesse (por caducidade) é necessário que o empregador «comunique ao trabalhador até oito dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o não renovar» (artº 46º-1 da LCCT).
Simplesmente, no caso concreto, a ré, através do documento junto a fls 19, não se limitou a comunicar à autora a sua vontade de não renovar o contrato, declarou expressamente que o mesmo findava em 28.02.03. Mais: a ré não só referiu, ser tal data a da cessação do contrato como comunicou expressamente à autora o seguinte: "o usufruto do alojamento que lhe foi atribuído em conformidade com as condições acordadas na altura da contratação, deixará de ter lugar a partir da mesma data."
Interpretando o texto deste documento de acordo com a teoria objectivista da impressão do destinatário consagrada no artº 236º-1 do CC, afigura-se claro o sentido da declaração da ré sobre o momento da ruptura da relação de subordinação - o contrato que a vinculava à autora cessava os seus efeitos (incluindo as prestações em espécie convencionadas) em 28 de Fevereiro de 2003. Acresce, como se refere no acórdão recorrido, que o comportamento posterior da ré, ao pagar à autora as contas finais do contrato com referência ao mês de Fevereiro, conforme o documento junto a fls. 79 pela própria autora, está em conformidade com o que expressamente comunicara a esta.
Aliás, a autora também entendeu nesse sentido a declaração emitida pela ré. Tanto assim que, na petição inicial, se limita a referenciar tão só que esta "denunciou" o contrato nos termos do documento que junta (nº 4 desse articulado que se reporta à referida carta subscrita pela ré). Ou seja, nem questiona a data indicada no documento para a cessação do contrato, nem formula qualquer alegação ou pedido que pressuponham a vigência do contrato em 1 de Março de 2003.
Apenas depois de suscitada pela ré na contestação a excepção da prescrição dos créditos reclamados, é que a autora vem, em sede de resposta à contestação, alegar que o final do contrato se deu no correspondente dia 01 de Março de 2003, nos termos do artº 279ª-c) do Código Civil (nº 9 da resposta, a fls. 122) e, mais tarde, na revista, sustentar que o acórdão recorrido não devia apoiar-se na data indicada pela entidade patronal na carta para a cessação do contrato, pois esta comunicação não tinha o poder de alterar a lei, devendo atender-se à data legal da caducidade do contrato.
Assim sendo, considera-se que, para efeitos da contagem do prazo previsto no artº 38º-1 da LCT, o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré findou em 28 de Fevereiro de 2003, começando, consequentemente, a correr a partir de 1.03.2003 a prescrição dos (eventuais) créditos laborais.
Segundo preceitua o artº 304º-1 do CC, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito.
De acordo com o nº 1 do artº 323º do CC, a prescrição interrompe-se pela citação judicial, dispondo-se no seu nº 2 que se esta não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição se tem por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Por outro lado, como está em causa a contagem do prazo de um ano, tem aplicação o disposto na alínea c) do artº 279º do CC, o que significa que o prazo de prescrição de tais créditos - a existirem - se completaria às 24 horas do dia 1 de Março de 2004.
Também resulta dos autos que a ré não foi citada nesse prazo. Por outro lado, uma vez que o ano de 2004 foi bissexto e a petição inicial foi apresentada, por fax, em 26 de Fevereiro de 2004, a interrupção nos termos do artº 323°-2 do CC só ocorreria - estando em causa o prazo prescricional do citado artº 38º-1 - em 2 de Março de 2004. Como nesta data já se mostrava consumada a prescrição dos (eventuais) créditos emergentes do contrato de trabalho (e da sua violação ou cessação), tem que concluir-se, em consonância com o acórdão recorrido, que aquele efeito interruptivo não chegou a produzir-se.
3. Relativamente ao primeiro dos valores peticionados - condenação da ré no pagamento de € 565,24, a título de danos patrimoniais, montante que corresponde à soma dos seguintes valores parcelares que a autora sustenta estarem em dívida: € 313,26 de retribuição de dias de trabalho indevidamente descontados (nºs 41 e 42 da petição); € 66,70 de cinco dias de subsídio de férias (nº 75 da petição) e € 185,28, quantia em falta na indemnização pela cessação do contrato de trabalho (nº 76 da petição) - é pacífico que se reporta a um pedido de pagamento de créditos emergentes do vínculo laboral estabelecido entre as partes ou decorrentes da respectiva cessação.
Não há, pois, dúvidas quanto à procedência da excepção de prescrição prevista no artº 38º da LCT quanto a estes créditos.
4. Relativamente aos restantes créditos que fundamentam o segundo e terceiro pedidos - indemnização por danos físicos e morais e juros - a autora sustenta que não estão prescritos por estarem sujeitos ao prazo prescricional de 3 anos (artº 498º-1 do CC).
4.1 - Ao primeiro desses créditos corresponde, do lado passivo, uma obrigação de indemnização por danos (físicos e morais) que a autora alega ter sofrido e que formaliza num pedido de condenação da ré a pagar-lhe € 20.000,00.
Como resulta da matéria alegada pela autora na petição inicial, todas as condutas que imputa aos responsáveis da ré - e que seriam, na sua perspectiva, geradoras daqueles danos - consubstanciam violações de deveres do empregador emergentes do contrato de trabalho.
A saber:
- dever de ocupação efectiva, na medida em que alega que a partir das férias de Agosto de 2002, se viu esvaziada (pela ré) das funções "de mãe social" que vinha exercendo (que "os planos para o referido lar de jovens "de repente" já não existiam - nºs 33 e 34 da p.i; que foi impedida de exercer as funções para que fora contratada, sendo substituída por outras mães sociais; que lhe "tiraram as crianças" - nºs 39, 47, ...);
- dever de não baixar a categoria profissional (poucos dias depois foi-lhe feito um ultimato para que fizesse limpezas - nºs 35 a 37, 39 ...);
- dever de respeito para com o trabalhador (recusando-se a autora a fazer limpezas, a directora fez um comentário humilhante - nº 37...);
- dever de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral e de efectuar a prestação acordada (foi-lhe retirada a casa onde exercia funções, como "mãe social", e deram-lhe outra, "sem condições algumas, cheia de humidade e infiltrações"; foi-lhe cortado o gaz e retiradas verbas para a aquisição de alimentos ... - nºs 44, 58, 59, 60 ...) - artºs 19º-a)-c)-g) e artº- 21º-1 da LCT.
Faz-se notar que os factos alegados pela autora ["quando a A. chegou de férias constatou que lhe haviam sido retirados, da casa onde habitava (casa Porto), e enquanto se encontrava de férias com as crianças, algumas roupas, electrodomésticos e outros bens pessoais .... e deitados ao lixo"; que um empregado da ré, depois de ameaçar a autora que a punha na rua e com o intuito de pressionar a autora a demitir-se, retirou da casa onde a autora exercia as funções de mãe social, diversos bens pessoais desta (roupas, papéis, electrodomésticos) ... nºs 26, 27 e 51 do mesmo articulado] são insuficientes para configurar um ilícito de natureza penal, integrável na categoria "crimes contra o património", susceptível de fazer responder civilmente a ré, pessoa colectiva, nos termos do artº 165º do CC. Acresce que a autora não formula qualquer pedido indemnizatório decorrente desses factos (ressarcimento pela eventual perda ou privação desses bens, sendo esclarecedora a matéria alegada no nº 53º da petição inicial). Por esta razão, dispensam-se quaisquer considerações sobre uma (eventual) aplicação do disposto no nº 3 do artº 498º do CC.
Resta saber que tipo de responsabilidade subjaz ao pedido formulado pela autora. Concretamente, na alínea b) da parte final da petição inicial.
Como ensina Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 10ª ed., I, pg 519 e segs), "na rubrica da responsabilidade civil cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embora lícitos, causam prejuízos a outrem (responsabilidade extracontratual)".
"Apesar da nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres acessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem, sobretudo, na prática da vida, compartimentos estanques."
Na verdade, o mesmo facto pode gerar os dois tipos de responsabilidade. Por exemplo, "se, no mesmo acidente, o motorista culpado provocar danos nos passageiros que transporta e nos transeuntes que atropela, responderá por ilícito contratual em face dos primeiros e, por ilícito extracontratual, perante os últimos".
Inocêncio Galvão Telles diz que o âmbito da responsabilidade extracontratual se determina por exclusão de partes. É aquela em que se incorre perante uma pessoa de que se não é devedor (Direito das Obrigações, 7ª ed., pg 329).
No caso dos autos, interessa saber que tipo de responsabilidade está em causa - uma responsabilidade civil por factos ilícitos (artº 483º do CC) ou uma responsabilidade emergente da violação de deveres contratuais, sendo certo que numa e noutra os pressupostos são: o facto ilícito, a culpa (presumida na responsabilidade contratual - artº 799º-1 do CC), o dano e o nexo de causalidade (pg 333 da obra citada em último lugar).
Os efeitos da responsabilidade civil, no que respeita à determinação dos danos indemnizáveis e nexo de causalidade têm (no Código Civil) um regime comum, constando dos artºs 562º e segs, sob a rubrica "obrigação de indemnização".
No caso dos autos, a autora pretende ser indemnizada por danos físicos e morais. Eis, em síntese, a fundamentação que invoca: existia um vínculo contratual entre ela e a ré (contrato de trabalho); sofreu prejuízos; tais prejuízos são consequência da violação de deveres contratuais da parte dos responsáveis da ré - os deveres atrás referidos. Os danos morais invocados pela autora traduzem-se em sofrimento psíquico (dores, vexames, ...) e em incómodos, decorrentes de tais violações. Os danos físicos são por sua vez consequência do sofrimento moral. Este foi tão intenso que lhe provocou uma "hemorragia nervosa" que a obrigou a uma intervenção cirúrgica e culminou na sua total incapacidade para o trabalho.
Salienta-se que não está em causa um pedido indemnizatório, visando o ressarcimento de despesas de saúde ou da diminuição da capacidade de ganho da autora. Os factos alegados não suportam tal pedido.
Do que se trata é ainda do ressarcimento de danos não patrimoniais - dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral, provocado por aquela lesão, pela intervenção cirúrgica subsequente e pelas sequelas que ficaram (segundo a autora). Em suma, "danos" que, embora gravitando na esfera dos direitos de personalidade (direito à integridade física ...), não configuram, no caso concreto (segundo a matéria alegada), lesões penalmente protegidas.
Seguimos a corrente doutrinal e jurisprudencial que defende que, estando em causa a violação duma obrigação e em particular dum contrato, a responsabilidade contratual daí decorrente também abrange o ressarcimento de danos não patrimoniais (desde que suficientemente graves para merecerem a tutela do direito).
Entendemos também que a classificação da responsabilidade há-de fazer-se em função da natureza do facto ilícito que o lesado invoca como causa dos danos, sejam eles de natureza patrimonial ou não patrimonial, e que a responsabilidade extracontratual tem natureza residual.
Aqui chegados, estamos em condições de classificar o tipo de responsabilidade que está em causa.
Face aos termos em que se mostra estruturada a acção e aos concretos factos alegados, pondo de lado a matéria conclusiva e os meros juízos de valor (quando, por exemplo, afirma que alguns daqueles factos concretos constituíam discriminação racial e religiosa), não restam dúvidas que estamos perante uma responsabilidade contratual. Com efeito, dos factos alegados pela autora resulta que a ré terá incorrido em responsabilidade civil, enquanto parte, ou seja, no âmbito duma relação contratual, sendo certo que, por contraposição, a responsabilidade civil extracontratual, que, como já se referiu, tem natureza residual, se define como aquela em que se incorre à margem de qualquer vínculo obrigacional, perante uma pessoa de que se não é devedor e que deriva da violação de deveres ou vínculos jurídicos gerais (violação de direitos absolutos ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios .... artº 483º-1 do CC). É certo - como também já se referiu - que duma mesma conduta podem derivar, simultaneamente, dois tipos de responsabilidade - contratual e extracontratual. Simplesmente, esta não pode ter como pressuposto (facto ilícito) o não cumprimento dum contrato, sabido que o incumprimento tanto pode ocorrer por violação do dever principal (o dever que imprime carácter ao vínculo) como doutros deveres acessórios, complementares ou secundários (deveres tomados em sentido amplo de forma a abranger não só os destinados à perfeita realização da obrigação principal, mas também todos os necessários ao correcto processamento da relação obrigacional - neste sentido, o ac. do Supremo de 11.05.2005, na revista nº 4753/04).
Perspectivando a acção à luz da responsabilidade contratual, não há dúvidas quanto à prescrição dos créditos, cujo pagamento a autora reclama na alínea b) da parte final da petição inicial, no valor de € 20.000,00. Tais créditos estão sujeitos ao prazo de prescrição previsto no citado artº 38º-1.
4.2 Sustenta, finalmente, a recorrente que o crédito de juros não está sujeito ao prazo de prescrição (de 1 ano) previsto naquele preceito.
Sobre questão similar se pronunciou o acórdão do STJ de 21 de Fevereiro de 2006, na revista nº 3141/05 (3).
Como não vemos razão para alterar o entendimento expresso nesse acórdão, vamos seguir de perto o que aí se escreveu sobre a questão da prescrição dos juros.
Sendo o juro um rendimento de capital, a obrigação de juros é uma obrigação acessória da obrigação de capital.
Todavia, esta relação de dependência não implica perda (total) de autonomia do crédito de juros, pois que este pode ser cedido ou extinguir-se sem o crédito principal e vice-versa (artº 561º do CC). Manifestação dessa autonomia relativa também se encontra, por exemplo, no artº 785º do mesmo diploma.
Isto para dizer que é possível a extinção do crédito principal com a manutenção da obrigação de juros.
No caso dos autos os créditos de capital prescreveram.
A questão que se coloca é a de saber se o prazo prescricional previsto no artº 38º da LCT se aplica (ou não) aos juros de mora.
A jurisprudência do Supremo não é pacífica sobre esta matéria.
O parecer da Exª Procuradora-Geral Adjunta vai no sentido da orientação adoptada no ac. do STJ de 6.03.2002, proferido no processo nº 599/01, da 4ª secção (e também seguida noutros, que cita), segundo a qual os juros de mora relativos a créditos laborais se encontram submetidos ao regime da prescrição constante do artº 38º-1 do LCT, que estabelece um regime especial e, nessa medida, constitui um desvio ao regime geral estabelecido no Código Civil [artº 310º-d)].
A mesma posição foi defendida no acórdão do Supremo de 30.09.04 (na revista nº 1761/04, da 4ª secção).
Tratava-se dum caso em que os créditos laborais não estavam prescritos e a questão da prescrição se colocava relativamente à obrigação de juros.
Escreveu-se nesse acórdão:
«Seria perfeitamente absurdo que a A. estivesse em tempo de pedir ao R. os créditos resultantes do incumprimento parcial do contrato de trabalho que os uniu e já não pudesse pedir-lhe os juros de mora, por se considerarem prescritos.
Tal entendimento aberrante obrigaria a autora a accionar o réu para pagamento dos juros dos seus créditos laborais na vigência do contrato de trabalho, criando mal estar e atritos com o empregador, que a lei pretendeu evitar ao conceder-lhe o prazo de 1 ano a partir do dia seguinte ao da cessação daquele para o fazer. Tal entendimento anularia o escopo prosseguido pelo legislador com aquele normativo, caso a autora não estivesse na disposição de prescindir dos juros de mora dos seus créditos ...»
Ponderando as razões subjacentes ao regime especial contido no artº 38º da LCT, e a expressão ampla usada na lei - "todos os créditos resultantes do contrato de trabalho" - não vemos razão para nos desviarmos daquela orientação. Como se refere no acórdão de 6.03.2002, "não ocorre justificação para distinguir em tal regime de prescrição especial os juros (obrigação acessória) dos créditos resultantes da obrigação principal, antes fazendo todo o sentido que partilhem de igual regime (especial)."
Refere-se, ainda, que o acórdão do STJ de 26.05.98 (proc. nº 558/98) vai, ainda, mais longe. Embora defendendo que a obrigação de juros goza de relativa autonomia em relação à obrigação de capital e que a extinção desta não acarreta a extinção daquela, no caso de prescrição já entende, uma vez que esta se traduz numa "paralisação do direito" quanto à obrigação principal - que se transformou "em obrigação natural" - ser "impossível a autonomia da obrigação de juros."
Conclui-se, pois, que a excepção de prescrição também procede quanto à obrigação acessória peticionada (juros moratórios).
V- Decidindo
Nestes termos, acordam em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido, embora com alteração parcial da fundamentação.
Custas pela recorrente, sem esquecer que litiga com apoio judiciário.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2006
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1) Nº 153/06; relª - Mª Laura de C. S. Maia (Leonardo); Adjºs - Conselheiros Sousa Peixoto e Sousa Grandão.
(2) Veja-se Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª edição, pp. 482-483 e o ac. do STJ de 14.01.98 (BMJ 473/278).
(3) Subscrito pela ora relatora e os mesmos Adjuntos.