- A colocação de obreiras e padieiras nas paredes exteriores e na coluna da parte comum de um prédio em propriedade horizontal só é possível desde que o condómino que pretenda levar a cabo tais obras obtenha o consentimento de uma maioria de dois terços do valor total do prédio; não tendo sido obtida tal maioria, a obra, se realizada, terá de ser destruída.
- A concretização de qualquer obra que afecte a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio em propriedade horizontal, por mínima que pareça, terá também de ser aprovada pela assembleia de condóminos através de uma maioria representativa de dois terços do valor total do prédio; se concretizada, a mesma terá também de ser destruída, caso aquela maioria qualificada não dê o seu agrement: a não ser assim, o prédio pode, de "obra pequena" em "pequena obra", vir a assumir uma configuração totalmente diferente da originária e contra aquela maioria qualificada que a lei exige para a alteração do prédio. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
"Estas considerações valem mutatis mutandis quanto à porta que existe na loja/fracção dos réus e relativamente à alteração da montra da sua loja existente na fachada do prédio."
- Ao julgar como julgou, e com o devido respeito que é muito, o acórdão faz uma errada interpretação dos arts. 1422º e 1425º, ambos do C. Civil.
- Uma vez que ficou provado que os RR. colocaram ombreiras e padieiras em partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, resulta claro, manifesto e inequívoco que este facto representa uma inovação efectuada nas partes comuns do mesmo.
- Ora, nos termos da lei as inovações carecem de aprovação da maioria de dois terços dos condóminos, não se tendo provado nos presentes autos (nem tão-pouco tendo sido alegado) que tenha existido essa indispensável aprovação.
- A ilação fortuita de que a ilicitude da conduta dos RR não está demonstrada, devido à deliberação emanada da assembleia de condóminos em que autoriza os condóminos a dividir, é errada:
- Em primeiro lugar porque dividir um espaço comum para expor mercadorias é substancialmente diferente do que colocar ombreiras e padieiras.
- Em segundo lugar porque essas ombreiras e padieiras foram colocadas nas paredes exteriores e numa coluna.
- Os arts. 1422º e 1425º, ambos do C. Civil são claros em proibir obras nas partes comuns do de edifícios constituídos em propriedade horizontal.
- A porta existente na loja/fracção dos RR. é, também ela, uma inovação nas partes comuns do prédio - inovação substancial - dependendo da autorização de dois terços dos condóminos.
- Acontece que não se provou - nem sequer tendo sido alegado - que tenha havido a necessária aprovação da assembleia relativamente à abertura da porta, em clara violação do disposto no nº 2 do art. 1425° do C. Civil.
- Mais uma vez a ilação fortuita de que a ilicitude da conduta dos RR. não está demonstrada, devido à não deliberação emanada da assembleia de condóminos em que autoriza os condóminos a dividir, é errada.
- Uma deliberação para regular o uso de espaços comuns é substancialmente diferente de uma hipotética autorização para abrir uma porta numa das fachadas do prédio.
- Além do mais a porta não está prevista no projecto camarário de construção do edifício.
- Existindo, portanto, em face da lei, a obrigação dos RR. taparem a porta e reporem a fachada no seu primitivo estado, aliás, trata-se de uma obrigação real - propter rem - que, segundo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, deve ser cumprida pelo proprietário da fracção autónoma a cujo serviço essa porta está afectada.
- Ora, provado que está que a porta se situa na fracção dos RR., óbvio e inquestionável se torna que só estes beneficiam de tal inovação.
- Os RR., como resultou provado, alteraram a montra da sua loja existente na fachada do prédio em questão, sendo que as restantes lojas (sem excepção) mantêm as montras no seu estado original.
- Essa alteração constitui, também ela, uma inovação nas partes comuns do prédio - inovação substancial - dependendo, por isso, da autorização de dois terços dos condóminos. Acontece que, mais uma vez, não se tendo provado - nem sequer foi alegado - que tenha havido essa indispensável aprovação da assembleia relativamente à abertura da porta, com o que, igualmente, foi violado o disposto no nº 2 do art. 1425° e ainda no art. 1422°, nº 2, al. a) e nº 3, ambos do C. Civil.
- Provado que está que é a única montra que está diferente e que com essa alteração a fachada do prédio foi alterada, resulta óbvio que essa modificação viola o estatuído nos arts. 1422° nº 2, al. a) e nº 3 e 1425º, ambos do C. Civil. Esta alteração não representa uma minudência edificativa, antes pelo contrário.
- O acórdão recorrido faz errada aplicação das disposições acima citadas e da deliberação da assembleia do condomínio.
- Sendo que a lei não faz distinção entre minudências edificativas e outras.
- Por um lado a deliberação da assembleia de condóminos que autoriza os condóminos a utilizarem o espaço comum para exporem os seus artigos não pode ser "interpretada" como uma "autorização" para os RR. colocarem ombreiras e padieiras, abrirem uma porta e alterarem as montra e consequentemente a fachada do prédio.
- Por outro lado os artigos acima citados existem para que os prédios não se transformem em edificações desfiguradas e sem linha arquitectónica.
- Segundo o entendimento perfilhado no acórdão, os condóminos podem:
- Alterar as montras a seu "gosto" colocando dois, quatro, cinco, seis ou até vinte e quatro vidros, ficando a fachada do prédio transformada numa amálgama de montras todas diferente.
- Abrir portas que entenderem na fachada do edifício, violando inclusive o projecto camarário do edifício.
- Colocar na fachada do prédio ou em colunas que constituem partes comuns as ombreiras e padieiras que quiserem.
- Ora seguramente não foi este o alcance da vontade da deliberação da assembleia de condóminos (ao contrário do que considerou o acórdão) que apenas e muito especificamente decidiu que os espaços comuns deveriam ser divididos entre os condóminos proprietários de lojas comerciais.
- E não é seguramente este o entendimento perfilhado nos arts. 1442º e 1425º do C. Civil.
- Face aos factos dados como provados o acórdão errou na interpretação e na aplicação dos arts. 1422º e 1425º do C. Civil.
Os recorridos não contra-alegaram.
II -
As instâncias deram como assente o seguinte quadro factual:
1- Os AA. são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra "AB", destinada a comércio, do prédio constituído em propriedade horizontal denominado Centro Comercial ..., sito na Rua ..., Valença.
2- Por sua vez os RR. são proprietários da fracção designada pela letra "AA", destinada a comércio, do mesmo prédio acima identificado.
3- Nas respectivas fracções, quer os RR. quer os AA. têm instalados estabelecimentos comerciais, que se encontram inseridos no Centro Comercial ....
4- Nesse Centro Comercial, aliás como é regra na quase totalidade do comércio de Valença, os lojistas têm por hábito expor os seus produtos fora dos seus estabelecimentos comerciais, criando uma espécie de "montra"/ mostruário nos espaços exteriores às lojas.
5- Esse hábito é seguido no referido Centro Comercial ... onde a quase totalidade dos lojistas expõe os seus produtos fora das suas lojas, ou seja, em corredores de uso ou passagem comuns.
6- A administração do condomínio estava entregue à sociedade Empresa-A.
7- A utilização desses espaços comuns, repete-se, por quase todos os lojistas levou a que a Assembleia de condóminos deliberasse em 07/03/2002 regras sobre o uso desses espaços comuns para exposição.
8- Foi deliberado na Assembleia de condomínios através da acta nº 19, que: "... a proibição de exposição de lixo nas partes comuns. (...) a exposição exterior dos artigos das lojas, em que cada um deverá expor em frente à sua loja e as partes comuns deverão ser divididas pelos dois comerciantes contínuos, deixando sempre os acessos que dão às portas dos elevadores livres.
9- Os RR. por vezes colocam um caixote de cartão numa parte comum mais concretamente um corredor de acesso à porta do bloco "D".
10- Os AA. comunicaram o facto referido em 9 à administração do condomínio.
11- A loja dos RR. que gira sob o nome de "..." situa-se ao lado da loja dos AA. que gira sob o nome de "Casa Caco Douro". Ora segundo o deliberado o espaço comum entre estas lojas deveria ser dividido entre ambos os lojistas.
12- Esse espaço comum deveria ser dividido entre AA. e RR., metade para cada um, respeitando a entrada para o bloco D.
13- Os RR. colocaram ombreiras e padieiras nas paredes exteriores e coluna da parte comum do prédio.
14- Na fracção dos RR. existe uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio, porta essa que não estava prevista no projecto do prédio.
15- Essa porta está na parede exterior do prédio.
16- Existe uma pedra a servir de degrau ocupando parte do passeio destinado a peões para melhor permitir o acesso à porta referida em 15.
17- A loja, onde está instalada a "...", tem uma montra na fachada principal do prédio.
18- Essa montra apresentava uma estrutura de alumínio onde estavam colocados 12 vidros pequenos. Os RR. alteraram a montra de forma a colocarem uma só superfície vidrada alterando desta forma a fachada do prédio dado que todas as outras lojas mantêm a fachada original.
19- Em 22 de Fevereiro de 1996, foi celebrado um acordo entre a A. mulher e a R. DD, versando sob a forma de regular as exposições das respectivas lojas.
20- O acordo celebrado entre a A. mulher e a R. DD criou entre ambas, inclusivamente no âmbito da regulamentação de relações de vizinhança e da utilização de espaços comuns do edifício contíguos às lojas a cada uma pertencentes, uma relação objectiva de confiança, uma vez que ambas se vincularam futuramente a utilizar de determinada forma os espaços comuns.
21- A A. mulher quando outorgou e anuiu em tal acordo criou na R. DD e no R. Acácio a convicção de que ela, no futuro, se comportaria, concretamente de determinada maneira.
22- Nenhuma das lojas/fracções dos AA. é contígua relativamente à loja/fracção propriedade dos RR..
23- Entre elas e a separar a frente/montra das mesmas, existe uma caixa de escadas de acesso à zona habitacional do Bloco "D", com vários metros de cumprimento e mais de dois metros de largura, e que separa a fracção dos RR. da dos AA..
24- O espaço comum existente na frente dos respectivos estabelecimentos encontra-se, desde há vários anos, a ser dividido entre os AA. e os RR. para exposição de mercadorias.
25- A dita porta é imperceptível como tal desde o exterior do prédio, porquanto existem várias aberturas na parede iguais, no alinhamento vertical do edifício, apresentando todas elas a mesma dimensão, formato, materiais e gradeamento exterior.
26- A dita porta não representa prejuízo funcional para os demais condóminos do edifício, nem implica qualquer prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício.
27- O referido degrau encontra-se situado em local por onde habitualmente não existe movimento de pessoas.
III -
Quid iuris?
Os recorrentes circunscrevam o âmbito do recurso ao mérito do peticionado sob os nºs 4, 5 e 6 da petição inicial, ou seja, à condenação dos RR. a retirarem as ombreiras e padieiras que colocaram, a taparem, a suas expensas, a porta que abriram para o exterior e a retirarem o degrau que aí colocaram e a reporem a montra da fachada na sua configuração original.
Postas as coisas nestes termos, e sendo certo que as alterações introduzidas traduzem inovações, importante é saber da repercussão das mesmas nos direitos dos AA.-recorrentes.
Desde logo, é interessante saber se tais inovações foram introduzidas nas chamadas partes comuns se nas partes próprias.
Em relação a estas últimas rege o art. 1422º, ao passo que em relação às primeiras temos de convocar o estatuído no art. 1425º, ambos do CC, com vista a encontrar a decisão conforme à lei e ao Direito.
Como assim, temos que considerar que as inovações que dizem respeito a padieiras e ombreiras e à porta que os RR. abriram para o exterior e ao degrau que colocaram dizem respeito a obras levadas a cabo em partes comuns.
Já em relação ao demais - obras na fachada que alteram a configuração inicial do prédio - temos de convir que as mesmas respeitam a obras realizadas na própria fracção dos RR..
Analisemos, pois, a situação criada por estes para podermos ou não concluir pela ilicitude da sua actuação em face da regulamentação própria da propriedade horizontal.
Vamos, pois, por partes:
1º - Colocação de ombreiras e padieiras nas partes comuns.
Que tais obras foram realizadas em partes que são comuns resulta, desde logo, da resposta dada ao quesito 9º ("provado apenas e com o esclarecimento de que os Réus colocaram ombreiras e padieiras nas paredes exteriores e coluna da parte comum do prédio") e, sobretudo do disposto no art. 1421º, nº 1, al. a) do CC.
Como assim, para a sua concretização necessitavam os RR. de autorização da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio, ut nº 1 do art. 1425º do CC.
Não tendo os RR. alegado (e, portanto, não tendo provado) que obtiveram a referida maioria para a realização das referidas obras, obrigatório é concluir que as mesmas são ilegais e, como assim, a lei sanciona o seu comportamento, obrigando-os à destruição pura e simples da obra (vide, v.g., Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume, III - 3ª edição -, pág. 435, nota 6).
2º - Porta e degrau.
Em relação à colocação do degrau não se nos levantam dúvidas de maior no que tange a saber se foi o mesmo colocado ou não em parte comum - isto é, que realmente foi colocado em parte comum -, atenta a resposta dada ao quesito12º ("provado apenas que existe uma pedra a servir de degrau ocupando parte do passeio destinado a peões para melhor permitir o acesso à porta referida em 11", ou seja, à porta que ora nos preocupa) e o disposto no art. 1421º, nº 1, al. c) do CC.
Em relação à porta, poder-se-ia, primo conspectu, que a mesma foi colocada em parte própria, atenta a resposta dada ao quesito 10º (existe uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio, porta essa que não estava prevista no projecto do prédio), mas a resposta dada ao quesito 11º acaba por tirar dúvidas (essa porta está na parede exterior do prédio), atento o estatuído na al. a) do nº 1 do art. 1421º já citado.
Em relação à porta e ao degrau não ficou provado que foram os RR. os autores das obras.
Com efeito, a este respeito, foi introduzido o quesito 10º na base instrutória no qual se perguntava se "sem qualquer autorização ou solicitação os RR. abriram uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio?" e a resposta obtida foi simplesmente esta: "Provado apenas e com o esclarecimento de que na fracção existe uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio, porta essa que não estava prevista no projecto do prédio".
Releva decisivamente na solução desta questão o factor tempo.
Concretamente, quando é que foi aberta a porta?
Não sabemos e não sabemos - e isso é que é o ponto decisivo - se foi antes ou depois da constituição da propriedade horizontal.
Se tivesse sido depois, não nos restariam dúvidas da obrigação dos RR. a reporem a situação que existia anteriormente, atenta a natureza real da obrigação que sobre eles impendia.
Mas, face à resposta dada ao aludido quesito 10º, não nos é possível situar no tempo a realização de tal obra, facto que permite considerar a hipótese de a mesma ter sido levada a cabo mesmo antes da constituição da propriedade horizontal, o que afasta liminarmente qualquer responsabilidade dos RR..
Poder-se-ia dizer que as instâncias, malgrado a resposta restritiva dada ao quesito 10º, poderiam presumir que foram os RR. a levar a cabo tal obra.
Não nos compete entrar, hic et nunc, no campo da pura especulação, sendo certo até que ao STJ não compete tirar tais ilações, mas apenas controlar se as mesmas foram tiradas na sequência lógica exigida pelo art. 350º do CC.
Em suma: neste ponto concreto não podem os AA. ver consagrada a tese que avançaram.
3º - Reposição da fachada na sua configuração original.
Foram, sem dúvida, introduzidas alterações na fachada. Com efeito, ficou provado que a mesma apresentava inicialmente "uma estrutura de alumínio onde estavam colocados doze vidros pequenos" e que "os RR. alteraram a montra, colocando uma só superfície vidrada, alterando desta a fachada do prédio dado que todas as outras lojas mantêm a fachada original".
Caídos estamos na previsão na al. a) do nº 2 do art. 1422º do CC - "é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, ..., a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício").
No caso não só a linha arquitectónica do prédio sai prejudicada, como, sobretudo, o seu arranjo estético (vide, sobre estes pontos, Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2ª edição, pág. 105).
Mas, para este caso, a lei dá também uma solução: o nº 3 do mesmo artigo prescreve que "as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio".
Nada há, porém, nos autos que nos permita concluir que os RR. obtiveram tal autorização.
Com todo o devido respeito, entendemos que não se pode argumentar com a insignificância ou "minudência" (será assim?...) da alteração introduzida pelos RR. na sua fachada. Se assim é - quod demonstrandum... - mais uma razão para eles baterem à porta dos condóminos e, em assembleia, obterem a devida autorização.
Demais a mais, a admitir-se e a justificar-se toda a "minudência", acabaria o prédio por, hoje por obra e graça de uns, amanhã por outros, ao fim de algum tempo aparecer aos olhos de toda a gente e sobretudo aos dos outros condóminos, como algo de novo e sem que a maioria qualificada nada pudesse obstar, precisamente por se tratar de umas "minudências".
Não pode ser!
Daí que também a fachada da montra tenha de voltar ao figurino original.
Aqui chegados, importa concluir, dizendo que procede parcialmente tese que os recorrentes trouxeram à nossa consideração.
Para além do decidido nas instâncias, ficam, assim, os RR. condenados a retirarem as ombreiras e padieiras que colocaram e a reporem a montra da fachada na sua configuração original.
IV -
Decisão
Concede-se parcialmente a revista.
Custas no recurso por AA. e RR. na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.
Custas nas instâncias a meias por AA. e RR..
Lisboa, 19 de Dezembro de 2006
Urbano Dias
Paulo Sá
Borges Soeiro